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Introdução ao Direito II
2º semestre
Ano letivo 2020/2021 Madalena Caetano
Introdução ao Direito II
2ª turma
Lição 13
Sumário:
III.
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Dentro da discussão em que tem o direito, por um lado, e a moralidade, por outro, que
hoje tem vindo a alimentar em boa parte a filosofia e a teoria do direito, sobretudo, no mundo
anglo-saxónico, mas não só. Essa é uma perceção que visa distinguir a determinação jurídica da
determinação ético moral e discutir as razões por que os sujeitos se conformarão por uma ou por
outra destas ordens normativas, ou por ambas conjugadamente, na medida em que o conteúdo
destas coincide. (Não vamos estudar estas perceções de positivismos e não positivismos a
propósito da diferenciação entre direito e moral.).
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Vamos encontrar um segundo nível de direitos e princípios fundamentais que nos estados
constitucionais do nosso tempo vemos consagrados nas constituições. De seguida, um terceiro
nível, um nível último de referenciação da validade do direito que é exatamente correspondente
ao conhecimento intersubjetivo da pessoa enquanto sujeito com inigualável dignidade ética,
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exige que o sujeito seja dotado de autonomia e responsabilidade. Uma sem a outra implicaria
que já não estivéssemos perante direito, nesta perspetiva.
Há um referente pressuposto de sentido para lá do anterior que tem que ver com – o
terceiro nível da consciência jurídica geral – a identificação com o horizonte de referência de
validade, isto é, o que é que dá validade ao direito? O que dá validade ao direito (que no nosso
contexto já não é a perspetivação jusnaturalista, nem a redução à legitimação jurídico-política) é
antes, neste ponto de vista, o reconhecimento decisivo e recíproco da pessoa como horizonte
último de fundamentação do direito. O fundamento último do direito é o reconhecimento
axiológico da pessoa. A pessoa não é uma mera entidade antropológica, pois estaríamos a
identificar só um membro da espécie humana. A pessoa é uma verdadeira aquisição axiológica,
que faz com que possamos distinguir: (1) Individuo; (2) sujeito e (3) pessoa.
(1) Individuo como pressuposto autónomo que eventualmente se relaciona com o outro
vinculando-se
(2) Sujeito que é um ator, mas pode não ser livre
(3) Pessoa como sujeito com dignidade ética, autonomia e responsabilidade.
O facto de se considerar pessoa, neste sentido, como uma aquisição axiológica mostra-
nos que estamos a falar de um certo conceito cultural de pessoa. Muitos autores convocam a
pessoa, não necessariamente sempre no mesmo sentido, mas dentro deste enquadramento
cultural. Em termos contemporâneos, temos autores como, por exemplo, John Rawls, embora
numa nota de acentuação mais liberal, mas muito preocupado com a dignidade, ou seja, Rawls
não vê no sujeito de direito só um individuo.
Também, ainda, Ronald Dworkin que propõe a pessoa noutro sentido menos marcado
pela dimensão da construção convencional. É ainda um liberal, mas já com formações numa certa
ideia de comunidade, pois está muito preocupado com a ideia de aperfeiçoamento intersubjetivo
do ser humano.
Esta ideia de pessoa obriga a que têm de estar presentes as caraterísticas de autonomia
e responsabilidade em simultânea. Uma sem a outra implicaria que já não estivéssemos perante
direito. Se estiverem apenas deveres numa ordem, estamos perante uma ordem moral e não uma
ordem jurídica, porque na moral falasse na ideia de direitos prévios à ideia de direito. É preciso
perceber se os direitos morais são jurídicos.
Esta pessoa assim compreendida não vive sozinha, porque não faria sentido falar de
direito se não houvesse, pelo menos, duas pessoas. O direito está aqui a delimitar reciprocamente
a posição de certos sujeitos face a certos objetos. Qualquer um se nós isolado sem necessidade
de limitação provavelmente não necessitaria de direito. Direito surge porque há uma certa partilha
do mundo que é necessário delimitar. Já dissemos que não são todas as partilhas do mundo, ou
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seja, há domínios das nossas vidas em que o direito não interferirá. Mas, tal como diz Castanheira
Neves: “Um mundo é um só e nós somos nele muitos.”, põe a miude o problema da partilha do
mundo. A questão poe-se múltiplas vezes.
É preciso perceber que os problemas que exigem do direito uma resposta são problemas
particulares, específicos e que não admitem permanecer na indefinição. Se A invade a casa de B,
é bem diferente do que ser convidado por B a ir a sua casa. Esta segunda hipótese, na nossa
construção cultural, tem relevância jurídica. a questão está: o tipo de problema e a relação que
estabelece com o sentido do direito que se encontra vigente naquele contexto.
Para percebermos esta relação da pessoa e a coletividade em que se insere, temos que
acrescentar a ideia de comunidade que vai se vai conjugar com sociedade, mas que implica que
nós não vivamos isolados (não somos nómadas) e que nas nossas vidas nos encontremos uns
com os outros. Portanto, nos mais diversos pontos de vistas e não apenas do jurídico, a
comunidade é condição da pessoa.
É, desde logo, condição de existência ou condição vital, ou seja, isto significa que a
nossa subsistência, até do ponto de vista físico e humano, implica uma certa dependência
relativamente aos outros. Mais do que nunca no início, pois os seres humanos à nascença não
têm desenvolvidos instintos e mobilidade suficientes para a sobrevivência.
Para além disso, a comunidade é uma condição ontológica, isto é, o nível de ser que
atingimos enquanto pessoas depende em muito das trocas de sentido, comunicativas do uso da
linguagem que estabelecemos uns com os outros. A ideia de ser, pessoa, passa pela relação com
o outro.
Ver a pessoa na comunidade, neste sentido jurídico, vai levar-nos a pôr questões cruciais.
De facto, mobilizando esta construção de que não vivemos isolados, mas que, simultaneamente,
nos apresentamos como sujeitos com autonomia perante a comunidade, ou seja, não somos
células de uma comunidade sem a qual não nos compreenderíamos enquanto sujeito autónomos.
A comunidade não nos absorve ao ponto de nos reduzir e suprimir à autonomia. O sujeito pessoa
de que estamos a falar vê na comunidade a sua condição vital, empírica e ontológica, mas também
se compreende autonomizando-se. Isto significa que o sujeito confronta a própria comunidade,
não perdendo a sua autonomia e dependendo da comunidade. É parcialmente autónomo e
parcialmente dependente da comunidade.
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Estamos no século XIX, onde pressupomos uma construção comunitária cultural e uma
construção societária jurídico-política, também, cultural. Na relação dialética entre estas duas
relações vamos afirmar a existência de um polo de autonomia para cada sujeito do ponto de vista
jurídico e, depois, de um polo de integração societária e comunitária do ponto de vista jurídico
que gera a ideia de responsabilidade. Se pensarmos no liberalismo e no consequente positivismo,
veremos que o espaço ocupado pela dimensão de suum (da individualidade) será muito mais
amplo do que o da responsabilidade comunitária. Diferentemente nos comunitarismos, onde a
dimensão de individualidade será muito mais restrita do que a dimensão da integração
comunitária.
No polo do suum (na afirmação do “eu” pessoal) temos de ter presente que o direito está
limitado na forma como interfere no “eu” pessoal de cada um, ou seja, há domínios das nossas
vidas, mesmo intersubjetivas, em que nós não admitiríamos que o direito interferisse e em que o
direito não tem interesse em interferir. Portanto, há dimensões em que o direito não toca – temos
aqui uma dimensão axiológico-normativa negativa, isto é, uma espécie de definição de zona de
discrição. De um ponto de vista mais positivo, numa dimensão axiológico-normativa positiva –
temos já uma ideia de convivência, mas que resulta da atuação da autodeterminação de cada
sujeito (princípio pacta sunt servanda). Os sujeitos vinculam-se livremente no exercício da sua
autodeterminação a nível privado. Portanto, permanecemos nesta dimensão da afirmação do “eu”
pessoal.
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não é adstrito a um ramo do direito. É um princípio que perpassa todo o sentido do direito no
seu horizonte de fundamentação.
No que diz respeito ao princípio do mínimo, temos de acentuar que tomando nós a
relação dialética entre autonomia e responsabilidade como o crivo fundamental para delimitar o
que é juridicamente relevante e exigível, reciprocamente, temos que procurar estabelecer a
fronteira dessa exigência e essa fronteira implica um certo conteúdo. O princípio do mínimo o
que nos vai mostrar é: uma tentativa de resposta à pergunta “Qual é o conteúdo do juridicamente
exigível?”. A resposta será no sentido de que o conteúdo do juridicamente exigível será aquele
que for essencial e só esse para garantir a realização da autonomia de um sujeito e da autonomia
dos outros sujeitos, em termos de proporcionalidade societariamente adequada. As limitações ao
exercício da autonomia do sujeito serão aquelas e apenas aquelas que sejam cruciais para o
desenvolvimento da autonomia dos outros sujeitos. Este princípio do mínimo representa uma
limitação às limitações que a responsabilidade nos pudesse impor. O conteúdo da
responsabilidade é aquele e apenas aquele que seja essencial para que o outro possa desenvolver
a sua autonomia e terá uma responsabilidade correspondente àquela que “eu”, enquanto sujeito,
tenho numa relação jurídica. Daqui temos o princípio da proporcionalidade em sentido amplo
que é crucial no direito público e no direito administrativo que se vai referir ao princípio da
exigibilidade da adequação e, depois, da proporcionalidade em sentido estrito. Estas três
vertentes mostram-nos o princípio da proporcionalidade em sentido amplo, isto é, a intervenção
no âmbito público será aquela e estritamente aquela que é essencial para a prossecução dos
legítimos interesses públicos.
Quanto à forma temos o princípio da formalização que significa a tradução num esquema
reconhecível daquele conteúdo exigível. Por exemplo, o princípio da legalidade criminal é uma
manifestação do princípio da formalização, porque o conteúdo daquilo que é juridicamente
exigível do ponto de vista criminal é exatamente aquele que estiver consagrado nas normas
jurídicas que estabelecem crimes e estritamente no modo por que essas se dirijam à realidade.
Do ponto de vista da forma, o princípio da legalidade criminal exige que qualquer ação ou
omissão que deva ser reconhecida como crime deva sê-lo estritamente se e quando haja lei prévia
e certa de que determina essa ação ou omissão como crime. Sem isso não é possível
reconhecermos que uma ação ou omissão é crime.
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protegidos. Logo, todos respondemos perante todos se algum violar esses bens (a ideia da linha
ascendente da ordem jurídica na justiça geral que aqui está crucialmente manifestada).
Podemos pensar, agora, o princípio normativo do direito neste horizonte axiológico para
vermos no direito uma referência axiológica que vai exigir-nos uma relação fundamental entre
justiça e segurança. Só a justiça sem a segurança não nos levará ao direito e só a segurança sem
a justiça igualmente também não. Para nos concentrarmos nas alternativas radicais ao próprio
direito. Podemos ter ordens muito eficazes até eficientes, que garantam uma sociedade pacifica,
porém, não seriam, nesta compreensão, reconhecidas como direito. Portanto, seriam alternativas
radicais ao próprio direito.
O exemplo das ordens de poder como ordens de necessidade ou uma ordem cientifico-
tecnológica (ordem de possibilidade) em que o direito seria tanto melhor quanto melhor se
adaptasse às potencialidades cientifico-tecnológicas. Exemplo: problemas ético-jurídicos postos
pela alteração genética. Por último, uma ordem de poder, de finalidade, mobilizando o direito
como instrumento para um projeto ideológico-político, sem que o direito tivesse a possibilidade
de discutir critico-reflexivamente.
Uma coisa é dizermos que o direito é instrumento ao serviço da sociedade e, como tal,
deve prosseguir os objetivos que a sociedade lhe impõe acriticamente. Outra coisa, bem diferente,
é dizer que o direito tem uma função na sociedade, produz efeitos na sociedade porque é direito,
portanto, em confronto com a sociedade e com essas outras dimensões, dialogando com elas e
partindo da sua própria perspetiva e densidade normativa e axiológica. O direito diálogo com a
política, a tecnologia, a economia, as ciências, a sociologia, a história, a ética, mas continua a ser
direito no diálogo com essas outras dimensões. Conta com elas, assume-as como referentes
cruciais de diálogo, mas há um conteúdo jurídico e uma racionalidade jurídica que exige o
tratamento especificamente jurídico das propostas externas, o que leva a que o direito tenha uma
palavra a dizer de modo diferenciado e critico-reflexivo à realidade. É nesta conjugação dialética
que falamos em autonomia relativa do direito do ponto de vista do seu sentido material.
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Lição 14
Sumário:
1. Modalidade de existência:
a) O modo de existência como vigência;
b) As suas relações com a validade e a eficácia.
2. Modalidades normativas: direito objetivo e direito subjetivo
a) O sentido geral da distinção;
b) As divergências quanto à conceitualização dogmática do direito subjetivo;
c) A problematização da distinção pela consideração do seu relevo numa
perspetiva histórica
d) O problema do sentido normativo-constitutivo da distinção para a
compreensão fundamental do direito;
e) Corolário positivo-normativo da dialética desse sentido da distinção.
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1. Modalidade de existência:
c) O modo de existência como vigência;
d) As suas relações com a validade e a eficácia.
Vamos analisar o modo de ser do direito, ou seja, o que significa dizer que o direito é
positivo, que está aí e que se nos impõe. Que lhe dá força para se nos impor e qual o conteúdo
dessa imposição. Vimos já que o direito não se nos impõe apenas pela sua força vinculativa que
resulta do caráter sancionatório, mas o direito visa ser vigente através do cumprimento
espontâneo das suas prescrições. O que significa que os sujeitos que são, simultaneamente, seus
destinatários, mas são também elementos da comunidade que o constitui se identificam, ainda
que critico-reflexivamente, com o sentido material dessas prescrições. O direito de uma forma
positiva visa inspirar a ação dos sujeitos aos quais se dirige e que estão na sua origem e não,
apenas, impor-se pela força. Embora, a existência da sanção, seja ou não coercitiva, se nos
apresente como o referente limite da diferenciação do direito enquanto ordem normativa.
Se até aqui nos propusemos, primeiro, analisar o direito como fenómeno e, depois,
perguntar pelo seu sentido e partindo dessa primeira análise avançámos da estrutura para o
conteúdo – identificar a insuficiência jurídica e normativa da ordem jurídica. Depois dessa
compreensão do direito como fenómeno, da análise da ordem jurídica enquanto manifestação
objetiva do direito, passámos para a análise do conteúdo do direito. Quando entramos no sistema
jurídico o que dizemos é: o sistema jurídico é a organização interna da ordem jurídica, isto é,
aquilo que externamente vemos como ordem jurídica (estrutura que se nos impõe) é
internamento e, por isso, quanto ao conteúdo, um sistema.
Ainda antes de passarmos para o sistema jurídico, temos de ter presente duas notas
quanto ao modo de ser do direito. Vamos ver o modo de ser do direito enquanto modalidade de
existência e modalidades normativas. Depois, o modo de ser quanto ao sistema. Por fim, o modo
de ser do vir a ser, ou seja, como é que o direito de constitui ou como é que é visto o problema
das fontes do direito.
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O modo de ser específico do direito quanto à sua existência é a vigência que não é senão
outro modo de dizer a positividade jurídica. A positividade é outro modo de dizer vigência. A
vigência do direito é afinal paralela à global vigência da cultura. Assim como a cultura se vai
dialeticamente desenvolvendo, também o direito se vai dialeticamente desenvolvendo,
relacionando com a realidade e os sujeitos nela e, assim, oferecendo respostas distintas consoante
da valoração que faz dessa realidade.
Se para a perspetiva positivista a juridicidade era definida pelo sistema, ou seja, o direito
é que determinava unilateralmente o que é juridicamente relevante ao ponto de o que estivesse
previsto no sistema ser juridicamente relevante e o que não estava previsto não seria
juridicamente relevante. A viragem que a superação do positivismo traz, em boa parte assenta,
que o caso enquanto problema posto ao direito seja um ponto de partida. Aqui temos uma
alteração radical de perspetiva – vamos progressivamente deixando de ver a acentuação da
definição da relevância jurídica do lado do sistema, para passarmos a vê-la a partir do caso-
problema. Isto leva a que a relação dialética que se estabelece entre a realidade e o sistema, no
fundo, se invertam, pois, o ponto de partida deixa de ser o sistema e passa a ser o caso. É o caso
no tipo de problemas que põe que interpela o direito. A relevância jurídica do problema vai
deixando de depender do facto de estar ou não previsto no enunciado literal de uma norma. A
perspetiva jurisprudencialista abraçou esta superação do positivismo, mas nem todas o fizeram.
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As duas dimensões que constituem a vigência (a validade e a eficácia) confluem para que
o direito seja: seja presente como ordem normativa e como ordem normativa eficaz na
comunidade a que se dirige. Significa que a vigência de que estamos a falar implica essas duas
faces em simultânea – a validade (face ideal, axiológica de afirmação normativa de valores
comungados num contexto específico); a eficácia (face empírica ou factual de operatividade
prática e relevância social e sociológica). O direito é um “dever-ser” enquanto ordem de validade
e um “dever-ser” que é e ao qual compete ser. Esta efetivação corresponde à nota da eficácia.
O direito não existe como uma pura idealidade, o direito visa ser efetivo na realidade.
Neste sentido, se considerássemos como dimensão essencial exclusiva ao direito a validade
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teríamos uma ordem normativa ideal a que poderia não corresponder a eficácia. Assim não é,
ainda mais quando, por que sabemos que o direito se distingue de outras ordens normativas
essas sim de manifestação ideal ou, pelo menos, sem a nota da efetividade que o direito visa
atingir sem o qual não é efetivamente direito. As outras ordens normativas são, por exemplo, as
ordens ético-morais na medida em que a afirmação da validade que apresentam não se considera
haver a eficácia do modo societariamente relevante. Dizermos que o direito não é uma mera
ordem ideal e que a relevância da dimensão axiológica de validade é dominante noutras ordens
normativas como sejam a ordem moral, não significa que essas ordens não tenham a sua
efetividade. Porém, essa efetividade não é comparável á efetividade que o direito pretende ter e
daí o caráter sancionatório absolutamente diverso. A consequência do incumprimento de um
critério ético-moral pode ser mais gravosa para quem a sofre do que uma consequência jurídica.
Esta ordem jurídica que o direito pretende alcançar está em constante alteração e
discussão quer do ponto de vista da sua validade, quer do ponto de vista da sua eficácia. Claro
que a confluência de reflexões em torne das prescrições vigentes é fundamental para garantir
quer a validade quer a eficácia do direito.
Isto também nos leva a concluir, por outro lado, que se uma norma for muito eficaz em
virtude de ser muito célere e eficiente, o processo da aplicação das sanções que estabelece não
nos garante que estejamos perante uma norma de direito, isto é, o direito não se carateriza
exclusivamente e não garantido prima facie pela sanção. O objetivo do direito enquanto ordem
conformadora da intersubjetividade societariamente relevante é a de que os sujeitos que se dirige
que, simultaneamente são autores das suas prescrições, se conforme por concordância
substancial com essas prescrições. Neste sentido, temos um direito que será tanto mais válido e
tanto mais eficaz, quanto menos dermos por ele. Isto significa que, se o cumprimento das
prescrições normativas resultantes da reflexão sobre a validade do direito se traduzir em
comportamento espontâneo (numa eficácia que não depende de uma invocação continua das
sanções quando haja incumprimento), então aí teremos um direito vigente no seu sentido pleno,
válido e eficaz, sem necessidade de recurso permanente há sanção. É verdade que a sanção é um
mecanismo fundamental e característico do direito. Porém, não define a natureza do direito, ou
seja, o direito é carateristicamente sancionatório, mas a sua dimensão de ordenação normativa
não depende, do ponto de vista da reflexão sobre os comportamentos e da orientação normativa
para os comportamentos, da sanção. A sanção é um meio ao serviço da efetivação da ordenação
normativa que o direito pretende conferir a uma sociedade.
Com isto, temos uma continua dialética entre a validade e a eficácia, porque a verdade é
que, se o direito tal como a cultura pretende ser vigente (embora em sentidos diferentes) essa
vigência resulta desta constituenda dialética continua entre a dimensão da validade e a dimensão
da eficácia. Isto pode ser mais clarificado convocando a prática se nos recordarmos de que o que
confere sentido e valor às prescrições normativas é a base axiológica em que se fundamentam,
mas ao relacionarem-se com a realidade vamos verificando que aquilo que comprova a validade
do direito e a sua especifica contra factualidade é, por um lado, alguma elasticidade quanto ao
cumprimento e incumprimento das suas prescrições e, consequentemente, a referência à sanção
como meio de efetivação da validade e da eficácia do direito. Por exemplo, nós compreendemos
a essencialidade da proteção da honra, da integridade física, do património, e sabemos que essa
proteção é crucial para a proteção de uma convivência pacifica. Mas também sabemos que o
direito ao definir a licitude admite, necessariamente, a ilicitude e, portanto, nós sabemos a
validade e da manutenção da validade, da honra da vida, da integridade física, do património,
mesmo quando nos confrontamos com crimes de difamação, de homicídio, de ofensa à
integridade física ou de dano.
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O facto de o direito prescrever condutas, não significa que não haja condutas contrárias
ao prescrito ou que não haja condutas que, enquadrando-se dentro do que está prescrito não
correspondem 100% à prescrição. Se o direito estabelece prescrições normativas imperativas,
aquelas que não admitem qualquer estabelecimento diverso das relações intersubjetivas
concretas, também estabelece regras dispositivas (aquelas em que confere o enquadramento
dentro do qual os sujeitos, na disponibilidade dos seus direitos, podem articular em concreto nas
suas relações intersubjetivas, segundo a sua autodeterminação, o conteúdo efetivo que
corresponderá aos direitos e deveres estabelecidos nessas mesmas relações). Exemplo: a lei não
define quais são os objetos de negócio jurídico possíveis, mas define os que não são admissíveis.
Vendo o artigo 280º do Código Civil, como exemplo.
No âmbito dos direitos disponíveis o direito não perde eficácia, porque o que o direito
faz é assegurar-se que certos limites não são ultrapassados. Por exemplo: os sujeitos podem
celebrar livremente negócios jurídicos independentemente de eles estarem ou não tipificados na
lei, isto é, nós temos contratos típicos (compra e venda, arrendamento), mas também podem ser
celebrados contratos atípicos (podem ser atípicos por não estarem mesmo previstos e podem ser
mistos por conjugarem elementos de contratos típicos com elementos externos). Não há perda
de eficácia, porque se os sujeitos são livres, no âmbito da sua autonomia privada, de preverem as
suas relações, o direito só tem a ganhar desse ponto de vista. O direito visa estabelecer as
condições para a convivência pacifica, estruturando as valorações essenciais e conferindo aos
sujeitos a possibilidade de agirem no contexto da sua relação e autonomia e a sua
responsabilidade. O direito não é mais ou menos eficaz. Se estivermos a pensar em normas
imperativas, que são estritas e em que não se admite nenhuma elasticidade, ou em normas
dispositivas. O direito não é menos eficaz se os sujeitos num contrato de arrendamento em vez
de a renda ser paga no domicílio do senhorio seja paga no domicilio do arrendatário.
Não é uma expetativa normativa, porque a expetativa normativa que é contra factual é
uma expetativa de valor, ou seja, agora não é uma questão de verdadeiro ou falso, mas de
validade e invalidade, ou licitude e ilicitude. O direito afirma o valor da vida e esta afirmação não
perde enquanto houver uma confluência de reflexão axiológica face a esse valor pelo facto de
haver crimes de homicídio. Nesse caso a factualidade que contraria a expetativa normativa da
valoração normativa da vida não poe em causa a afirmação da validade da vida. O que é que vai
permitir reafirmar contra factualmente a validade da norma que valora a vida e protege através
do tipo de crime de homicídio no Código Penal? A reafirmação contra fáctica da validade da
norma é a aplicação da sanção. Claro que o reiterado incumprimento de uma norma pode levar
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a que, em termos intersubjetivos, venha a ser posta em causa a sua validade, mas essa é outra
questão. Que também acontece.
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Comecemos por uma abordagem num sentido geral desta distinção, sendo que já
analisámos o direito subjetivo a propósito da superação do positivismo quando falamos da
superação do juridicismo formal do século XIX por uma intenção jurídica material se dá através
da tomada de consciência que é, primeiro, judicialmente traduzida e, de seguida,
dogmaticamente construída e, por último legislativamente consagrada do instituto do abuso do
direito.
Direito objetivo:
Direito subjetivo:
Porém, nós não somos apenas destinatários de direito apenas, nós também
titulamos/somos titulares de direitos de que podemos usufruir e que podemos impor a outra(as)
pessoa(s). Aqui estamos a falar do direito subjetivo, porque se trata do direito visto do ponto de
vista do sujeito como prerrogativa do sujeito. O direito que o sujeito titula, por isso pode dizer-
se que é seu. (ex.: o direito de propriedade, o direito de crédito, o direito pessoalidade, etc.).
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que se assume como seus destinatários. Enquanto o direito de titulado por cada sujeito concedido
por esse direito objetivo é direito subjetivo. Este direito é uma prerrogativa do sujeito.
O direito subjetivo vai ser um poder, uma faculdade, um interesse titulado no sujeito e
que lhe compete como seu. Portanto, implica o poder de uso e de imposição a outra e de
disposição. É uma expressão de autonomia individual, é o direito visto da perspetiva do sujeito
como titularidade e prerrogativa pessoal.
Esta distinção vai implicar que tomemos consciência, do ponto de vista histórico do
surgimento, não apenas do conceito, mas também da designação e da construção teórica, ou
seja, direito objetivo e direito subjetivo. E de perceber se o que está em causa é, sobretudo, a
consideração do direito subjetivo como interesse ou como poder de vontade.
Em termos históricos, podemos dizer que o direito subjetivo começou por não existir, isto
é, o surgimento do direito no contexto do pensamento jurídico romano não fazia autonomização
e diferenciação entre direito objetivo e direito subjetivo. Isto significa que para o pensamento
jurídico romano o direito era uma ordem objetiva que definia o estatuto dos cidadãos e
determinava a sua posição perante os outros e as coisas.
Nós vimos que, no contexto da antiguidade clássica, mas também da Idade Média, que o
ser humano se compreende não como, primeiro, livre e desvinculado e, depois, vinculado, mas
como nascendo já inserido numa comunidade que o agrega e que lhe confere sentido. Esta
pressuposição de uma ordem de sentido integradora gera a ideia de que o sujeito, na relação que
estabelece com o direito, é seu destinatário. Sabemos que o direito, neste contexto inicial (mas
também hoje), confere aos sujeitos estatutos e estes implicam direitos e deveres. É conferido pelo
direito objetivo aos sujeitos. É esse sentido que prevalece no pensamento jurídico romano. Isto é,
não quer dizer que não se conhecesse o fenómeno da titularidade de direitos. Porém, não há a
afirmação da noção da subjetividade antes e independentemente da definição pelo ordenamento
normativo desse status.
Na Idade Média, vamos tendo alguns sinais de autonomização, ainda ténues. Porém, só
na Idade Moderna com a cisão relativamente à inscrição na ordem pressuposta cosmológica é
que se manifesta plenamente a autonomia do ser humano face às quais quer ordens comunitárias.
O individualismo e o contratualismo modernos são a matriz racional e crucial para a construção
teórica da ideia de direito subjetivo. Primeiro, o sujeito nasce livre (primeira manifestação da
titularidade do direito – ser livre de liberdade), que os sujeitos manifestam e, como tal, o
subjetivismo afirmar-se prima facie como constitutiva do ser humano. Esse subjetivismo a impor-
se a qualquer ordem objetiva. Aliás, a ideia de que a ordem objetiva resulta da afirmação da
subjetividade.
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Vamos considerar, no século XIX, as duas linhas preponderantes sobre a teorização sobre
o que seja o direito subjetivo. Uma linha dita “Teoria da vontade”, protagonizado, sobretudo, por
Savigny e a “Teoria do interesse”, protagonizada, sobretudo, por Ihering. Será que o direito
subjetivo é um poder de vontade reconhecido pelo direito objetivo? - Teoria da vontade. Será
que o direito subjetivo é um interesse juridicamente tutelado7protegdo? – Teoria do interesse.
Estas são duas reflexões fundamentais que à ideia de direito subjetivo têm vindo a ser dirigidas.
Por exemplo, o facto de o direito subjetivo ser visto como um interesse juridicamente
protegido poderia levar a uma redução do direito ao interesse e nem sempre o direito subjetivo
se confunde com o interesse que através dele se prossegue. O facto de o direito subjetivo ser um
poder de vontade também reduz as faculdades jurídicas que a ideia de direito subjetivo pode
comportar. Exemplo: o sujeito pode ser titular de um direito, por exemplo, o direito de
propriedade e nem ter vontade de o exercer. São duas coisas diferentes – o gozo de um direito e
o exercício desse direito são coisas distintas. Portanto, o direito subjetivo é mais do que um poder
de vontade e também é mais do que o interesse que através dele se irá prosseguir.
Além de que há interesses que são prosseguidos pelo direito, mas que não se confundem
com direitos subjetivos. Quando dizemos que o direito prossegue como interesse um
determinado programa de ação educacional, esta construção não está compreendida nos direitos
subjetivos que venham nesse contexto a ser exercidos. Enquanto construção dogmática é anterior
e distinta dessa eventual titularidade que possa vir a ser reconhecida posteriormente.
De entre as várias teorias propostas e nas discussões que entre elas se estabelecem nós
encontramos, na proposta da teoria geral da relação jurídica que o Senhor Doutor Manuel de
Andrade nos deixou, uma noção técnica de direito subjetivo que agora congrega alguma
complexidade:
“O direito subjetivo é o poder jurídico reconhecido pela ordem jurídica a uma pessoa de,
livremente exigir ou pretender de outrem, um comportamento positivo (ação) ou um
comportamento negativo (omissão) ou de, por um ato de livre vontade, só de per si ou
integrado por um ato de uma autoridade pública, produzir determinados efeitos jurídicos
que, inevitavelmente, se impõe a outra pessoa (a contraparte ou adversário).”
Esta noção congrega vários sentidos dogmáticos de direito subjetivo. Primeiro que tudo
de que há uma relação dialética entre direito subjetivo e direito objetivo, porque o direito
subjetivo é um poder jurídico reconhecido a uma pessoa pela ordem jurídica. São duas faces do
direito – o direito subjetivo é conferido aos sujeitos pelo direito objetivo. Estamos já num patamar
diferente daquele que o individualismo liberal tinha afirmado. Temos uma solução dualista. Neste
sentido, temos neste contexto, que considerar este poder jurídico – direito subjetivo – como uma
conferência aos sujeitos pelo direito objetivo.
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Ano letivo 2020/2021 Madalena Caetano
que tem valor fundamental nas relações jurídicas, certas prestações que consubstanciam
deveres não são ou já não são exigíveis e nesse caso o sujeito titular de direito já não
pode exigir, pode apenas pretender. O sujeito titular do dever jurídico deixa de estar
juridicamente titulado a cumprir, poderá não cumprir, porque se entende que deixou de
existir exigibilidade. Porém, se cumprir cumpre juridicamente bem e cumpre bem porque
cumpre uma obrigação jurídica.
Exemplo (artigo 304º do CC): imaginemos um dever jurídico que corresponda a
uma obrigação pecuniária que está adstrita a um determinado prazo e que
prescreveu. Uma divida prescrita é considerada como não exigível, porque o
titular de direito subjetivo deixou passar o prazo da exigibilidade. Isso significa
que não poderá já exigir o cumprimento, porém, se o titular do dever de
pagamento entender cumprir, cumpre bem. Entende-se que cumpre um dever
jurídico, embora já não lhe fosse exigível. E, por isso, consequentemente, o titular
do direito subjetivo tem direito a reter a título de solução o montante recebido
e o titular do dever jurídico (devedor) que cumpriu não goza de condição de não
ser devedor, não pode pedir de volta aquilo que entregou cumprindo o seu dever
jurídico, mesmo que ele já não fosse exigível.
Já no que diz respeito à própria natureza da obrigação temos obrigações naturais
(artigo 402º do CC) que não são juridicamente exigíveis. As dividas prescritas
acabam por se incluir nesta dimensão, pois que em virtude da passagem do
tempo deixou de haver um dever estritamente jurídico e judicialmente exigível,
mas a obrigação permanece como obrigação natural fundando-se num dever de
ordem social, mas que corresponde a um dever de justiça.
“…livremente exigir ou pretender de outrem, um comportamento positivo (ação) ou
um comportamento negativo (omissão)…”: há situações em que os sujeitos podem
exigir um comportamento ativo da contraparte e de outras um comportamento negativo.
Exemplos: nos direitos de crédito o comportamento do devedor é fundamental
(a entrega da coisa ou do montante pecuniário). Também, no âmbito do direito
de personalidade (direito à imagem, etc.).
Até aqui temos a noção de direito subjetivo propriamente dito: “o poder jurídico reconhecido
pela ordem jurídica a uma pessoa de, livremente exigir ou pretender de outrem, um
comportamento positivo (ação) ou um comportamento negativo (omissão).”. Daqui em
diante vamos encontra a noção de direito potestativo: “ou de, por um ato de livre vontade, só
de per si ou integrado por um ato de uma autoridade pública, produzir determinados
efeitos jurídicos que, inevitavelmente, se impõe a outra pessoa (a contraparte ou
adversário).”. Isto é, aqueles direitos cujo exercício implica, inevitavelmente, a produção de um
efeito jurídico na esfera jurídica da outra parte.
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Ano letivo 2020/2021 Madalena Caetano
Nos direitos subjetivos propriamente ditos nós temos ainda que distinguir, por um lado,
direitos de crédito (direitos relativos) e direitos absolutos (direitos reais e direitos de
personalidade), por outro lado.
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Lição 15
Sumário:
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24/03
Continuando a analisar o modo de ser do direito, avançando para uma outra perceção do
conteúdo do sentido do direito e que tem que ver com a manifestação substancial, ao nível do
conteúdo, daquilo que analisámos estruturalmente como ordem jurídica. Esta manifestação
fenoménica do direito, perante nós, enquanto conteúdo estamos a considerá-lo da perspetiva da
sua existência, das suas modalidades normativas, do seu conteúdo e a sua origem e processo
constitutivo (as fontes de direito – lição 17). Esta lição analisa o conteúdo o direito enquanto
sistema jurídico.
O ponto em que nos encontramos exige que façamos uma reflexão sintetizando o que
até aqui temos vindo a considerar. Muito brevemente, de forma a contextualizar esta inserção da
reflexão sobre o sistema jurídico.
Se do ponto de vista estrutural o direito vigente se nos apresentou como ordem jurídica,
do ponto de vista substancial, ou seja, quanto ao seu conteúdo, o direito vai apresentar-se-nos
como sistema. Como sistema no sentido de construção unitária e coerente e, assim, estrutural e
substancialmente unitária e coerente do direito vigente. Por outras palavras, o sistema jurídico é
a expressão do conteúdo, daquilo que estrutural e institucionalmente reconhecemos como ordem
jurídica – aquilo que é formalmente ordem jurídica é, de uma ótica material, um sistema.
O que significa a coerência do ponto de vista de um sistema jurídico que se quer fazer
valer pelo sentido material das suas prescrições, mais do que pela organização lógica formal que
entre os seus elementos se estabeleça. O que não significa que não haja uma estruturação lógica,
pois que ela será crucial para que possamos falar de sistema enquanto unidade concatenada de
elementos racionalmente relacionados entre si.
O direito apresenta-se-nos como ordem. É como ordem que se nos dirige, é como ordem
que pretende resolver o problema a que se destina – o problema da regulação da vida
intersubjetiva e, assim, da integração comunitária. Neste sentido, temos no ordenamento jurídico
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Ano letivo 2020/2021 Madalena Caetano
Nem todos os sistemas se apresentam nesse sentido – se, por um lado, a dialética entre
ordem (direito visto na perspetiva institucionalizada de ordem) e problema (a realidade concreta,
onde surgem os casos juridicamente relevantes) sendo o sistema essa articulação racional entre
uma ideia de ordem e uma ideia de problema, vamos ver que há outros tipos de sistema em que
a relação entre ordem e problema não se apresenta do mesmo modo. O Senhor Doutor Pinto
Bronze, neste ponto, apresenta-nos conceções decisionistas e conceções normativistas de
sistema jurídico.
Por outro lado, sabemos que se o sistema garante a articulação entre ordem e problema
(relação entre o direito e a realidade) essa articulação dialética vai projetar-se decisivamente no
modo como o direito é realizado na resolução dos casos concretos. É nesse sentido que o sistema
jurídico assume uma relevância metodológica (metodonomológica) já que à racionalização do
iter constitutivo que visa atingir um objetivo, temos a referência ao “nomos” como a determinação
do sentido do direito como horizonte de referência, e o sentido do direito projetado no sistema
jurídico vigente a assimilar a relevância do contacto intersubjetivo e da determinação da
relevância jurídica dos casos concretos que surgem na realidade prática.
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Ano letivo 2020/2021 Madalena Caetano
Temos vários tipos de modelos de sistema e temos vários critérios que nos permitem
identificar diferentes perspetivas de sistema jurídico. Estamos a guiar-nos pelo modo como o
Senhor Doutor Pinto Bronze nos propõe esta tipologia dos sistemas, mas em alguns pontos não
nos deteremos em pormenorizações.
1) Critério do modelo:
Este tipo de sistema posto assim é correspondente aquele que nos apresentou o
positivismo normativista do século XIX. Como experiência primeira e, sobretudo, na sua expressão
germânica. Se, por um lado, encontramos uma unidade por entidade formal em todos os sistemas
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Ano letivo 2020/2021 Madalena Caetano
que, logicamente concatenados e, por isso, também cabia aqui a construção lógica do
jusracionalismo – a unidade é garantida pela recondução aos princípios de direito natural.
É importante considerar que já não estamos a falar do positivismo do século XIX, agora
estamos a falar de um positivismo do século XX em que permanece a referência ao direito como
exclusivamente o direito positivo – nesse sentido temos um positivismo – sendo que é um
positivismo normativista, porque o direito positivo é composto exclusivamente por normas.
Porém, neste contexto, vamos encontrar as normas em relação com normas organizadas
hierarquicamente.
Isto assim, em patamares sucessivos, até que chegando ao vértice dessa pirâmide,
encontramos a única norma que não é criada, mas sim é pressuposta, norma fundamental –
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Ano letivo 2020/2021 Madalena Caetano
grundnorm. A grundnorm é a única pressuposta como um pressuposto racional à priori, mas que
tem por prescrição a determinação de que a primeira constituição é obrigatória. Isto significa que
no nível hierarquicamente superior da pirâmide, anterior ao vértice, vamos encontrar a
Constituição – como a norma hierarquicamente superior. Abaixo desta vamos encontrar o nível
das normas ordinárias. Abaixo a regulamentação daquele nível ordinário e, abaixo, ainda, teríamos
a consideração das normas individuais que são as decisões construídas para os casos concretos,
ou seja, a própria decisão é vista como uma norma.
Mostra que o positivismo, embora já não com as mesmas vestes, permanece durante o
século XX. Prevalece para cá do século XX, simplesmente vão surgindo novas modalidades. Esta
vertente normativista é uma, muito diferente do positivismo do século XIX, porque ao nível da
decisão judicial vai chegar a conclusões muito diferentes daquelas que nós vimos para o
positivismo, sobretudo, quanto à aplicação lógico-dedutiva. A corrente do positivismo que se vai
desenvolver no século XX e XIX tem que ver já com a recuperação das teorias analíticas da
linguagem e a discussão entre o direito e a moralidade que vai sendo desenvolvida.
Estamos a frisar um autor cujo pensamento se vai desenvolver, sobretudo, nas décadas
de 80 e 90 do século XX, o que acontece é que temos uma reação aos instrumentalismos e
funcionalismos jurídicos que foram, por sua vez, fatores de superação do positivismo do século
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Ano letivo 2020/2021 Madalena Caetano
Luhmann propõe que o sistema jurídico que tinha sido considerado aberto na superação
do positivismo do século XIX, volte a fechar-se sobre si próprio para se proteger, que as
comunicações que lhe advêm do exterior sejam vistas como estímulos, ruido que o internamente
a reorganizar os seus elementos e a reconstituir-se de modo especificamente jurídico, para
responder de modo jurídico aos estímulos externos de outras índoles que os sistemas lhe
apresentam.
Temos aqui uma ideia de purificações do direito – a partir do discurso – entendendo que
(primeira fase) o sistema recebe comunicações do exterior como “inputs”, vai como filtrá-las
internamente e responde-lhes como “outputs” jurídicos (resposta jurídica autónoma da
pergunta). Mas, o autor vai evoluir para o facto de deixar de considerar esta possibilidade de
adaptação por variante do sistema ao meio (ambiente) para passar a considerar que não há
verdadeiramente “inputs”, ou seja, os estímulos não entram, constituem ruido (como que
comunicações que embatessem nas fronteiras externas do sistema obrigando a reestruturar
internamente e a responder juridicamente). É aqui que entra a distinção que já falámos entre
expetativas cognitivas e expetativas normativas, no sentido de que, ao direito cabe a proteção
das expetativas normativas, o que significa que no binómio “direito/contra o direito” o sistema
jurídico vai procurar oferecer respostas de direito.
Se o legislador está na fronteira externa do sistema (o que está mais próximo dos
estímulos-ruido, o que está mais sujeito aos impulsos que advêm do exterior), o juiz ao estar
protegido, está-o sobre a capa do programa condicional “se-então”. Com isso a decisão judicial
volta à aplicação lógico dedutiva e o juiz volta a um juiz descomprometido com o sentido
normativo das suas decisões.
d) Sistema de fundamentação:
Até aqui analisámos sistemas em que temos determinações de sentido único – o direito
é criado no sistema e proteja-te na realidade – estamos a considerar estruturas que são
fundamentalmente formais. O direito racional em virtude na forma e a unidade do sistema
também é, sobretudo, formal. Na alínea d) e e) vamos encontrar sistemas que se legitimam através
da fundamentação material.
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(1) O sistema jurídico seja um sistema aberto, ou seja, não temos uma comunicação só
do sistema para a realidade, mas também, a realidade influi na construção do sentido
normativo do sistema.
(2) O sistema jurídico seja material, isto é, não se cinge a um descomprometimento com
o sentido e intenção material das suas prescrições e da sua realidade. Ao invés, é um
sistema cuja racionalidade e a unidade racional é garantida pela articulação
substancial e intencional entre os elementos. Não é uma articulação hierárquica e de
lógica forma, é uma questão de dialética substancial entre os elementos. É a coerência
material que garante a unidade do sistema jurídico.
(3) O sistema jurídico seja um sistema pluridimensional, porque não é composto
exclusivamente por normas, vamos encontrar outros estratos – diferenciação crucial
entre critérios e fundamentos (encontramos no estrato dos princípios normativos).
(4) Um sistema jurídico que é de reconstrução regressiva e à posteriori. Se até aqui
vimos sistemas definidos à priori – primeiro o sistema, depois a realidade. Agora
temos uma relação dialética continua entre sistema e problema. Deste ponto de vista,
o sistema é à posteriori em sentido kantiano, construído na relação com e pela
influência da experiência. É um sistema de reconstrução regressiva, porque o sistema
se desenvolve na espiral dialética da relação entre a realidade que vai propondo
novidades e o sistema que com elas se confronta e, por isso, é instada a reorganizar-
se, a reconstituir-se, a repensar-se para responder de modo jurídico.
Esta alínea diferencia-se da alínea d), pois neste temos um sistema em que já há
preocupações de coerência material-intencional, há já diferenciação entre critérios e
fundamentos, mas a relação com a realidade dá-se só no sentido do sistema para o problema. Ao
passo que na alínea e) a relação entre o sistema e a realidade se faz, sobretudo, do problema para
o sistema, porque é a realidade que vai interpelar o direito.
25/03
A discrição que apresentamos na aula anterior do critério do modelo quanto aos sistemas
é uma descrição introdutória e, portanto, visou apenas mostrar que temos vários tipos/modelos
de sistema coevos (não há uma substituição de uns pelos outros em termos cronológicos ou de
subida de patamares) que vigoram contemporaneamente.
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direito sempre pretendeu resolver problemas práticos, mas o modo como os encara é que se
altera ao longo da história.
Por outro lado, contraponto esse sistema fechado, temos um sistema jurisprudencialista
como um sistema aberto. A consideração de que a realidade tem uma relevância constitutiva
autónoma, isto é, os problemas que se apresentam ao direito são juridicamente relevantes pelas
suas características. O caso é juridicamente relevante porque o problema que põe é um problema
que exige do direito uma resposta, ou seja, é um dos problemas do tipo daqueles que o direito
pretende resolver, mesmo que não esteja completamente previsto no sistema. É uma
compreensão diferente daquilo que o positivismo tinha admitido.
Por fim, a tal ideia de construção progressiva do sistema tal como está consagrado para
os factos na perspetiva positivista e construção regressiva à posteriori em sentido kantiano
(através da experiência) na perspetiva jurisprudencialista.
2) Critério tipológico:
a) “Sistema regulamentar” e “Sistema axiológico”:
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Os sistemas normativistas são aqueles que traduzem o direito em normas que são pré
escritas e reduzem a análise do direito à correta compreensão da determinação dessas normas.
Os sistemas decisionistas, por sua vez, concentram-se do lado da decisão. Este sufixo de
“ismo” implica uma redução, ou seja, teríamos uma redução do sistema e do direito à decisão. O
sentido que é pretendido com esta distinção é, antes, a de assumir que, enquanto os sistemas
normativistas se concentram na criação e análise de normas e fazem propender o direito na
norma, já o sistema decisionista significa um sistema em que a tónica está colocada na decisão
(não estamos a dizer que tudo se concentra na decisão). Isso é que justifica que possamos falar
de exemplos concentrados na decisão, desde logo, no sistema jurídico de pendor mais doutrinal
em Roma. Depois, mais hermenêutico na Idade Média, mas muito concentrado na decisão.
Mesmo nas esferas de sistemas de common law em que temos sistema a centrar-se na decisão.
3) Critério histórico:
O sistema jurídico tal como vamos agora analisá-lo já constitui uma das propostas de
superação desta redução do direito a norma. É uma de entre várias soluções possíveis e, por isso,
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Ano letivo 2020/2021 Madalena Caetano
cumpre explicar como é que se constitui e porque é que se constitui conforme iremos descrevê-
lo.
O Doutor Pinto Bronze autonomiza o sentido do direito e fá-lo como uma remissão para
a referência à validade com dimensão fundamentante constitutiva do direito, remetendo para a
construção de uma intencionalidade irredutivelmente especificamente da normatividade jurídica
– uma intencionalidade que é originariamente jurídica dada a diferenciação progressiva
historicamente entre a intencionalidade jurídica e as intencionalidades de outras ordens
normativas. Vê essa intenção como deveniente, porque ela não só não é necessária como não é
estática, portanto, é uma intencionalidade constituenda, em continua constituição.
Isso significa que o sentido do direito que está aqui autonomizado como estrato, está-o
enquanto pressuposto axiológica, fundamentante e de racionalidade que perpassa todos os
outros estratos. Na verdade, não faria sentido falar dos outros estratos sem convocar o estrato
do sentido do direito. Digamos que este estrato se assume como um pressuposto e, depois, se
vai derramando pelos estratos que se lhe seguem.
Entre os estratos não se estabelece uma relação hierárquica, mas sim uma relação que
exige a distinção entre fundamentos e critérios. O fundamento assumido como o horizonte de
referência, como base axiológica de fundamentação. Ao passo que o critério é um operador
prático diretamente mobilizável para a resolução de problemas. Os fundamentos não conferem
resposta imediata para a resolução dos problemas, mas sustentam o sentido de solução que os
critérios, enquanto mecanismo imediatamente mobilizáveis para a resolução de problemas, irão
construir. Posto assim, há que distinguir os estratos de fundamentação de estratos de critérios.
Nós vamos encontrar fundamentos neste sistema, mas também vamos encontrar fundamentos
no estrato dos princípios normativos.
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primeira filtragem daquilo que a realidade propõe ao direito. É a grande reflexão sobre o sentido
material filtrado para o direito. Os princípios normativos são os sentidos fundamentantes do
sentido prático, material do direito – horizonte de fundamentação que resulta dessa filtragem do
consenso axiológico da comunidade para o sistema jurídico. Esta filtragem pode ser feita através
do legislador (exemplo: o legislador constituinte que institucionaliza um determinado princípio
como princípio fundamental – princípio da igualdade, por exemplo), mas também podem os
princípios normativos ser criados pela dogmática. Assim como, também, podem ser criados a
partir da jurisprudência. Nota: filtragem é uma determinada valoração ético-moral.
Os princípios normativos também não são, por outro lado, princípios gerais de direito.
Enquanto os princípios normativos de que estamos a falar são referentes axiológicos, materiais
sustentadores/fundamentantes do direito positivo – são fundamentos dos critérios. Os critérios
resultam dos princípios, logo as normas legais são criadas a partir de princípios. Isto significa que
os princípios enquanto fundamento são a base de construção dos critérios, logo, as normas legais
são criadas a partir dos princípios e, por isso, consequentemente os outros estratos do sistema
são criados a partir dos princípios enquanto critérios.
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Ano letivo 2020/2021 Madalena Caetano
agrupar em sentido lógico um conjunto de normas e que podem ser mobilizados em caso de ser
necessário convocar analogia iuris.
Nota: Na perspetiva positivista, se perante um caso omisso (uma lacuna) o facto não previsto na
hipótese de uma norma, não fosse possível proceder á integração através da submissão desse
facto omisso à hipótese de uma norma que previsse o facto análogo, ou seja, quando não fosse
possível a analogia legis, recorrer-se-ia à analogia iuris – a remissão direta, por indução, ao
princípio geral de direito que versasse sobre a área do direito em que se inserisse o facto omisso.
As normas são criadas a partir dos princípios normativos e obedecem-lhes quer na sua
direção, quer na sua interpretação, quer na sua consequente mobilização como critérios para a
resolução de problemas concretos.
Cumpre ainda dizer que os princípios normativos não são normas, desta perspetiva: a
norma tal como o próprio nome indica é não apenas uma ordenação normativa para a ação (é
um operador diretamente realizado para a resolução de casos concretos). O princípio, por seu
turno, não é um operador realizado para a resolução de problemas concretos, mas é sim a
referência axiológica fundamentante em que a norma se inspira e se louva. O princípio
fundamenta a norma e limita-a positiva e negativamente, pois no seu conteúdo encontramos um
acervo axiológico de que a norma é uma seleção, mas essa seleção tem de continuar a obedecer
ao sentido do princípio. O princípio estabelece uma orientação em sentido de delimitação positiva
e negativa (fronteira externa que a norma já não pode transpor sob pena de ser inválida). O que
confere validade a uma norma legal é a adequação do seu sentido material ao princípio ou aos
princípios normativos em que ela se fundamenta. Sem isso não temos uma norma válida.
Isto significa que os princípios normativos não se confundem com as normas legais: os
princípios são fundamentos, enquanto as normas legais são critérios.
Princípios como ratio: serão os princípios que acabamos de identificar como princípios gerais
do direito do positivismo do século XIX, isto é, são emanações racionais que resultam de
abstração generalizante, obtidas a partir das normas, mas que são construções lógicas e não têm
uma densificação material diferente ou mais enriquecedora ou sustentadora da validade das
normas.
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Ano letivo 2020/2021 Madalena Caetano
segurança quanto: à juridicidade do princípio e quanto aos seus contornos (qual o conteúdo e
fronteiras formais da exigência).
Quando o direito aborda o princípio e o filtra toma para si como que esse princípio
assume uma outra figura, isto é, passando a ser construído do ponto de vista jurídico o seu
conteúdo e os seus limites formais passam a ser aqueles que o direito lhe confere. O princípio
normativo como ius quando se forma e quando o pensamento jurídico o cria já o cria jurídico.
Exemplo: o princípio da igualdade pode ter conteúdo e contornos formais distintos do sentido
que podem assimilar noutras ordens normativas práticas (ético-morais, por exemplo). A própria
ideia de justiça implica a pressuposição do sentido do direito na abordagem da valoração. É isso
que faz desses valores princípios normativos, como que se transmutam em princípios jurídicos
como princípios normativos.
Os princípios normativos são princípios que exprimem o sentido de direito e que também,
projetados como princípios vigentes serão princípios do direito. É preciso verificar que o facto de
os princípios normativos poderem ser positivados sob a forma de norma legal, não lhes altera a
sua natureza, permanecem sendo princípios. Daí que tenhamos na nossa Constituição múltiplos
princípios consagrados sob a forma de norma constitucional e continuam a ser princípios (estão
sob a forma de norma). Os princípios são jurídicos, porque são princípios normativos.
07/04
Na última aula o tema que estávamos a considerar era o do sistema jurídico, e tendo
caraterizado este sistema, genericamente, considerando-o como um sistema polarizado numa
unidade normativa de dialética realização à posteriori regressiva, vimos o seu conteúdo e
identificámos sete estratos. Começámos por referir o sentido do direito enquanto a construção
intersubjetiva da normatividade jurídica – a intencionalidade normativa que o sistema jurídica
encerra e transmite. Avançámos para o momento da validade nos princípios normativos.
Os princípios normativos implicam que reconheçamos que não estamos perante nem
princípios de direito natural, nem perante normas legais. A distinção entre fundamentos e critérios
leva-nos a essa conclusão. Os princípios são antes manifestações do sentido material do direito
que não oferecem operadores diretamente mobilizáveis para problemas concretos, ou seja, não
oferecem sentidos de solução em termos imediatos para os problemas práticos. Porém, ainda
assim, não são também de utilização residual ou supletiva (não são convocados apenas se e
quando não haja norma ou outros critérios). Antes estão sempre presentes, quer do ponto de
vista da constituição do direito a partir da compreensão dominante num sistema de legislação
através da lei, mas não apenas da lei, também da constituição do direito feita quer ao nível da
dogmática jurídica, quer ao nível da decisão judicial.
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Significa isto que os princípios normativos que se se nos apresentam como direito fazem-
nos perguntar pela sua juridicidade e pela sua justiciabilidade.
Quanto à juridicidade dos princípios temos de ter em conta quer a origem, quer a sua
densificação normativa – ser um princípio de direito implica desde logo que não estejamos a falar
de meros valores, mas de filtragem para o sistema jurídico do sentido de alguns valores aos quais
vai devida uma compreensão de determinação da intersubjetividade do ponto de vista do direito.
Esta é uma opção histórico-civilizacional que faz com que um mesmo princípio possa não ter o
mesmo conteúdo em todos os locais e em todos os tempos. Ao mesmo tempo que nem todos
os princípios estarão vigentes em todos os ordenamentos jurídicos. Significa isto que para
falarmos da juridicidade dos princípios temos que os ver tanto como princípios de direito, tanto
como princípios do direito.
Com isto se diz que o relevo metodológico dos princípios normativos implica que estejam
sempre presentes no momento da realização judicativa do direito, quer haja, quer não haja critério
suscetível de ser imediatamente mobilizado como modelo de resolução para o problema
concreto. Significa que os princípios normativos enquanto fundamentos são referente essencial
quer tínhamos critérios que diretamente possam mobilizados para resolver o problema concreto
(por exemplo, se o critério for uma norma legal, os princípios são uma referência importante e
fundamental na própria interpretação da norma legal), quer não exista critério pré disponível no
sistema para responder àquele problema concreto - sendo que uma vez comprovada a relevância
jurídica desse problema concreto haverá que constituir um critério para a sua resolução e isso
possa implicar a convocação direta do princípio normativo para essa construção.
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Este critério tem uma relevância crucial na delimitação recíproca da relevância dos
diferentes princípios como no próprio tratamento do problema da fundamentação do direito mais
amplamente.
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Transpositivos: Aqueles que sendo sua concretização se apresentam como pilares fundamentais
de cada área dogmática e, por isso, apresentar-se-ão como condições normativo-transcendentais
do sistema jurídico vigente iluminando cada área dogmática.
São transpositivos, porque estando embora sobretudo nos sistemas constitucionais tais
como o nosso ordenamento jurídico vigente manifesta, se encontrem consagrados em norma
legais e constitucionais, não são fundamentais por estarem consagrados em normas
constitucionais. Desse ponto de vista, significa que ser transpositivo não necessita de estar
positivado para ser juridicamente vigente. Embora no ordenamento em que nos encontramos na
maioria o estejam, sendo uma garantia da efetividade.
Positivos: Princípios que não sendo pilares fundamentais de uma especifica área do direito se
nos apresentam como orientações que implícita ou explicitamente o legislador vai apontando
para assim fixar o sentido por que opta na medida em que outros sentidos seriam possíveis sem
porem em causa a índole da área do direito a que se referem.
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Isto significa que há princípios que o direito vigente consagra de forma explicita ou
implícita – que o sistema jurídico se vê constrangido a objetivar porque outras alternativas seriam
possíveis no enquadramento da mesma área do direito sem que essa área do direito ficasse posta
em causa. Isso não aconteceria com o princípio da legalidade criminal – se este fosse posto em
causa deixaríamos de ter a exigência da previsibilidade da classificação das ações ou omissões
como crime.
08/04
Princípios normativos escritos: aqueles que o legislador entendeu positivar são-no por razões
de certeza e segurança, num sistema de legislação como aquele que nos encontramos os
princípios escritos implica que haja um maior conhecimento e certeza quanto ao seu conteúdo e
delimitação formal.
Há princípios que não se encontram escritos ou ainda não se encontram escritos. É o caso do
princípio da confiança que não está assim definido legislativamente e que o estão numa fase da
sua constituição em que ainda se encontram em constituição, o que significa que são princípios
que se vão propondo a partir das reflexões que se vão fazendo. Exemplo: princípio da tolerância,
princípio do poluidor pagador. Estes princípios de origem dogmática, numa certa fase do seu
desenvolvimento mantêm-se como princípios não escritos. O que conferem normatividade e
positividade jurídico é o facto de serem mobilizados como fundamento para a realização do
direito. Na possibilidade de convocar os princípios para resolução de problemas concretos. Esses
princípios ainda não escritos mostram-se relevantes em qualquer momento do desenvolvimento
do direito.
A abertura pode ter que ver com a fase de desenvolvimento, mas com as possibilidades que
abrem e que podem nem sempre estar consagradas em forma de norma. Os princípios abertos
podem ser ainda assim operadores mobilizáveis para a resolução de um problema concreto no
sentido de orientação fundamentante na resolução desses problemas.
Além desses princípios abertos – que podem ou não estar escritos – temos princípios em forma
de norma. Se o princípio tiver forma de norma em sentido estrito vai assumir-se na prática como
um operador, mas isso não significa que se transformou em norma, isto é, um princípio
consagrado em forma de norma continua a ser um princípio. Exemplo: em primeiro lugar, o
princípio da consensualidade ou da liberdade de forma dos negócios jurídicos – este dá-nos a
resposta à pergunta: “Este negócio jurídico é válido”. Outro exemplo, o artigo 1306º do CC – só
são considerados direitos reais aqueles direitos que tenham essa qualidade positivada. Este
princípio é um dos exemplos de que há princípios que estão consagrados sobre a forma de norma.
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Os princípios normativos têm uma relevância metodológica crucial, são sempre convocados
quer haja quer não haja critério para a resolução de problemas jurídicos concretos. Não são um
recurso supletivo para a realização prática do direito.
As normas legais como operadores práticos para a resolução de problemas, são os critérios.
Nos sistemas de legislação as normas são critérios. As normas legais como critérios – sem
esquecer que não lhes confere um precedência hierárquica dos critérios – as próprias
interpretações das normas são consideradas sempre á luz dos princípios normativos. Na proposta
que estamos a considerar sendo as normas critérios fundamentais elas não operam isoladamente
na resolução de problemas juridicamente relevantes.
Olhando para as normas enquanto momento de objetivação temos uma ligação entre o
sentido do direito e a necessidade de implementação de programas práticas e da realização de
projetos. Olhemos para as normas na sua estrutura lógica. Tem duas dimensões fundamentais:
hipótese e estatuição. A norma enquanto critério que dá norma para a ação juridicamente
relevante, há de apresentar uma hipótese à realidade que se dirige e uma estatuição.
No que diz respeito à sua índole normativa, a norma é um critério geral e abstrato – visa
aplicar-se a todos os sujeitos e estabelece uma tipificação de casos, não trata de casos concretos
no seu enunciado – e por isso é abstrata. Esta sua caraterização mostra-nos que a norma com
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esta sua estrutura formal e no modo porque a identificamos será vista como a premissa lógica
pré-estabelecida, pré positivada para uma eventual posterior aplicação lógico-dedutiva. Neste
sentido, a norma seria como uma definição do direito e como “prius” metodológico (elemento
cristalizado para a aplicação). Pré definição da juridicidade na norma e a necessidade de verificar
se a realidade seria da espécie da norma.
A norma está no sistema antes e independente da sua aplicação aos factos – a norma sai
do sistema, seja lógica e dedutivamente aplicada aos fatos e regressa ao sistema.
γγ) os elementos normativos constitutivos das normas jurídicas legais – elemento racional
ou fundamento e elemento imperativo ou autoritário:
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Ano letivo 2020/2021 Madalena Caetano
Este critério conjuga duas dimensões. A classificação das normas legais quanto à estrutura
faz com que distingamos duas normas – as normas completas: são normas que compreendam
uma hipótese e uma estatuição. As normas incompletas são aquelas que não contêm toda ou
parte da hipótese, e aquelas que contêm toda a ou parte da estatuição.
A norma no seu sentido estrito é uma prescrição para ação que contém uma descrição
da realidade a verificação dessa realidade. As normas autónomas são estruturalmente e
substancialmente autónomas, expressam um conteúdo independente e produzem efeitos só por
si. Uma norma penal incriminadora, por exemplo.
As presunções são uma ilação de uma facto conhecido para retirar a verosimilhança de
um facto desconhecido, do ponto de vista jurídico apresentam-se-nos assim partindo do artigo
do CC. As presunções podem ser legais (feitas pela lei) ou judiciais (feitas no contexto da decisão
judicativa).
As presunções legais podem ser ilidíveis, ou seja, postas em causa e consideradas simples,
admitem prova em contrário. Ao passo que as presunções judiciais são inilidíveis e absolutas.
Neste sentido, consideramos alguns exemplos que nos permitem considerar o que está em causa:
Artigo 1260º do CC – posse de boa-fé. A presunção iuris tantum encontramos no artigo 1260º, n.
º2, do CC. O n.º 3 reflete uma presunção iuris et de jure. Sem a presunção seria muito difícil a
prova. São recursos que o ordenamento jurídico utiliza para efetivar e estabilizar as relações
jurídicos.
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possibilidade de prova e efetivação das relações jurídicas. Na ficção o legislador assume como
existente um facto que não aconteceu. Para poder permitir a efetivação de direitos.
Além das presunções e das ficções, temos as proposições normativas – definições legais:
a definição não dá norma para a ação (artigo 202º do CC – define “as coisas”); classificações
legais: artigo 203º do CC – apresenta a classificação das “coisas” e regras meramente
qualificativas: são normas que assentam na qualificação de certas relações jurídicas – artigo
1722º do CC.
As normas gerais são aquelas que estabelecem um regime regra e se aplicam sempre que
não haja norma especial. As normas especiais são aquelas que não contrariam o regime geral. As
normas excecionais são aquelas que consagram um regime oposto ao regime regra. São
exigências especificas de cada setor.
As normas excecionais serão estabelecidas para situações que o justificam e sempre que
não haja regime excecional aplica-se o regime regra.
14/04
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Ano letivo 2020/2021 Madalena Caetano
A aplicação destas normas não depende da vontade dos sujeitos seus destinatários, ou
seja, esta norma impõe-se independentemente da vontade dos destinatários. Significa que temos
normas cruciais no estabelecimento das exigências que o direito apresenta às relações jurídicas.
As normas permissivas são normas que permitem comportamentos e que admitem que
os sujeitos no âmbito da sua disponibilidade e dentro dos limites definam o conteúdo das suas
relações jurídicas.
4) Quanto à sanção:
Temos várias referências a fazer, desde logo, da história do direito. Quanto à sanção
vamos distinguir as normas em função da sanção que implicam.
4.1. leges plus quam perfectae: são leis a cuja violação correspondem mais do que uma
consequência, ou seja, são aleis que implicam que o sancionamento implica dois tipos de
sanção. Implicam a nulidade do ato se manifesta, o ato que viola a norma é nulo. Por
outro lado, é aplicado uma pena ao infrator. Exemplo: negócios jurídicos contrários à lei
são nulos, se o seu objeto o implicar podem ser classificados como crime. Outro exemplo
são os impedimentos matrimoniais já que o casamento de que é casado é inválido
(anulável), ao mesmo tempo que o infrator decorre num crime de bigamia.
4.2. leges perfectae: só determinam a validade dos atos que a viola. Exemplo: uma
compra e venda de bens imóveis que não cumpre as formas serão nulas por vicio de
forma.
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Ano letivo 2020/2021 Madalena Caetano
4.3. leges minus quam perfectae: a sanção é diversa da invalidade do ato que viola a
norma, mas temos a determinação de que o ato não produz todos os efeitos que através
dele se pretendia produzir. Exemplo: casamento de um menor sem a autorização dos pais
ou do tutor ou sem o suprimento. Por um lado, temos um casamento válido, mas que
não produz todos os efeitos que produziria.
4.4. leges imperfectae: não impõem ao infrator qualquer tipo de sanção. Exemplo:
normas constitucionais programáticas em que não é estabelecida uma sanção. Outro
exemplo são as obrigações naturais. Esta obrigação já não é judicialmente exigível, mas
se o devedor cumprir cumpre bem. Quem cumpre uma obrigação natural não goza da
condição de não ser devedor.
A dimensão vinculativa dos precedentes judiciais não se confunde com a relevância nos
sistemas de common law. Nestes os precedentes judiciais não podem deixar de ser considerados
como os critérios por excelência para a resolução de casos. No sistema de common law os
precedentes podem ser afastados (distinguishe e overruling). Temos a considerar que estas
decisões judiciais se assumem como autênticos critérios que no sistema de legislação se nos
apresentam com relevância metodológica e institucional diversas.
Alguns autores (James Kant, Robert Alexy, etc.) vêm reforçar a relevância metodológica
dos precedentes judiciais no sistema de legislação através de uma presunção de justeza, no
sentido de adequação normativa. Esta presunção de correção traduz-se e presume-se que a
decisão de compõe o critério oferecido pelo precedente judicial que manifesta a justeza no
âmbito do sistema jurídico. A justeza implica uma coerência da decisão judicial com o problema
e o sistema. Esta justeza existe nas duas dimensões com igual relevância. É tão relevante que a
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Ano letivo 2020/2021 Madalena Caetano
decisão seja adequada ao sistema, como ao problema como ponto de partida de convocação do
direito.
Esta presunção de justeza vai implicar, por um lado, um princípio de inércia (as decisões
anteriormente consideradas são adequadas). Mas, não significa que os precedentes não possam
ser afastados para a realização do caso concreto.
15/04
Do ponto de vista interno temos o direito dos juristas (enquanto especialistas que
refletem sobre o direito) a englobar quer a dogmática, quer a jurisprudência. Cabe à dogmática,
descrever e refletir sobre o direito vigente, mas também propor resoluções para problemas novos
que vão surgindo. A dogmática jurídica teve papeis muito diversos. No contexto das fontes a
dogmática surge desde o direito romano. A dogmática teve sempre uma tarefa crucial, mas não
sempre a mesma intencionalidade.
Se a dogmática visou ser ciência, então teve que adotar um método científico positivista.
O que significa que à dogmática cabia conhecer o direito pré dado, ao passo que na escola
histórica do direito, a fonte fundamental não é a lei, tem um papel secundário – o costume. Seja
dado na lei, seja no costume, o direito é para a perspetiva positivista cognoscível. A tarefa da
dogmática é a construtivista perspetivação do direito já pré dado, cabe à dogmática e ainda
construir a partir da coerência entre as normas conceitos – definições de figuras jurídicas obtidas
por indução a partir das normas. Caberia, assim, a essa dogmática positivisticamente
compreendida uma tarefa cognitiva e construtivista. Daqui o dualismo intencional que o
positivismo apresenta.
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A dogmática tanto pode criar critérios que resultem na questão da interpretação, por
exemplo. Assim como também pode criar princípios (por exemplo, o princípio da tolerância). Há
princípios que surgem primeiro na dogmática e, depois, vão sendo projetados para a legislação
e mesmo que não sejam projetados para a legislação eles são ius (direito) por eles próprios.
(1) Função estabilizadora de sentidos – a dogmática fornece sentidos que a prática jurídica
vai assimilando;
(2) Função heurística – a dogmática propõe soluções ex novo;
(3) Função desoneradora – a dogmática ao fornecer acervos de sentido (exemplo: conceito
de boa-fé);
(4) Função técnica – confere aos juristas instrumentos técnicos de fixação de sentido
(5) Função de controlo – vai formando linhas de estrutura de pensamento que vai
dominando a prática.
A existência deste estrato no sistema jurídico mostra uma inovação decisiva entre as
outras compreensões de direito, porque, apesar das preocupações materiais com o sistema à
realidade, não se reconhecem, normativamente, contributos materiais da realidade ao sistema.
Historicamente, a realidade terá nascido primeiro que o direito. Ser direito, no nosso
contexto atual, implica uma fundamentação, uma intencionalidade e uma regulação/ordenação
normativa, fazendo com que, historicamente, haja oscilação na determinação da relevância de
algumas questões juridicamente relevantes (p.e., o adultério já foi considerado um crime no
passado, ao contrário do que é hoje). Assim, há domínios na vida prática que vão ganhando,
perdendo ou alterando a feição da sua relevância jurídica, em função da própria realidade1 e da
valoração sobre a realidade que o direito vai fazendo, de forma dinâmica e em contínua
constituição. A realidade, de facto, tem uma dinâmica normativamente constitutiva indiscutível,
pois é a realidade que interpela o direito – se o direito existisse predefinido num sistema e não
se dirigisse à realidade do modo pelo que ela atualmente se apresenta, de nada servia (“o direito
ou é positivo/vigente ou não é direito”).
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Ano letivo 2020/2021 Madalena Caetano
Então, o direito é uma reflexão crítica sobre a prática no seu tempo próprio e a realidade
é crucial para o desenvolvimento do direito, sendo, por isso, projetada no sistema jurídico como
estrato. De referir que, retomando a expressão tipicamente anglo-saxónica que distingue a law in
books da law in action, concluímos que a realidade implica a law in action de vários modos:
✓ concretização dos mecanismos que o direito disponibiliza aos sujeitos membros de uma
comunidade e que estes irão mobilizar para a composição das suas relações
intersubjetivas e para o exercício da sua autodeterminação
Presunção de eficácia
À realidade vai corresponder uma presunção de eficácia, i.e., se o direito for uma
manifestação ideal sem qualquer ligação efetiva na prática não será uma efetiva regulação para a
vida intersubjetiva. E, como o direito quer ser uma regulação para a vida intersubjetiva, teremos
de encontrar um equilíbrio dialético entre a realidade e o sistema jurídico.
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Depois do que se estudou acerca da vigência e das fontes do direito, soará menos
estranha a afirmação da pluridimensionalidade do sistema jurídico.
- Pluridimensional, composto por várias dimensões (correlacionadas entre si e com a vida prática).
- Material, já que este sistema efetivamente está concentrado no conteúdo que pretende projetar
na realidade, i.e., existe a preocupação em ver no direito não é uma regulação descomprometida
com os fundamentos mas sim uma regulação normativamente constitutiva.
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Ano letivo 2020/2021 Madalena Caetano
Observa-se, assim, como ponto de partida, o tipo de problema que é posto no caso em
interpelação ao direito e a pergunta ao sistema jurídico por um sentido de resposta: o que não
quer dizer que sai uma norma do sistema para responder ao problema, mas sim a convocação de
todo o sistema em todos os seus estratos para se relacionar dialeticamente com o problema
concreto – a questão está em saber se aquele problema é análogo aos problemas a que o sistema
jurídico vigente intenciona dar resposta; se o for, haverá que procurar no sistema os critérios e
fundamentos suscetíveis de sustentar o sentido de orientação da resposta jurídica àquele
problema. O que, por um lado, implica que não se convoquem normas isoladamente, por outro
lado, não vai apenas responsabilizar o jurista pela aplicação lógico-dedutiva (que o restringia e
desonerava) mas também vincular à consideração da norma e de todos os elementos
normativamente relevantes que o sistema jurídico disponha para a resolução daquele tipo de
problema que virá espelhar-se no problema em concreto.
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Lição 16
Sumário:
2. As fontes do direito.
1) O problema e a perspetiva da sua consideração: a superação da (positivística)
perspetiva “político-constitucional” (polarizada ao poder) por uma
compreensão “fenomenológico-normativa” (polarizada na vigência).
21/04
O problema das fontes do direito que apela a uma metáfora atribuída a Cícero implica
que estejamos perante a consideração do modo de constituição do direito, ou seja, estamos a
analisar os modos por que se o direito constitui. Isso significa que o problema será visto de
diferentes perspetivas consoante a compreensão do direito e do pensamento jurídico e as fontes
do direito que estivermos a considerar.
No nosso sistema jurídico vigente e o nosso Código Civil estabelece nos seus primeiros
quatro artigos as fontes do direito tal como o legislador em 1966 as propôs. Temos no artigo 1.º
as fontes imediatas – as leis e as normas corporativas. No artigo 2.º encontramos como epigrafe
“assentos” e apenas a referência de que este artigo foi revogado. No artigo 3.º o valor jurídico
dos “usos”. No artigo 4.º temos o valor da equidade.
Da leitura destes quatro artigos concluímos que a lei tem aqui, numa perspetiva
institucional, uma prevalência como fonte imediata e como condição para a admissibilidade de
outras fontes. Esta é uma proposta que se centra crucialmente na lei como fonte fundamental.
No sistema de legislação como o nosso a normatividade jurídica se objetiva sobretudo na
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legislação. Porém, não significa que a lei seja a fonte exclusiva. Estes quatro artigos já são eles
próprio resultado do processo constitutivo do direito – apresentam-se como direito positivo.
É claro que a normatividade jurídica se manifesta através da lei, mas essa não tem que ser
a sua única referência constitutiva. O que se trata de saber é como advém a juridicidade ao sistema
– o que é que faz do direito vigente, direito vigente. Vamos reconhecer que a criação do direito
é um processo com vários passos constitutivos e que resultará, consoante as instâncias
constitutivas, em diferentes experiências jurídicas constituintes – legislativa, consuetudinária e
jurisdicional.
Estamos a considerar uma perspetiva em que o direito vem à nossa presença como um
constituendo cuja vigência se irá concentrar na relação validade e eficácia – perspetiva
fenomenológico-normativa. Como é que o direito se nos apresenta como fenómeno. Neste
contexto vamos distinguir nas diferentes experiências jurídicas constituintes as três diferentes
fontes constitutivas do direito:
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Enquanto num sistema de legislação a decisão judicial será feita sempre tendo em conta
a referência legislativa e numa compreensão mais formalística e positivística primordialmente e
até unicamente a referência legislativa, na construção dos sistemas de common law a primeira
referência, mesmo que haja lei, será um precedente judicial em que essa lei tenha sido convocada
para orientação para a resolução.
A perspetiva positivista que o século XIX nos ofereceu assumiu que a decisão judicial não
tinha qualquer relevância constitutiva do direito. Neste sentido, a aplicação lógico-dedutiva seria
uma mera declaração em concreto do direito constituído em geral em abstrato. Por isso, a
realidade estaria fora do sistema jurídico e a própria decisão judicial seria considerada fora do
sistema jurídico.
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português. Este tipo de experiência jurisdicional que se concentra no juízo decisório – estamos a
considerar o momento da constituição em concreto do sentido que o direito estabelece no
diálogo que vai fazendo com a prática – assume uma índole prudencial, porque o que está em
causa é um juízo (enquanto ponderação prática sustentada numa fundamentação material e num
discurso estruturado argumentativamente) de articulação entre a relevância especifica que o
problema concreto apresenta, enquanto intencionalidade problemática, e a relevância normativa
que o sistema jurídico confere aquele tipo de manifestação problemática.
22/04
Vamos olhar para o modo como o pensamento jurídico que vai culminar no CC de 1966
abordou a temática das fontes. Leva-nos aos primeiros quatro artigos do CC.
De facto, a designação assento tem origem histórica remota em que podemos reconhecer
os “Assentos da Casa da Suplicação” que eram mecanismos de esclarecimento de dúvidas quando
a interpretação da lei e tinham como que força legislativa. Dizem respeito à necessidade de
institucionalizar o esclarecimento de dúvidas que anteriormente estaria submetido ao monarca.
Os assentos são confirmados pela Lei da Boa Razão. Quando foi instituído o Supremo Tribunal de
Justiça não se estabeleceu a designação de “assento”. Esta situação pressupõe problemas, mas
este instituto permanece no ordenamento português até 1966, no Código Civil.
Neste âmbito concreto o que era o assento. O assento era uma prescrição que o STJ
funcionado reunir em pleno imitia para resolver um problema da jurisprudência. O assento era o
resultado de o recurso específico quando houvesse contradição de julgado no âmbito da mesma
legislação e sobre a mesma questão de direito e resultaria em o STJ reunido em pleno tirar um
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assento. Em termos mais explícitos, o assento era uma decisão judicial que procurava responder
a um problema concreto. Nesse sentido tínhamos uma decisão judicial com força reforçada em
que era resolvida a questão.
Atualmente, temos nos artigos 688º e seguintes do CPC o regime dos recursos para
uniformização da jurisprudência. Regressa, mas não com a força de assento. Os assentos tais
como estavam estabelecidos no CC de 1966 foram revogados.
Podemos ainda ver que há outras fontes referidas. Avançamos para o artigo 3º do CC que
nos fala dos usos. O uso que é uma prática reiterada, o ordenamento jurídico não poe de parte
os usos. São relevantes mesmo ao nível do direito internacional e até no próprio ordenamento
jurídico interno, desde logo, no CC. Encontramos, por exemplo, no contrato de locação. De facto,
é conferida a possibilidade de revelar aquilo que os usos determinam para a determinação do
local do pagamento da renda (artigo 1039º/1 do CC). Mostra a relevância dos usos.
4) “Tópicos para uma (reconstituída) teoria das fontes do direito” (consoante com
o pré-determinado sentido do direito)
α) A perspetiva
Não estamos a consideração fundamental o que a história nos traz, mas precisamos de
compreender o que está em causa nesta teoria das fontes do direito sobre o que está em causa
quando se fala em construção do direito vigente. Se nos propusermos refletir sobre esta teoria
das fontes (pressupondo o sentido do direito que determina essa compreensão) teremos que ver
que:
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Este momento material diz respeito à matéria-prima do direito que é realidade social.
Nem todos os domínios das nossas vidas, subjetivas e intersubjetivas, são juridicamente
relevantes. Há domínios em que não admitiríamos que o direito interviesse e há domínios em que
o direito não tenciona intervir.
É crucial porque o corpus iuris não se constitui abstrato, o direito vigente é constituído
para uma determinada comunidade histórico-concreta e por ela. É uma conquista civilizacional,
não reduz o direito nem há dimensão comunitária e societária. Acentua que o direito seja criado
pelo membros da comunidade concreta, como projeto de realização cujos conteúdos se
retroprojetam-se sobre a comunidade que lhe deu origem. Só neste sentido é que
compreendemos que a vinculatividade jurídica não é externa à comunidade jurídica, é antes
aquilo que goza do consenso qualitativo sobre a existência de conteúdos que, fazendo parte de
uma construção de uma comunidade de direito, são vinculantes para essa comunidade – auto-
transcendência axiológica.
Neste sentido, se compreende que já não temos uma referência ao direito natural, implica
o diálogo com a realidade jurídica. O direito é uma das dimensões da vida, uma dignidade que
herdamos historicamente, desembocam na compreensão da pessoa jurídica.
Só vamos ter direito constituído quando a dialética que constitui aqueles dois momentos
se projetar numa instituição em que a comunidade em concreto considera legitimada. Pode
gerar-se costume, legislação ou jurisprudência judicial. Como é que sabemos? Através da
institucionalização que se gera. A instituição gera um reconhecimento na comunidade concreto
que uma prática reiterada é juridicamente obrigatória – gera costume. O costume pode
manifestar-se de acordo com a lei, pode ser um costume contra a lei e pode ser um costume que
vigora em matéria que a lei não toca. Há certas comunidades que escapam até às fronteiras
nacionais, há aldeias que se dividem em Portugal e Espanha.
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28/04
A ordem jurídica se nos apresentar nos sistemas de legislação como constituída por lei,
sobretudo. A lei é o modo constituinte polarizador, não significa monopolizador. Se a lei tem um
conjunto de características e vai ligada a um conjunto de referências sociopolíticas que lhe
concede o papel essencial, ao mesmo tempo não significa que não haja outras fontes de direito.
As razões por que a lei nos apresenta como uma fonte essencial são razões de ordem
política, sociológica e funcional. Quanto às razões de ordem política podemos recordar as já
conhecidas, as consequências da consagração do princípio da separação de poderes e do
princípio da legitimação democrática, que irá reconduzir-se a reserva de lei, por exemplo.
A instituição que a lei garante permite que num certo tempo e num certo espaço permita
uma cristalização das valorações, que integra os sujeitos estabelecendo alguma previsibilidade
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Tudo isto nos mostra a relevância que a lei assume como fonte de direito. reconhecendo
esse acervo fundamental há que reconhecer também que estes fatores que conferem à lei a
relevância também vai implicar que reconheçamos que a lei não pode tudo, isto é, há também
limites aos mais diversos níveis às possibilidade de construção do direito através da lei. São
provenientes de fatores políticos, sociológicos e funcionais. Sabemos, do ponto de vista político,
há domínios em que a prática e a realidade continua a mostrar que o direito possa constituir-se
de modos outros. A lei é indubitavelmente o modo de construção do direito que polariza a
experiência constituinte do nosso tempo, no entanto, não significa que não haja a existência de
outras fontes.
Há outras fontes o que nos leva a reconhecer que a lei apresenta limites funcionais e,
depis, limites normativos. os limites funcionais apresentam-se-nos num limite negativo de tudo
o que só a lei deve ser chamada a fazer no âmbito de um estado direito como o nosso. Advém
de razões sociológicas, políticas e funcionais. Há uma delimitação em que estas razões
determinam que seja a lei a constitui direito, mas há fora delas áreas/temáticas em que resta
espaço para construção de direito por outras fontes.
Para lá destes limites funcionais temos os limites normativos. estes são os limites a que
a lei por ser lei apresenta. São intrínsecos ao sentido e à estrutura que as normas legais
apresentam e devem apresentar. Estes limites apresentam-se-nos em diferentes sentidos, ou seja,
há diferentes tipos de limites normativos da legislação. Temos de identificar limites normativos
objetivos, intencionais, temporais e de validade.
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Cumpre dizer que, assim sendo, o limites objetivo não se reduz ao problema das lacunas.
Mostram todas a situações que a problema se apresenta como juridicamente relevante. Mesmo
que o sistema jurídico não encerre o sentido de orientação da resolução do problema concreto.
Significa que este percurso entre a distância é ela própria constitutiva. Esta distância
intencional corporiza os limites intencionais da legislação.
Influencia do tempo nas normas legais ao ponto de lhe constituírem um limite. As normas
são abstratas e como tal tendem a ser intemporais e vigorar de modo indeferido no tempo até
que, se tal suceder, outra norma venha pôr em causa essa vigência. De um ponto de vista formal,
há critérios secundários sobre a entrada em vigor a cessação da vigência das normas legais. Pode
suceder que uma norma esteja em vigor, mas que ao relacionar-se com a realidade e com o seu
horizonte de fundamentação fique limitada. No momento da mobilização norma para a resolução
de problemas concretos constatar que a norma está temporalmente limitada. nos limites
normativos temporais essa limitação que decorre da passagem do tempo refere-se a normas que
estão formalmente em vigor.
Temos normas que estão formalmente em vigor, que são gerais e abstratas e, por isso,
universais e intemporais, mas que estão sujeitos à erosão do tempo, no momento em que elas
são convocadas para resolver problemas concretos. A norma vai estando em vigor confrontar-se
com limitações do ponto de vista temporal.
Podemos ter situações em que a norma está formalmente em vigor +e convocada para a
resolução de problemas concretos e no momento da analisa comparativa entre as
intencionalidades se vem a concluir que o problema na realidade não se apresenta já pelo modo
por que a norma legal intenciona aquele tipo de problemas. Temos uma situação em que a norma
legal não eficaz, foi perdendo ao longo do tempo a sua eficácia, porque a realidade deixou de a
convocar ou porque a realidade já não se apresentar do modo por que a norma a apresentava.
Nestas situações diz-se que essa norma é obsoleta.
A limitação normativa temporal pode resultar, por outro lado, da perda da validade. Uma
norma legal que no momento em que foi constituída era a concretização normativamente
adequada dos princípios normativos em que se fundamentava, pode ver por força da passagem
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29/04
Não há qualquer repetição nesta classificação, já que a norma legal que sofrer deste limite
de validade não está em consonância intencional com o sentido normativo dos princípios a que
deveria ir referida, desde o momento em que entrou em vigor. Se isto acontecer as normas
deverão ser consideradas inválidas e desclassificadas como leis já não integrantes.
Estas limitações têm do ponto de vista metodológico outras implicações. Para além do
problema da norma obsoleta, do ponto de vista dos limites normativos temporais do lado da
perda de validade vamos encontrar outros problemas. Do ponto de vista metodológico é
relevante convocar desde já.
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contradição com os princípios normativos teremos de reconhecer que essa norma se está
disforme e terá de ser superada – superação conforme aos princípios e então afasta-se a norma.
Se a contrariedade existir ab initio não falaremos de superação, mas de preterição conforme aos
princípios.
Isto significa que se o problemas das fontes é um problema que sendo incito à
normatividade do direito vigente é um problema pressuposto é, desde logo, um problema
teórico, ou seja, diz respeito à determinação critico reflexiva. O problema das fontes é também
um problema prático. É hoje impensável para um jurista prática a identificação do direito à lei. A
dialética que entretece o momento material e o momento da validade vai projetar-se no
momento constituinte e, assim, constitui direito vigente.
Não é indiferente pressupor que as fontes do direito são os modos constitutivos que
designam os processos de constituição do modo como o direito está em vigor, e não assumir
como problema acabado.
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Lição 17
Sumário:
II Parte:
A realidade interpela o sistema e por via do sentido normativo que o sistema jurídico vai
concretizante. A metodonomologia é a prática racionalizada judicativa do direito. Estamos a tratar
do sentido da construção da projeção prática do direito. esta projeção é normativamente
constitutiva, o momento da decisão judicativa é constitutivo do direito, daí que perca o sentido –
a cisão entre o direito e a sua dita aplicação. Ao estudarmos esta introdução estamos a analisar a
construção racional da decisão judicativa.
Entramos numa reflexão que vai levar-nos pelas lições 17º, 18º e 19º e 20º.
Verdadeiramente, ao analisarmos de um ponto de vista histórico as escolas metodológicas que
se destacaram vamos retomar grande parte das características do nosso antecessor. Cumpre
perceber do que se trata quando se fala desta racionalidade jurídica. ao analisarmos esta evolução
vamos sempre ter presente quer o tipo de racionalidade quer a compreensão da interpretação.
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Ano letivo 2020/2021 Madalena Caetano
Com a Idade Moderna a racionalidade é cada vez mais uma racionalidade que se vai
progressivamente tronando teorética e não já prático-argumentativa. Esta ideia de que pensar é
conhecer vai deixar de ser considerada, para assumir como ponto de partida do conhecimento
de um objeto a partir do qual se constroem teorias sobre esse objeto. E esta construção que
dominar o pensamento jurídico do século XIX. Isto é, se o direito é uma ordem regulativa da
prática assumida em diversos sentidos, o sentido do pensamento que lhe corresponde foi,
todavia, sempre muito diverso e assume, ainda assim, hoje, múltiplas orientações. Pensar é
conhecer o direito pré-dado como objeto. Temos a aplicação do método científico ao
pensamento jurídico. Significa que as escolas teoréticas são as escolas positivistas, quer os
positivismos exegéticos quer os positivismos dogmáticos. Nos primeiros temos o positivismo
exegético francês e nos segundos o positivismo dogmático alemão.
Significa que cumpre tomar consciência daquilo que são os momentos e do papel que
desempenham nas propostas. Esta fixação do método jurídico positivo nos momentos implica
que tenhamos que reconhecer que o direito é constituído antes e independentemente à realidade
a que se vai aplicar, ou seja, ao criar normas legais a entidade legitimada estamos a verificar uma
construção que é logicamente prévia ao momento da interpretação, ao momento da
conceitualização e também ao momento da aplicação. O direito é no sistema, é interpretado,
conceitualizado e num momento posterior poderá relacionar-se com a realidade. A norma sai do
sistema é aplicável logico-dedutivamente aos fatos e regressa incólume ao sistema jurídico. Com
isto o sistema permanece fechado – isto do ponto de vista da perspetiva positivista.
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05/05
» Escola da Exegese:
O CC de 1804 foi publicado nesse ano como o Código Civil dos Franceses. Em 1807, passa
a assumir a designação de “Código de Napoleão”. O problema que se nos apresenta é o de
primeiro reconhecermos que temos aí a fonte fundamental do direito na lei. Isso acontece no
direito civil como paradigma do direito privado e ao mesmo tempo como paradigma da
codificação. É certo que a Constituição francesa era já anterior, mas a verdade é que este culto da
lei posto assim e pensado a partir desta unificação do direito privado – a consideração de atingir
uma construção histórica e praticamente crucial para a unidade do sistema jurídico é que dá força
fundamental ao CC de 1804.
Nesta escola o direito identifica-se com a lei, é esta lei criada que resulta da
institucionalização da separação de poderes no estado demoliberal que vai concentrar-se numa
referência constitucional e que, depois, nos diferentes ramos do direito, vai propor construções
codificadas. Este movimento codificatório que culmina no CC francês e que vai influenciar todas
as codificações contemporâneas é crucial para que se compreenda o modo como o direito vai
aqui proposto, pensado e aplicado na prática.
Se o Direito se identifica com a lei quase que na contra face desta moeda temos a lei
como a única fonte do direito. Tudo o que é criado sob a forma de lei legitimado enquanto tal
será direito e, portanto, o direito é exclusivamente criado sob a forma de lei.
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Ano letivo 2020/2021 Madalena Caetano
correspondência literal. Esta aglutinação do direito pelo código implica que se concentre na
relevância determinante da letra o sentido da consideração da relevância jurídica.
Logo na abertura do Código Civil, no âmbito do projeto, havia um artigo 9º que permitia
o recurso à equidade no sentido de uma recuperação do direito natural que desapareceu na final.
Mas, permaneceu um outro artigo dessa dimensão preliminar que é o artigo 4º - proíbe a
denegação de justiça: “o juiz que recuse julgar sob pretexto do silêncio, da obscuridade ou da
insuficiência da lei poderá ser perseguido como culpado de negação de justiça”. Significa que,
por um lado, os juízes seriam obrigados a julgar e, por outro, seriam obrigados a julgar com os
critérios constantes no código.
Entretanto, uma vez entrando em vigor, o que acontece é que os exegetas do Código se
viram obrigados a considerar exclusivamente as respostas contidas no código ao mesmo tempo
que não poderia considerar que o juiz poderia optar pela ausência de resposta clara para o
problema concreto. Perante isso várias possibilidades se puseram.
Isto significa que, por um lado, a resposta está no Código e, por outro lado, esta resposta
terá que estar no código, porque para a Escola da Exegese não seria possível mobilizar elementos
externos ao código. O que significa que se põe de parte a auto integração de lacunas, restam os
mecanismos de auto integração que são a analogia legis – através de uma lei – e a analogia iuris
– através do recurso aos princípios gerais de direito.
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Ano letivo 2020/2021 Madalena Caetano
Nas diferentes fases da Escola da Exegese as coisas irão passar de modos muito diversos.
Nos primeiros 30 anos do século XIX à fase de instalação, algumas referências ao direito natural,
ainda uma certa hesitação quanto a convocar ou não convocar a ideia de direito natural, como
interpretar o artigo 4.º. Mas, na fase de apogeu, entre 1830 e 1880 as coisas tornam-se mais claras
e mais intensas, no sentido de que a determinação da vontade do legislador expressa no texto da
lei é crucial para a construção da escola.
O grande objetivo que a escola visa é fazer perdurar no tempo o sentido político e jurídico
que o código comporta. Irá tentar construir-se, abraçando este subjetivismo, um conjunto de
sentidos interpretativos que sejam manifestação dessa manutenção do ideário inicial. A
purificação da construção formal da teoria da interpretação vai chegar a pontos como: procurar
não apenas a vontade real, mas também a vontade hipotética do legislador que permitia à ciência
do direito muito mais do que aquilo que seria à partida de esperar. De facto, a Escola da Exegese
foi mais produtiva do que aquilo que numa análise muito breve poderíamos concluir.
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Ano letivo 2020/2021 Madalena Caetano
A polémica é acesa e reportada ocorreu entre Savigny e Tibbo a propósito da viabilidade política
e científica da codificação do direito civil na Alemanha.
Do ponto de vista político, a Alemanha não é, até à década de 70 do século XIX, um país
unificado como o foi depois. Assim, não havia do ponto de vista político uma coesão considerada
suficiente para que houvesse uma codificação. Mas, sobretudo, do ponto de vista científico, tendo
em conta que esta proposta de que o direito é uma manifestação da construção histórica de um
povo assumiu uma relevância crucial na oposição à construção de direito legislado.
Cumpre reconhecer que, por exemplo, para Savigny o que está em causa na constituição
do direito e, por isso, aquilo que vai traduzir-se por instituto jurídico não é o resultado da
produção legislativa, mas o conjunto de práticas que correspondem à constituição do direito
nessa fonte. Por outras palavras… enquanto a Escola da Exegese (proposta que herdámos) vê
um instituto como o conjunto dos preceitos jurídicos que regulam uma certa figura jurídica (o
instituto do contrato, o instituto da propriedade, o instituto do casamento, etc.), para Savigny um
instituto não é um conjunto de normas legais e preceitos jurídicos é sim um conjunto de práticas.
Isto significa que é a construção orgânica de uma figura jurídica composta pelas práticas que
efetivamente as consubstancializam (por exemplo, o instituto do casamento não é aquele que
regula as normas legais do casamento, é o conjunto das relações que se estabelecem entre os
cônjuges – independentemente da existência de uma lei que pré-defina essa figura).
Em Savigny encontramos duas grandes fases. Embora seja partidário desta compreensão
orgânica e histórica da construção do direito, Savigny é ao mesmo, logo no início do século XIX,
que fará a análise e a sistematização do objeto e dos elementos da interpretação que a perspetiva
hermenêutico-cognitiva consagrada (teoria que domina o século XIX e que perdurou para o
século XX e XXI).
Esta compreensão global do texto implica que não estejamos apenas a considerar a sua
letra. Na Escola da Exegese isto também acontece, por razões diversas na origem e de
aproximação entre os dois métodos de interpretação. É uma compreensão global do texto e
constitutiva do texto, isto é, a fonte do direito (a lei) não é sem o seu texto – o texto é constitutivo
da lei – o que vai corroborar a afirmação de que: para que uma determinada realidade seja
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Ano letivo 2020/2021 Madalena Caetano
06/05
O pressuposto constitutivo do direito, tanto para a Escola da Exegese como para a Escola
Histórica e para a Jurisprudência dos conceitos, é a norma. Para a Escola da Exegese é a norma
legal. Para a Escola Histórica e consequentemente para a jurisprudência dos conceitos tanto
podemos ter como base a norma legal como podemos ter diretamente a base consuetudinária –
quer uma quer outra serão traduzidas em preposições normativas pela ciência do direito e essas
serão o objeto do conhecimento jurídico.
Significa isto que, se para a Escola da Exegese o direito é um dado cognoscível - dado
legal, para a Escola Histórica e para a Jurisprudência dos conceitos o direito é um dado
cognoscível – dado material histórico – tanto pode ser conferido pela lei quanto pelo costume.
Originariamente sê-lo-á, na construção da teoria das fontes que Savigny propõe quando assume
essa predominância, pelo costume.
Assim, o elemento constitutivo do direito, quer para a Escola da Exegese quer para o
positivismo dogmático alemão, a norma. É das normas que se criam e resultam os princípio gerais
de direito. Os princípios gerais de direito do positivismo são abstrações generalizantes obtidas a
partir de normas, logo como que normas mais gerais e mais abstratas. A matéria-prima
constitutiva do direito está concentrada nas normas, é das normas que resultam os princípios
gerais do direito, por abstração generalizante.
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Ano letivo 2020/2021 Madalena Caetano
Isto significa que o sistema sendo composto por normas (sistema fechado), das normas
são criados princípios gerais de direito (na jurisprudência dos conceitos são criados, também,
cruciais conceitos. A jurisprudência dos conceitos vai concentrar-se na dimensão científica como
construção conceitual). Com isto temos a perspetiva do sistema jurídico e da sua relação com a
realidade. Se era assim na Escola da Exegese, também o era assim na Escola Alemã.
Com isto cumpre dizer que a interpretação sendo uma tarefa crucial pode ser levada a
cabo pela dogmática (pensamento jurídico em geral) como pela jurisprudência (ou seja, pelo
próprio juiz) o que significa que não poderá dizer-se que o juiz não interpreta. O que acontece é
que a interpretação é uma operação que tem lugar antes e independentemente da mobilização
da norma como premissa para a dedução. Mesmo que seja o juiz a fazê-lo, quando interpreta fá-
lo de modo autónomo relativamente à realidade. O sentido científico fixado há de ser o único
verdadeiro sentido com que a norma deve vigorar, e ser mobilizada como premissa para as
deduções que vierem a ocorrer.
Irá ter consequência na entrada em vigor do Código Civil Alemão, com entrada em vigor
em 1900.
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Com isto, verificamos que com a dimensão histórica vai concorrer uma dimensão
“sistemático-filosófica” – uma dimensão científica. Isto não é contingente, é uma convicção de
que com a dimensão histórica deve concorrer uma dimensão sistemático-filosófica para a Escola
Histórica do Direito.
A tarefa científica dogmática jurídica vai implicar, por influência de Kant, a construção de
um sistema. Do ponto de vista da construção, quer-se privilegiar a construção histórica, mas do
ponto de vista sistemático-científico já se visa a construção de um sistema que não pretende ser
contingente histórico, mas pretende formal sentidos universais com estruturas invariantes. O
dado material histórico que é objeto de conhecimento é conhecido pelo pensamento jurídico
como ciência e a partir desse dado material histórico afastando-se do seu caráter empírico vai a
ciência do direito construir sobre esse dado material histórico, mas já depurando-se da sua
contingência, enunciados de verdade.
É com esta nota que se vai dar a passagem da Escola Histórica alemã para a Jurisprudência
dos conceitos. A dimensão sistemático-filosófica vai vencer a dimensão histórica. O autor de
transição, Puchta, vai procurar construir já conceitos gerais e abstratos formais, a partir de um
dado material histórico, mas separados dele. Depois, será desenvolvido por Ihering. Vamos
encontrar mais desenvolvida a construção teorética dos conceitos.
A jurisprudência dos conceitos vai alhear-se ainda mais da referência ao dado material
histórico que serve de origem à construção do sistema jurídico para afirmar a prevalência da
construção científica. O grande objetivo é a dedução de princípios jurídicos a partir do dado
material histórico e com esses princípios a construção de conceitos. Aqui temos o núcleo
fundamental da temática da jurisprudência dos conceitos.
O que está aqui pensado e que é fundamental para a constituição do direito que iremos
analisar é o facto de considerarmos que se o direito tinha essa origem histórica e apesar disso,
apresenta-se ainda assim como uma referência material e consequentemente será enquanto
direito pré-dado elaborado cientificamente ao ponto de se gerar um direito científico. Esse direito
vai assumir decisivamente a sua cientificidade e o rigor exigido ao pensamento jurídico neste
contexto.
▪ Puchta:
Temos aqui duas propostas fundamentais a considerar. Puchta vai falar-nos numa
pirâmide conceitual que é constituída através de uma genealogia dos conceitos. Puchta é um
neo-kantiano e, por isso, vai pressupor que o sentido do direito é uma forma pura à priori que
orienta racionalmente toda a construção do sistema jurídico. Vai propor que, partindo do tal dado
material histórico, se elaborem conceitos progressivamente mais gerais e mais abstratos (menos
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Ano letivo 2020/2021 Madalena Caetano
materialmente ricos) à medida que se sob nos níveis que propõe para a pirâmide de conceitos
que nos apresenta. Como é que nos propõe?
Exemplo de Larenz:
Ao subir o nível, este direito é um direito sobre um prédio alheio para fruição. Este
segundo nível é mais geral e mais abstrato e agrupa outros conceitos de direitos subjetivos.
Cabe ao conceito que lhe é imediatamente superior do ponto de vista lógico (mais geral
e mais abstrato) de um direito sobre uma coisa alheia. À medida que vamos subindo alarga-se o
espetro de abrangência. O direito sobre coisa alheia cabe dentro do direito sobre uma coisa,
subindo assim mais um nível na pirâmide. Por sua vez, o direito de coisa cabe no direito subjetivo
e que, por sua vez, caberá no conceito de direito, chegando ao vértice da pirâmide.
-
p
a
r
a
o
+
a
b
r
a
n
g
e
n
t
e
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Para Puchta teria o conhecimento pleno do direito quem logra-se percorrer a pirâmide
no sentido descendente e ascendente, indutivo e dedutivo. Uma vez constituído o primeiro
conceito os outros seriam obtidos indutivamente e dedutivamente obtidos a partir desse já tocar
o dado material histórico que lhes deu origem. A certa altura a jurisprudência dos conceitos cria
conceitos e relaciona-os entre si sem já voltar ao dado material histórico que lhe serve de base
constitutiva. O que vai valer-lhe a consideração de estéril pelos críticos, pois acaba por se fechar
num jogo lógico entre conceitos.
Além da compreensão de Puchta, ainda temos a proposta de Ihering que não podemos
deixar de fazer referência.
▪ Ihering:
Para Ihering, o objetivo seria chegar, por indução progressiva aos corpos simples do
direito. Como se uma destilação progressiva se tratasse até chegar aos conceitos mais gerais e
mais abstratos de todos – corpos simples de direito.
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concatenado. É claro que é ainda o próprio Ihering que, em duas obras fundamentais, vai assumir
expressamente que o direito deve servir a vida e essa é uma passagem fundamental para a
corrente da jurisprudência dos interesses.
3) O método subsuntivo:
A aplicação deste direito assim interpretado conceitualizado vai ser feita através do
método subsuntivo. Temos um momento técnico do método jurídico positivista a confluir na
compreensão do silogismo subsuntivo que também a Escola da Exegese afirmava como modos
operandi que o julgador deveria mobilizar para a projeção do direito logicamente concatenado
no sistema na realidade.
5. As orientações práticas:
Propor que o direito como ordem normativa prática que faz parte da construção
intersubjetiva da ação dos sujeitos então há de ser pensada através de uma racionalidade prática.
O que significa que: 1. Se irá progressivamente considerar que o direito não é identificável com a
lei ou com as proposições normativas (consideração do direito consuetudinário em lei) ou da
própria lei → o direito não se reduz à lei. 2. As decisões judiciais podem ser normativamente
constitutivas, são criação do direito para os casos concretos que resolvem.
É uma proposta muito interessante de um autor muito dinâmico e criativo e que nos fala
desta livre investigação científica do direito, sobretudo, em duas obras fundamentais: “Método
de interpretação e fontes em direito privado positivo” de 1899 e “Ciência e técnica em direito
privado positivo” de 1900. Estamos na viragem para o século XX.
Este autor vai diretamente criticar a perspetiva da Escola da Exegese – esta escola
percorreu todo o século XIX e quando chegamos à última fase existe uma decadência em que os
pressupostos desta escola começam a ser postos em causa. As críticas começam a pesar mais do
que os pilares fundamentais. É nessa fase que “entra” Gény que vai criticar os pilares fundamentais
do positivismo exegético. Desde logo, é criticada a identificação do direito com a lei e criticada
a autossuficiência do sistema legal (ideia de que o sistema é completo, concluso e fechado). A
afirmação de que o direito positivo deve constituir uma regulamentação prática da vida social e
não se fechar numa construção alheada da realidade e pensada de modo meramente científico
sem considerar as vicissitudes dessa realidade.
Gény vai reconhecer a existência de lacunas e dirá que estas são efetivas ausências de
regulamentação legal no sistema jurídico. A Escola da Exegese considerava que as lacunas eram
falsos problemas ao entender que se se verificasse a ausência de previsão numa norma, haveria
de ser possível resolver o problema fazendo-o corresponder à hipótese de outra norma que
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previsse o facto análogo (analogia legis) ou de recorrer à analogia iuris – aos princípios gerais de
direito para absorver aquele facto omisso.
Este autor vai considerar que há, desde logo, outras fontes para além da lei. Há fontes
que podem vir a concretizar-se como lei quando são institucionalizadas, mas que são de outra
origem não apenas do legislador. Vai implicar que o direito é constituído na sociedade, por um
lado, e que se recupere uma certa ideia de direito natural, por outro lado, ou seja, há princípios
que estão para lá daquilo que o direito positivo pode consagrar.
Gény vai sistematizar estas propostas através da distinção entre ciência e técnica –
diferença entre o dado (“le donné”) e o construído (“le construit”). Na sua proposta a ciência
referida ao dado e a técnica referida ao construído.
A ciência, que se vai ocupar do dado, vai investigar os elementos objetivos, ou seja, os
dados que estão na origem do surgimento do direito. São dados pré-legais, porque nada obsta
que estes dados vão confluir na fonte do direito lei. Estes dados são de quatro tipos: dados reais
ou naturais, dados históricos, dados racionais e dados ideais. Os dados reais ou naturais são
as condições da vida humana em comum. Os dados históricos são aqueles que comportam as
tradições, os costumes, etc. Os dados racionais que implicam uma remissão para o direito natural
racional do jusnaturalismo iluminista. Por fim, os dados ideais, ou seja, os ideais que orientam os
homens na sua vida em sociedade.
Estes dados assim postos, que são reconhecidos pela ciência, vão ser depois construídos
pela técnica – a técnica é a elaboração das fontes formais do direito dentre as quais vai destacar-
se a lei, mas não exclusivamente a lei.
Apesar destas notas de superação do formalismo da Escola da Exegese, Gény não supera
absolutamente o positivismo. Portanto, continua a referir a lei como fonte do direito, embora
admita que não é a única, tem o mérito de denunciar o caráter lacunoso do sistema jurídico e vai
assumir, muito relevantemente, quanto à interpretação uma posição subjetivista histórica.
Temos aqui dois autores que são absolutamente fundamentais – Kantorowicz e Isay – e
que vão afirmar, desde logo, é que ao contrário daquilo que o positivismo inclusive o da
jurisprudência dos conceitos tinha afirmado, o sistema jurídico não é autossubsistente e sem
lacunas. A lei é naturalmente lacunosa, portanto, mesmo nos domínios em que há lei pode
acontecer que ao relacionar essa lei com o caso a que se dirige se conclua que ela afinal não é
adequada para o resolver.
O Direito livre é todo o direito livre da lei, ou seja, o direito que não seja criado por lei. no
sentido mais amplo, o direito livre vai exprimir todo o direito que se constitui e se manifesta para
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além do direito legislado. Em sentido mais específico o direito livre a que o “Movimento do Direito
Livre” se refere especificamente é apenas a modalidade de construção judicial de direito extralegal
– centra-se no julgador.
Para estes autores a sentença surge como um ato de vontade. Um ato de vontade que o
jurista decidente deve tomar sem que em qualquer caso pudesse vir a aplicar uma norma contra
aquilo que fosse o seu sentimento de justiça. O “Movimento do Direito Livre” vai propor a
superação do racionalismo do positivismo exegético e, sobretudo, do positivismo conceitual e vai
procurar substituir esse racionalismo formal do positivismo por uma construção prática que
remete a um certo voluntarismo. Não é um voluntarismo cego, mas é uma projeção para a
vontade do jurista decidente do sentido a tomar as decisões que na sua intuição concreta do justa
sejam as adequadas.
Isto valeu a critica fundamental de que o “Movimento do Direito Livre” estaria a admitir
contra o racionalismo um irracionalismo voluntarista. Mas, a proposta dos autores não foi tão
radical quanto isso. Havia critérios estabelecidos para admissibilidade das decisões baseadas no
direito livre, porque o que acontece é que no “Movimento do Direito Livre” estes autores vão
dizer que o direito não se reduz à lei, o sistema jurídico não é fechado e sem lacuna – porque a
realidade é muito mais rica do que aquilo que a lei pode prever. Por isso, justificam-se em muitas
circunstâncias a admissibilidade da decisão contra legem.
Há duas condições cumulativas que tinham de estar reunidas para que se admitisse a
decisão contra legem: a lei não oferecer uma solução indubitável e o jurista decidente concluir
livre e conscientemente que o poder estatal existente no momento da decisão não teria
consagrado aquela solução que está prescrita na lei a mobilizar. Na conjugação destas duas
dimensões aceitar-se-ia abertamente uma decisão contra legem. É contra esta proposta que se
insurgirão múltiplas vozes, mesmo aquelas críticas e superadoras do positivismo do século XIX,
dentre as quais a voz de Heck que irá propor, alternativamente, a jurisprudência dos interesses.
12/05
Heck além de propor a tal obediência pensante à lei (o que demonstra uma inteligência
critica que lhe vai permitir contornar as tais críticas aos voluntarismos) simultaneamente também
aborda com grande ironia as situações em que o formalismo acabaria por se contradizer a si
próprio ou produzir soluções irracionais. É interessante percebermos quais as razões por que Heck
opta por essa assunção de uma perspetiva prática ou pragmática e sociológica do direito.
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A jurisprudência dos interesses que surge nas primeiras décadas do século XX, na
Alemanha, teve uma influência muito importante na Escola de Coimbra na superação do
positivismo. A Escola de Coimbra sofreu uma grande influência da jurisprudência dos interesses
na superação do positivismo, também apontando críticas. A viragem metodológica centra-se,
sobretudo, na afirmação do caso e não já da norma como ponto de partida para a construção e
realização do direito. Isto significa que esta perspetiva assume, pela primeira vez, que o prius
normativo e o prius metodológico no âmbito do direito é o caso e não a norma, é a realidade que
interpela o sistema jurídico e não a predefinição no sistema jurídico da realidade juridicamente
relevante. Assumir isto assim implica pôr em causa todos os pilares dos formalismos antecedentes
e pilares fundamentais que de correntes que continuam a afirmar essa primazia da pressuposição
no sistema da definição estrita e fechada da relevância jurídica.
Rodolf Von Ihering, que foi um dos grandes teorizadores da jurisprudência dos conceitos,
foi afirmando progressivamente a ideia de que o direito prossegue objetivos e objetivos práticos.
A própria construção da química dos conceitos e dos discurso naturalista que mobiliza são já
sintomas da perceção de que mesmo a conceção teórica seja essa na verdade o direito visa a
resolução de problemas práticos e da vida. Esse primado da vida sobre o primado da lógica vai
prosseguido por Heck. A jurisprudência dos interesses nasce assim em aberta polémica com a
jurisprudência dos conceitos.
A jurisprudência dos interesses vai assumir que o direito visa a prossecução de interesses
práticos, ao contrapor a vida aos conceitos vai propor a consideração de que o caso concreto
assuma a primazia na problematização da relevância jurídica. Vai considerar que os casos
concretos se caraterizam como conflitos de interesses. O direito é perspetivado a partir dos
interesses. Quando estudámos o direito subjetivo vimos exatamente isto, que para Ihering o
direito subjetivo era um interesse juridicamente protegido – o direito visa a resolução de conflitos
de interesses.
Este é um pressuposto fundamental que o autor nos apresenta e nesse sentido vai olhar
para o direito como uma seleção dentre os interesses que estão em conflito de um deles para o
proteger. Portanto, a própria construção das normas legais vai ser feita a partir da consideração
dos interesses em conflito (interesses causais – interesses que estão na origem da criação de uma
norma). A norma surge como solução valoradora de conflito de interesses. Os interesses que estão
na origem do surgimento da norma, os tais interesses em conflito, dizem-se interesses causais.
O interesse que a norma vai selecionar para proteger é o interesse de opção ou de ponderação.
A lei assim constituída é composta por duas dimensões:
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Os interesses em conflito vão surgir como a base constitutiva das normas, por um lado.
Por outro lado, a relação entre os interesses e até com a própria fundamentação e fim da proteção
de certos interesses. Efetivamente, Heck assume que o direito é composto por normas e não irá
distinguir a dimensão de norma face à dimensão de princípio, acabando por reconduzir a
fundamentação e o critério para a resolução dos interesses. Podemos dizer que estaremos
próximos de um positivismo sociológico, pois põem a base do direito nos interesses da realidade
em conflito e simultaneamente considerar que a seleção feita pelas normas é ainda baseada na
própria ponderação sobre esses mesmos interesses.
Neste momento estamos a assumir que as normas legais assim criadas enquanto soluções
valoradora de conflito de interesses vão ser mobilizadas para a resolução de problemas concretos
mesmo que esses problemas concretos não representem a concretização pura e simples das
normas. A dimensão de comando da norma (dimensão formal) vai associada à sua dimensão
intencional (intenção normativa da norma). Se o que convoca o direito é o caso só faz sentido
interpretar uma norma se e quando ela vai ser mobilizada para resolver um caso concreto. A
interpretação deixa de ter lugar em abstrato para passar a ter lugar em concreto. Significa isto
que o interprete quando perante um caso que é um conflito de interesses vai procurar no sistema
jurídico uma norma em cuja intencionalidade normativa esteja presente uma ponderação de
interesses em conflito análogos aos interesses que estão em conflito na situação concreta. A
construção da relação analógica e da comparação entre o problema posto em concreto e o
problema resolvido em abstrato é crucial para se concluir pela suscetibilidade de mobilizar aquela
norma para resolver aquele caso – o ponto de partida deixa de ser a relação literal entre os factos
e a norma, para passar a ser a relação entre o problema posto no caso concreto e a intenção
normativa da norma. Significa que o interprete vai reconstituir historicamente essa ponderação
de interesses. O interprete vai analisar o conflito de interesses e procurar determinar quais são os
interesses causais. De seguida, vai analisar as razões por que o legislador selecionou um interesse
para proteger – vai identificar o interesse de opção ou de valoração. Posteriormente, vai como
que repetir em concreto a opção que o legislador fez em abstrato.
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O sistema jurídico vai ser aqui assumido como aberto ao diálogo com a novidade que
os casos trazem e assumidamente lacunoso. O suposto é a possibilidade de existirem casos não
previstos em normas faz parte do desenvolvimento da vida. Heck também vai propor, depois, a
teoria da integração de lacunas. O que é interessante, porque por um lado considera que a
relevância jurídica não corresponde à previsão literal, corresponde à intencionalidade normativa
da norma, ou seja, no limite a dimensão dos interesses prevalece sobre a dimensão de comando.
A construção do sistema jurídico vai implicar uma distinção que Heck propõe entre
“problemas normativos” e “problemas de formulação”. Os problemas normativos identificam-
se com os problemas juridicamente relevantes, no fundo, os problemas normativos são os
conflitos de interesses que cumpre solucionar em termos prático-teleologicamente adequados.
Os problemas de formulação dizem respeito à organização sistematicamente articulada das
soluções dos problemas normativos que vai conduzir à organização interna do sistema jurídico.
A interpretação passa a fazer sentido quando em concreto a norma vai ser convocada
para resolver um problema e, por isso, a interpretação só faz sentido em concreto e vai implicar
uma reconstituição histórica dos interesses causais, do interesse de ponderação e a concretização
no presente daquilo que foi pensado para a resolução daquele conflito de interesses.
A jurisprudência dos interesses apesar de todos os sucessos que logrou obter acabou por
sofrer críticas nomeadamente dirigidas à insuficiência da sua base sociológica, visto que, não
faz distinção entre fundamentos e critérios (esta proposta assume os fundamentos e os critérios
como interesses). Também será consequentemente criticada pela sua insuficiência criteriológica
porque se reduz às normas do ponto de vista dos critérios. Ainda, à sua insuficiência sistemática,
porque embora reconhece o sistema interno e o distinga do sistema externo, ao não reconhecer
a diferenciação entre fundamentos e critérios acaba por reconduzir todo o sistema a normas.
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Assim, no eixo que perpassa boa parte da dogmática jurídica alemã da segunda metade
do século XX, autores como Muller, que irão prosseguir a proposta de constituição da decisão
judicial concentrada no caráter problemático do caso e na sua especificidade para a interpelação
do sistema jurídico.
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13/05
Lições 19 e 20
Sumário:
5. A interpretação jurídica
Falarmos aqui em norma não significa estarmos a limitar o objeto da interpretação. Por
um lado, o positivismo legalista concentrou-se, sobretudo, na Escola Exegética Francesa e
naquelas que influenciou. Aqui a fonte fundamental do direito é a lei e, portanto, é essa enquanto
norma legal que será objeto da interpretação. Por outro lado, no positivismo científico ou
dogmático a fonte fundamental do direito não seria a lei, embora também houvesse lei, mas a
própria constituição consuetudinária do direito será para a ciência do direito assumida como
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norma. Portanto, é de normas que se trata, porque a ciência do direito elaboraria enunciados
gerais e abstratos com hipóteses e estatuição a partir das práticas consuetudinárias. Assim, do
ponto de vista hermenêutico e do ponto de vista sistemático, nós vimos confluir o positivismo
legalista francês e o positivismo dogmático alemão. É, por isso mesmo, que aqui se fala de norma
como objeto da interpretação.
Por outro lado, para a perspetiva prático-normativa que assume como ponto de partida
para a realização prática do direito não as normas/o sistema, mas o caso/problema posto pelo
caso concreto, vai assumir a interpretação jurídica como uma das operações que o jurista
dissidente tem de levar a cabo no momento da resolução de um problema juridicamente
relevante. Com isto, deixamos de ter a interpretação como um momento lógico e
cronologicamente separado e anterior ao momento da aplicação lógico-dedutiva, para passarmos
a assumir a interpretação como um dos momentos constitutivos da própria decisão constitutiva.
A interpretação passa a ter lugar apenas em concreto e por referência ao problema que interpela
o sistema jurídico.
Podemos estar a falar da interpretação de uma norma legal, mas não são apenas as
normas legais os critérios que o sistema jurídico consagra. Desde logo, os critérios da
jurisprudência judicial e os critérios que resultam dos modelos dogmáticos. Isto significa que
qualquer um destes critérios é objeto da interpretação, no sentido de que para dele se poder
retirar o sentido normativo com que irá ser mobilizado para orientar a resolução do problema
judicando aí teremos a consideração da perspetiva prático-normativa para a construção dessa
interpretação.
Isso significa que para percebermos o sentido da interpretação jurídica temos que ter em
conta a conceção fundamental do direito que lhe corresponde e também a perspetiva por que o
pensamento jurídico é compreendido. Afirma-se que há interpretação jurídica se reconhecesse,
hoje, desta perspetiva prático-normativa, uma índole profundamente problemática. Portanto,
deixa de existir aquela estabilização em abstrato de definição de verdade e cientificidade no
sentido das ciências empírico-explicativas que pudesse valer como sentido único para todas as
aplicações a que a norma fosse chamada. Em termos muito amplos, teremos na interpretação
jurídica o sentido normativo de uma fonte jurídica. Em termos mais restritos, a interpretação
jurídica é um ato metodológico de determinação do sentido jurídico-normativo de uma fonte
jurídica por modo a obter dela o sentido de orientação para a realização do direito nos casos
concretos.
Sobre a exigência da interpretação e a sua necessidade muito se tem dito desde o direito
romano. De facto, uma orientação tradicional que ainda acaba por relevar em algumas correntes
contemporâneas e que entendia que se a fonte interpretanda se exprimisse num texto claro e
inequívoco não haveria lugar a interpretação dado que a clareza justificaria a desnecessidade
dessa mesma interpretação – é o que a tese non fit interpretativo visa descrever.
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resolução em geral e abstrato de um problema que irá corresponder ao modo por que um
determinado problema se nos apresenta em concreto.
Esta é uma distinção que vem desde a Idade Média. Os critérios que presidem a esta
distinção são: o agente interpretativo e a diversidade de relevo jurídico ou metodológico-jurídico
que corresponde a cada um destes tipos de interpretação.
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O que significa interpretar um critério? O que é o critério? Porque é que o critério é objeto da
interpretação? O critério é uma norma? Como irá ser compreendido? Como é que foi
compreendida a norma legal enquanto objeto da interpretação pelas perspetivas formalista?
Como é que é na perspetiva prático-normativa?
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deixa e que nos é deixada pela proposta do pensamento germânico – proposta de Savigny. Para
Savigny o texto é constitutivo da norma interpretanda. Neste sentido, o texto da lei vai não apenas
identificar a lei como delimitar a interpretação possível. Para Savigny a interpretação jurídica seria
a interpretação do sentido incito ao texto da norma.
Para este autor, o texto da lei não se reduzia ao elemento gramatical. Portanto, há que
distinguir os elementos intratextuais da lei e o elemento extratextual. Deste ponto de vista, o texto
da lei seria composto por: elemento gramatical, elemento histórico e elemento sistemático. Estas
três dimensões seriam consideradas incitas ao texto da lei. Nestas teorias tradicionais, o elemento
gramatical desempenha uma função de delimitadora, traduzida quer na sua dimensão negativa,
quer na sua dimensão positiva – o elemento gramatical desempenha uma função positiva e uma
função negativa.
Uma vez cumprida a função negativa haveria de cumprir a função positiva. A função
positiva determinaria que os sentidos a admitir como possíveis teriam que ter essa ligação – essa
ligação poderia ser mais ou menos forte, ou seja, mais próxima da letra ou mais afastada. Uma
vez excluídos os sentidos, para cumprir a função positiva o elemento gramatical já não é nem
autónomo nem vinculante. Para o sentido ou função positiva do elemento gramatical é necessário
contar com os outros elementos e o sentido a que se chega já não é apenas aquele a que letra
determine. É necessária a conjugação entre o elemento gramatical e os outros elementos
intratextuais (elemento histórico e elemento sistemático).
Há uma distinção tradicional que permite separar letra de espírito que é muito
convocada para a descrição quer dos elementos quer dos resultados da interpretação e que exigir
alguma explicação para se possa distinguir e conjugar daquilo que acabámos de dizer. De facto,
a letra corresponde ao elemento gramatical e o espírito corresponderia aos outros elementos
(elemento histórico + elemento sistemático + elemento teleológico).
3) O objetivo da interpretação:
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Em segundo lugar, cumpre referir o objetivo da interpretação e este é aquilo que pretende
obter-se através da interpretação – a finalidade da interpretação. O objetivo da interpretação
implicou a consideração de uma polémica que se desenvolveu ao longo do século XIX e que
contrapôs as correntes subjetivistas (o subjetivismo) que se inclui na interpretação dogmática às
correntes objetivistas (o objetivismo) que também se inclui na compreensão da interpretação
dogmática – em ambas o objetivo é reconduzir o sentido com que a lei deve valer aos sentidos
já consagrados no sistema. No entanto, estas duas correntes são muito diferentes entre si.
Contrapõe-se a esta a teoria objetivista. Para esta teoria o objetivo da interpretação será
a determinação da vontade expressa pelo próprio texto da lei, autonomamente relativamente à
vontade do legislador. Também falamos de objetivismo histórico e de objetivismo atualista. O
primeiro visaria determinar a vontade incita à lei no momento em que foi criada. O segundo a
adaptação dessa vontade à realidade que se vai apresentando.
» Ponto comum entre estas duas teorias: a consideração do texto como objeto da
interpretação.
Há muitos argumentos que estas correntes mobilizaram para se defender, por um lado,
e para se criticarem mutuamente, por outro lado. Por exemplo, o objetivismo tinha como objetivo
fundamental do ponto de vista científico e político a obediência estrita ao poder constituído. O
que visto à luz do desenvolvimento histórico se reportaria a fazer perdurar no tempo a vontade
inicial correspondente ao ideal revolucionário liberal que esteve subjacente à construção dos
documentos legislativos. Daí o subjetivismo histórico.
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a norma legal se manifesta mais capaz de resolução de problemas concretos do que aquilo que
o legislador pode dela pensar quando a criou.
1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos
o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema-jurídico,
as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições especificas do tempo que
é aplicada.
2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não
tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que
imperfeitamente expresso.
3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o interprete presumirá que o legislador
consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos
adequados.”
O artigo 9.º, no seu número 1, começa por dizer que “a interpretação não deve cingir-se
à letra da lei”, ou seja, não se poe a possibilidade de fazer uma interpretação literal e exclusiva.
Mas, “reconstituir a partir dos textos”. Os textos aqui têm uma relevância fundamental. Já no
número 2 do mesmo artigo diz-nos que não pode ser “considerado pelo intérprete o pensamento
legislativo que não tenha na letra da lei o mínimo de correspondência verbal”.
Do ponto de vista do objeto, continuamos a ter aqui uma referência ao texto e assumindo
a referência à sua relevância literal do ponto de vista da função negativa do elemento gramatical
já que temos uma consideração possível da perspetivação mais aberta da função excludente a
estabelecer uma consagração da Teoria da Alusão – numa formulação ainda mais aberta “ainda
que imperfeitamente expresso”. Estamos já numa fase de transição em que a relevância da letra da
lei começa a ser confrontada com outras perspetivações e que nos vai levar a pôr o sentido na
sua vinculatividade do ponto de vista negativo.
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Do ponto de vista histórico, a autonomização de cada um destes elementos não nos pode
deixar indiferentes, porque boa parte deles sempre estiveram presente, no entanto, a sua maior
enfase na medida em que influenciam a dita teoria tradicional vai sendo progressiva – ao longo
da história vão tendo enfases distintas e a sua acentuação é crucial para consagração da teoria
positivista da interpretação. Para a Escola dos Glosadores o elemento literal é absolutamente
fundamental – interpretação filológico-gramatical. A Escola dos Comentadores já vai muito mais
para além da letra da lei e aí já temos um embrião daquilo que é a teoria da interpretação jurídica
a que estamos a referir-nos. Para os comentadores o elemento literal não estaria propriamente
dentro da temática da interpretação, mas seria uma antecâmera. Depois de considerar a letra da
lei, avançar-se-ia para a interpretação.
O elemento histórico vai ver-se acentuado a partir da Escola Humanista do século XVI. E
o século XVIII – o Iluminismo – vai privilegiar o elemento sistemático, a racionalidade axiomático-
dedutiva do pensamento iluminista vai privilegiar a integração sistemática e a relevância da
integração sistemática como elemento da interpretação. Só, mais tarde, teremos considerado o
elemento teleológico e que vai ser a viragem para a superação da teoria tradicional.
19/05
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construção lógica da norma, mas acabou por vir a integrar o elemento lógico no elemento
sistemático) e teleológico.
i) Elemento gramatical:
O elemento histórico foi fundamental para a perspetiva subjetivista, mas também o foi
para a perspetiva objetivista, porque quer no subjetivismo quer no objetivismo vamos encontrar
vertentes mais históricas mas também vertentes mais atualistas. Para a perspetiva da
jurisprudência dos interesses a consideração da relevância dos interesses causais vai levar a que,
do ponto de vista, do objetivo da interpretação a evolução histórica do direito seja crucial, embora
Heck rejeita-se quer o objetivismo quer o subjetivismo dogmáticos.
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1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos
o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema-jurídico,
as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições especificas do tempo que
é aplicada.
2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não
tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que
imperfeitamente expresso.
3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o interprete presumirá que o legislador
consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos
adequados.”
No número 3 do mesmo artigo temos uma questão que tem que ver com a dita presunção
do legislador razoável (nota típica do objetivismo). Isto significa que o nosso legislador
estabeleceu que ao determinar o sentido interpretativo se presume que o legislador foi, quer do
ponto de vista substancial quer do ponto de vista formal expressivo, razoável e consagrou as
soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados. Esta
presunção do legislador razoável é uma nota de objetivismo já que se considere que se o
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legislador foi razoável então não haverá que investigar para lá daquela que seja a manifestação
razoável que se verifica no texto.
Pode acontecer que o sentido literal seja mais amplo do que o espírito, ou seja, se o
interprete chega à conclusão que ao conjugar os sentidos literais com os outros elementos da
interpretação nesta conjugação estes últimos implicam que a letra não possa ser mobilizada em
todos os seus significados. Significa que irão excluir-se alguns dos significados literalmente
possíveis para selecionar como sentidos possíveis apenas aqueles que são admitidos pelos
elementos histórico, sistemático e, eventualmente, teleológico. Há aqui uma interpretação
restritiva. Este tipo de interpretação implica que o interprete conclua que o sentido literal da
norma interpretando é mais amplo do que aqueles que são admitidos pelos outros elementos,
logo, haverá que selecionar dentre os sentidos possíveis aqueles que correspondem à letra e aos
elementos.
Pode também acontecer que o sentido da letra seja menos amplo do que aquele que é
determinado pela conjugação dos diferentes elementos e aí teremos que considerar sentidos que
já correspondem diretamente aos mais naturais, mas que ainda são admitidos pelas significações
literais e são aqueles que os outros elementos vão admitir. Estamos perante uma interpretação
extensiva.
» a maiori ad minus que vale para as leis permissivas no sentido de que a lei que
permite o mais também permite o menos. Por exemplo, a lei que permite ao
proprietário vender, por maioria de razão também lhe permite onerar com um
direito real mais restrito.
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Estes são possíveis argumentos lógicos que conduzem à conclusão por sentidos
interpretativos que não resultam claro da conjugação entre o elemento gramatical e os outros
elementos da interpretação.
20/05
Os contributos da Jurisprudência dos Interesses que estão em baixo referidos são aqueles
a que já tínhamos feito referência quando falamos dos postulados metódicos assumidos pela
Jurisprudência dos Interesses. O que é que de novo traz a Jurisprudência dos Interesses face
aquilo que tinha sido posto pelas correntes formalistas de orientação teorética?
Heck vai falar da obediência à lei recusando uma obediência cega à lei, vai propor uma
obediência pensante. A obediência pensante significa que se propõe cumprir a intencionalidade
prática de que as normas estabelecem mesmo que isso signifique afastar a consideração literal
que elas consagram, ou seja, admitir no limite se tal for necessário para cumprir a intenção
normativa da norma que a interpretação seja formalmente contra legem. É uma situação limite
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que só em certos condicionalismos pode ocorrer e só formalmente contra legem, já que o que
está em causa nessa possibilidade é admitir o cumprimento da intenção de que a norma assume
A sua ratio legis pode permanecer sobre a determinação formal (imagem de comando). A imagem
dos interesses a suplantar a imagem do comando.
Posto isto, o caso é agora o ponto de partida e a norma é vista na sua estrutura formal
(vai ser analisada no seu elemento gramatical, sistemático, histórico e teleológico) e pode
acontecer que, em nome do cumprimento do elemento teleológico, haja que desconsiderar o
sentido negativo do elemento gramatical e, por isso, optar por um sentido que estaria excluído
da referência literal no modo hermenêutico-cognitivo.
Para Heck o interprete, ao considerar a norma, deveria em primeiro lugar fazer uma
análise histórica da norma, ou seja, vai procurar compreender quais foram os interesses causais
que estiverem na origem do surgimento daquela norma e vai procurar compreender as razões da
ponderação no momento em que a norma foi criada. De seguida, vai comparar esses interesses
causais e a ponderação que sobre eles foi feita. Se concluir que o problema em causa (conflito de
interesses) e a ponderação sobre eles são análogos ao problema posto pelo caso decidendo e,
consequentemente, à ponderação de interesses que haverá de ser feita, então irá partindo desse
juízo analógico repetir em concreto a ponderação que o legislador fez em abstrato. Isto faz com
que já não tenhamos uma aplicação lógico-dedutiva. Esta compreensão prático-normativa da
interpretação jurídica vai levar a que se afaste progressivamente o jurista decidente da aplicação
lógico.
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Ano letivo 2020/2021 Madalena Caetano
Das situações em que, analisada à luz do caso concreto, se conclua que há uma analogia
entre o problema posto em concreto e o conflito de interesses resolvido em abstrato pela norma,
ou seja, o problema que se poe em concreto é do tipo daqueles que a norma resolve em abstrato.
Só que por alguma razão que resulta normalmente da realidade o conflito de interesses presente
não corresponde ao modo por que, do ponto de vista da imagem do comando, a norma o prevê,
ao ponto de se gerar uma contradição interna na norma entre a sua imagem de comando e a sua
intencionalidade normativa. Quando esta contradição interna surge ao ponto de o julgador se
deparar perante este dilema: a) ou cumpre o comando (a dimensão formal da norma) e frusta a
intencionalidade prática com que a norma foi criada ou b) cumpre a dimensão no sentido dos
interesses, mas implica desobedecer ao sentido literal. Só nestas circunstâncias é que é possível
recorrer àquilo que é um resultado interpretativo novo, proposto por Heck, que é a interpretação
corretiva.
Efetivamente não temos aqui uma interpretação dogmática, mas sim uma interpretação
teleológica aberta ao caso e que acentua a intenção normativa da norma e não a sua
determinação formal. Neste sentido há que consideração qual é para Heck o objetivo da
interpretação. Se já não estamos no âmbito de uma interpretação propriamente dogmática não
está aqui em causa discutir a vontade do legislador expressa no texto – que seria subjetivismo –
ou uma vontade autónoma da própria lei expressa no texto – que seria objetivismo -, já que não
existe uma redução ao texto da sua literalidade. A verdade é que Heck é, de certo modo, um
subjetivista, no entanto, não é um subjetivista dogmático. Heck rejeitava o objetivismo puro por
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entender que era fundamental o interprete fazer uma análise dos interesses causais e da
ponderação que o legislador fez, ou seja, Heck vai fazer uma análise da vontade do legislador,
mas não uma vontade do legislador que depois fica formalmente registada no texto da lei.
Falamos, portanto, de um subjetivismo teleológico, já que vai analisar-se a intenção que o
legislador colocou na norma que é adaptada á relação com o caso concreto presente. A posição
de Heck em relação ao objetivo da interpretação representa toda uma perspetiva diferente.
Se o objeto da interpretação se altera, ou seja, a norma enquanto texto vai ser substituída
pela norma-problema – pela problematização do sentido com que a norma se dirige aos casos
concretos. A norma é a resolução de um problema concreto. Só se vai compreender o sentido
com que essa norma há de valer para resolver o caso concreto à luz do problema concreto,
sabendo que o ponto de partida é o problema concreto já que é esse que vai interpelar o direito.
Deixamos a referência unívoca que o sistema define o que é juridicamente relevante e aquilo que
não estiver formalmente referido no sistema será juridicamente irrelevante. Ao admitir um sistema
aberto, de imediato temos a realidade como uma dinâmica constitutiva do direito.
O objetivo da interpretação deixa de ser o sentido com que a norma pode valer no
sistema, mas o sentido com a norma pode valer partindo da proposição dos sentidos do sistema
mas para o caso concreto. A interpretação deixa de ser fechada para se abrir à realidade. A
resolução do problema concreto implica a convocação em bloco de todos os estratos do sistema.
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Concluindo que a norma é inválida desde o momento que foi criada não podemos dizer
que ela vai ser superada, mas podemos dizer que vai ser preterida – preterição conforme aos
princípios que resulta do limite normativo de validade da legislação.
Por outro lado, se para a teoria tradicional da interpretação jurídica é crucial a fronteira
entre interpretação e integração há continuum na realização judicativo-decisória do direito que
implica que a interpretação seja um momento dessa realização e que não haja cisão entre
interpretação e integração, ou seja, a ideia de que a própria interpretação jurídica já comporta
elementos integrativos e que uma vez que o ponto de partida da interpretação deixa de ser a
letra e que a fronteira da interpretação deixa de ser a letra também, então não faz sentido dizer
que até aqui ainda é interpretação, porque cabe na letra e daí para lá já é uma eventual lacuna
porque não cabe na letra. Temos uma realização judicativa que muito mais amplamente vai
admitir os sentidos com que os critérios podem valer.
Nesta construção que é racionalidade analógica e que vai fazer a comparação entre o
problema posto em concreto e o problema resolvido em abstrato à luz de todo o sistema a
resposta ao problema da ausência de norma vai ser diferente. Não significa que não haja situações
em que se chegue à conclusão de que não há mesmo norma, mas estamos a ver que: pode haver
norma e ser afastada e pode não haver norma e vamos ver como é que o problema se resolve.
6. A integração
1) Referência ao tradicionalmente designado problema das lacunas:
Nem sempre a ausência de previsão, seja legal ou outra, significa que haja uma falha até
porque há lacunas voluntárias, ou seja, as situações em que o legislador entendeu que ainda não
há condições para legislar. Mas, também, existem lacunas involuntárias e essa podem consistir
em falhas, porque a realidade é muito mais rica do que aquilo que o legislador pode prever.
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2) Os critérios da integração:
α) A analogia:
O artigo 10.º do CC, que já não está na construção positivista, no seu número 1 diz-nos
que “os casos que a lei não preveja são regulados segundo a norma aplicável aos casos análogos”.
Temos aqui uma consideração da analogia legis que reporta aquilo que acabamos de referir para
uma perspetiva mais formalista. O artigo 10.º diz-nos também que há analogia sempre que “no
caso omisso procedam as razões justificativas da regulamentação do caso previsto na lei”. As
razões justificativas têm muito a ver com a teleologia da norma. Temos aqui uma referência a uma
analogia teleológica que reporta ao sentido que Heck põe para a integração de lacunas.
Quando não fosse possível integrar uma lacuna através da analogia legis em sentido
formal no positivismo abrir-se-ia uma última possibilidade – a de recorrer diretamente ao
princípio geral de direito em que, embora não houvesse norma, se houvesse a norma se inseriria.
Esta operação chamar-se-ia analogia iuris. Chegados a este limite se o facto não fosse suscetível
de ser integrado nem através de interpretação, nem de analogia legis, nem por analogia iuris,
seria considerado juridicamente irrelevante. Daqui conclui-se que as lacunas são um falso
problema, porque ou são integradas através dos próprios mecanismos de que o sistema já dispõe
ou serão juridicamente irrelevantes.
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interesses sub judice. Neste sentido, Heck propunha em primeira instância uma analogia legis,
mas que é teleológica, ou seja, seria necessário ir à procura de uma norma que não resolvendo
aquele concreto tipo de conflito de interesses resolvesse outro tipo de interesses análogo que
pudesse ser mobilizado para um juízo analógico com aquele problema concreto. Se isso não fosse
possível abrir-se-ia a possibilidade de se recorrer às valorações dominantes na comunidade
quanto ao sentido de direito relativamente aquele tipo de problema e, por último, às próprias
valorações que o juiz fizesse sobre os sentidos que a comunidade admitisse relativamente aquele
tipo de problema.
O artigo 10.º do CC apresenta-nos referência a analogia legis já com alguma abertura que
nos remete para alguma construção analógica e no número 3 propõe-nos uma solução diferente
que é a consagração do cânone do julgador como se fora legislador, já que se diz que: “Na
falta de caso análogo a situação é resolvida segundo a norma que o próprio interprete criaria se
houvesse de legislar dentro do espírito do sistema”. Este artigo tem, ainda hoje, inúmeras
interpretações. Este cânone do julgador como se fora legislador remonta a Aristóteles.
O CC de 1867 no artigo 16.º consagra que “Se as questões sobre direito e obrigações não
poderem ser resolvidas nem pelo texto da lei nem pelo seu espírito, nem pelos casos análogos,
prevenidos em outras leis, serão decididas pelos princípios de direito natural conforme as
circunstâncias do caso”. Este artigo mostra-nos que não há uma referenciação absolutamente
formalista.
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O direito ou é vigente ou não é direito. O direito existe para ser vigente e se projetar na
realidade para que, em termos práticos, o jurista comprometido com a sua tarefa prática possa
compreender o sentido com que desempenha essa tarefa e simultaneamente compreender e
projetar para a realidade direito e não uma mera aplicação normativa de critérios. Isso significa
que para os problemas da realidade cumpre saber qual é o direito em vigor para lhes responder.
O que está aqui em causa são questões fundamentais da vida comum em que se nos
apresentam problemas cruciais como por exemplo: A e B celebraram um contrato de
arrendamento antes do momento em que entrou em vigor uma lei que exige forma escrita para
a sua validade formal. Será que, uma vez entrando em vigor a lei que exige essa forma escrita, o
contrato passa a ser inválido? A situação da realidade concreta em que se cristalizou também se
desenvolveu ao longo do tempo e está em desenvolvimento no momento em que entra em vigor
uma lei nova. As situações jurídicas vão sendo constituídas e a lei vai sofrendo alterações ao longo
do ponto e será que isso significa que a cada momento que a lei muda abruptamente os estatuto
jurídico da situação também muda?
Existe um princípio geral da proibição da retroatividade das leis, ou seja, a lei só dispõe
para o futuro. O legislador estabelece um regime transitório para cada situação. No entanto, se
há situações em que a retroatividade é proibida também há situações em que a retroatividade é
obrigatória.
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estariam nessa situação e se outras expetativas não teriam de estar protegidas mesmo que não
fossem direitos adquiridos. Existiu uma formulação que se confrontou com esta – a doutrina do
facto passado – e que vai determinar que tenhamos a aplicar outro facto por princípio a lei em
vigor no momento em que ele ocorre (artigo 12.º do CC).
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