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Direito Internacional Público II

Marisa Branco
2º semestre 2021
Professor Francisco Ferreira De Almeida

Temas a abordar:
1. Normatividade internacional
2. Relações diplomáticas e consulares
3. Sucessão de Estados
4. Reconhecimento
5. Autodeterminação dos povos
6. Proteção internacional dos Direitos do Homem
7. Direito Internacional Penal
8. Direito Internacional do Ambiente
9. Proibição do recurso à força nas relações internacionais
10. Regime Internacional dos espaços

Bibliografia:
• Manual de Direito Internacional Público do professor (até o 6º tema)
• Constituição da República Portuguesa
• Textos fundamentais de DIP
• Material de apoio
1.Normatividade Internacional
Quem começa a estudar direito internacional dá-se conta que se trata de um ramo de direito
que difere do direito interno. Isto acontece, desde logo, devido à própria estrutura da
sociedade internacional, que difere em muito da estrutura das sociedade internas e estaduais.
Portanto, é nessa realidade descentralizada que o direito internacional é forjado, o direito
interno, pelo contrário, emana comunidades fortemente centralizadas, os Estados.
Não existem na comunidade internacional órgãos capazes de levar a cabo as três funções
principais de um ordenamento jurídico, já sabemos que essas funções são: legislativa,
judicial e executiva.

A separação de poderes dentro do estado é um legado das revoluções liberais, em especial


da revolução francesa. À separação material devia corresponder uma separação orgânica e
funcional. Temos, então, a tarefa da produção normativa, que é a tarefa do poder legislativo
confiado ao parlamento. A função judicial (resolver conflitos entre cidadãos com a
compilação das sanções que se revelam apropriadas). A função executiva que se destina,
entre outras coisas, a dar execução material coativa às sanções emanadas pelos tribunais.
Na comunidade internacional as três funções são preenchidas de modo algo imperfeito,
descentralizadas com os próprios Estados. Há um funcionamento da justiça internacional,
um pouco aleatório, muitas vezes, as competências destes tribunais não são obrigatórias a
alguns Estados, é preciso que estes aceitem a sua jurisdição.
O conselho de segurança desempenha a função de órgão executivo internacional, o seu
funcionamento está muito dependente do direito de veto dos 5 estados.
Olhando para a sociedade internacional, percebemos algumas debilidade institucionais.

Também no plano normativa há alguns pontos que chamam a atenção. O direito


internacional é ainda um direito muito lacunoso, há espaços que não são cobertos pelas
normas internacionais. Há ainda normas de Direito Internacional que têm um conteúdo
polémico, controverso, porque este resulta de um consenso entre Estados que têm pontos de
vista muito diferentes quanto a certas questões. Temos outras normas e princípios de direito
internacional com conteúdo muito vago e genérico, o que as torna pouco eficazes.


Sabemos que, hoje, há uma hierarquização do Direito Internacional, isso leva a que hajam
casos ilícitos mais ou menos graves. No entanto, é preciso perceber quais são as
consequências a que a prática de um ato ilícito mais grave leva. Que consequências são
estas quantos ao regime- regra? Há alguma incerteza neste campo, não sabendo quais são
estas consequências específicas ou suplementares, tentando explicitá-las.

Resumindo, há uma diversa intencionalidade do Direito Internacional quando comparado


com o direito dos Estados porque a sociedade que visa regular é, também, diferente. É
preciso mergulhar na normatividade internacional para se perceber quais são os seus
problemas estruturais.
Existem, especificamente, 3 problemas do sistema normativo internacional
1. Problema do limiar ou fronteira da normatividade
2. Problema da gradação ou da hierarquização da normatividade
3. Problema da diluição da normatividade
1. Problema do limiar ou fronteira da normatividade
Distinção de Soft law quanto ao instrumento e quanto à substância:
- Soft law quanto ao instrumento - diz respeito ao mecanismo de revelação ou de criação
da norma, tem a ver com a fonte formal da qual brota a norma jurídica. Exemplo:
recomendação de uma organização internacional.
- Soft law quanto à substância - quanto ao conteúdo material da norma em causa. Normas
jurídicas vagas, imprecisas, com um conteúdo incerto, não se sabe bem que direitos
conferem ou deveres impõe, sofrem de pouca coercibilidade: “normas meramente
exortatórias”. Exemplo: certas convenções internacionais têm formulações deste tipo;
normas costumeiras que ao longo das décadas têm vindo a ser certificadas pela
jurisprudência internacional, algumas destas normas têm esta natureza soft; declarações
recomendatórias das OI.
Podemos ter soft law quanto ao instrumento, mas hard law quanto à substância e vice-versa.
A soft law não constitui uma debilidade do Direito Internacional:
- Através da soft law o DI dá mostras de uma versatilidade que permite que se adapte
facilmente às situações
- Os Estados estão mais suscetivos a cumprir aquilo que lhes é recomendado do que aquilo
que lhes é imposto, afronta menos a sua soberania.
- A soft law pode estar na antecâmara do surgimento de uma hard law.
Há autores que têm considerado que a soft law não é ainda direito, estaríamos a falar de
normas que não teriam transposto a fronteira da normatividade: a soft law tem a ver com
normas que não são jurídicas, no entanto, já produzem 2 efeitos jurídicos, permissivo e ab-
rogatório: permissivo, porque não impondo um comportamento, permitiriam a sua adoção;
ab-rogatório - teriam a capacidade de revogar direito pré-existentes. — esta conceção não é
a mais adequada - não é concebível que normas que não são jurídicas, possam produzir
efeitos jurídicos
Adotamos a conceção que diz que soft law, apesar de ter coercibilidade fraca, é considerado
direito.
2. Problema da gradação da normatividade internacional
Antes da 2ª GM, todas as normas de Direito internacional, independentemente da fonte e
do seu conteúdo teriam exatamente o mesmo valor, daí que estivéssemos perante uma
normatividade horizontal, contrariamente ao direito interno, onde a normatividade é
vertical, bem definida.
Após a 2º GM, assistiu-se a uma hierarquização da normatividade internacional, hoje
temos a normatividade graduada.
Os fatores que contribuíram para isto foram, essencialmente, 3 teorias que estão na origem
da normatividade :
- Teoria do jus cogens;
- Teoria das obrigações Erga Omnes;
- Teoria dos graus de ilicitude na responsabilidade internacional;
1. Teoria do jus cogens
A dada altura, surge esta teoria do direito internacional imperativo que assenta na distinção
entre normas imperativas ou normas simplesmente obrigatórias.
Ao jus cogens está ligada uma ideia de ordem pública internacional. Torna-se possível falar
nisto, a partir do momento em que, no seio da CI, se verifica uma abertura à axiologia. Há
dois valores que se revestem de especial importância, o valor da paz e da segurança
internacionais (havia que evitar um 3º conflito global) e o valor da proteção da dignidade da
pessoa humana. As normas de DI que se destinam fundamentalmente a proteger esses
valores tornam-se superior às restantes normas de DI - essa hierarquização estabelecida nos
planos dos valores da axiologia determinou uma hierarquização no plano normativo.
Alguns dos valores superiores esta positivados em textos normativos internacionais. Ex:
resolução dos 7 princípios das Nações Unidas (proibição do recurso à força, princípio da
não ingerência…). Estes princípios são fun
Características de uma norma de jus cogens:
- Possuem Caráter imperativo, de direito estrito;
- Tratar-se de normas que não podem ser derrogadas;
- Apenas são suscetíveis de ser modificadas por normas de idêntica natureza.
O conceito de jus cogens surge no âmbito específico do direito dos tratados. Na Convenção
de Viena, prevê-se a invalidade, sob a forma de nulidade absoluta, dos tratados que
contrariem normas de jus cogens - As normas de jus cogens existem para proteger os
valores essenciais para a Comunidade Internacional, logo, não podem ser contrariadas
através de convenções internacionais.
Para se poder falar numa verdadeira comunidade de Direito, é imprescindível que estas
normas não possam ser afastadas.
O jus cogens estende-se para outras áreas do Direito Internacional.
Alguns autores viram no jus cogens um retorno ao direito natural, haveria analogias
evidentes entre os dois. No entanto, essa analogia não pode ir além de certos limites, não
resiste a alguns segundo de reflexão: o direito natural sempre foi concebido como uma
ordem universal e imutável, algo que é exterior, superior ao direito positivo, transcende o
direito positivo. Já o jus cogens constitui uma emanação do próprio sistema, em última
análise, são os Estados que outorgam a certas normas a natureza de jus cogens, as
normas de jus cogens são as que forem consideradas como tal pela Comunidade
Internacional de Estados no seu conjunto, é evolutivo e contingente ( confirma-se aqui o
caráter voluntarista do Direito internacional - normas que, mesmo que vão contra a vontade
dos Estado, são-lhes impostas, por eles mesmos).
Nota: Comunidade Internacional de Estado - misterioso protagonista que se substitui aos
Estados na tarefa de criar direito internacional.
A hierarquização do DI não se deve apenas as normas de jus cogens:
2. Teoria das obrigações erga omnes
(eficácia generalizada)
Foi o TIJ, nos anos 70, que fez pela 1ª vez referência a estas obrigações.
Falamos de uma teoria que, verdadeiramente, põe em causa o caráter bilateral das relações
internacionais clássicas - Contribuiu para retrogradar o espírito de reciprocidade das
relações internacionais clássicas: No Direito Internacional clássico, uma obrigação
internacional vinculava um Estado perante outro, as relações eram de caráter bilateral, um
Estado, individualmente, não podia atuar com o objectivo de que a legalidade internacional
fosse reposta.
A obrigação erga omnes vincula cada Estado perante todos os outros, haveria um núcleo de
obrigações internacionais que vinculava toda a Comunidade internacional. Assim, qualquer
Estado teria o direito de que essa obrigação fosse cumprida, são obrigações que conferem
idênticos direitos de proteção a todos os estados da Comunidade Internacional: são
obrigações que tutelam interesses fundamentais da CI.
Quando são violadas as obrigações, todos os Estados são investidos na titularidade de um
direito de proteção, todos podem atuar, intervir, para assegurar o cumprimento delas.
Supondo que é violada uma obrigação erga omnes, há, em regra, um Estado diretamente
lesado, mas num certo sentido, como são obrigações que protegem interesses gerais, todos
os Estados podem ser considerados lesados - Existe o Estado diretamente lesado e todos os
outros que são indiretamente lesados - todos podem atuar para repor a legalidade
internacional, todos têm interesse jurídico na cessação da violação da obrigação.
Como é que se efetiva a proteção das obrigações erga omnes?
- Ou a protecção é assegurada por cada Estado: Todos e qualquer Estado têm legitimidade
processual para instaurar uma ação num Tribunal Internacional: Todos os Estados podem
emitir atos de protesto; podem adotar contra-medidas — a proteção da obrigação fica a
cargo de todos e de cada um.
- Ou a proteção é assegurada pela Comunidade Internacional institucionalizada: Ex: ONU
No entanto, conhecemos as dificuldades, por exemplo, do Conselho de Segurança, logo a
proteção destas obrigações são, normalmente, mais descentralizadas.
3. Teoria dos graus de ilicitude
(em termos de responsabilidade internacional)
O sistema normativo internacional não era hierarquizado, então, não havia distinções na
ilicitude, as violações tinham gravidade idêntica.
A partir do momento em que existe uma hierarquização, isso traz consequências no
plano da responsabilização internacional:
Uma violação de uma norma de jus cogens implica um grau de ilicitude mais grave, por
exemplo.
Há um orgão subsidiário da Assembleia Geral das Nações Unidas que tem por missão
proceder à codificação e desenvolvimento progressivo do Direito Internacional.
- Codificação - Passar a escrito normas costumeiras pré-existentes.
- Desenvolvimento progressivo - Afirmar a existência de regras novas a partir do direito já
existente: Apontar caminhos para a evolução do Direito Internacional.
Estas são feitas por juristas internacionais da Comissão de Direito Internacional. Um dos
temas a que a Comissão se dedicou foi a responsabilidade internacional - há uns anos
surgiu um projeto em que se distinguia 2 tipos de atos ilícitos internacionais - crimes
internacionais e meros delitos:
- Crimes internacionais - atos ilícitos mais graves
- Delito internacionais - atos ilícitos menos graves
Houve contestação internacional, pois considerou-se que os Estados não podem cometer
crimes, logo a terminologia era desadequada, a responsabilização criminal seria algo
exclusivo do indivíduo.
Vários juristas defenderam-se dizendo que a ideia era falar de uma responsabilidade mais
grave dos Estados perante a prática de atos ilícitos e, para isso, utilizar uma terminologia
mais sugestiva para vincar melhor a diferença entre atos mais graves e menos graves.
No entanto, esta terminologia foi abandonada e hoje em dia só se usa a terminologia de
crime internacional para atos ilícitos praticados por pessoas. Por exemplo, genocídio, crimes
de guerra, terrorismo…
A Comissão de Direito Internacional deu exemplos de atos ilícitos mais graves: Agressão
armada, violação pela força do direito à autodeterminação dos povos, violação grave de
direitos fundamentais da pessoa humana (genocídio, tortura, escravidão…) e um crime de
natureza ambiental (a violação de obrigações internacionais como a contaminação maciça
da atmosfera e dos mares).
(Ao falar de atos ilícitos mais graves do Estado, deu-se o exemplo do genocídio como um
ato grave praticado pelo Estado, não pelo indivíduo - Este tipo de crimes pressupõe sempre
participação do Estado, mas do ponto de vista da responsabilidade criminal, esta incide
sobre o indivíduo.)
Tudo isto para dizer que esta construção da teoria de graus de ilicitude só terá sentido útil
se dela podermos extrair consequências práticas distintas.
Não há um catálogo preciso, bem definido das consequências jurídica que a prática de um
ato mais grave acarreta, no entanto:
Os atos ilícitos mais graves têm consequências mais gravosas que os menos graves,
essas consequências são por um lado consequências normativas e por outro
instrumentais:
Consequências normativas
Há, desde logo, que salientar que, perante a prática de um ilícito mais grave, a
responsabilidade internacional deixa de ser um assunto privado entre o Estado autor e o
Estado vítima - a relação jurídica que surge não é apenas bilateral, a prática deste ato é algo
que afeta toda a CI, portanto, qualquer estado se pode sentir lesado, podendo exigir ao
Estado autor que proceda à reparação dos danos causados com a sua conduta -
Universalização da relação de responsabilidade
• Consequências gerais (para atos menos graves):
- Dever de reparação dos danos causados, que pode assumir 3 formas:
- Restitutio in integrum (reposição da situação atual hipotética) ;
- Reparação por equivalente ou indemnização em sentido estrito;
- Satisfação (no caso de danos não materiais);
- Consequências acessórias acessórias :
- Cessação do ato ilícito (se for um ato ilícito de natureza continuada);
- Prestação ao estado vítima das devidas garantias de não repetição do
comportamento.
• Especificidades do regime próprio dos atos mais graves:
- Restitutio in integrum:
Aos artigos de comissão do Direito Internacional são apontadas exceções à restitutio in
integrum, no entanto, no caso dos atos ilícitos graves:
- Mesmo que a restitutio seja excessivamente gravosa para o autor do ato ilícito
grave, ele não deixa de estar obrigado a ela, porque foi praticado um ato ilícito que
lesa valores fundamentais para a Comunidade Internacional;
- Regra geral - “Não há restitutio se isso afetar a independência política ou
estabilidade económica do Estado autor do ato ilícito” - esta exceção não se aplica
em atos ilícitos mais graves: se estiver em causa a subsistência de um Estado
enquanto entidade soberana e independente, não haverá restitutio, mas se por
soberania do Estado, entendermos o direito de se organizar internamente como bem
se aprouver e escolher forma de governo e governantes mais adequados, então, aí,
não há razão para que a restitutio não continue a ser obrigatória. Ex: o crime de
agressão armada, é muitas vezes levado a cabo por regimes ditatoriais e sanguinários
- se a restitutio significar o risco de desmoronamento do regime ditatorial
sanguinário, ela continua a ser exigida; E quanto à afetação da estabilidade
económica: muitas vezes, a estabilidade económica foi justamente alcançada pela
prática do ato ilícito. Ex: sujeição da população a trabalho escravo, discriminadas por
raça ou etnia; potencia colonial que conseguiu negar o direito à autodeterminação de
um povo com base numa política feroz de exploração de recursos naturais ou da
população do território colonial. O único limite, neste caso, é as necessidades vitais
da população do autor do ato ilícito.
- Satisfação e garantias de não repetição:
- Em geral, há uma exceção de não haver exigência de comportamentos, ao Estado
autor do ato ilícito, que possam afetar a sua dignidade enquanto Estado soberano. No
entanto, no caso de atos graves, isto não acontece: deixa de ser possível ao Estado
fazer um apelo inopinado à sua dignidade como forma de se furtar à pratica de
comportamentos que estejam incluídos em garantias de não repetição ou de
satisfação. Ex: desarmamento, destruição de armas, revogação de legislação
discriminatória, mecanismos de consulta popular (referendos…). Estes
comportamentos podem ser exigidos ao Estado autor do ato ilícito.
Consequências instrumentais:
O direito de adotar contra-medidas deixa de ser exclusivo do Estado diretamente lesado, os
Estados indirectamente afetados também podem adotá-las, nestes casos.
No que toca à forma de adoção dessas contra-medidas há diferenças:
Numa situação normal há limites :
- Exige-se que o Estado que adota a contra-medida faça um pedido prévio de reparação;
que procure solucionar o conflito através de meios pacíficos e só depois pode adotar as
contra-medidas, sempre em razão do princípio da proporcionalidade.
Em situação de atos ilícitos graves:
- Os dois primeiros limites deixam de ser exigidos: Já não se exige um pedido prévio de
reparação, nem que se tente solucionar o conflito através de métodos pacíficos e
diplomáticos: O(s) Estado(s) lesado(s) pode(m) reagir de imediato. O único limite a cumprir
é o princípio da proporcionalidade.
- Recai, sobre os outros Estados, um dever de não reconhecimento da situação criada com
a prática do ato ilícito;
- Os Estados têm o dever de não prestar qualquer auxílio ou assistência ao Estado que
praticou o ilícito, de tal forma que ele pudesse perpetuar a situação criada com esse ato;
- Se um Estado, quer o Estado diretamente lesado, ou o indiretamente lesado, tiver sob
custódia um indivíduo representante do Estado que praticou o ato ilícito grave, deverá ou
entregá-lo ao Estado que requerer a sua extradição ou julgá-lo perante os seus próprios
tribunais: Princípio aut dedere, aut judicare.
Dimensão institucional
- Perante a prática de atos mais graves, o Estado autor dos mesmos expõe-se à cominação de
sanções perante Organizações Internacionais;
Assim:
• Temos dois regimes distintos da responsabilidade internacional:
• Regime regra (legado do direito clássico);
• Regime excecional (regime mais gravoso), com consequências jurídicas
suplementares.
Estas teorias tiveram um efeito benéfico para o Direito Internacional, porque ligado a estas
está um propósito de busca por uma espécie de mínimo ético universal, valores superiores
aos interesses gerais. São normas destinadas a tutelar valores essenciais para a Comunidade
Internacional.
Há, todavia, algumas sombras que pairam sobre estas construções:
Poderão conduzir a um problema de legitimação, quem é que na Comunidade
Internacional está legitimado a identificar toda a supernormatividade - Quem tem
legitimidade para dizer quais as normas de jus cogens, quais as obrigações erga omnes?
O que é a Comunidade Internacional de Estados no seu conjunto? É a Comunidade
Internacional institucionalizada através das Organizações Internacionais? Ou são todos os
Estados?
- Isto constitui um risco de abrir caminho a uma espécie de oligarquia de facto, uma espécie
de Direito Internacional ideológico, que põe em causa o princípio da igualdade soberana dos
Estados - São apenas alguns Estados, não todos, são os mais poderosos e influentes que
dizem quais são as normas de jus cogens, quais as obrigações erga omnes e quais os atos
ilícitos mais graves.
Esses riscos são superados pelos efeitos benéficos, mas mantém-se um problema de ordem
técnica - Como se inter-relacionam estes 3 conceitos?
Qual destas categorias é a mais ampla? Mais restrita?
- Imaginando 3 círculos concêntricos: no círculo de maior diâmetro, colocam-se as
obrigações erga omnes, no intermédio, o jus cogens e no círculo com menor diâmetro, os
atos ilícitos mais graves - As obrigações são a categoria mais ampla, os atos ilícitos do
Estado a mais restrita e o jus cogens é um conceito intermédio.
É evidente que todas as normas de jus cogens impõe obrigações erga omnes, mas a inversa
não é verdadeira, nem todas as obrigações erga omnes correspondem a normas de jus
cogens. Ex: supondo o direito que é reconhecido aos Estados de passagem em trânsito pelos
canais internacionais, a este direito correspondem obrigações erga omnes, mas este direito
dos Estados não consubstancia uma norma de jus cogens; No mar territorial dos estados há
um direito de passagem inofensiva de navios estrangeiros e isto constitui uma obrigação
erga omnes, que não é uma norma de jus cogens.
Mais circunscrita ainda do que a categoria das normas de jus cogens é o conceito de ato
ilícito do Estado particularmente grave - Esses atos correspondem à violação de uma norma
de jus cogens, mas não há coincidência entre conceitos. A Comissão de Direito
Internacional concebeu os atos ilícitos mais graves como violações graves de obrigações
erga omnes. Portanto, isto deixa-nos margem para admitir que há violações de normas de jus
cogens que não se revestem de gravidade suficiente para estarmos perante atos ilícitos
considerados mais graves e que desencadeiam consequências específicas suplementares.
Assim, conclui-se que podemos não ter apenas dois regimes de responsabilidade
internacional, mas 3 ou mais:
- Regime regra para atos ilícitos normais;
- Regime mais gravoso com consequências suplementares, que resultam da violação grave
de obrigações erga omnes;
- Regime para o caso da violação da norma de jus cogens não ser suficientemente grande.
Ex: se um Estado emprega a força militar contra outro, mas limita-se a bombardear umas
instalações do Estado alvo junto à fronteira.
Diluição da normatividade internacional
Em que medida podemos falar de uma normatividade que parece diluir-se?
As teorias de que falamos vieram por em causa a regra da individualização e
determinação dos sujeitos ativos e passivos das normas de Direito Internacional.
No modelo clássico, havia, normalmente, uma determinação, individualização dos sujeitos
ativos e passivos das normas de Direito Internacional. Todavia, atualmente, a regra parece
ser a contrária: Há uma total indefinição dos sujeitos ativos e passivos das normas de
Direito Internacional:
1. Direito convencional (das Convenções internacionais):
No modelo clássico:
Tínhamos o princípio da eficácia relativa das convenções internacionais ou da relatividade
dos efeitos do tratado: Em regra, uma convenção internacional não cria nem direitos, nem
obrigações para terceiros. Assim, sabíamos bem quais eram os titulares de direitos e de
obrigações.
Hoje em dia:
Imagine-se uma Convenção Internacional que passe a escrito uma norma costumeira de
alcance geral, consagrando essa norma. Isto significa que, nessa parte, a convenção produz
efeitos para terceiros, passa a ser um costume que é de alcance geral. Outras vezes, há
normas incluídas numa convenção, relativamente às quais os Estados parte afirmam uma
convicção de obrigatoriedade jurídica relativamente a Estados terceiros - estas deverão ter
uma eficácia generalizada - forma-se, assim, um costume instantâneo.
Em alguns casos, as normas de uma convenção servem para criar um costume, para o
cristalizar, ou estar na origem do surgimento de uma norma costumeira e, portanto, quando
se trata de normas com um alcance erga omnes, normas de costume geral, a convenção
produz os efeitos para terceiros - A norma convencional adquire todo o seu valor quando
deixa de ser exclusivamente convencional ou contratual: Se a convenção contém normas de
alcance geral, a convenção produz efeitos para fora do círculo dos Estados parte e este é um
fenómeno comum no Direito Internacional atual - A convenção adquire todo o seu valor
quando deixa de ser exclusivamente contratual e isto constitui a desfiguração do conceito de
convenção, sendo a fronteira no passado clara entre convenção e costume, é, hoje, uma
fronteira que se dilui, desaparece em certos casos.
2. Direito costumeiro
Modelo clássico:
Surgia através de comportamentos reiteradamente adotados pelos Estados, uniformemente,
ao longo de um determinado período de tempo, até que se formava uma convicção de
obrigatoriedade jurídica - Um costume surgia por força do consentimento dos Estados,
exprimido através da adoção voluntária de determinados comportamentos.
Se pensarmos em costumes gerais, relativamente à pratica, nunca se exigiu que fosse
unânime, não se exigia que todos os Estados da comunidade internacional adotassem esses
comportamentos, ou seja, a prática tinha de ser geral, não unânime. Quanto à convicção de
obrigatoriedade, não se esperava que todos adotassem esta, apenas que os Estados
particularmente interessados a tivessem.
Mas os pressupostos do voluntarismo permaneciam intocados, porque era sempre possível
a um Estado escapar à vinculação a norma costumeira se, durante o processo de formação
da norma, se opusesse de forma contínua e expressa, adquirindo, assim, o estatuto de objetor
persistente - era uma faculdade de opting out.
Hoje em dia:
Tem se verificado um aligeiramento da prática geral e uniforme: Exige-se cada vez menos
tempo para se formar um costume e, quanto à sua generalidade, não se exige que tantos
Estados adotem o comportamento. Quanto à convicção de obrigatoriedade, as exigências
são menores - isto deu aso ao surgimento de costumes selvagens em disposições
convencionais, ou seja, há casos de tratados que são os chamados tratado quase universais,
porque são concluídos por um número muito elevado de Estados parte - Por vezes, nesses
tratados as partes afirmam uma convicção de obrigatoriedade de determinadas práticas e
essas normas da convenção vão-se impor a terceiros a título de direito costumeiro, só que
relativamente a esses costumes, já não existe possibilidade de opting out, não funciona
quanto a eles o estatuto de objetor persistente.
Isto constitui uma desfiguração do costume classicamente entendido e contribui para o
esbatimento da fronteira entre normas convencionais e normas costumeiras.
Conclusão: Isto traz incerteza e insegurança quanto ao direito internacional - torna algo
indeterminados os sujeitos ativos e passivos das normas jurídicas internacionais.

2. Relações diplomáticas e consulares


Jus legaciones - direito de enviar ou de receber missões diplomáticas
O relacionamento solene entre Estados pressupõe o envio e receção de representantes
estaduais, os agentes diplomáticos, e esse relacionamento processa-se através de missões
diplomáticas permanentes, as embaixadas.
Temos 2 Estados, o Estado Acreditante, o que envia representantes seus para o Estado
estrangeiro e o Estado Acreditador, o que recebe os representantes.
Relações diplomáticas:
O início das relações diplomáticas pressupõe o consentimento do Estado que recebe a
missão diplomática no seu território.
Esse consentimento designa-se por agrement - A partir do momento em que o chefe da
missão diplomática apresenta o passaporte dip e a credencial, as relações diplomáticas
podem ter início.
Essa representação consiste numa representação política do Estado acreditante no território
do Estado acreditador.
Relações consulares:
Também constituem representação de um Estado no território de outro, mas não político,
são funções de caráter administrativo.
A existência das relações consulares não depende da existência ou continuidade das
relações diplomáticas. Podemos ter uma representação consular sem que haja representação
diplomática, ou tendo deixado de haver, embora seja verdade que uma autorização para
início de relações diplomáticas tem implícito consentimento para início de relações
consulares.
As normas reguladoras destas relações eram normas consuetudinárias e, progressivamente,
foram sendo concluídos tratados internacionais que relegaram o costume para fonte
subsidiária, nesta matéria. Por exemplo: o regulamento de Viena de 1815, a convenção de
Havana de 1928 e sobretudo as convenções de Viena de 1961, sobre relações diplomáticas,
e a Convenção de Viena de 1963, sobre relações consulares.
Os representantes diplomáticos e consulares gozam de privilégios e imunidades
consagrados nas convenções:
Imunidade funcionais (ou racione matéria) e imunidade pessoas (racione persone)
• Imunidades funcionais - São concedidas pelo Direito Internacional a todo e qualquer
representante estadual:
• Abrangem atos praticados no exercício de funções oficiais;
• Podem ser invocadas perante qualquer Estado estrangeiro, ou seja, possuem
caráter erga omnes;
• São imunidades que perduram, mesmo após o término de funções oficiais desse
representante. Isto acontece porque o que se esta a proteger é o Estado, as ações
são imputáveis ao estado não a pessoa em concreto.
• Imunidades pessoais - A lógica subjacente à outorga das imunidades pessoais é distinta:
Imunidade que são atribuídas não a todos, mas apenas a alguns representantes estaduais,
nomeadamente, aos chefes de estado, aos chefes de governo, aos ministros dos negócios
estrangeiros e aos representantes diplomáticos, não aos consulares - há um núcleo restrito
de pessoas que beneficiam destas imunidades:
• Recobrem atos praticados durante ou mesmo antes do exercício de funções
oficiais;
• Já não recobrem apenas atos no exercício de funções oficiais, mas também atos
praticados a título privado.
• Todavia, as imunidades pessoais ja não possuem um caráter Erga Omnes, não são
invocáveis perante todo e qualquer estado, só perante o Estado no qual o
representante está a exercer funções oficiais
• Estas imunidades são concedidas para que o representante possa levar a cabo a
sua missão no estrangeiro e cessam com o término das funções oficiais - foram
concedidas para aquele fim, quando terminava a missão, estas terminavam
também.
Quanto às relações diplomáticas, os representantes beneficiam das imunidades funcionais e
pessoais, já quanto às relações consulares, estes apenas beneficiam de imunidades
funcionais.
Convenção de Viena de 1961:
- Relativa a relações diplomáticas
Art. 4º: Refere-se à autorização formal para o início das relações diplomáticas.
Art. 3º: Funções da representação diplomática.
Art. 9º: Quando um Estado declara um representante como persona non grata, que o Estado
acreditador perdeu a confiança no representante.
Exemplos de privilégios:
Art. 22º: Locais de missão são invioláveis - uma embaixada é como uma parcela de
território de um Estado estrangeiro - as autoridades não podem entrar lá sem autorização.
Art 23º; Art. 24ª;Artigo 27º: Correspondência é inviolável;Art. 28º ;Art. 29: o diplomata não
pode ser detido; Art. 30ª: Residência particular inviolável; Art. 34º
Imunidade de jurisdição - os Representantes não podem ser julgados nos tribunais do Estado
acreditador. Em matéria penal a imunidade é total, em matéria civil sofre algumas restrições.
Isto não significa impunidade, porque não podendo ser julgado pelo Estado acreditador,
pode ser julgado pelos tribunais do Estado acreditante.
Pode acontecer que o Estado acreditante renuncie a essa imunidade - ato unilateral
voluntário. Se a renunciar, o representante passa a poder ser julgado perante os tribunais
desse Estado, caso não o faça, não pode.
Art. 37º: Estende as imunidades aos membros da família de um agente diplomático que com
ele vivam, estes gozam dos privilégios e imunidades mencionados nos artigos anteriores,
desde que não sejam nacionais do Estado acreditador.
Pode acontecer que um representante seja nacional do Estado em que está a exercer as
funções e, aí, passa a possuir apenas imunidades funcionais, não pessoais.
O Direito Internacional concede imunidade aos membros da família, porque é preciso
colocar os agentes diplomáticos a salvo de possíveis medidas arbitrárias por parte do Estado
acreditador, há muitos Estados que não são verdadeiros Estados de Direito, por isso esses
representantes podiam ser vítimas de atos abusivos.
Convenção de Viena de 1963:
- Relações consulares.
Relação consular é uma representação de caráter administrativo, aqui não se fala de Estado
acreditante e Estado Acreditador, mas, antes, de Estado de envio e Estado de receção.
Artigo 12º Autorização formal - xecuatu
Relativamente aos privilégios e imunidades, estas são imunidades de caráter funcional, não
há imunidades pessoais, e temos alguns exemplos:
Art. 31º - nº2 Faz-se uma ressalva - o consentimento do chefe do posto consular poderá ser
presumido em caso de incêndio ou outro que exija medidas de proteção imediata.
Art. 32º; Art. 33º; Art. 34º; Art. 35º; Art. 49º
- Um agente consular pode ser detido pela prática de um crime grave.
Funções dos agentes consulares:
Eles tratam dos interesses do Estado de envio no território do Estado de receção - emissão
de passaportes, prática de atos notariais, proteção de menores e de incapazes, questões
sucessórias, promovem o desenvolvimento de relações sociais, económicas, culturais…
3. Sucessão de Estados
Sucessão de Estados diz respeito à substituição de um Estado por outro, num determinado
território, em que há uma mudança de soberania. Sobre esse território exercia soberania um
estado e passar a exercê-la um outro Estado.
Há duas convenções internacionais, de 1978 e de 1983, que dão uma definição de sucessão
de Estados:
- A sucessão designa a substituição de um Estado por outro na responsabilidade das relações
internacionais sobre um determinado território.
Elementos constitutivos de um Estado: população, território e governo
- Verifica-se uma sucessão quando há uma alteração significativa no elemento território
Haveria sucessão de Estados se a população fosse toda substituída por outra, só que isso
não se verifica na prática.
Não há sucessão de Estados quando há mudança de governos por via revolucionária, na
sequência de convulsões políticas internas, ou seja, fora do quadro constitucional normal -
não há sucessão porque o Direito Internacional afirma a manutenção da personalidade
jurídica do Estado, quando se verifique uma mudança de governos pela via revolucionária -
princípio da continuidade do Estado.
Continuidade do Estado - Tem a ver com a proteção dos direitos de Estados terceiros e com
a proteção do direitos do próprio Estado, onde ocorrem as convulsões políticas internas:
• Proteger Estados Terceiros - Se, porventura, houvesse sucessão de Estados quando se
verifica essa mudança de governos, isso poderia levar a que as novas autoridades não
quisessem cumprir os compromissos internacionais desse Estado, previamente
assumidos pelo governo que foi derrubado. O princípio da continuidade do Estado
impede isso: devem cumprir os compromissos que o governo deposto tinha assumido.
• Proteger o próprio Estado - Na medida em que, subsistindo a personalidade jurídica do
Estado, isso vai proteger esse Estado de possíveis ações de ingerência de Estados
terceiros, se houvesse uma substituição de estados, isso poderia propiciar ações de
ingerência provindas do exterior.
De modo que o fenómeno de sucessão de Estados acontece apenas quando há alterações
significativas no elemento território - mudança de soberania.
Apesar de estarmos perante a sucessão de Estados, esta não é um fenómeno idêntico ao da
sucessão privada, a posição do Estado sucessor não é idêntica à de um herdeiro.
Sucessão privada: Morre alguém e outro encabeça a posição jurídica do que faleceu. É um
continuado do falecido, passando a ser titular dos direitos e sujeito passivo das obrigações
que estavam na titularidade do de cuius.
Sucessão de Estados: Surge o Estado sucessor que exerce soberania sobre o território.
Apesar de falar em Estado sucessor, este não tem uma posição exatamente idêntica à de um
herdeiro privado - Muitas vezes, o Estado predecessor continua a existir com o estado
sucessor. Naquele território, há uma mudança de soberania, mas o predecessor não deixa de
existir. 

Por outro lado, os Estados são entidades soberanas, na sucessão de Estados, apesar de
haver muitas soluções de continuidade, prevalece uma ideia de descontinuidade ou rotura.
Há vários tipos de sucessão de Estados, previstos 4 deles na convenção de 1978 e um outro
previsto na convenção de 1983:
• Convenção de 1978: Sobre sucessão de estados em matéria de tratados
• Convenção de 1983: Em matéria de propriedade, arquivos e dívidas
Tipos de sucessão de Estados
Na convenção de 1978, temos 4 tipos de sucessão de Estados:
1. Sucessão relativa a uma parte do território
Quando há uma parte do território do Estado que passa a estar submetido à soberania de
outro Estado.
Ex.: Macau que, em 1989, passou a estar sobre a soberania da China;
2. Unificação
Unificação, que acontece quando 2 ou mais Estados se unem, formando um novo Estado.
Ex.: Caso da unificação das Alemanhas (ex-RFA com a ex-RDA).
3. Estados sucessores de recente independência
Quando há um território que esta sob administração de um Estado independente,
geograficamente separado.
Um território colonizado que se torna num Estado independente - verifica-se uma mudança
de soberania, da metrópole para o novo Estado independente.
Ex.: Todos os fenómenos de descolonização - Timor-leste, antes submetido à soberania
portuguesa, depois ocupado pela Indonésia e agora independente .
4. Separação
Quando há partes do território que se separam, dando origem à formação de novos Estados
independentes, sendo que existir o Estado predecessor.
Com a convenção de 1983, deixa de fazer sentido referir-se como separação a quando
deixa de existir o estado predecessor, aqui estamos perante uma dissolução.
Verdadeiramente, os Estados sucessores de recente independência também resultam de
uma separação - é uma parte de um território que se separa e dá origem a um novo estado.
Autonomizou-se esta categoria, porque é uma separação com características especiais - O
território em questão de recente independência é geograficamente separado da metrópole. Já
quando se fala de separação não, este fazia parte do território, era próximo em termos
geográficos. 

Em acréscimo, a população da colónia tem carácter étnico culturalmente distinto da restate
população. E, ainda, normalmente, há um regime que poderá ser discriminatório para as
colónias.
Ex.: Ex-Jugoslávia, que se separou, mas continuou a existir a Jugoslávia, embora mais
pequena (durante alguns anos).
5. Desagregação ou dissolução
Quando o território de um Estado se desmorona, dando origem à formação de novos
Estados independentes - o Estado predecessor deixa mesmo de existir
Ex.: ex-URSS, ex-Checoslováquia
Assim:
Em muitas situações, o Estado predecessor continua a existir, exceto no caso da
desagregação e da unificação.
Havendo sucessão de Estados, há vários problemas jurídicos a resolver:
Regime jurídico de sucessão
A. Relações entre estado sucessor e particulares
2 problemas a resolver:
1. Quanto à nacionalidade das pessoas
Havendo sucessão de Estados, o que acontece aos habitantes do território?
Não há uma resposta clara do Direito Internacional para esta questão, a prática
internacional é oscilante, o que nos impede de dizer com segurança total quais são as regras
que se observam, em matéria de nacionalidade, quando existe sucessão de Estados.
Em todo o caso, como linha de princípio, entende-se que, por força de uma sucessão de
Estados, as pessoas instaladas no território objeto de sucessão perdem a nacionalidade do
predecessor e adquirem a do sucessor - é a solução lógica
Esta regra é seguida nas hipóteses de unificação e dissolução, em que deixa de existir
estado predecessor - se o estado já não existe, as pessoas que vivem no território passam a
ser nacionais do Estado sucessor
Já mais dúvidas se levantam nas restantes. Há fatores que podem levar a que não se siga a
regra da substituição:
- Pode acontecer que haja nacionais do Estado predecessor que vivam no estrangeiro;
- Pode acontecer que haja cidadãos estrangeiros que vivem e se encontram instalados no
território da sucessão.
- Podem existir grupos minoritários, nesse território, cuja identidade importe preservar, em
que haja interesse em assegurar a identidade desses grupos. Assim, neste caso justifica-se
a manutenção da nacionalidade anterior;
- Necessidade de proteção de menores;
- Preservar a unidade familiar.
No meio de tudo isto, existem 2 regras fundamentais que são seguidas:
- Respeitar a vontade das pessoas: Deve dar-se as pessoas a possibilidade de optar. Não
havendo qualquer manifestação de vontade, haverá a substituição da nacionalidade
- Prevenção da apatridia - O Direito Internacional é contrário à situação de apatridia, um
não nacional de qualquer Estado, uma vez que, nesta situação, o cidadão fica
desprotegido, deixando de ter nacionalidade, deixa de ter direito a ter direitos.
Aqui, denota-se a tendência para a humanização do DI, que pode levar a que deva
prevalecer, sobre os corolários normais da soberania estadual, os direitos fundamentais.
NOTA: O DI não rejeita a opção de dupla nacionalidade, só a apatridia.

2. Quanto aos direitos adquiridos pelos particulares antes da sucessão


O Estado sucessor é obrigado ou não a respeitar os direitos adquiridos pelos particulares à
sombra da Ordem Jurídica do Estado predecessor?
A este respeito existe a solução clássica, tradicional:
Entendia-se que os Estados sucessores deveriam, sempre, respeitar esses direitos
patrimoniais, adquiridos pelos particulares, antes da sucessão, por razões de segurança
jurídica, de certeza, de equanimidade.
- Esta posição doutrinal foi várias vezes confirmada pela jurisprudência do Tribunal
Permanente de Justiça Internacional, que chegou mesmo a afirmar que este princípio era um
princípio de Direito Internacional Geral.
Inicialmente, estavam em causa apenas direitos privados, direitos patrimoniais emergentes
de relações jurídicas privadas. Depois, passou a entender-se que deveriam, também, estar
incluídas algumas situações de relações de direito público, nomeadamente, direitos
resultantes de contratos de direito público, mais concretamente, contratos de concessão de
utilização de bens de domínio público.
Sucede que esta tese tradicional começou a ser criticada pelos estados de recente
independência, que vieram dizer que esta era injusta, uma vez que significava impor aos
sucessores, normalmente ainda com economia frágil, compromissos ou obrigações
financeiras, a cuja criação esses estados tinham sido alheios, estariam a impor aos Estados a
assunção de pesados compromissos financeiros que não tinham assumido, funcionava como
uma espécie de asfixia económica desses estados, ainda frágeis, débeis.
Por outro lado, a par da tentativa de criação de uma Nova Ordem Económica Internacional,
foi afirmado o princípio da soberania permanente dos Estados e dos povos sobre os seus
recursos naturais. Isso choca com a ideia do respeito pelos direitos adquiridos,
nomeadamente, quando se trata das concessões de utilização de bens do domínio público.
Então, esses Estados também defendiam que deve ser reconhecida uma total liberdade de
condução da política económica, nomeadamente, quanto à nacionalização de propriedades
em mãos de estrangeiros.
Por tudo isto, a tese clássica é posta em causa.
Atualmente, entende-se que os Estados sucessores devem, tanto quanto possível, respeitar
os compromissos internacionais anteriormente assumidos e os direitos adquiridos pelos
particulares, antes da sucessão, na medida do possível. Se isso representar um peso
excessivo para a economia dos novos Estados sucessores, então poderá haver um
desrespeito por essas posições jurídicas dos particulares , mas isso não pode ser feito de
forma pura e simples, deve ser acompanhado da outorga de uma indemnização justa, como
forma de compensação.
B. Relações entre Estado sucessor e Estado predecessor
1. Sistema jurídico
Em principio, a solução é de rotura ou descontinuidade.
Por força do princípio da soberania, o lógico é que se verifique uma substituição do
sistema jurídico do Estado predecessor pelo sucessor.
No entanto, tendo em vista a boa administração do território objeto de sucessão, pode
justificar-se que continue a vigorar a Ordem Jurídica do Estado predecessor, pelo menos por
um determinado tempo. Por razões de segurança jurídica, o bom senso determinada que,
pelo menos transitoriamente, continue a vigorar o sistema jurídico do Estado predecessor.
Podem existir acordos entre os Estados para regular estas matérias, que consagrem
soluções diferentes das decorrentes das convenções de 1978 e de 1983, mas não existindo, a
ideia é a supra-mencionada.
2. Quanto aos bens
(Quer de bens móveis e imóveis)
Neste caso, a solução resulta do Direito Internacional costumeiro.
A regra geral é a de transferência dos bens, a sucessão de Estados significa que os bens do
Estado predecessor serão transmitidos para o Estado sucessor.
Esta é a regra revelada consuetudinariamente, mas conhece alguns desvios, previstos nas
convenções:
Quanto à unificação e à dissolução, não há duvidas, pela natureza das coisas, os bens do
Estado predecessor serão transmitidos para o Estado sucessor, porque aí os Estados
predecessores deixam de existir.
No entanto, existem situações em que a solução não é essa:
- Sucessão relativa a parte do território de um Estado:
Aí, transmitem-se para o Estado sucessor os bens imóveis do Estado predecessor, mas
apenas aqueles que se situam nesse território.
Quanto aos bens moveis, apenas se transmitem os que estejam ligados à atividade do
Estado predecessor e que tenham relação com esse território, objeto de sucessão.
Ex.: Repartição pública em Macau - bens móveis como mesas, transmitiram-se para a
China.
- Quanto às situações de separação:
Aí, as regras, quanto aos bens móveis e imóveis, poderão transmitir-se outros, para além
dos que se transmitem no caso anterior, numa proporção equitativa.
Aqui, este critério da proporção tem a ver com as dívidas, com os compromissos
financeiros que o Estado sucessor assuma. Se o Estado sucessor assume compromissos
financeiros do predecessor, poder-lhe-ão ser transmitidos mais bens.
- Quanto aos sucessores de recente independência:
Há ainda um tratamento mais favorável, porque se entende que estes são estados mais
frágeis, com economias pouco consolidadas.
Passam a ter direito a alguns bens imóveis situados no estrangeiro e, também, bens para
cuja criação tenha contribuído esse território dependente.

Esta questão da transmissão de bens, por vezes, reveste-se de algum melindre, um exemplo
que é muito conhecido é de quando se verificou a separação de Jugoslávia, o governo desta
pretendia efetuar a venda da sua embaixada e da residência do seu embaixador, em Madrid,
e para esse efeito contratou o ministro dos negócios estrangeiros espanhol, mas logo a
Croácia, um dos Estados Sucessores da Jugoslávia, meteu uma nota instando o ministério
dos negócios estrangeiros espanhol sobre estar nessas possíveis transações de vendas,
enquanto não se resolvesse o problema da propriedade, da transmissão de bens no território
da ex Jugoslávia.
No fundo pretendeu que se decretasse um embargo a essas possíveis vendas, enquanto que
não estivesse resolvido definitivamente o problema da transmissão de bens no território da
ex-Jugoslávia.

Mas esta questão de transmissão de bens não se limita à transmissão de bens móveis ou
imóveis, também poderá estar em causa, e está atualmente em causa, o problema da
transmissão de arquivos do Estado predecessor.

Entende-se por arquivos, documentos oficiais de proveniência diversa, recebidos ao longo


do tempo, pelo Estado Predecessor. Portanto, põe-se o problema de saber se esses arquivos
desse Estado são transmitidos ou não para o Estado predecessor ou Estados Predecessores.
Então, a regra é de que há uma transmissão de arquivos para o Estado sucessor e estes
podem ser os originais ou meras cópias.

No entanto, também, aqui há algumas especificidades a revelar:

Relativamente à unificação, aqui também não há dúvidas, porque a transmissão dos


arquivos é completa.

Nas hipóteses de sucessão relativa a uma parte do território, ou de separação ou de


dissolução, a transmissão de arquivos não precisa de ser completa, só tem de se transmitir os
arquivos que se revelem necessários a uma boa administração do território objeto da
sucessão, portanto não tem de ser uma transmissão total, mas sim uma transmissão parcial.

Quanto aos Estados sucessores de recente independência, uma vez mais beneficiam de
uma transmissão mais alargada, tem de haver uma restituição total dos arquivos,
designadamente, de documentos que pertenceram ao território dependente, que durante o
período da colonização converteram em artigos do Estado Predecessor. Esses documentos
serão transmitidos para o Estado de recente independência, há aqui, portanto, uma solução
mais favorável a estes Estados recém independentes.

3. Transmissão de dívidas

Transmissão de dívidas, ou seja, compromissos financeiros assumidos pelo Estado


Predecessor, compromissos financeiros que ele tenha assumido em face de outros Estados,
de organizações internacionais que é comum, pois os Estados tem de contribuir
financeiramente para as instituições que pertençam.

Portanto quando aqui falamos em dívidas, falamos de compromissos financeiros do Estado


Predecessor para com outros Estados, mas também com Organizações Internacionais ou até
para com outros sujeitos de Direito Internacional. Exemplo disto é quando há uma situação
de violação de direitos de cidadãos estrangeiros podem ser condenados ao pagamento de
indemnizações para com indivíduos.

Ponderamos soluções diversificadas para a possível transmissão destas dívidas, estas


transmitem-se numa proporção equitativa, tem de haver uma ponderação entre os bens,
direitos e interesses que se transmitem, relativamente a cada dívida do Estado predecessor.

Na unificação, evidentemente que há uma transmissão total de dividas, estas que eram do
Estado predecessores terão de ser assumidas pelo Estado sucessor unificado.

Nas hipóteses de transmissão de uma parte relativa do território, e na separação e


dissolução, a regra consagrada na convenção de 1983 é de uma transmissão equitativa das
dívidas do Estado Predecessor.
Entende-se por transmissão equitativa, segundo a Convenção de 1983 que haja uma
ponderação de dois fatores, entre os bens, direitos e interesses que hajam sido transmitidos
para o Estado sucessor ou para os Estados sucessores e as dívidas do Estado predecessor.
Então a ponderação que se deve fazer é a que é quantos mais forem os direito, bens e
interesses transmitidos para o Estado sucessor, mais dívidas do Estado predecessor ele
estará habilitado a responder, tem-se de fazer esta ponderação pois temos aqui uma
transmissão equitativa de dívidas.

Este critério, todavia, não se aplica aos Estado sucessores de recente independência,
porque parte-se do pressuposto que estes, possuindo ainda economias ainda débeis, não é
recomendável sobrecarregar com compromissos financeiros do Estado Predecessor. A regra
destes, salvo acordo em contrário, ficam isentos/desonerados de cumprir esses
compromissos financeiros do Estado Predecessor, portanto não há transmissão de dividas
para os Estados Sucessores de recente independência.

NOTA: Deve, no entanto, advertir-se para a circunstância de que, por vezes, na prática
internacional, encontrarmos soluções diferentes definidas em acordos particulares entre os
Estados Predecessores e Sucessores. As regras consagradas quer na Convenção de 1978
quer na de 1983, não são regras imperativas, portanto, podem sempre ser afastadas pela via
de Acordos particulares entre o Estado Predecessor e o Estado Sucessor.
Então, realmente encontramos com relativa frequência soluções diferentes das previstas na
Convenção de 1983 a este propósito da transmissão de dívidas, por exemplo quando se deu
a dissolução da Ex-União Soviética, a Rússia e a Ucrânia celebraram um acordo particular,
sobre a frota do Mar Negro que não encontrou respaldo na Convenção de 1983,
consagraram soluções distintas. Também por exemplo a República Checa e a Eslováquia
chegaram a um acordo para transmissão de bens, para a transmissão de dívidas, para a
titularidade das forças armadas, etc, então estabeleceram um acordo com uma proporção de
dois para um em favor da República Checa, é um critério proporcional e territorial, a
primeira é maior que a segunda e portanto consagrou-se esse critério. Já no exemplo da Ex-
Jugoslávia previu-se o recurso à arbitragem para responder a estas questões, que também é
admissível, através de um tribunal internacional um tribunal de arbitragem. E ainda há
muitos mais exemplos disto, em que não segue o que está nas duas convecções. Claro que
não havendo acordo em contrário, aplicam-se normas constantes nas convenções sobre
sucessão de estados.
C. Relações entre o Estado sucessor e a Ordem Jurídica Internacional

Aqui há três problemas a considerar:

• Problema de tratados concluídos pelo Estado predecessor 


• Qualidade de membro de uma organização internacional 


• Responsabilidade internacional 


1. Problema de tratados concluídos pelo Estado predecessor



As soluções variam conforme a forma de sucessão em causa e conforme o tipo de tratado
em causa:

Relativamente a Estados sucessores de recente independência e sucessão relativa a uma


parte do território, a regra é a da tábua rasa. Portanto, nestas duas hipóteses de sucessão a
regra é a da intransmissibilidade desses tratados para o Estado Sucessor. Ou seja, o Estado
Sucessor não herda essas obrigações convencionais.

Verifica-se, portanto, por efeito da sucessão, uma diminuição do alcance territorial dos
tratados. A razão de ser desta regra é porque o Estado sucessor é um terceiro, relativamente
aos tratados consagrados pelo Estado predecessor, nós sabemos que, por força do princípio
da relatividade, os efeitos dos tratados não se aplicam a Estados terceiros sem o seu
consentimento, portanto, o Estado sucessor enquanto Estado terceiro não fica vinculado por
estes.
E pode, até, dar-se o caso de desaparecer o Estado predecessor e, se estivermos a falar de
uma convenção bilateral, o desaparecimento de uma das partes do tratado leva
automaticamente à extinção deste. Assim, se isto acontecer não restariam dúvidas, pois
desaparece uma das partes no tratado, desaparece o tratado, isto em tratados bilaterais.

Em termos gerias, a ratio desta solução funda-se no princípio da relatividade dos efeitos
dos tratados.

Apesar de a regra ser a da não transmissão, é preciso ter em atenção uma solução
especifica contemplada na convenção de 1978, relativamente aos Estados sucessor de
recente independência, e para convenções multilaterais, esta solução prevê a possibilidade
de o Estado sucessor de recente independência, querendo, poder adquirir a qualidade de
parte desses tratados, mediante uma simples notificação de sucessão.
Isto quer dizer que o Estado sucessor de recente independência pode-se tornar,
automaticamente, parte desses tratados multilaterais, em cuja conclusão interveio o Estado
Predecessor, através de uma simples notificação de sucessão. É uma espécie de direito
potestativo, é algo a que não podem opor-se as restantes partes no tratado.
Portanto, é realmente algo que está na inteira disponibilidade do Estado Sucessor de
recente independência, se este quiser declara pura e simplesmente parte desses tratados a
não ser que estejamos a falar de um tratado multilateral restrito, e que a entrada do Estado
sucessor ponha fim ao objeto deste. Não sendo esse o caso, realmente há esta solução
muitíssimo favorável aos interesses do Estado Sucessor de recente independência prevista
na Convenção de 1978.

É uma solução de resto criticável, porque não tem em devida conta os interesses e a
vontade das partes originárias no tratado, portanto, parece ser uma solução demasiado
favorável aos interesses do Estado Sucessor, há aqui algum excesso nesta solução.

Se porventura, o Estado predecessor tivesse promulgado uma reserva a estes tratados


multilaterais, de que ele fosse parte, entende-se que no caso de haver essa notificação de
sucessão feita depois pelo Estado Sucessor de recente independência, se manterá essa
reserva feita pelo Estado predecessor, se nada for dito em contrário essa reserva se manterá,
se o Estado Sucessor de recente independência não concordar com os termos dessa reserva
então terá de o dizer expressamente se nada disser a reserva permanece tal como foi
formulada pelo Estado Predecessor.

Considerando o tipo de tratado que está em causa:

Há, no entanto, exceções a esta regra da intransmissibilidade dos tratados e essas são as
exceções ao princípio da relatividade dos tratados, no fundo, são as mesmas exceções que
existem a este princípio, então designadamente não se aplica a regra da intransmissibilidade
relativamente a:

• Tratados que criem situações estatutárias/objetivas, por exemplo, atos que criem para
um determinado território um estatuto de desmilitarização ou de neutralização, ou a
consagração de uma liberdade de navegação num determinado espaço marítimo
internacional. Esses tratados vinculam também os Estados sucessores; 


• Tratados que codificam, isto é que passam a escrito, normas costumeiras pré-
existentes. Se um tratado codifica uma norma costumeira pré-existente, é evidente que
essa norma não perde essa sua natureza, embora codificada no Tratado continuará a
vincular os Estados que já vincularia, independentemente da Sucessão de Estados.
Também estes tratados vão vincular o Estado sucessor; 


• Tratados que codificam normas imperativas de Direito Internacional, normas de jus


cogens. O tratado que codifique normas de jus cogens vai naturalmente impor se a
terceiros, também a Estados sucessores, aqui há sempre transmissão de Tratados; 


• Tratados que consagre normas que mais tarde e paulatinamente se convertem para
terceiros em normas de costume internacional. Isto é, há normas que inicialmente são
apenas convencionais, constantes de um tratado mas que depois poderão converter-se
em Costume para Estados não parte. Ou seja, se Estados Terceiros começaram a
cumprir o disposto nessa convenção, essas normas fazendo com convicção de
obrigatoriedade, naturalmente que aí o tratado vai se impor a Terceiros; 


• Tratados que versem sobre regimes de fronteiras, ou outros regimes territoriais. Por
exemplo, tratados que delimitam uma fronteira ou que consagram determinadas
obrigações relativamente a um território. Esses tratados também são designados
habitualmente como tratados reais são tratados que vão vincular os Estados
sucessores. Tratados reais (estes são aqueles que versam sobre matéria de territórios)
que se opõem aos tratados pessoais, concluídos intuito persona, e estes são tratados de
aliança política ou aliança militar, que se baseiam em relações de amizade e
proximidade entre os Estados. Estes tratados pessoais já não vão aplicar-se ao Estado
Sucessor, ao contrário do que se passa com os Tratados reais. 


No fundo, estas exceções à regra da intransmissibilidade são as exceções à regra do


princípio da relatividade dos Tratados, estamos a falar de Sucessão por descolonização ou
sucessão relativa a uma parte do território, é para estes dois tipos de sucessão que vigora a
regra da intransmissibilidade.
Mas relativamente à exceção que tem a ver com regimes de fronteiras ou outros regimes
territoriais, ou seja tratados reais, é importante referir que isto resulta de um princípio uti
possidetis juris, que é muito importante, este princípio significa que “o direito deriva da
posse que tens”. Podemos dizer isto de outra maneira, como princípio da intangibilidade das
fronteiras históricas, isto quer dizer que não podem ser alteradas/modificadas as fronteiras
históricas traçadas pelo colonizador. Entende-se que a delimitação de fronteiras feita pelo
colonizador não pode ser alterada depois da Sucessão de Estados, porque isto é uma regra
de proteção dos Estados sucessores de recente independência, é para os colocar os Estados
sucessores de recente independência a salvo de possíveis ingerências de Estados terceiros.

Se não vigorasse esta regra, podiam Estados terceiros contestar fronteiras históricas de
Estados de recente independência e, eventualmente, reivindicar uma parte do seu território
com graves prejuízos para esses novos Estados. E para evitar isso, consagrou-se no DI,
primeiro na América Latina, ainda no séc.XIX, depois mais tarde já no continente Africano
e na Ásia, este princípio da intangibilidade das fronteiras históricas.

Há até um caso que diz respeito a Portugal, que teve a ver com a delimitação da fronteira
marítima entre a Guiné e o Senegal, ambas antigas colónias, uma de Portugal e uma de
França e então tinha havido um tratado de 1960, concluído entre Portugal e França,
delimitando a fronteira marítima entre a Guiné e o Senegal. Estes dois Estados ascenderam
à independência e tornaram-se Estados sucessores de recente independência. A Guiné veio
contestar essa delimitação da fronteira marítima que vigorava nesse tratado dos anos 60,
essa controvérsia foi depois submetida a um tribunal arbitral.
A Guiné não contestava o princípio uti possidetis juris, simplesmente achava que era um
principio que valia apenas para fronteiras terrestes, não para a fronteiras marítimas, mas o
tribunal encarregado deste caso veio afirmar a validade deste princípio em termos gerais,
não apenas para fronteiras terrestres, mas também para fronteiras marítimas, ou do domínio
fluvial, como também do lacustre ou até à atmosfera, portanto, é uma regra de validade
geral.

Por isso, este princípio da intangibilidade tornou-se geral.

Nas outras hipóteses de sucessão de Estados, isto é, na unificação, separação e dissolução,


inversamente, a regra geral é a da transmissão dos tratados para o Estado sucessor. Esses
Estados ficaram vinculados nas convenções , porque aqui justifica-se a regra da
continuidade dos tratados.

Claro que a convenção de 1978 só contempla a hipótese de separação, porque a opção de


dissolução só se encontra prevista na Convenção de 1983.Temos de aplicar por analogia as
soluções previstas para a separação à dissolução, uma vez que são sucessões de Estados
com características semelhantes.

Quanto às exceções, entre elas, realmente, valem para Estados Sucessores de recente
independência e para a Sucessão do território - claro aqui já não tem interesse falar em
exceções mesmo a da transmissão, no caso da separação, unificação e dissolução a solução é
da continuidade ou transmissão.

2. Qualidade de membro de uma organização internacional

A regra que nós seguimos é a de que o Estado sucessor não se torna automaticamente
membro das organizações internacionais a que pertencesse o Estado predecessor.

Aqui não há uma sucessão automática no que toca à qualidade de membro de uma
organização internacional, cá temos mais uma solução de descontinuidade ou rutura. E
percebe-se que assim seja, porque o Estado sucessor se quiser tornar-se membro das
organizações internacionais a que pertencesse o Estado predecessor, tem de solicitar ou
requer a entrada ou a admissão, e tem de fazê-lo de harmonia com o previsto nos respetivos
tratados constitutivos.

Portanto, não há realmente sucessão automática nessa matéria, e percebe-se muito bem
porquê, porque muitas de vezes o Estado predecessor continua a existir, e a ser membro das
organizações internacionais, e os Estados sucessores são novos estados, e terão de requerer a
admissão nestas Organizações. Mesmo no caso de desaparecimento do Estado predecessor,
não se justificaria haver uma sucessão automática, porque podemos justamente estar a falar
de uma organização internacional de aliança política ou de aliança militar ou de integração e
portanto, não faria sentido a entrada automática de um Estado terceiro que pode não ter as
mesmas afinidades com os outros Estados já membros dessas organizações internacionais.

Normalmente o Estado Predecessor continua a existir e, portanto, por maioria de razão não
se justificaria haver aqui uma sucessão automática. No entanto, como sempre acontece,
existem exceções, por exemplo, a Índia sucedeu automaticamente ao Império das Índias
(que juntava a Índia ao Paquistão), e sucedeu automaticamente na qualidade de membro da
ONU, o que não se verificou com o Paquistão que teve de requerer a sua adesão. Também a
Síria e o Egito sucederam automaticamente na ONU, uma vez rejeitada a República Árabe
Unida. O mesmo se passou com a República Checa e a Eslováquia que sucederam
automaticamente a ex Checoslováquia, enquanto membros da ONU.
E até o caso mais flagrante, o caso da Rússia que sucedeu automaticamente à União
Soviética na qualidade de membro da ONU, que aqui com uma particularidade, pois a
União Soviética era um dos membros permanentes do Conselho de Segurança e a Rússia
sucedeu automaticamente incluindo na qualidade de membro permanente do Conselho de
Segurança com direito de veto.

Temos aqui alguns casos que se assumem como exceções à regra geral.

3. Problema da responsabilidade internacional

Aqui, a solução é de que não há sucessão em matéria de responsabilidade internacional,


isto é, o Estado sucessor não pode ser responsabilizado pelos atos ilícitos praticados pelo
Estado predecessor. Isto iria contra a imputação de regra de atos ilícitos se assim não fosse,
porque a prática de um ato ilícito é algo ligado ao Estado que praticou, portanto, não faria
sentido que houvesse aqui uma transmissão de responsabilidade para o Estado sucessor.

Esta é a regra, mas pode justificar-se, pontualmente, que o Estado sucessor se encarregue
de compensar um Estado terceiro, vítima de um ato ilícito praticado pelo Estado
predecessor.
Assim, pode o Estado sucessor assumir essa reparação de danos, mas isso é uma coisa
eventual, não é a regra.
Casos práticos sebenta:

1.

A e B são dois estados vizinhos, membros da união africana e das nações unidas, A esteve
sob a dominação colonial de C até ascender à independência em março de 1964, B por sua
vez foi uma colónia de D até se tornar independente em julho de 1965.

Durante a década de 50 do Séc. XX, C havia celebrado diversas convenções internacionais
e entre elas merecem destaque uma convenção de aliança militar com o Estado E e um
tratado de amizade e cooperação com S. O estado D, por sua vez conclui por seu turno com
G e H um tratado de delimitação das respetivas zonas económicas exclusivas, um tratado de
intercâmbio comercial, e ainda uma convenção multilateral proibindo a tortura e outros atos
cruéis, desumanos ou degradantes. Sabendo que após a independência A fizera uma
notificação de sucessão a todos os tratados concluídos por C e que B ao invés declarar tábua
rasa relativamente aos tratados celebrados por D.


Quid iuris do ponto de vista de sucessão de estados em matéria de tratados?

Proposta de resposta:

Temos aqui, portanto duas situações de descolonização, dois estados sucessores de recente
independência. As respetivas potências coloniais durante o período da colonização tinha
concluído diversos tratados, trata-se então de aplicar a matéria de sucessão de estados em
matéria dos tratados. Mas sabendo que um dos Estados recém-independentes, o estado A
aquando a independência fez uma notificação de sucessão a todos os tratados concluídos por
C, isto é, no fundo fez uma declaração dizendo que pretendia tornar-se parte desses tratados.
Pelo contrário, B, o outro estado de recente independência, declarou tabua rasa
relativamente aos trados concluídos por D, pelo contrário ele pretendia não herdar qualquer
tratado convencional.
Tratado de aliança militar é tipicamente um caso de tratados que não se transmitem, porque
é um tratado intuito persona, e o mesmo é dizer um tratado de amizade e cooperação, que
implica uma relação de especial amizade entre os estados. E de qualquer maneira são
convenções bilaterais, por isso se os estados predecessores continuarem a existir não se
coloca o problema nesses termos, mas se estes deixarem de existir iria haver uma extinção
do próprio tratado. Num tratado bilateral quando se extingue uma das partes, o tratado deixa
de vigorar. Agora, mantendo-se os estados predecessores, o tratado não se extingue, mas
quando há uma situação de estado sucessor de recente independência, a regra é a da
intransmissibilidade, e aqui isso aplicar-se-ia. Mantendo-se os estados predecessores, no
plano internacional, não se extingue. E aqui o que se aplica é a intransmissibilidade dos
tratados, em resultado de um argumento à fortiori (por maioria de razão), uma vez que as
convenções em causa são concluídas intuito persona, essas em qualquer circunstância não se
passam.

Relativamente ao Estado D, este quando ascendeu à independência declarou tabua rasa nos
tratados concluídos, isso quer dizer que ele não pretendia ficar vinculado a esses tratados,
queria apagar tudo o que estava para trás.

2.

Tratava de um estado predecessor que se desintegrou-se, uma dissolução, que deu origem a
dois novos estados B e C, os estados sucessores.
E depois há uma pergunta que é: supondo que B, tinha o dobro da área territorial e de
população que C, em que termos se processariam a transmissão de Bens imóveis de A
(estados predecessor), situados no estrangeiro, e das dividas deste estado à ONU.

Proposta de resposta:

A regra geral, numa situação de dissolução, em matérias de bens é a regra de transmissão


dos bens, do estado predecessor para os estados sucessores, o Estado A desintegrou-se os
seus bens, quer situados no seu território quer situados no estrangeiro, vão transmitir-se para
os estados sucessores, naturalmente. Há uma regra de continuidade aqui. Coisa diferente
seria se estivéssemos a falar de uma separação, porque aqui o estado predecessor continua a
existir.

Aqui temos a particularidade de um dos estados sucessores ter o dobro do território e o
dobro da população, por isso aqui temos de fazer uma ponderação equitativa, que tem a ver
com a diferença que exista na dimensão territorial e em termos populacionais, tem de haver
uma ponderação para haver uma solução equilibrada, porque aqui temos um critério de dois
para um.

Caso prático da aula


08/04

1. A e B são dois Estados vizinhos, membros da União Africana e da ONU.

- A esteve sob dominação colonial de C até ascender à independência em abril de 1965.


- B foi uma colónia de D, até se torna independente em julho de 1966.

Durante a década de 50 do século XX, C havia celebrado várias Convenções


Internacionais, de entre elas merecem destaque uma convenção de Aliança militar com o
Estado E e um tratado de amizade e cooperação com F.

O Estado D, por sua vez, conclui durante o mesmo período, com G e H, um tratado de
delimitação das respetivas plataformas continentais, um tratado de transferência de
tecnologia e, ainda, uma convenção multilateral proibindo o tráfico de mulheres e crianças.

Sabendo que, após a independência, A fizera uma notificação de sucessão a todos os


tratados concluídos por C e que B, ao invés, declarara tábua rasa relativamente aos tratados
celebrados por D, Quid Iuris do ponto de vista de sucessão de Estados, em matéria de
tratados.
Resposta:

Situação do Estado A:

- Estado sucessor de recente independência - regra geral em matéria de tratados é a da


tábua rasa, portanto, em princípio os tratados concluídos por C não vinculariam A. No
entanto, há exceções a essa regra. 

Aqui, temos um tratado de Aliança militar com o Estado E - esta convenção não vai
vincular o Estado A, a é um terceiro relativamente ao tratado entre C e E, logo aplica-se a
regra geral, um tratado não produz efeitos para um terceiro sem o seu consentimento. No
entanto, A fez uma notificação e sucessão a todos os tratados concluídos com C, logo,
denota-se uma manifestação de consentimento a ficar vinculado a esse tratado. No
entanto, não se diz aqui que a intenção de C e E fosse de aceitar A nesse tratado e, por
outro lado, trata-se de uma convenção de aliança militar, é um tratado pessoal, que só faz
sentido para as partes que o concluíram originalmente, não para terceiros, pressupõe
afinidades que, porventura, o Estado A não partilha.

Assim, o facto de A ter feito uma notificação de sucessão é irrelevante, porque tratados
pessoais não se transmitem para estados terceiros.

Quanto ao tratado de amizade e cooperação com F: aqui, estamos perante um caso
típico e que se segue a regra geral, um tratado bilateral, o estado sucessor é um Estado
terceiro e, portanto, não vai ficar vinculado por este tratado. 

Para concluir, nestas duas situações, aplica-se a regra geral e não releva a circunstância
do Estado A ter feito uma notificação de sucessão.

Situação do Estado B:

- O tratado de delimitação das plataformas continentais é um tratado real, sobre regime de


fronteiras, logo, o Estado B não pode passar tábua rasa, este fica obrigatoriamente
vinculado ao tratado - estamos perante as exceções à tábua rasa - o artigo 11º e 12º da
Convenção de 1978, consagra o princípio da intangibilidade das fronteiras históricas.
- Quanto ao tratado de transferência de tecnologia, um tratado multilateral, existe a
possibilidade de fazer a notificação de sucessão, no entanto, o Estado B não o fez,
declarou tábua rasa, logo, não fica vinculado a este tratado - artigo 17º
- Quanto ao tratado de proibição do tráfico de mulheres e crianças, estamos perante uma
norma de jus cogens - artigo 5º da Convenção de 1978 - a proibição do tráfico
consubstancia uma obrigação internacional imposta pelo DI, independentemente de
qualquer tratado, é uma norma imperativa. Logo, o Estado B está impedido de passar
tábua rasa, está vinculado ao tratado.
Aula 13/04

2. O Estado europeu A, colonizador do território X, desintegrou-se, dando lugar a


formação dos estados B e C e à independência da colónia X. Antes da desintegração, A
havia concluído as seguintes convenções internacionais:

1. Uma convenção bilateral com o Estado fronteiro D, delimitando pela linha


mediana as plataformas continentais respetivas;

2. Uma convenção multilateral pela qual se comprometia a submeter parte do seu


território europeu (a parte correspondente ao território do novo Estado B) a um
estatuto de desmilitarização;

3. Uma convenção multilateral sobre direitos humanos;

4. Um tratado de aliança militar com o Estado E;

5. Uma convenção multilateral a cuja clausula Y, o Estado A havia formulado uma


reserva, pretendendo modificar o respetivo conteúdo.

Quid iuris do ponto de vista de sucessão de estados em matéria de tratados

Resposta:

Esta é uma hipótese típica de sucessão de estados, mas aqui temos uma situação em que
há um estado sucessor de recente independência e desapareceu o estado predecessor.

Tinha um estado europeu A (estado predecessor) colonizador, e a certa altura este estado
desintegrou-se, dando origem a três estados: o Estado B, o estado C e antiga colónia X
(estados sucessores). Temos aqui uma dissolução, um estado que se desintegrou e dá origem
a vários Estado sucessores, mas nesta dissolução, temos uma especificidade, temos também
um Estado sucessor de recente independência, a colónia X.

O problema que aqui se coloca é o dos tratados que tinha sido concluso pelo estado
predecessor, e temos de ver esta questão de acordo com a convenção de 1978.

1. Em relação à primeira convenção, uma convenção bilateral com o estado fronteiro D,


delimitando pela linha mediana as plataformas continentais respetivas, o que vai acontecer é
que na hipótese de Estado sucessores de recente independência matéria de tratados é a
intransmissibilidade, pelo contrário, na hipótese de dissolução a regra é a continuidade, por
isso, temos duas soluções contraditórias para o mesmo problema.


Num tratado bilateral, extinguindo-se o Estado A, extinguia-se, também, o tratado, isto


quanto aos estados B e C, os estados sucessores. No entanto, devido à regra uti Possi detis,
não podemos abstrair da circunstancia de estar em causa um tratado que delimita uma
fronteira, logo aplica-se o artigo 11º da Convenção, os efeitos deste tratado vão impor-se aos
Estados B e C, e ao estado independente X.

2. Depois, o estado A tinha também concluído uma convenção multilateral pela qual se
comprometia a submeter parte do seu território europeu (a parte correspondente ao território
do novo Estado B) a um estatuto de desmilitarização.

É um tratado que cria uma situação objetiva, a submissão daquela parcela de território a
um estatuto de desmilitarização, um território que conhece algumas restrições relativamente
à sua utilização, portanto, vão necessariamente vincular estados terceiros e, assim, também
os Estados sucessores - Artigo 12º da Convenção de 78.

3. No que toca à convenção de direito humanos, esta também é uma exceção às regras,
porque estes tratados, em regra, contêm regras de jus cogens e, por isso, vinculam terceiros.
Ademais, tratados internacionais sobre direitos humanos criam obrigações que os estados
devem respeitar, independentemente de estarem previstas em tratados específicos, são regras
de direito internacional geral
Encontramos esta situação prevista no artigo 5º da convenção de 78 - obrigações impostas
pelo DI, independentemente de estar previsto num tratado.

4. Em relação ao tratado de aliança militar com o Estado E, aplica-se a intransmissibilidade,


porque um tratado de aliança é um tratado intuito persona (tratado pessoal), só faz sentido
porque foi concluído com aquele Estado em concreto, por relações de afinidade e, por isso,
não faz sentido haver uma vinculação do estado terceiro.

5. Por último, uma convenção multilateral a cuja cláusula Y, o Estado A havia formulado
uma reserva, pretendendo modificar o respetivo conteúdo.

Neste caso, não sabemos sobre o que versa o tratado, mas para o efeito não é relevante. Por
isso, pensamos apenas na antiga colónia X. A regra é a da tábua rasa, no entanto, neste
tratado há possibilidade de o estado sucessor entrar no tratado, por meio de uma notificação,
porque nos tratados multilaterais o estado sucessor pode fazê-lo, através de uma notificação
por sucessão e, assim, tornar-se parte dos tratados sem que a isso as outras partes se possam
opor ( a não ser que seja uma convenção multilateral restrita ou que a participação do
Estado seja incompatível com o fim do tratado). Artigos 17º da convenção de 1978.

Quanto aos Estados B e C, à partida, a regra será a da continuidade do tratado. Quanto à


reserva, os textos internacionais são omissos a este respeito, mas fará sentido que se o
estado sucessor nada disser, a reserva mantém-se. Analogia do artigo 20º
4. Reconhecimento
O Instituto do reconhecimento no direito internacionalize assume bastante importância no
quadro de uma Sociedade Internacional, que é ainda uma sociedade descentralizada:

Um Estado novo na comunidade internacional, por exemplo, um Estado que resulta do


fenómeno de Sucessão de Estados entra para a comunidade internacional, mas põe se
imediatamente o problema do seu reconhecimento. Nós aludimos a este tema a propósito
dos atos jurídicos unilaterais do Estado, enquanto fonte formal do DI não prevista no
estatuto do Tribunal Internacional de Justiça, mas hoje constituí um modo relevante de
criação, modificação ou extinção de relações jurídicas internacionais. Dissemos que estes
são atos que imanam de um só sujeito de DI, e são fonte de DI desde que imputáveis a esse
sujeito, do qual provem, e também é necessário que sejam autónomos, isto quer dizer que
tem de produzir efeitos jurídicos por si próprios e não propriamente com ligação a outras
fontes de DI. Essa característica da autonomia é muito importante para que possam ser fonte
de direito internacional. Um dos atos jurídicos unilaterais que o Estado pode adotar é o
reconhecimento.

O reconhecimento é o ato por meio do qual um Estado considera oponíveis no seu


território os efeitos de uma determinada situação ou ato jurídico, em cuja criação não
participou.
O Estado aceita a oponibilidade, porque considera que eles foram constituídos de forma
lícita, em harmonia com o DI e pode fazê-lo expressamente ou tacitamente.

O reconhecimento é mais do que um ato jurídico, é um instituto porque assume uma


importância acrescida numa sociedade internacional que apresenta algumas falhas do ponto
de vista da sua representação orgânica e institucional. Há poucas organizações
internacionais capazes de qualificar situações ou atos no plano internacional, ou seja, há
uma falta de autoridades centrais fortes, que digam se os atos jurídicos ou as situações são
ou não lícitos. É através do reconhecimento que os Estados podem qualificá-los, reputando-
os de lícitos ou ilícitos.

Assim, confere-se alguma estabilidade e harmonia as relações internacionais:

O Reconhecimento introduz alguma previsibilidade nas Relações Internacionais, porque


impede que os Estados adotem posições divergentes ao longo do tempo, relativamente a
uma situação: Quando o Estado reconhece uma situação como lícita, fica impedido de mais
tarde adotar uma posição contraditória e isto clarifica as posições dos Estados relativamente
às situações.

Há muitas situações que podem ser objeto de reconhecimento, sendo que as mais
importantes são o reconhecimento de Estados e de governos.
Reconhecimento de Estados e reconhecimento de Governos

Reconhecimento de Estados

Os Estados são composto pela população, por um território e por um governo. Tem ainda a
característica da soberania, ou seja, não está subordinado a qualquer outros sujeito de
Direito Internacional.

Mas quando surge um Estado e quando se forma a sua personalidade jurídica?

- Quanto ao reconhecimento de Estados temos 2 posições distintas na doutrina:

Tese constitutiva ou atributiva e a tese declarativa


(tem importância em relação ao reconhecimento da sucessão de estados)

Tese constitutiva

O reconhecimento seria uma espécie de quarto elemento necessário ao surgimento de um


Estado, para que a personalidade jurídica deste se formasse.

Esta tese foi defendida, sobretudo no passado, por autores clássicos voluntaristas. Os
voluntaristas fazem radicar a obrigatoriedade do Direito Internacional na vontade dos
Estados e, então, só podia aparecer um novo Estado desde que os Estados pré-existentes o
reconhecessem como tal, desde que manifestassem a sua vontade concordante: Isto é uma
teoria voluntarista, porque no fundo, assenta no pressuposto que o surgimento de que um
novo Estado, na comunidade internacional, haverá sempre de pressupor o consentimento, a
vontade dos Estados pré-existentes. Logo, um Estado recém-formado só lograria entrar na
comunidade internacional se os Estados já existentes o autorizassem através do ato de
reconhecimento. De acordo com esta teoria, a personalidade jurídica do Estado constituísse
com o reconhecimento, daí falarmos em reconhecimento constitutivo ou atributivo. É o
reconhecimento que constitui o Estado que lhe atribui personalidade jurídica internacional.

É uma tese constitutiva e atributiva porque é o reconhecimento que constitui o Estado e lhe
atribui personalidade jurídica.

Esta doutrina gera uma enorme confusão, porque naturalmente como sempre sucede,
quando surge um novo Estado ele é reconhecido por uns, mas não por outros. Exemplo disto
é o Kosovo, a comunidade internacional dividiu-se praticamente a meio quando se deu a
Declaração unilateral de independência do Kosovo, cerca de metade dos Estados da
comunidade internacional reconheceram no como Estado independente a outra metade não.
Numa situação destas como é que ficamos? Dizemos que é um Estado perante aqueles que
reconheceram, mas não é Estado para aqueles que não o reconheceram? Isto gera uma
situação jurídica muito confusa. Estará ele vinculado à observância do DI? Poderá incorrer
em responsabilidade internacional? É uma situação jurídica muito nublosa, e indefinida

Portanto, esta tese não pode ser aceite. Preferível é a doutrina do reconhecimento
declarativo.

Tese declarativa

Um estado constitui-se a partir do momento em que uma entidade reúna os 3 elementos


constitutivos, território, população e governo.O reconhecimento limita-se a comprovar, a
declarar a existência, daí o nome de tese declarativa.

A personalidade jurídica é criada logo no momento em que numa determinada entidade se


reunam os 3 elementos. Portanto, desde que sejam uma entidade soberana independente, e
possua esses três elementos já é um Estado e a sua personalidade jurídica nasce mediante a
reunião desses três elementos constitutivos. O reconhecimento limita-se a constatar essa
circunstância, já não serve para constituir a personalidade jurídica do Estado, serve apenas
para constatá-la ou declará-la, por isso se fala de reconhecimento declarativo.

Se assim é, qual é a importância do Reconhecimento, se um Estado já possui personalidade


jurídica, o reconhecimento não passa de um formalismo?
- Isto não é verdade, porque é muito diferente a situação jurídica de um Estado antes do
reconhecimento e depois deste:

Embora o reconhecimento não sirva para constituir a personalidade jurídica, este


condiciona imenso o exercício das competências do Estado, mormente no plano
internacional.

Um autor afirmou que um Estado não reconhecido fica numa espécie de semi-soberania,
como se tivesse capacidade de gozo, mas não de exercício - antes do reconhecimento, o
estado já é titular de todos os direitos da soberania, simplesmente, alguns deles não poderá
exercer, especialmente quando se trata de os exercer no plano das relações internacionais.

Um estado não reconhecido tem o poder de livremente defender a sua soberania,


integridade territorial, promover o seu desenvolvimento económico, legislar, administrar,
mas no que toca ao exercício das competências internacionais, ele fica numa situação de
semi-soberania, porque um Estado não reconhecido não pode obrigar os que não os
reconheceram a considerarem oponíveis nos seus territórios as suas leis, os regulamentos, o
que significa que o Estado não reconhecido vê, em muito, limitado o alcance extra-
territorial dos atos que pratica.

É por isso que quando surge um novo estado na Comunidade Internacional, as autoridades
de governo multiplicam-se em diligências, para obterem o reconhecimento internacional
pelo maior número de Estados possível, para exercer as suas competências de forma plena.

Então, qual é a natureza jurídica do reconhecimento?


- Este tem valor declarativo quanto à existência do Estado enquanto sujeito de DI, mas
tem um valor constitutivo quanto ao exercício das competências internacionais do Estado.
Reconhecimento de governos

O problema que aqui se coloca é o de um Governo que tenha ascendido ao poder num
determinado Estado, fora dos procedimentos constitucionais normais, portanto, um Governo
que ascendeu ao poder através de um golpe de Estado, de uma revolução, de uma convulsão
política. Não é um Governo que ascende ao poder no quadro constitucional, depois de haver
umas eleições, aí não se coloca esse problema.

A este propósito encontramos também duas teses na doutrina:

Tese da Legitimidade e Tese da Efetividade

Tese da legitimidade

A tese da legitimidade também é designada de Tese de legitimidade democrática.


De acordo com a primeira, a Tese da legitimidade, um Governo que ascendeu ao poder
através de uma revolução, de um golpe de Estado, etc.., só poderia ser reconhecido desde
que aceite, desde que ratificado em momento subsequente pela população através de um
mecanismo democrático de consulta popular.

Portanto, o Governo que ascendeu ao poder nessas circunstâncias só poderia ser


reconhecido internacionalmente caso fosse aceite pela população já a posteriori através de
um mecanismo de consulta popular. Esta tese da legitimidade é como disse, também
conhecida por Tese da legitimidade democrática ou de Tobar, em homenagem a um ministro
do Equador que a defendeu a partir do início do séc.XX.

Tese da Efetividade

Mas a esta tese opõe-se a tese de efetividade, cá temos o princípio da efetividade que
mantém a sua importância no DI moderno, em determinadas circunstancias. Esta Tese da
Efetividade diz uma coisa diferente, diz que o Governo deverá ser reconhecido apenas se
controla uma parte significativa do território estadual e se demonstra condições, capacidade,
para assegurar o cumprimento dos compromissos internacionais do Estado, isto
independentemente de qualquer juízo que possa fazer-se acerca da sua legitimidade,
portanto o que releva verdadeiramente é a circunstancia que esse Governo dispor de um
poder efetivo, conseguir controlar uma parcela significativa do território estadual e mostrar-
se capaz de assegurar o cumprimento das obrigações internacionais do Estado. Se isso
suceder-se ele deverá ser reconhecido, considerado um interlocutor válido nas relações
internacionais abstraindo de qualquer juízo acerca da sua legitimidade democrática.

Sobre isto importa dizer que a tese que tem prevalecido no DI é a tese da efetividade, o
critério que aqui tem prevalecido, a propósito do reconhecimento de Governos, é o critério
da efetividade e não da legitimidade o que nos pode causar à partida alguma estranheza,
considerações pragmáticas estarem a sobrepor-se a critérios de justiça material e de
legitimidade democrática mas a verdade é que é essa a tendência das relações internacionais
por uma questão de pragmatismo, de realismo. Isto leva a que haja Estados que aceitem
Governos, reconheçam Governos com os quais não estão de acordo, relativamente aos quais
quase se sentem nos antípodas. O caso da Venezuela que esteve na ordem do dia
recentemente, a propósito daquela querela entre o Presidente Maduro e o auto proclamado
Presidente Guaidó, parece demonstrar que há aqui uma tendência para recuperar o critério
da legitimidade democrática. Recordo que Juan Guaidó se auto proclamou Presidente na
sequência de uma vitória esmagadora que os seus apoiantes obtiveram no sei da Assembleia
Nacional, Nicholas Maduro criou à parte uma Assembleia Constituinte com os seus
partidários, contou com o apoio inclusivamente das altas instancias judiciárias constituídas
também por maioritariamente apoiantes seus e não reconheceu Juan Guaidó como
Presidente, e acabou por prosseguir o seu governo ditatorial em governado por decreto. Isso
motivou uma reação adversa por uma parcela significativa da comunidade internacional que
justamente louvando-se na doutrina da legitimidade reconheceu Juan Guaidó como
Presidente legítimo da Venezuela e deixou de considerar Nicholas Maduro como o seu
representante oficial.

Aula 15/04

Reconhecimento de insurretos e beligerantes

Estamos a falar daquelas situações em que, dentro de um determinado estado, há grupos


que se rebelam, que recorrem a ações violentas contra pessoas/bens e pretendem:

- Ou ascender ao poder, derrubando o governo oficial;

- Ou constituir um novo Estado, extinguindo o já existente.

Este fenómeno era relativamente frequente nas relações internacionais clássicas e parecia
ter caído em declínio, até alturas de 2010, em que eclode um movimento em diversos países
árabes, que ficou conhecido como Primavera árabe.

Esse foi um movimento de protestos, de revoluções até, em alguns casos, de guerras civis.

Houve situações mais benignas como por exemplo os protestos que se desencadearam no
Barain, Iraque, Iémen e Arábia Saudita. Houve revoluções, p.e., Tunísia, Egito. Houve casos
mais graves de guerra civil, como na Líbia e na Síria.

Verdadeiramente, a Primavera árabe remete para essas figuras dos insurretos e beligerantes
do passado.

Quando surgem estes fenómenos de insurreição, isso pode motivar o seu reconhecimento,
quer por parte de Estados terceiros, quer por parte da própria mãe pátria. Esse
reconhecimento pode ser reconhecimento como grupo de insurretos, ou como grupo
beligerante. O bom senso e a prudência recomendam que, primeiro, se efetue o
reconhecimento do grupo como grupo de insurretos e, só depois, se outorgue o
reconhecimento como beligerante.

Quando a situação é ainda de alguma indefinição/volatilidade, deve ser feita apenas o


reconhecimento como grupo de insurretos.

Os efeitos disso são:

- Os membros desse grupo rebelde deixam de poder ser tratados como delinquentes
comuns e o conflito passará a estar sujeito às regras de DI Humanitário, mais
especificamente, ao Protocolo adicional 2, às convenções de Genebra de 1949 – estas
convenções são destinadas a proteger as vítimas dos conflitos armados, os mais
vulneráveis, como por exemplo, a população civil, as crianças, os reféns (…). Essas
convenções foram densificadas por dois protocolos adicionais de 1977: o protocolo
adicional 1, sobre conflitos armados internacionais e o 2, sobre conflitos armados não
internacionais, ou seja, guerras civis.

Os elementos deste grupo deixam de poder ser tratados como delinquentes comuns, o
conflito passa a estar submetido às regras do direito internacional humanitário,
nomeadamente, do protocolo adicional 2 às convenções de Genebra.

Se se chegar à conclusão de que o grupo rebelde já controla uma parcela significativa do


território estadual, se dispuser de autoridades de governo, de um exército organizado e se se
revelar capaz e mostrar vontade de cumprir o direito internacional humanitário,
nomeadamente, quando ao tratamento da população civil demostrar capaz de cumprir os
deveres de neutralidade, então, pode ser reconhecido como grupo de beligerantes.

Em suma, num primeiro momento, temos o reconhecimento como grupo de insurretos


(ficando sujeito às regras de DI humanitário). Mas se já dispuser de todas aquelas
características, então esse grupo pode ser reconhecido como grupo de beligerantes, o que
significa atribuir-lhe, de facto, os direitos e deveres de um Estado, é quase como se se
estivesse a reconhecer um novo Estado. Este reconhecimento pode ser efetuado quer pela
mãe-pátria, quer por Estados terceiros.

Normalmente, a mãe pátria não faz esse reconhecimento, tenta assumir o controlo do
conflito e evitar que os grupos rebeldes tenham êxito, mas tal pode acontecer.

- Se a mãe pátria der reconhecimento, esta desonera-se de qualquer responsabilidade pelos


danos que esses grupos rebeldes causem a terceiros - reconhecendo esses grupos como
insurretos ou beligerantes, esta deixa de poder ser responsabilizada pelos danos que esses
causem a terceiros.
- Se for um estado terceiro a reconhecê-los, a mãe pária fica isenta de responsabilidade
relativamente a danos que eles causem a esse Estado que outorgou o reconhecimento,
mas não perante os outros.
Embora as competências relativas ao reconhecimento sejam competências discricionárias,
os Estados gozam aqui de alguma liberdade de apreciação (o DI é pouco impositivo no que
toca às competÊncias relativas ao reconhecimento), é evidente que o reconhecimento de um
grupo como insurreto ou beligerante deve ter correspondência com a realidade, porque se
não tratar-se-á de um ato arbitrário, que pode configurar uma situação de ingerência
indevida nos assuntos internos de outros Estados.

O reconhecimento de insurretos e beligerantes é um reconhecimento constitutivo ou


atributivo – já não é declarativo como o do Estado – porque estes grupos, uma vez
reconhecidos, adquirem direitos e deveres no plano internacional, i.e., adquirem um certo
grau de personalidade jurídica internacional, convertem-se temporariamente em sujeitos,
conquanto limitados, de Direito Internacional e essa personalidade jurídica internacional
não decorre diretamente do DI, é uma personalidade jurídica que é atribuída ou constituída
através desse reconhecimento — É um reconhecimento constitutivo porque constitui a
personalidade jurídica desses grupos.

O reconhecimento é, também, temporário, transitório, porque das duas uma:

- Ou estes grupos são derrotados no conflito e o reconhecimento caduca;

- Ou têm êxito e coloca-se o problema de reconhecimento de um novo governo ou Estado.

Existirá um dever de não reconhecimento em situações criadas ilicitamente?

Esta questão surge, pela primeira vez, aquando a invasão da Manchúria pelo Japão,
utilizando a força, violando, assim, o pacto de Paris (celebrado para limitar a possibilidade
dos estados utilizarem a força no plano internacional). O secretário dos EUA envia uma nota
de protesto, dizendo que não iriam reconhecer esta invasão, porque essa invasão foi feita em
violação do pacto.
Mais tarde, também a sociedade das Nações adotou uma resolução, condenando o Japão
por essa invasão e no momento subsequente houve uma declaração retroativa de ilicitude
dessa invasão. Portanto, a partir daí passou a haver um dever de não reconhecimento de
situações que na sua base tivessem um uso ilícito da força.

Atualmente, esse princípio de proibição do recurso da força está consagrado na carta da


ONU, reconhecendo apenas 2 exceções, a legítima defesa dos Estados e as ações coercitivas
do CS das NU.

Assim…

Não podemos dizer que no DI existe um dever de não reconhecimento de situações ilícitas
(é uma afirmação exagerada), mas existe um dever de não reconhecimento das situações
ilícitas que resultem do uso da força no plano internacional.
Tipos/formas de reconhecimento

• Reconhecimento de facto e reconhecimento de direito:

Ambos são atos jurídicos que produzem efeitos de direito. Não há uma diferença de
natureza entre eles, apenas uma diferença de grau ou intensidade:

• Reconhecimento de facto – é um reconhecimento de caráter provisório, não definitivo.


Por isso, produz efeitos mais limitados e mais restritos.

• Reconhecimento de direito – é um reconhecimento pleno e definitivo, logo é


irrevogável. Assim, Produz efeitos mais amplos.

Esta distinção existe porque, por vezes, a situação objeto de reconhecimento apresenta
alguma indefinição. Pode haver interesse em os Estados outorgarem apenas um
reconhecimento de facto, que pode ser revogado mais tarde. Temos vários exemplos
históricos de reconhecimento de facto, p.e., Estónia e Letónia, que foram reconhecidos de
facto e apenas 4 anos mais tarde foram reconhecidos de direito.

O reconhecimento de direito é definitivo, a situação objeto de reconhecimento será


considerada licita à luz do DI e, portanto, aceita que lhe seja oponível.

• Reconhecimento individual e reconhecimento coletivo

Na maioria dos casos, o reconhecimento é um ato individual. Mas há casos de


reconhecimentos coletivos, em que vários estados se juntam para outorgar o
reconhecimento, p.e., a EU (antes CEE) reconhecer os novos Estados saídos do
desmembramento da ex-Jugoslávia.

Um reconhecimento colectivo tem maior impacto no plano intencional.

• O reconhecimento expresso ou tácito

Normalmente, quando um Estado procede ao reconhecimento de outro Estado, fá-lo


expressamente. Mas há casos em que o reconhecimento é meramente tácito, ou seja, a partir
dos seus comportamentos, é legítimo concluir que existe uma intenção de reconhecer .

No entanto, o reconhecimento tácito traz um problema de prova – que comportamentos


traduzem uma intenção de reconhecer?
— É uma questão difícil de responder.

Por exemplo, o mero desenvolvimento de relações comerciais não traduz necessariamente


uma intenção de reconhecer. Eventualmente, nem sequer podemos ver isso no
estabelecimento de relações consulares.
Agora, evidentemente que estabelecer relações diplomáticas denota, claramente, uma
intenção de reconhecer.

5. Direito dos povos à autodeterminação


O direito de os povos à autodeterminação é um princípio fundamental do DI e é,
inclusivamente, um principio considerado jus cogens, DI imperativo.

A ideia da autodeterminação começou por surgir apenas no terreno das proclamações


políticas, a ideia da autodeterminação começou por ser uma arma de arremesso política.

Terá sido Lenine quem, pela primeira vez, falou na autodeterminação dos povos, mas com
um significado particular, no fundo Lenine encarava a autodeterminação como um
instrumento para a libertação das nações europeias do jugo do Império Austro-húngaro e
também encarava a autodeterminação como um veículo para a realização dos ideais
socialistas no mundo.

Depois, este tema da autodeterminação foi veiculada pelo Presidente norte-americano


Woodrow Wilson, que retoma esta ideia da autodeterminação, mas com um significado
diverso: Para ele, a recomposição dos Estados europeus só poderia ser feita respeitando a
vontade das populações, portanto, a autodeterminação aparece ligada a uma ideia
democrática.

Posteriormente, Lenine, por exemplo, tinha usado a autodeterminação como arma contra o
colonialismo e para Wilson, esta vertente da autodeterminação como postulado anti
colonialismo não era tão importante, este estava mais preocupado com a chamada vertente
interna da autodeterminação, que se refere ao princípio da autonomia constitucional e
política dos Estados, o direito que deve ser reconhecido à população de escolher o regime
político e os governantes que vão de encontro aos seus desejos e aspirações.

Portanto, temos aqui duas posições destintas quanto à autodeterminação enquanto


princípio ou proclamação política, de tal maneira que no Pacto da Sociedade das Nações
(precedeu a ONU, que no período das duas guerras mundiais) não encontramos numa
referência à autodeterminação dos povos, tão pouco se encontra uma prática internacional
de resolução de conflitos, no período entre as duas grandes guerras com base nesta ideia de
autodeterminação.

Só com advento das Nações Unidas e até mais do que isso, com a prática ulterior das
Nações Unidas é que a ideia da autodeterminação transitou da esfera política para a esfera
jurídica, para o mundo do direito.

Portanto, este princípio da autodeterminação só adquiriu juridicidade com o advento da


Carta das Nações Unidas na qual este princípio é proclamado, nomeadamente no art.1, no
art.2 e no art.55.
No entanto, as disposições que encontramos na Carta das Nações Unidas sobre a
autodeterminação são disposições algo vagas, algo indefinidas, são uma espécie de normas
programáticas se quiséssemos estabelecer uma analogia com o Direito Constitucional.
E aliás, para além disso, deteta-se na Carta das Nações Unidas uma rutilante contradição
entre esses preceitos da Carta, art.1, 2 e 55, e depois os capítulos 11o e 12o da Carta:

Estes, respetivamente, referem-se aos territórios não autónomos e aos territórios sob
tutela internacional, o chamado Regime internacional de tutela. Isto é, por um lado a
Carta das Nações Unidas proclama a autodeterminação dos povos em algumas das
suas disposições, por outro lado, paradoxalmente, regula o colonialismo nos capítulos
11º e 12º, que versam justamente sobre esses territórios não autónomos e sob os
territórios sob tutela e nem sequer prevê a independência para os territórios não
autónomos e prevê apenas como mera possibilidade abstrata ou longínqua para os
territórios sob tutela internacional.

Portanto, deteta-se realmente alguma contradição da Carta em matéria de autodeterminação.

Esta contradição explica-se exatamente pelos pontos de vista diferentes que tinham os
Estados na comunidade internacional à cerca deste tema:

Os Estados socialistas do antigo bloco de leste tinham uma determinada posição sobre a
auto determinação, os países em via de desenvolvimento tinham uma posição destinta e os
países do mundo ocidental, muitos dos quais detinham territórios coloniais, tinham por seu
turno, uma posição diferenciada.

Foi do consenso frágil que foi possível obter a partir dessas visões destintas que resultaram
essas disposições da Carta algo contraditórias.

Isto transporta-nos para a distinção entre aquilo que é a vertente interna e aquilo que é a
vertente externa da autodeterminação.

Temos de distinguir autodeterminação interna e externa porque são coisas diferentes, a


partir de aí vamos perceber que havia um grupo de Estados que defendia a
autodeterminação externa, desvalorizando a autodeterminação interna, outro grupo de
Estados só olhava para a autodeterminação externa, a autodeterminação interna era como se
não existisse, e outro terceiro grupo de Estados, que contrariamente valorizava quase apenas
a autodeterminação interna, negligenciando a auto determinação externa (a partir daí vamos
perceber melhora essa contradição normativa que existe na Carta das Nações Unidas e
depois vamos ver como esta foi resolvida ao longo do tempo através da prática das Nações
Unidas.)

Esta contradição explica-se pela diferença de pontos de vista entre os grupos de Estados
que compunham a comunidade internacional no tempo, isto é, no pós IIGM. Antes de
percebermos as diversas interpretações acerca do Direito à autodeterminação que tinham
esses vários grupos de Estados, é importante distinguirmos a vertente interna do princípio da
vertente externa, o direito à autodeterminação tem estas duas vertentes diferentes.

A vertente interna da autodeterminação aplica-se aos povos que já se encontram


organizados sob a forma estadual, portanto, povos já constituídos em Estados. E para esses
povos e nações já organizados do ponto de vista político, jurídico em Estados soberanos o
princípio da autodeterminação reconduz-se ao princípio da autonomia constitucional e
política do Estado. Isto significa que o Direito reconhecido à população nos termos do poder
constituinte de livremente escolher o regime político e os governantes que melhor
correspondam aos seus anseios, às suas inspirações, digamos que há aqui uma ligação
estreita entre a autodeterminação e o princípio democrático. Portanto, nesta sua vertente
interna, o princípio da autodeterminação exibe um carácter de universalidade é um Direito
de todos os povos e nações, ou seja um Direito que se reconhece a todos os povos e nações.

O princípio da autodeterminação possui também uma vertente externa, que também se


aplica, em parte, a povos já constituídos em Estados, mas para esses a sua autodeterminação
significa apenas o direito de a população ser consultada no que toca a possíveis sessões ou
reagrupamentos territoriais. Se porventura estiver na calha uma alteração do elemento
território do Estado, uma cessação territorial ou um reagrupamento territorial a população
terá de ser consultada sobre isso. É apenas nesse sentido que os povos já constituídos em
Estados possuem esse direito à autodeterminação externa.
A autodeterminação externa é verdadeiramente um direito de povos ainda não constituídos
em Estados, assume uma especial importância, isto significa a possibilidade destes povos
não estão constituídos Estados, portanto, ainda não se encontram organizados do ponto vista
político e jurídico, sob a forma de Estados soberanos significa ao Direito escolherem o seu
próprio estatuto internacional, o direito de livre escolha do seu próprio estatuto
internacional.
É importante referir que à luz desta vertente externa que vale para povos ainda não
constituídos em Estados, o princípio da autodeterminação não possui um carácter de
universalidade, não é um direito que o DI reconheça a todos os povos e nações mas sim um
direito que o DI só reconhece a algumas categorias de povos ou nações conforme iremos ver
depois.

Em suma, duas vertentes da autodeterminação a vertente interna e a vertente externa, a


primeira vale para todos os povos que se encontram já constituídos em Estados, tem um
carácter de universalidade significa que o Direito de nos termos do poder constituinte a
nação ou povo escolherem o seu próprio regime político constitucional e os seus
governantes. A vertente externa, por sua vez, também se aplica a povos já constituídos em
Estados mas aí com um significado muito particular, tem a ver com a necessidade da
população ser alcustada, ser consultada sempre que se preveja a possibilidade de ocorrer
uma cessação territorial ou um reagrupamento territorial, portanto qualquer mudança
significativa no elemento território pressupõe a consulta da população. Esta vertente externa
tem especial interesse no que diz respeito a povos ainda não constituídos sob a forma
estadual e aí, portanto este princípio não possui carácter universal só se aplica a certas
categorias de povos ou nações e traduz-se na possibilidade do povo ou a nação em causa
escolherem o seu próprio estatuto internacional.

A partir daqui podemos ver a diferença de povos e vários grupos de Estados na


comunidade internacional. Por exemplo, os Estados do antigo bloco de leste, Estados do
bloco soviético. Estes Estados valorizavam, essencialmente, a vertente externa da
autodeterminação concebendo este princípio como um postulado anti-colonial, o objetivo
era a autodeterminação constituir um instrumento ao a colonialismo tradicional.
Quanto à vertente interna do pedido, ela não deixava de ser conta mas com um significado
muito particular, fortemente ideológico significava a possibilidade da população no seio de
um determinado Estado escolher um regime socialista.
Depois outro grupo de Estados, Estados em vias de desenvolvimento e países do terceiro
mundo, também valorizavam essencialmente a vertente externa do princípio, alias
esqueciam por completo a vertente interna não valorizavam a vertente interna da
autodeterminação, só se preocupavam com a vertente externa. Estes então diziam que esta
autodeterminação externa devia ser reconhecida a três categorias de povos: os povos
colonizados, mas também povos submetidos a outro tipo de estruturas de opressão,
designadamente povos submetidos a ocupação estrangeira e povos submetidos a regimes
baseados num apartheid racial, ou seja povos fundados com um regime fundado na
discriminação racial.
Portanto a estas três categorias de povos devia ser reconhecido o Direito a
autodeterminação externa, a autodeterminação interna puro e simplesmente não era tida em
conta.
Finalmente, temos o grupo dos Estados Ocidentais, que muitos deles possuíam territórios
coloniais bem pelo contrário negligenciam a vertente externa da autodeterminação e
exaltavam e valorizavam a vertente interna ligando a à ideia democrática, a tal possibilidade
de a população escolher para regime politico que lhe mais conviesse, portanto encontramos
aqui uma ligação muito estreita entre a autodeterminação e a ideia democrática. Aliás numa
primeira fase os Estados ocidentais até relutavam aceitar o princípio da autodeterminação
como princípio jurídico, só paulatinamente é que foram aceitando a juridicidade do
princípio mas nestes termos preocupando-se sobretudo com a vertente interna.

Portanto estas visões distintas sobre a autodeterminação explicam a contradição de que a


Carta das Nações Unidas dá mostras a este respeito.
Ora perante essa contradição, em que por um lado, proclama-se a autodeterminação e por
outro se regula o colonialismo nos capítulos dedicados aos territórios não autónomos e aos
territórios sob tutela.

Ao longo dos tempos, a prática das Nações Unidas encarregar-se-ia de resolver este braço
de ferro em favor do princípio da autodeterminação, foi-se assistindo nos anos subsequentes
à adoção da Carta das Nações Unidas a um reforço do estatuto do princípio da
autodeterminação. Para isso contribuíram, designadamente, resoluções das Nações Unidas,
alguns textos convencionais e prenuncias do próprio Tribunal Internacional de Justiça.
Portanto, a ação das nações unidas através destas três vertentes, resoluções, convenções
internacionais e atuação TIJ permitiram que o direito à autodeterminação realmente fosse se
progressivamente consolidando.

Comecemos, então primeiramente, pelas resoluções das Nações Unidas, há uma muito
importante em matéria da autodeterminação que é a resolução 1514 das Nações Unidas, que
ficou conhecida como Carta ou Declaração da Descolonização. Esta resolução 1514, foi
adotada a 14 de Dezembro de 1960, é uma resolução emblemática e foi possível adota-la
porque entretanto na Assembleia Geral das Nações Unidas formou-se uma maioria de
Estados Afro-Asiáticos que tinham todo interesse em exaltar o princípio da
autodeterminação, e portanto foi possível adotar esta resolução através dessa larga maioria
que se formou nas Nações Unidas que ficou com os processos de descolonização que foram
ocorrendo. Temos de ter atenção a dois números/parágrafos desta resolução, o parágrafo 2 e
o parágrafo 3. O parágrafo 2 diz “Todos os povos tem direito à livre determinação, em
virtude deste direito determinam livremente o seu estatuto político e orientam livremente o
seu desenvolvimento económico social e cultural.”, afirma-se aqui a autodeterminação
como o direito de todos os povos, isto não é exatamente assim, a autodeterminação interna
sim é um direito de todos os povos mas a externa nem por isso. O parágrafo 3 afirma “A
falta de preparação nos campos politico, económico ou social, ou no do ensino não deve ser
nunca tomada como pretexto para retardar a independência.” , isto é uma falta de preparação
do povo não autónomo do ponto de vista económico, politico e social, no do ensino, no
ponto de vista das suas infraestruturas não pode pretextar um retardamento da
autodeterminação, da independência. Esta resolução faz equivaler autodeterminação a
independência, portanto a única possibilidade ao dispor de um povo não autónomo para
exercer o seu direito à autodeterminação seria a independência, seria esse povo tornar-se
independente e por isso ascender a condição de Estado soberano.

Sucede no entanto, apenas um dia depois foi adotada uma outra resolução também muito
importante a resolução 1541, foi adotada apenas um dia depois porque apercebeu-se que as
Nações Unidas tinham sido excessivamente voluntaristas ao adotar a resolução 1514 nos
termos em que ela foi adotada. O que acontece é que nesta resolução 1541 estabelecem-se
os critérios para identificar um território colonizado, como é o que identificamos, isto
resulta do princípio 4 dessa resolução, este território para já deve estar geograficamente
separado da metrópole, portanto separação geográfica. Depois a população deve ser étnico e
culturalmente distinta da metrópole, e em terceiro lugar deve existir nesse território um
regime politico, económico, social discriminatório à população autóctone. Portanto são
essencialmente estes três elementos que nos permitem identificar um território colonizado, a
separação geográfica da metrópole em primeiro lugar, em segundo lugar o carácter étnico
cultura destinto da população e em terceiro lugar o regime politico, económico, social,
jurídico discriminatório, isso é muito importante para sabermos o que é um território
colonizado. Também muito importante é que com esta resolução 1541 deixou a
autodeterminação de um povo de equivaler necessariamente à independência isso sucedia na
resolução 1514 como vimos, a única possibilidade para um povo não autónomo se
autodeterminar seria ascender à estadual idade, isto é tornar-se num Estado soberano
independente. Verdadeiramente isso não era a autodeterminação era a hétero determinação,
uma autodeterminação imposta pelas Nações Unidas que apenas admitia a possibilidade de
o povo optar por esse estatuto da independência. As Nações Unidas “corrigiram o tiro” nesta
resolução 1541 prevendo a possibilidade da autodeterminação se auto consubstanciar em
dois outros estatutos internacionais, para além da independência a associação e a integração,
o principio 6 desta resolução 1541 “Pode dizer-se que um território não autónomo atingiu a
plena autonomia: a) quando se tornou um Estado independente e soberano b) quando um
Estado livremente se associou a um Estado independente c) quando um Estado se integrou
num Estado independente. “Portanto temos aqui três possíveis estatutos internacionais para
um povo que exerce o seu direito à autodeterminação independência, associação com um
Estado existente ou integração num Estado também já existente.

Não ficamos por aqui, pois mais tarde numa resolução de 1970 das Nações Unidas, a
resolução ou declaração dos Sete Princípios para além destes três estatutos internacionais
(independência, associação e integração) ainda se prevê a possibilidade do povo não
autónomo optar por um qualquer outro estatuto internacional, portanto confere-se uma mais
ampla liberdade de escolha ao povo não autónomo.

Perante este quadro é legitimo perguntar qual é, hoje, o significado do princípio da


autodeterminação? O que sobra do princípio da autodeterminação? A que categorias de
opressão se aplica hoje o princípio da autodeterminação? Isto tem de ser discutido. Deu-se
uma evolução do princípio da autodeterminação e temos de ver hoje qual é o significado
atual da autodeterminação, porque há muito que a autodeterminação deixou de ter aquele
significado de postulado anti-colonial, isso ficou esvaziado de sentido com o fim do
colonialismo e portanto veremos que o princípio da autodeterminação se soube adaptar, se
soube reciclar e por isso vamos ver a que povos ele se aplica isso dará aso que falemos
nomeadamente do problema das minorias, no problema dos povos indígenas e em termos
um pouco diferentes, do problema da Catalunha em Espanha a propósito do qual se falou
muito sobre o princípio da autodeterminação.

Ele soube dinamizar-se, tornou-se menos linear e de tal maneira que se verificou uma certa
diluição da diferença entre auto int e externa e hoje o principio tende a aplicar-se a
determinadas colectividades humanas que tem uma expressão numérica minoritária dentro
de determinados estados - reconhecimento das minorias e aos povos indígenas como
titulares desse direito - significou este esbatimento da fronteira entre externo e interno - a
autodeterminação externa foi dando lugar a uma autodeterminação que é mais interna

Que entidades sao estas?

Minorias:

Grupos que dentro de um determinado Estado possuem uma expressão numérica muito
inferior à da restante população, mas que têm a mesma nacionalidade e que gozam de
determinadas características, afinidades étnicas, culturais, religiosas, linguisticas, aspiram
de forma solidária à preservação dessa sua cultura, tradições, da sua identidade, num quadro
de igualdade de direitos face à população maioritária - quadro de não discriminação.
Durante muito tempo, o DI não entrou neste terreno que alguns consideram pantanoso da
proteção das minorias, porque reconhecer determinados direitos a estes grupos significa que
esses direitos quando haja abusos da parte da população majoritária são direitos que vai ser
exercidos contra o próprio estado de nacionalidade dessas pessoas. So com o pacto int dos
direitos civis e políticos se consagrou um certo grau ele personalidade jurídica int

Que direitos é que devem ser reconhecidos a estes?

- Direito a nacionalidade
- Direito ao uso da línngua materna - poderem utilizar a sua língua por exemplo em
matéria de ensino, de religião, de publicações, de relações comerciais…
- Direito a propriedade privada
- Direito a liberdade de culto religioso

Aos direitos das minorias, deve ser simultaneamente reconhecido um carácter grupal e um
carácter individual.

Grupal - estes direitos dizem respeito a uma coletividade e são direitos exercidos em
comunidade, dá-se uma espécie de fenómeno de despersonalizarão do titular do direito - não
é prioritariamente o direito da pessoa A, B ou C, é antes da pessoa enquanto membro do
grupo minoritário
Individual - paradoxalmente não podemos deixar de reconhecer que o reconhecimento
de direitos as minorias constitui um pressuposto necessário para o exercício de direitos
individuais.

Povos indígenas

Relativamente aos povos indígenas, as coisas são um pouco diferentes, porque estes
relativamente a povos não autónomos e minorias, são uma categoria singular, uma espécie
de tertium genus, são uma coisa diferente.

Isto é, o estatuto dos povos indígenas não é equiparável ao de um de um povo não


autónomo, não tem um estatuto que possa considerar-se idêntico aos dos povos não
autónomos titulares de autodeterminação externa. Também não podem confundir-se com as
minorias, os direitos dos povos indígenas são mais amplos, mais abrangentes que os direitos
reconhecidos internacionalmente às minorias portanto são direitos que extravasam no
âmbito do núcleo fundamental de direitos conferidos às minorias no plano internacional.

Ora, os povos indígenas são comunidades que aliás existem em grande número no mundo,
comunidades essas que apresentam caraterísticas muito específicas. Desde logo, há uma
ligação muito profunda dos povos indígenas ao território, ao meio envolvente, isto decorre
da sua anterioridade histórica relativamente ao próprio Estado, este é um traço
caracterizador dos povos indígenas muito importante, a anterioridade histórica e a ligação
ao meio envolvente ao território, o que não se verifica no mesmo grau ou pelo menos com a
mesma intensidade com as minorias. Portanto é este critério que confere especificidade aos
povos indígenas.

Temos outras características:

- A sua cultura própria;


- A sua posição não dominante num determinado Estado;
- A sua auto-identificação: Os povos indígenas tem uma consciência muito aguda de si
próprios, da sua própria identidade.

Estas são as características fundamentais, as três últimas também se aplicam de uma forma
às minorias, mas não a primeira, a anterioridade histórica, a ancestralidade, a ligação muito
estreita ao território, isso é apenas próprio dos povos indígenas.
Agora a identidade cultural, a posição não dominante e auto identificação, isso também
encontramos nas minorias.
Estas características dos povos indígenas estão por trás do surgimento de conceitos como o
de soberania divisível e o da aceitação de uma autonomia, relativamente aos povos
autónomos, com ou sem governo próprio, aí a comunidade internacional divide-se um
pouco, o reconhecimento de um certo grau de autonomia é pacífico, mas saber se isso
envolve a existência de um governo próprio ou não aí é já mais controverso, não se regista
aí consenso na comunidade internacional.
Portanto há uma ideia de soberania divisível, há uma ideia de autonomia que decorre disso
mesmo, mas o auto governo já é uma coisa mais problemática, há quem diga que sim há
quem diga que não.

Há autores que, a propósito dos povos indígenas, fazem uma espécie de standard
minimum, que tem a ver com o um conjunto de comportamentos que devem ser exigidos,
quer autores estaduais, quer a autores não estaduais, relativamente aos povos indígenas,
portanto, um conjunto de comportamentos que são exigíveis a todos os sujeitos de DI
relativamente aos povos indígenas:

- O respeito pela sua cultura, pela sua identidade, pela sua ligação à terra e pelos direitos
sobre os recursos naturais que se encontrem nesse território habitado por esses povos
indígenas;
- A ideia da salvaguarda da cultura indígena, o conhecimento desses direitos sobre a terra e
os seus recursos;
- Uma ideia de bem-estar social e de governação, mesmo que isso não signifique
necessariamente a existência de um governo próprio.

Quando hoje falamos da titularidade do direito à autodeterminação externa, estamos


realmente a pensar nas categorias tradicionais (povos colonizados, povos submetidos a
ocupação estrangeira ou a regimes fundados em apartheid racial) mas também, atualmente,
e de forma muito vincada, nas minorias e nos povos indígenas.
Agora uma coisa é preciso ter-se por segura, não existe no DI um direito de secessão
(dividir o território). Sabemos que a autodeterminação interna é um direito reconhecido a
todos os povos, mas a autodeterminação externa já não.
Poderá haver, em certos casos, uma secessão remédio, isto tem a ver com aquelas situações
limite em que seja impossível a convivência, dentro de um Estado, entre o centro e a
periferia, em que se torne impossível a convivência entre a população maioritária e
determinado ou determinados grupos minoritários. A tensão pode atingir uma determinada
escalada, os comportamentos discriminatórios podem assumir uma tal gravidade que, por
vezes, torne impossível essa convivência e, portanto, tenha de se caminhar para secessão
territorial, mas isso só num caso extremo, numa situação relativa de normalidade não existe
este direito à secessão.

Isto explica a razão pela qual a Catalunha não pode reivindicar um direito de
autodeterminação externa à luz do DI, a Catalunha tem seguramente um direito à
autodeterminação interna, que aliás lhe foi reconhecido, outorgado pela própria constituição
espanhola. Portanto, existe esse direito de autodeterminação interna. Mas a Catalunha não
está submetida a nenhuma estrutura de opressão, não é um povo que se enquadre no
conceito de minoria ou povo indígena, não tem autodeterminação externa à luz das normas
jurídicas internacionais em matéria de autodeterminação. Mas isso não quer dizer que um
dia não se possa tornar independente, nós sabemos que por vezes ex facto oritor jus, isto é,
por vezes o direito vai a reboque dos fatos, por vezes há situações que acontecem e depois o
direito vai se afeiçoar, ajustar a essas situações, dos fatos nasce o direito muitas vezes. Pode
acontecer que até a Catalunha possa se tornar independente não sabemos o que pode
acontecer, mas à luz do DI positivo em matéria de autodeterminação não se pode reconhecer
um direito à autodeterminação externa não preenche esses requisitos, coisa diferente é a
autodeterminação interna e esse direito evidentemente que é reconhecido pelo Estado
espanhol às suas comunidades autónomas.

Não há no moderno DI um direito à secessão mas o “preço a pagar” é o reconhecimento de


um direito à autodeterminação das minorias, por exemplo, e dos povos indígenas o que
envolverá necessariamente não um direito à independência mas pelo menos um direito a um
certo grau de autonomia e, quiçá, até de auto governo.

Independência, integração e associação

Claro que as Nações Unidas, depois ,fazem exigências diversas consoante se trate de optar
pela independência, pela associação ou pela integração.

Relativamente à independência, as Nações Unidas não são especialmente exigentes, porque


a independência é, talvez, a forma mais natural de exercício ao direito da autodeterminação,
por isso, as Nações Unidas não são aqui particularmente exigentes, as suas demandas
procedimentais não são especialmente rigorosas.

Portanto, um povo não autónomo pode optar pela independência, na sequência da sua
auscultação, claro, mas isso pode resultar, por exemplo, de uma consulta popular através de
um referendo, mas pode também resultar do voto de uma assembleia representativa desse
povo não autónomo ou, então, pode resultar, por exemplo, de um acordo entre os
movimentos de libertação nacional, isto é, um acordo entre os representantes desse povo
(por vezes há mais do que um de que se arroga esse direito de representar o povo não
autónomo).

Na antigas colónias portuguesas nós sabemos que havia no terreno diversos movimentos
de libertação nacional, portanto, a independência pode pura e simplesmente resultar de uma
acordo desses movimentos de libertação nacional ou até de uma mera sondagem.

Quanto aos dois outros estatutos internacionais, a associação e a integração as Nações


Unidas são notoriamente mais exigentes, por exemplo relativamente à livre associação,
segundo a resolução 1541 no seu princípio 7 “A livre associação deve resultar de uma
escolha livre e voluntária das populações do território em questão, exprimida através de
métodos democráticos e largamente difundidos, ela deve respeitar a individualidade e as
características culturais do território e das suas populações e conservar às populações do
território, que se associou a um Estado independente a liberdade de modificar o estatuto
desse território exprimindo a sua vontade através de meios democráticos:”.

Por um lado, no caso da associação, há a necessidade de preservar a identidade do povo


que se autodeterminou, preservar as suas características culturais, e por outro, estabelece-se
aqui, neste princípio 7 da resolução 1541, que a associação é um estatuto reversível não é
definitivo, portanto, é possível que a população mais tarde opte por um outro estatuto
internacional. Portanto a associação a um Estado pré-existente nunca é um estatuto
definitivo é um estatuto reversível, suscetível de ser alterado no futuro.

Depois, ainda muito importante, relativamente à associação, é outro parágrafo deste


princípio 7 “O território associado deve ter o direito de determinar a sua constituição interna
sem ingerências exteriores, de acordo com os métodos constitucionais, regulares e de acordo
com a vontade das suas populações.”. Portanto, reconhece-se ao povo que se
autodeterminou e optou por a associação o direito de ter a sua própria constituição
interna sem ingerências exteriores.

Quanto à integração as exigências são ainda mais rigorosas, segundo o princípio 8 da


resolução de 1541 “A integração num Estado independente deve fazer-se na base uma
igualdade completa entre o povo do território anteriormente não autónomo e aquele do
Estado independente no qual se integra, os dois povos devem ter sem distinção nem
descriminação um estatuto e direitos de cidadania equiparados, assim como iguais garantias
no que diz respeito aos Direitos e liberdades fundamentais, devem todos, designadamente
ter direitos iguais e possibilidades iguais de representação e participação efetiva em todos os
escalões nos órgãos executivos, legislativos e judiciários do Estado.”.
Aqui, encontramos a preocupação com os direitos de cidadania do povo que se integrou
num Estado pré-existente, é preciso que não haja aqui distinções relativamente aos cidadãos
do Estado no qual esse povo se integra tem de haver um estatuto equiparado em termos
de Direitos, liberdades e garantias e no que toca à possibilidade dos cidadãos que
integram esse povo de ter reais possibilidades de representação nos diversos escalões dos
órgãos públicos desse Estado (órgãos executivos, legislativos e judiciais). No princípio 9
afirma-se “O território integrado deve ter atingido um estádio avançado de autonomia com
instituições políticas livres de tal forma que as suas populações tenham a capacidade de
escolherem em plena consciência segundo os métodos democráticos e largamente
difundidos. b) A integração deve resultar do desejo livremente exprimido das populações do
território, exigindo-se depois mais à o sufrágio total dos adultos.”.
Para a integração adota-se o sistema de um homem um voto, sufrágio total dos adultos.

Como quer a associação, quer a integração, são formas mais atípicas do direito à
autodeterminação, como não são tão naturais à partida, então, correspondentemente as
exigências das Nações Unidas são muito maiores, as demandas procedimentais são muito
piores.

Seja como for, o direito autodeterminação externa pressupõe sempre a auscultação da


população, consulta a população para que se pronuncie quanto ao seu destino, sobre o seu
estatuto internacional.
Essa auscultação tem de obedecer a alguns princípios para que a população possa
convenientemente fazer a sua escolha, para já é preciso, por exemplo, libertar presos
políticos se estes houver, permitir a participação de exilados no processo, reconhecer às
pessoas as liberdades de reunião, associação, de expressão é preciso que, além disso, a
população seja informada à cerca da consulta que vai ser feita, sobre o significado da
pergunta ou perguntas que vão ser feitas à população, para que as pessoas possam inteirar
completamente do seu significado. E, depois, é desejável que todo o processo de consulta
seja organizado ou pelo menos supervisionado ou fiscalizado pela ONU e ou por
organizações regionais de forma a que essa escolha da população seja credível, de forma a
que o processo seja transparente e credível do ponto de vista internacional.

Isto quanto às formas de exercício da autodeterminação, mas quanto ao que anteriormente


referíamos, o princípio da autodeterminação, estas resoluções foram muito importantes:

• A resolução 1514 e a resolução 1541 mas há outras que importa referir, como é exemplo:
• A resolução que, logo no início dos anos 60, criou o chamado “Comité da
descolonização”. Isso significou imediatamente uma perda de importância clara do
Conselho de tutela das Nações Unidas, recordemos que o Conselho de Tutela foi um
órgão instituído, criado, para superintender na administração dos territórios sob tutela
internacional. Ora bem a ideia a partir dos anos 60 era a de justamente acabar com os
territórios sob tutela internacional, permitindo que estes ascendem-se realmente à
independência, e portanto a criação do sintomaticamente designado do Comité da
descolonização significou uma perda clara de importância do Conselho de Tutela.
• Depois houve outras resoluções importantes, uma por exemplo afirmando que a
manutenção dos regimes coloniais poderia por em causa o fim primordial das Nações
Unidas, isto é, a manutenção da paz e da segurança internacional;
• Depois, uma outra resolução que procurando estabelecer um plano de ação para uma
aplicação da resolução 1514;
• A resolução dos anos 70, a Resolução dos Sete Princípios, em que se afirma o princípio da
autodeterminação como um dos princípios fundamentais do DI, um dos setes princípios
fundamentais do DI, relembramos que nessa resolução se prevê a possibilidade da
autodeterminação externa poder consubstanciar-se na independência, na associação e na
integração ou em qualquer outro estatuto internacional.

• Depois, no plano das convenções internacionais, há que destacar o Pacto Internacional dos
Direitos civis e políticos, que reconhece a personalidade jurídica e internacional dos povos
não autónomos, logo no seu artigo inicial e depois mais à frente reconhece também os
direitos das minorias.

• Tornaram-se também muito importantes as prenúncias do Tribunal Internacional de


Justiça. Inicialmente, teve prenúncias algo tídias, algo conservadoras, por exemplo, a
propósito da Africa do Sul, em que o TIJ rejeitou as pretensões da Etiópia e da Libéria,
que pretendiam que a África do Sul fosse condenada por impedir o exercício do direito à
autodeterminação das populações desses territórios. Depois, mais tarde, nos casos da
Namíbia, do Saara Ocidental e de Timor-Leste, já teve uma postura de muito mais arrojo,
de muita maior afoiteza, proclamando o princípio da autodeterminação como um princípio
fundamental do DI.
Isso alias foi reconhecido no caso de Timor gap, Timor-Leste aí o tribunal que fez essa
afirmação recordo foi levado ao tribunal por Portugal, que foi o Estado demandante e a
Austrália foi o Estado demandado. Timor estava ocupado pela Indonésia mas Portugal não
intentou a Indonésia porque esta não reconhecia a jurisdição obrigatória do TIJ, portanto
Portugal intentou a ação contra a Austrália porque a Austrália tinha concluído com a
Indonésia, potencia ocupante do território de Timor, um acordo relativo à exploração da
plataforma continental ao largo de Timor-Leste, portanto Portugal intentou a ação no
tribunal contra a Austrália dizendo que esse acordo relativo à exploração de petróleo na
plataforma continental de Timor-Leste punha em causa a autodeterminação na sua vertente
económica, nomeadamente punha em causa a soberania de Timor sobre os seus recursos
naturais. Portanto, indiretamente Portugal levou o tribunal a pronunciar-se sobre o caso de
Timor e sobre o princípio da autodeterminação dos povos.

— Resoluções das Nações Unidas, textos convencionais, prenuncias do TIJ permitiram que
se consolidasse o princípio da autodeterminação enquanto princípio fundamental do DI.

Conclusões a tirar:

Desde a aprovação da resolução de 1541, que a independência deixou de ser a única via
possível para o exercício do direito de um povo à autodeterminação, contemplando-se ainda
as modalidades da associação e da integração.

Afigura-se-nos que, o direito à autodeterminação dos povos, corresponde do lado do


Estado administrante, uma obrigação de consulta da população, através de mecanismos
democráticos de consulta popular organizados e/ou supervisionados pela ONU.
Na categoria da independência, as Nações Unidas, são, efectivamente, muito menos
exigentes no que toca à auscultação – pode realizar-se mediante um referendo, o voto de
uma assembleia representativa do povo não autónomo, etc. –.

Destarte, para as modalidades de associação, em princípio transitória (princípio 7º da


Resolução 1541 das NU) e de integração, (princípios 8º e 9º das NU) as demandas
procedimentais são consideravelmente maiores, chegando a incluir o sufrágio universal dos
adultos (sistema: um homem- um voto), na integração.

Esta diferença existe porque se parte do principio que a independência é a solução natural,
mais típica, já a associação e a integração são mais atípicas, menos frequentes. Por isso, há
um reforço das exigências procedimentais

A autodeterminação de um povo deve resultar de um acto livre e esclarecido pela


população respectiva. Para tal, costuma-se exigir a libertação de presos políticos, a
participação dos exilados no processo, o pleno reconhecimento dos cidadãos das liberdades
de associação, reunião e expressão, etc.

Quem é que tem titularidade do direito à autodeterminação?

As Nações Unidas reconhecem o direito à autodeterminação a três categorias de povos:

- Os povos submetidos a regimes coloniais;


- Os povos submetidos a uma ocupação estrangeira;
- Os povos submetidos a regimes de apartheid racial.

Sabemos que, relativamente aos povos colonizados, cerca de 80 povos não autónomos se
converteram em Estados independentes ao longo da segunda metade do século XX.
Portanto, o colonialismo tradicional desapareceu.
Por outro lado, as outras duas categorias de povos com Direito à autodeterminação têm
uma importância quase residual, porque povos sob ocupação estrangeira são muito poucos,
aliás, esta categoria foi pensada sobretudo para os territórios árabes ocupados por Israel, um
problema que ainda hoje subsiste.
E povos submetidos a regimes com base em discriminação racial, também não há muitos,
esta categoria foi pensada, essencialmente, para o regime de apartheid da Africa do Sul, que
também já acabou.

O estatuto dos movimentos de libertação nacional e o recurso à força

Movimentos de libertação nacional, os chamados Freedom Fighters, são grupos


organizados representantes de povos não autónomos, que, historicamente, utilizam a força,
recorrem à luta armada, com vista a exercerem de forma mais eficaz o direito à
autodeterminação dos povos, dos quais se arrogam serem representantes no plano
internacional.
Digamos que são o braço armado dos povos não autónomos, pretendem ser representantes
destes constituindo assim o seu braço armado.

Estes movimentos surgiram porque, recordando o princípio da proibição recurso à força


nas relações internacionais, consagrado na Carta das Nações Unidas, este apresentava um
conteúdo algo incerto, prestava-se a diversas interpretações: cada grupo de Estados da
comunidade internacional interpretava à sua maneira e, nomeadamente, os Estados em vias
de desenvolvimento achavam que devia ser considerado legítimo o recurso à força para
efeitos do exercício do direito à autodeterminação, porque tinham-se multiplicado os
conflitos regionais na comunidade internacional, justamente por causa do exercício desse
direito e que, portanto, esses movimentos de libertação nacional deveriam ter a
possibilidade de usar a força porque isso não era incompatível com o disposto na carta.

A ideia era esta:

A Carta das Nações Unidas, no seu art 2 nº 4, proíbe a utilização da força pelos Estados, de
modo incompatível com os fins das Nações Unidas: “Proíbe-se a utilização da força por
parte dos Estados de forma incompatível com os fins das Nações Unidas”. Já sabemos que
esse princípio, na Carta só conhece 2 exceções, a legítima defesa de Estados e as ações
militares do Conselho de Segurança das NU.

Então não é possível utilizar a força para exercer o direito à autodeterminação. Mas, alguns
setores da comunidade internacional e alguns autores não interpretam isto com tal
linearidade.
Dizem que este princípio é aplicável apenas a Estados, não a outras entidades — proíbe o
recursos à força por parte dos Estados, não proíbe por parte de movimentos de libertação
nacional; dizem também que proíbe um recurso à força contra a integridade ou a
independência política de outros Estados e de forma incompatível com os fins das Nações
Unidas — ora, os movimentos de libertação nacional desenvolvem uma luta que não é
dirigida contra a integridade territorial nem contra a independência de um Estado, nem está
em desconformidade com os fins das nações unidas.

E, portanto, os Estados, essencialmente Estados em vias de desenvolvimento, que


contaram também com o apoio dos Estados do antigo Bloco de Leste, diziam que o
hipotético uso da força por parte dos movimentos de libertação nacional seria lícita, porque
não era uma utilização de força por parte de Estados, eles não são Estados, são identidades
diferentes e, por outro lado, não era incompatível com os fins das Nações Unidas pelo
contrário, porque as Nações Unidas proclamam o direito dos povos à autodeterminação.

Ora à luz desta interpretação do art.2 nº 4, encontrava-se realmente apoio para sustentar a
licitude das guerras de autodeterminação e isso criou um ambiente favorável, propício ao
surgimento desses Freedom Fighters, movimentos de libertação nacional que, pela força das
armas, visavam exercer mais expeditivamente o direito à autodeterminação que
representavam.
Ora a verdade é que essa tese foi obtendo um acolhimento no seio das Nações Unidas,
nomeadamente, no seio da Assembleia Geral das Nações Unidas e esta foi legitimando esse
recurso à força, por parte dos Movimentos de Libertação.

O que acontece é que as metrópoles começaram também a reprimir pela força o exercício
do direito à autodeterminação, começaram a usar força militar para impedir esse direito,
portanto, multiplicaram-se esses conflitos no globo, as chamadas guerras de libertação
nacional/coloniais.

Ora, houve resoluções das NU e prenúncias do TIJ quanto a isto:

— À cerca disso, as Nações Unidas vieram dizer que era ilícito o recurso à força por parte
das potências coloniais, para reprimirem o exercício do direito à autodeterminação.
E, ainda, que os Estados se deveriam abster de praticar comportamentos que
constituíssem, de alguma forma, auxílio ou assistência às potências coloniais, de modo a
que elas pudessem perpetuar essas situações de colonização — obrigação de non facere.
Portanto, pendia sobre todos os Estados um dever de não prestar auxílio às metrópoles
nesses conflitos relativos ao exercício do direito à autodeterminação.

— O próprio TIJ afirmou isso no caso Namíbia. O TIJ afirmou que os Estados se deveriam
abster de demonstrar qualquer forma apoio ou assistência à Africa do Sul, de maneira a que
esta lograsse perpetuar a sua presença no território da Namíbia.

Em face deste posicionamento, como que imediato ato contínuo e ao contrário senso,
surgiu a tese de que os Estados deveriam prestar assistência e auxílio aos movimentos de
libertação nacional, para que estes pudessem, mais eficazmente, conduzir a sua luta armada.
— Portanto um dever de não assistência ou auxílio às potencias coloniais, converteu-se,
rapidamente, num dever de auxílio aos movimentos de liberdade nacional — obrigação de
facere.

Ao contrário senso desse dever de abstenção que pendia sobre os Estados, passou-se para
um dever de auxílio aos movimentos de liberdade nacional.

Houve um fator que contribui decisivamente para isto, que foi o Protocolo Adicional 1 de
1977, às Convenções de Genebra de 1949.

Este protocolo adicional 1 versa sobre conflitos armados internacionais. Depois, existe o
Protocolo adicional 2, quer versa sobre conflitos armados não internacionais.

O Protocolo adicional 1 veio consagrar esta solução, dizer que as chamadas guerras de
libertação nacional não podem ser considerados conflitos armados não internacionais.
Portanto, firmado este entendimento de que estamos na presença de conflitos armados
internacionais, a ingerência de terceiros, nomeadamente o apoio de estados terceiros ao
conflito, passou a ser considerado legítimo, admissível. Caso não fossem considerados
conflitos armados internacionais, então, seria ilegítima ou ilícita qualquer ingerência de
terceiros no conflito.

Assim…

Paulatinamente, legitimou-se a utilização da força por parte dos movimentos de


libertação nacional, essas guerras foram consideradas legitimas e, pelo contrário,
achou-se que haveria da parte de estados terceiros um dever de non facere, de
abstenção de auxílio às potências coloniais e, até, um dever de facere, prestar apoio aos
movimentos de libertação nacional.

As Nações Unidas foram, aqui, um pouco voluntaristas em demasia, pouco criteriosas.


Essa tese foi fazendo caminho e, portanto, hoje, temos a licitude do recursos à força nos
movimentos de libertação nacional.

Isto teve implicações, quanto a institutos/princípios de DI:

• No que toca ao princípio da proibição do recurso à força: Clarificou o alcance do artigo


2º/4 da CNU — a partir de então passou a entender-se que essa proibição não se aplicaria
aos movimentos de libertação nacional ;

• No que toca ao direito à legítima defesa: as Nações Unidas consideraram que os


movimentos de Libertação Nacional teriam direito de legítima defesa face a agressões da
metrópole — o direito de legitima defesa deixou de ser uma prerrogativa exclusiva dos
Estados; Também se considerou que as potências coloniais não dispõe de um direito de
legítima defesa face a Estados terceiros, a partir de cujo território operem os movimentos
de Libertação Nacional (isto aconteceu bastante nas guerras coloniais - os MLN terem o
apoio logístico e poderem utilizar o território de Estados terceiros, para a partir desses
locais poderem preparar a ação no terreno colonizado);

• No que toca ao princípio da não ingerência dos assuntos internos de outros Estados: Há
uma regra costumeira no DI — Em situações de guerra civil, Estados terceiros não devem
interferir no conflito, porque se interferirem, isso é considerado uma ingerência ilícita —
No entanto, estes conflito passaram a ser considerados Conflitos armados internacionais,
logo, uma eventual ingerência de terceiros, apoiando os MLN, deixou de poder
consubstanciar uma ingerência ilícita.

São estas as implicações do reconhecimento dos MLN como sujeitos limitados de DI, com
a possibilidade de utilizarem a força para garantirem um exercício da autodeterminação dos
povos que representam mais rápido.

O problema que aqui se coloca:

Quais são os critérios que devem ser preenchidos para que um MLN possa ser reconhecido
internacionalmente como tal?
Estes grupos armados arrogam-se de representantes legítimos do povo em nome do qual
lutam, mas podem não ser, é preciso aferir qual é o grau de representatividade que assumem. 

Serão eles suficientemente representativos do povo em nome do qual lutam, ou não.

Aqui, o instituto do Reconhecimento tem um papel fundamental:

Só a partir do momento em que estes movimentos são reconhecidos como representantes


legítimos do povo em nome do qual lutam, é que eles ascendem à qualidade de sujeitos de
DI.

Temos de distinguir 2 realidade:

- O povo não autónomo: é um sujeito de DI, desde que tenha a titularidade do direito à
autodeterminação
- Os movimentos de libertação nacional: os grupos armados que pretendem representar o
povo não autónomo. A partir do momento em que são reconhecidos, também eles
adquirem um certo grau de subjetividade jurídica internacional, ainda que limitadamente.

Habitualmente, o reconhecimento é outorgado, em primeiro lugar, no plano regional, por


organizações regionais (ex.: União Africana), porque essas organizações conhecem melhor a
realidade de cada território e, portanto, estão em melhores condições para aferir se esses
movimentos são ou não representantes legítimos de um determinado povo.

Só depois, numa etapa subsequente, é que ocorre o reconhecimento ao nível universal, ao
nível da ONU.

Assim, temos um procedimento dividido em 2 momentos: 1º no plano regional, 2º no plano


universal.

Este reconhecimento é de grande importância, até porque, ao contrário do que sucede com
os insurretos e beligerantes, relativamente aos MLN, não estão propriamente definidos, de
forma clara, os critérios que devem estar preenchidos para que esse reconhecimento
sobrevenha. Portanto, realmente, é decisivo que, quer Estados individualmente
considerados, quer Organizações Internacionais, outorguem esse Reconhecimento.

É, portanto, um reconhecimento constitutivo, não é declarativo, uma vez que é a partir


deste que se constitui a personalidade jurídica internacional. Acresce que este é também um
reconhecimento temporário, porque caso obtenham êxito na sua luta, então, esse povo
exercerá o seu direito à autodeterminação, logo, o movimento deixa de existir.

Trata-se de uma personalidade jurídica funcionalizada, só tem razão de ser relativamente


àquele objetivo, o exercício do direito à autodeterminação.

Uma das vantagens que advém do reconhecimento destes movimentos é o facto de eles,
depois, se tornarem interlocutores válidos nas Organizações internacionais, nomeadamente,
da ONU, no qual muitas vezes adquirem o estatuto de observadores e, portanto,
acompanham o funcionamento dos orgãos das NU e podem tornar as suas aspirações mais
conhecidas na comunidade internacional — solicitando apoio à sua causa, por exemplo.

— Tem sido assim ao longo da história com diversos MLN, talvez com particular
destaque para a OLP (organização de libertação da Palestina) e até certa altura a
SWAPO (South West African People Organization).

6. A personalidade jurídica
Internacional do indivíduo e a Proteção
Internacional dos Direitos Humanos
Sempre foi, até certa altura, algo controverso, saber se o indivíduo seria ou não sujeito de
DI.

Inicialmente, os autores positivistas, que eram partidários do dualismo, entendiam que o


indivíduo jamais podia ser considerado de DI — Para os dualistas há uma separação muito
clara entre a ordem jurídica internacional e a ordem jurídica interna e essa separação radical
radicaria, entre outras coisas, na circunstância de serem diferentes os sujeitos de DI, por um
lado, e os sujeitos d direito interno, por outro. Ora, o indivíduo seria sujeito de direito
interno, nunca sujeito de DI, estes seriam apenas os Estados.

No polo oposto, temos uma corrente defendida pela chamada escola sociológica francesa,
cujos membros eram, pelo contrário, anti-voluntaristas e, então, achavam que só o indivíduo
pode ser sujeito de direitos, só este poderia ser considerado um sujeito de direitos, o Estado
era considerado como um mero instrumento de gestão de interesses coletivos. No fundo, o
Estado existia apenas para gerir interesses da coletividade que o compõem e, em termos
mais recentes, para poder fornecer à população os bens e serviços necessários para o seu
bem-estar — Estado encarado como algo instrumental.

São duas posições extremadas, há posições mais moderadas que, de forma mais realista,
admitem a possibilidade da coexistência de vários sujeitos no plano internacional — dos
Estados, OI, indivíduos, povos…

Hoje, já ninguém contesta que o indivíduo é sujeito de DI, está até em curso um processo
de humanização do DI, em que o indivíduo tende a ganhar crescente protagonismo nas
relações internacionais.

Mas, no passado, o indivíduo não era sujeito de relações jurídico-internacionais, porque as


normas de direito internacional jamais atingiam a esfera individual, jamais de uma norma
internacional nasciam direitos ou obrigações para as pessoas físicas. As normas de DI
tinham por destinatários os Estados e só indiretamente os indivíduos. Portanto, uma norma
de DI só podia atingir a esfera individual mediante a intervenção ou a interposição das
autoridades nacionais de cada Estado. O indivíduo era sujeito de direito interno, era
juridicamente incapaz de intervir em relações jurídicas internacionais.

Então, nesta altura do direito internacional clássico, se, porventura, um indivíduo fosse
lesado nos seus direitos no território de um Estado estrangeiro onde se encontrasse, como é
que eram defendidos os seus direitos?

Eram defendidos através de um mecanismo indireto de tutela de direitos individuais, que


se designava por Instituto da Proteção Diplomática.
Significava que o Estado da nacionalidade desse indivíduo atuava em seu nome, substituía-
se a essa pessoa física e assumia, ele próprio, a tutela dos seus direitos no plano
internacional — em vez de ser o indivíduo a fazê-lo diretamente, o Estado da sua
nacionalidade substituía-se a ele e assumia essa proteção.

Mas este instituto da proteção diplomática tem alguns requisitos de funcionamento:

• É preciso perceber que é um direito do Estado, não é um direito do indivíduo, ou seja, é


o Estado da nacionalidade de um determinado indivíduo, que, alegadamente, foi lesado
nos seus direitos num estado estrangeiro, que decide se vai ou não exercer em favor dele
essa proteção diplomática. Portanto, o exercício da proteção diplomática corresponde a
uma competência discricionária do Estado, o Estado é livre de decidir se se justifica, ou
não, intervir em defesa dos seus nacionais alegadamente lesados nos seus direitos.

• Por assim ser, são nulas as cláusulas de renuncia à proteção diplomática por parte de um
indivíduo. Já tem acontecido que terminadas pessoas, instaladas no território de um
Estado estrangeiro, façam uma espécie de pacto com esse Estado, renunciando à
proteção diplomática por parte do Estado da sua nacionalidade. Estas cláusulas de
renuncia à protelação diplomática têm sido sempre consideradas nulas pelos Tribunais
Internacionais, porque não se pode renunciar a um direito de que não se é titular - o
indivíduo não pode renunciar à proteção diplomática porque não é um direito dele, é um
direito do Estado da sua nacionalidade. Portanto, essas cláusulas de renuncia à proteção
diplomática que têm existido são nulas, não produzem qualquer efeito.

Requisitos de funcionamento deste instituo da proteção diplomática:

• É preciso que entre o Estada que vai exercer a proteção diplomática e o indivíduo que
dela beneficia exista uma nacionalidade efetiva — é preciso que o vínculo entre aquele
estado e aquele cidadão seja uma conexão estável, genuína;

• É preciso que esse indivíduo tenha sido vítima de um ato ilícito por parte de um Estado
estrangeiro que lhe tenha causado determinados danos ou prejuízos. Evidentemente, tal
como na responsabilidade internacional, é preciso estabelecer esse nexo de causalidade,
demonstrar que os danos sofridos foram consequência do comportamento do Estado em
cujo território ele se encontra/encontrava.

• Prévio esgotamento dos recursos graciosos e contenciosos, postos à disposição do


indivíduo no Estado estrangeiro em que ele se encontre. Os recursos graciosos são os
recursos que existem dentro da administração, normalmente, são ou reclamações
(quando a pessoa lesada reclama para próprio orgão que adotou o ato que alegadamente
violou os seus direitos) ou recurso (quando recorre para um superior hierárquico). Os
recursos contenciosos são recursos perante o poder judicial, perante os tribunais.
Portanto, é preciso que o particular, primeiro, esgote as vias de recurso que lhe são
postas à disposição num Estado estrangeiro, quer as graciosas, quer as contenciosas. Só
esgotados esses recursos, sem que ele tenha sido reintegrado nos seus direitos, é que,
então, o Estado da sua nacionalidade poderá atuar em seu favor. O instituto da proteção
diplomática tem um caráter subsidiário, porque se parte do princípio que os indivíduos,
quando instalados num Estado estrangeiro, aceitam e acreditam na ordem jurídica desse
Estado, por outro lado, os Estados também devem confiar nos seus pares, em matéria de
administração de justiça e, portanto, até numa perspetiva de evitar conflitos
internacionais, tem de ser dada ao Estado estrangeiro a possibilidade de demonstrar que,
afinal, nem foi praticado qualquer ato ilícito relativamente a esse cidadão, ou que, tendo
sido praticado, esse Estado está disposto a reparar os danos causados. 

Aí, tem vários meios ao dispor, ou meios político-diplomáticos, ou meios
jurisdicionais.

• Alguma doutrina acrescenta a estes requisitos, o requisito clean hands, ou seja, seria
ainda necessário que esse cidadão não tivesse, ele próprio, praticado qualquer ato ilícito
no Estado estrangeiro. 

Só que este requisito não é maioritariamente sufragado pela doutrina, entende-se que
não é um requisito indispensável, porque ainda que o particular tenha cometido um ato
ilícito, nem por isso deixa de merecer ser defendido se os seus direitos forem violados.

Atualmente, há já normas de DI, cujos destinatários são os indivíduos, há situações em que


a norma jurídica internacional atinge diretamente a esfera individual, ou seja, o indivíduo
converte-se em sujeito de DI, adquiriu um grau de personalidade jurídica internacional.
Isto, é uma alteração no plano substantivo.

Mas no plano processual, há, também, dados novos:

Alguns dos instrumentos normativos internacionais, no âmbito de Direitos humanos,


atribuem aos indivíduos um poder próprio de reclamação internacional. O indivíduo passa a
poder tutelar os seus próprios direitos no plano internacional. E nesses casos, o instituo da
proteção diplomática perde importância.

Pode suceder que a consagração de direitos e liberdades fundamentais da pessoa humana


seja acompanhada desse poder de reclamação internacional e o indivíduo deixa de estar
dependente do Estado da sua nacionalidade para tutelar os seus direitos.
É importante sublinhar que o indivíduo é sujeito de DI, relativamente a algumas matérias
apenas, como direito social, direito humanitário, (…), ou seja, é um sujeito limitado de DI.

Proteção internacional dos DH

- Plano universal;

- Plano regional:

- Sistema inter americano


- Sistema europei
- Sistema africano

Plano universal

Foi a partir da 2ª Guerra Mundial que se iniciou o movimento internacional de garantia e


proteção dos direitos humanos, este foi assumido como objectivo primordial da
Comunidade Internacional.

A proteção dos Direitos Humanos é um dos principais ramos do DI, hoje. Vivemos tempos
de humanização do DI, há uma espécie de transição de paradigmas, de um Direito
Internacional voltado para os Estados, para um direito Internacional que agora se pretende
centrado na proteção da dignidade do indivíduo.

A CNU proclama esse dever de proteção dos DH e esse princípio da proteção e liberdades
fundamentais do Homem está consagrado e a ele fazem referência os artigos: 2º,13º 52º 62º
68º 76º (…).

Essas normas das Nações Unidas, em matérias de Direitos Humanos, estão escritas à guisa
de normas meramente programáticas, são preceitos algo vagos, genéricos, não propriamente
de normas imediatamente operativas. Por isso, sentiu-se a necessidade de densificar as
disposições relativas aos mesmos das NU:

Isto foi feito pela ação conjugada da Assembleia Geral das NU, do Conselho Económico e
Social e da Comissão de DH, hoje designada Conselho dos DH, que iniciam uma tarefa de
produção normativa, que se concretizou em 1948, com a adoção da DUDH.

Só que a DUDH, do ponto de vista jurídico, é uma mera recomendação da Assembleia


Geral, não é juridicamente obrigatória, formalmente falando. É evidente que, se olharmos ao
seu conteúdo, encontramos normas consuetudinárias, e mais do que isso, algumas delas são
jus cogens, portanto, acaba por perder significado a circunstância de se acharem contidas
num texto não juridicamente obrigatório.

Assim, nos anos 60, foram adotados 2 pactos internacionais relativos a Direitos humanos,
com força obrigatória: Um primeiro Pacto, o Pacto de Direitos Civis e Políticos, direitos de
1ª geração; Um segundo pacto, o Pacto de Direitos Económicos, Sociais e Culturais, direitos
de 2ª geração.

Estes 3 instrumentos ( DDUH e os 2 Pactos) normativos constituem o núcleo duro da


produção normativa da ONU, em matéria de DH. Aos três, reunidos, é atribuída a
designação de Carta Internacional dos Direitos Humanos.

Ao Pacto dos direitos Civis e Políticos, foi anexado um protocolo facultativo, no âmbito do
qual podem haver queixas dos particulares, quando entenderem que foram lesados nos
direitos consagrados no pacto.
Relativamente ao pacto dos Direitos Económicos, sociais e culturais, um protocolo
facultativo semelhante só foi adotado em 2008 e só entrou em vigor em 2013. Ou seja, só há
8 anos atrás é que passou a poder haver reclamações individuais, no âmbito destes direitos
— Isto denota que houve uma evolução a 2 velocidades, o que se justifica pela diferente
natureza dos direitos, os Direitos civis e políticos podem ser imediatamente efetivados, os
outros dependem de condições fácticas (recursos financeiros..)

Para além deste núcleo essencial, foram celebradas diversas Convenções Internacionais,
mas relativamente a temas mais específicos:

- Convenção sobre genocídio;


- Convenção sobre tortura;
- Convenção sobre discriminação racial e apartheid;
- Convenção sobre tráfico de seres humanos.

São convenções que também são de Direitos Humanos, mas com regulamentações mais
específicas.

Como se efetua a proteção dos DH no plano universal?

O alcance da proteção dos direitos humanos passa pelo princípio da universalidade dos DH:

Recai sobre todos os Estados um dever de proteção dos DH, independentemente de


quaisquer particularismos regionais ou nacionais. As diferentes culturas e regiões, as
diferentes conceções que possam existir a cerca dos DH não legitimam que eles possam ser
postergados, nem leis internas que afetem o seu núcleo essencial. As diferenças entre os
Estados, diferentes conceções, permitem uma certa flexibilidade no exercício dos vários
Direitos Humanos, mas não ao ponto de ser afetado o seu núcleo essencial, através de
legislação interna.

Olhando para a Comunidade Internacional, podemo-nos questionar se faz sentido falar


numa universalidade dos DH, os Estados são muito diferentes, desde logo, do ponto de vista
do desenvolvimento económico, regimes políticos, tradições religiosas, etc. Isso, por vezes,
acontece dentro de cada continente — o que é que isto representa quanto a conceção dos
DH?
Apesar disso, há um núcleo de DH, à volta dos quais se formou um consenso muito amplo,
uma espécie de código moral mínimo, caso por exemplo de alguns Direitos civis e políticos
(direito à vida, à integridade físicia ) e direitos económicos, sociais e culturais (à habitação,
à saúde…). Depois, também o direito de acesso à justiça e de beneficiar de um conjunto de
garantias processuais, o direito a não ser submetido a tortura ou tratamentos desumanos. É
quanto a estes direitos que faz sentido falar na universalidade.

Importa também dizer que a obrigação de respeitar e proteger os DH é uma obrigação de


carácter Erga Omnes, obrigação de cada Estado, perante toda a comunidade internacional.
Quando houver uma violação grande de DH, todos os Estados têm interesse jurídico em que
essa violação cesse - todos têm interesse judicio na cessação dessas violações.

Para isto, contribuiu também uma evolução notória:

Até uma certa altura, o problema dos DH e sua proteção era considerado um assunto
interno dos Estados, mas essa perspetiva mudou e a proteção dos DH é, agora, uma questão
de DI, uma matéria de internacional concern.
Deixou, portanto, de ser uma matéria de domínio reservado dos Estados.

Para esta mudança de conceção, muito contribuíram os Estados ocidentais, principais


responsáveis pelo desenvolvimento dogmático dos direitos civis e políticos. Já para o
desenvolvimento dos direitos de 2º geração, contribuíram bastante os países de órbita
socialista.

Cada vez mais existem textos internacionais em matéria de DH que se dirigem diretamente
aos indivíduos, sem mediação das autoridade nacionais do Estado: o DI aplica-se Às
pessoas, à margem dos Estados da sua nacionalidade, ou seja, o indivíduo adquiriu um grau
de personalidade jurídica.

Algumas das disposições dos pactos, embora não sejam diretamente aplicáveis, gozam de
efeito direito, são self executing: Os indivíduos podem invocar diretamente essas
disposições junto dos tribunais — a falta de aplicabilidade direta, em alguns casos, não
impede que tenham efeito direito.

Aplicabilidade direta — a norma dirige-se diretamente ao indivíduo, sem interposição do


Estado.

Efeito direito - suscetibilidade da Norma Internacional ser invocada pelo particular junto de
um tribunal inteiro ou Internacional; esse efeito pode ser horizontal, se for invocada
relativamente a outro indivíduo, e vertical, quando ela é invocada por um indivíudo contra o
seu próprio Estado.
Plano regional

1. Sistema europeu

Tem a ver com a mais antiga Organização Internacional em funcionamento:

O Conselho da Europa, criado em 1949, (não confundir com o conselho europeu, órgão da
UE) é composto por 47 Estados membros, de entre os quais os 27 estados membros da UE.
Portugal aderiu em 1976.

Objetivos: Promover a defesa dos DH; Aprofundar a democracia; Garantir a paz e


estabilidade na Europa.

De entre estes objetivos, assume importância primordial a protecção dos DH, considerada
co-natural à própria identidade europeia.

Para que um Estado se torne membro do Conselho, é preciso que seja um Estado de
Direito, e se comprometa a garantir aos seus cidadãos todos os direitos e liberdades
fundamentais, inerentes à dignidade da pessoa humana, sem qualquer descriminação,
baseada na raça, étnia, convicções religiosas ou políticas.

Sob a égide do conselho, foram adotados 2 textos normativos fundamentais:

- A convenção europeia dos Direitos do Homem, em 1950;


- A carta social europeia de 1961;

Também aqui temos direitos civis e políticos na 1ª e direitos económicos, sociais e culturais,
na 2ª.

Convenção europeia dos Direitos do Homem

Consagra um catálogo amplo de direitos civis e políticos, agrupados em diferentes


categorias: direito à vida e integridade, liberdade política, relativos à proteção da
propriedade intelectual, intimidade privada e familiar, propriedade e educação - 6/7 grupos
de direitos

Como se assegura o respeito por estes direitos?


Prevêem-se 3 mecanismos de proteção:

1. Informações prestadas pelos Estados, mediante solicitação do secretário geral do


conselho da Europa;
2. Queixas interestaduais: Qualquer membro pode denunciar outros estados por
alegadas violações dos direitos contempladas na convenção;
3. Demandas individuais: Permite-se que haja queixas que sejam apresentadas, por
parte de indivíduos, grupos de indivíduos ou até ONGs.

Arquitetura institucional do conselho da Europa no que diz respeito a aplicação da


convenção:

Primeiro havia 2 órgãos:

Órgão não jurisdicional: Comissão europeia dos direitos do homem

Órgão jurisdicional: Tribunal europeu dos direitos do homem

Mas, em 1994, houve uma reforma do sistema institucional, através do protocolo número
11, e o sistema adquiriu um carácter exclusivamente jurisdicional.

Há, aqui, uma novidade, os indivíduos têm acesso direito ao tribunal europeu.

Claro que, para terem acesso ao tribunal, têm de esgotar previamente todos os recursos
internos - está aqui expresso o carácter subsidiário do tribunal europeu.

Depois de proferida a sentença do tribunal de última instância, o indivíduo tem um prazo


de 6 meses para recorrer ao tribunal europeu.

Há, aqui, um problema, relativo à execução das sentenças do tribunal Europeu:

O indivíduo tem acesso direto ao tribunal, mas esse acesso poderia quase converter-se em
algo de ilusório, caso os Estados não ficassem obrigados a cumprir as decisões do
tribunal…

Efeitos das decisões:

As sentenças têm efeitos declarativos, não constitutivos: O tribunal declara se existe ou não
violação de algum dos direitos, ou seja, diz se foi ou não violado algum dos direitos, mas
não tem poderes para anular ou modificar atos de direito interno, revogar leis de direito
interno, nem poderes de cassação de decisões de tribunais internos.

Põe-se, então, o problema de saber como funciona a execução das sentenças.

A execução das sentenças é fiscalizada pelo comité de ministros.


A obrigação dos Estados de executarem as sentenças é uma obrigação de resultados, não de
meios: a sentença fixa um objetivo a atingir, mas os meios para efetivamente executá-la
cabe ao Estado escolher.

No entanto, o tribunal tem sido cada vez mais injuntivo, tem crescentemente dado
indicações aos Estados quanto às medidas a adotar para executar as suas sentenças. Embora
as sentenças serem apenas declarativas, o tribunal tem dado indicações cada vez mais
precisas aos Estados, relativamente à forma como as devem executar.

Se o tribunal concluiu que um determinado Estado violou direitos fundamentais dos seus
cidadãos, o Estado em causa tem de reparar esses danos, nos termos normais da
responsabilidade internacional.

Se for viável, deve proceder a uma restitutio in integrum. Quando não for possível, deve
indemnizar o particular, para compensar pelos prejuízos sofridos (indemnização pecuniária).
Por outro lado, deve cessar a prática do ato ilícito e deve prestar-lhe garantias de não
repetição.

A verdade é que uma efetiva reparação dos danos causados com a violação dos seus
direitos pode levar a uma reabertura de processos internos. Significa isto por em causa a
autoridade do caso julgado dos tribunais internos.
Isso pode contender com direitos dos co-arguidos ou de terceiros, portanto, há aqui algum
melindre nisso, mas uma adequada reparação dos danos pode exigir a reabertura, mesmo
assim.

É importante, ainda referir que a regra de ter de esgotar previamente todos os recursos
internos disponíveis não é de valor absoluto, porque se as decisões internas demorarem um
tempo excessivo, se for uma demora injustificada, o tribunal europeu pode passar por cima
dessa regra, porque o direito à tomada de uma decisão judicial num prazo razoável é
também um direito consagrado na convenção.

Carta Social europeia

Consagra direto económicos sociais e culturais, como o direito ao trabalho, sindical, direito
à negociação coletiva, à segurança social, à assistência social e médica, da família, de
trabalhadores migrantes…

Aqui, a Carta admite alguma flexibilidade , toma em conta os níveis de desenvolvimento


económicos diferentes entre os vários Estados membros

Como tal, admite que um Estado se vincule, comprometendo-se a respeitar pelo menos 5
dos 7 direitos fundamentais nela consagrada.
Depois, o controlo da observância destes direitos é mais frágil, não ha um órgão
jurisdicional que fiscalize a mesma, que controle. O que está previsto é o envio periódico de
relatórios ao Conselho, para que este vá controlando.

Sistema inter-americano

Os textos normativos fundamentais referentes aos direitos humanos são:

- Convenção inter americana dos direitos de homem de 1969;


- Protocolo de São salvador (1988/89)

A proteção dos direitos consagrados nos 2 instrumentos é assegurada por 2 orgãos, uma
comissão inter americana de direitos e o tribunal inter americano de direitos humanos (ou
Corte)

Os particulares, no sistema inter-americano, não têm acesso direto à corte, podem fazer as
suas queixas ou dirigir as suas petições à Comissão inter-americana e, depois, essa comissão
poderá levar o caso à corte — Acesso mediado pela comissão.

Junto do tribunal só tem legitimidade processual ativa ou os Estados ou a Comissão.

Isto representa, aqui, uma certa fragilidade do sistema inter-americano, comparativamente


ao sistema europeu. No entanto, é de ressalvar que isso não tem impedido que a Corte tenha
uma jurisprudência muito volumosa e importante em matéria de proteção dos direitos
humanos.

Também vigora a regra do prévio esgotamento dos recursos internos do país onde se
encontre e também aqui, esse princípio não tem valor absoluto.

Relativamente à execução, as sentenças também têm efeitos declarativos.

O sistema africano

Aqui, a Convenção internacional em causa é a Carta Africana dos direitos do Homem e dos
Povos, de 1986.

A própria designação desta convenção já sugere que há aqui uma filosofia diferente, no que
toca à compreensão dos direito humanos:

Existe, aqui, uma dimensão individual e dimensão coletiva, por exemplo: Consagram-se
direitos dos povos enquanto tal, direito à existência, à descolonização, à livre disposição dos
seus recursos naturais (vertente económica da autodeterminação) e direito à paz.
Ademais, quanto aos indivíduos, para além dos direitos dos indivíduos, consagram também
deveres: deveres para com a família, o Estado e a Comunidade internacional.

Isso é algo que não encontramos nos textos Ocidentais, porque aí prevalece a filosofia
liberal individualista, no sistema africano, há uma diferente conceção.

Como se assegura a proteção dos direitos ?

Inicialmente, apenas através de uma comissão africana dos direitos do homem, pois não
havia um orgão jurisdicional — em 2003 não existia ainda tribunal africano dos DH
Atualmente, o tribunal já existe.

Em principio, os indivíduos não têm acesso direto ao tribunal, funciona em moldes


semelhantes ao sistema inter-americano - conjugação de 2 órgãos, a comissão e o tribunal,
sendo que os indivíduos têm acesso a comissão.

Mas no sistema africano, prevê-se a possibilidade do indivíduo ter acesso direto, mas é
preciso uma autorização expressa a doc do Estado da sua nacionalidade.

Quadro específico da União Europeia

Também no quadro específico da UE há manifestações relevantes relativas à personalidade


jurídica do indivíduo, só que é uma coisa específica, porque estamos a falar de uma OI
específica, diferente das anteriores.

A personalidade jurídica do indivíduo radica nos tratados que instituíram as comunidades


europeias e nos tratados que, posteriormente, modificaram esses tratados originários.

Mas radica também no direito europeu derivado, emanado das instituições europeias e da
jurisprudência dos tribunais da UE, do tribunal geral e de justiça da UE.

Regime das 4 liberdades consagrado nos tratados originários

- Circulação de pessoas, mercadorias, serviços e capitais.

- Direito de liberdade de concorrência no espaço da União

Para além disso, sabemos que há direito que é emanado das instituições europeias,
nomeadamente, comissão europeia, conselho europeu e parlamento. Há normas emanadas
que gozam de aplicabilidade direta (regulamentos e algumas decisões), dirigem-se
diretamente aos cidadãos da UE, sem mediação do Estado. Outras não têm aplicabilidade
direta, mas podem ter efeito direto, que é o caso das diretivas e decisões dirigidas ao Estado.
Isso também constitui manifestação da personalidade jurídica.

Os indivíduos também têm acesso aos tribunais da UE, por exemplo, para pedir a anulação
de atos da UE que considere lesar os seus direitos - o tribunal de Justiça exerce um
contencioso de anulação.
Portanto, há acesso direto dos indivíduos aos tribunais da UE.

Depois, aquando o momento da conclusão do Tratado de Maastricht, em 1992, foram


considerados obrigatórios, para a UE, como princípios gerais de direito europeu, quer os
direitos consagrados na Convenção europeia dos DH, quer aqueles que resultam das
tradições constitucionais dos Estados membros.

Para além disso, consagrou ao lado das 12 cidadanias nacionais ( da altura), a cidadania
europeia, portanto, a partir de então, os indivíduos nacionais deixaram de ser cidadãos
nacionais e passaram a ter cidadania europeia, que se analisa num conjunto de direitos civis
e políticos, nomeadamente, a capacidade eleitoral ativa e passiva dos cidadãos europeus nas
eleições municipais do Estado membro, também a capacidade ativa e passiva nas eleições
para o Parlamento europeu, também o direito de petição junto do parlamento, também o
direito de fazer uma queixa ao provedor de justiça da UE e ainda o direito à protecção
diplomática e consular ,de que gozam os cidadãos europeus, num estado terceiro, onde o
estado da sua nacionalidade não possua autoridades diplomáticas ou consulares.

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