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Alexandre da Silva A82506

Método Jurídico
I. O PROBLEMA DO ACESSO AO CONCEITO GERAL DE MÉTODO JURÍDICO

FRIEDRICH MULLER pergunta, “O que é a metódica jurídica?” ao que responde “É a


metódica do trabalho dos juristas”.
Esta resposta obriga a uma outra pergunta “O que fazem os juristas numa ordem
jurídica do tipo da nossa?”
Resposta:
a) Preparam e formulam, politico-juridicamente, as normas para os órgãos
legislativos.
b) Executam normas (poder executivo)
c) Ajuízam ações ou outras normas segundo normas (poder jurisdicional)
Esta definição indireta do método jurídico pela descritiva referência das funções que
correspondem hoje aos juristas enquanto titulares dessas funções suscita a exigência
de um esclarecimento fundamental sobre o que há metodicamente em comum em
todas essas atividades ou funções.
F. MULLER esclarece essa questão – “trata-se sempre de atos de decisão a realizar,
num estado Constitucional com a índole de estado de direito, em vinculação ao direito
vigente”
Conclui-se então “a metódica jurídica é, portanto, a técnica prática-cientifica dos
processos de decisão orientados por normas. ´
No entanto, esta noção de Método Jurídico minimiza o problema da sua essencial
determinação e deixa-o verdadeiramente indefinido. Não tanto por ser uma noção
formal, mas porque em primeiro lugar tende a não distinguir “método” de “técnica”.
Assim, o método como manifestação da perspetiva de um processo que
constituidamente assume a intencionalidade de uma atividade cultural e apenas
suscetível de definir-se pela reflexão critica-metodológica referida nos objetivos desse
domínio cultural.
A técnica traduz a perspetiva de exterioridade de um esquema formalmente
operatório e instrumental com vista a uma aplicação prática.
Ou seja, perante a definição de Muller fica indecidida a questão de saber se a atividade
dos juristas atinge o nível metódico, em sentido metodologicamente rigoroso e de que
sempre se tem reclamado a “ciência” do direito ou se fica apenas por uma mera
técnica de aplicação do direito como lhe tem sido apontado e criticado – “ a
convencional doutrina do método jurídico é no fundo uma doutrina sem método”.
Em segundo lugar, porque, se não deixa de a aludir, o certo é que não esclarece a
diferenciação metódica entre atividades ou funções em que o pensamento jurídico
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tem visto, enquanto justamente as distingue intencional-metodologicamente,


coordenadas essenciais da sua conceção do Método Jurídico.
a) Desde existe uma discriminação entre a criação do direito relativamente á sua
aplicação, o que se traduz na distinção entre a politica do direito ( a assumir
sobretudo pelo legislador), e a jurisprudência (que será especifica dos juristas)
que vai implicar, metodologicamente, a distinção entre o método da legislação
ou do legislador e o método da jurisprudência ou dos juristas, sem excluir os
juristas daquela primeira atividade prescritivo legislativa. No entanto, a
verdade é que se forma eles convocados a participar nessa atividade com o seu
especializado “saber jurídico” poderá mesmo duvidar-se hoje da radical
verdade daquela distinção. Posto que, por um lado tanto o contexto das
validades comunitárias e especificamente constitucionais como a intencional
pressuposição da ordem jurídica constituída (normas já existentes que regulam
e vinculam o legislador, uma normatividade referente para a prescrição
legislativa) e, por outro lado, os momentos constitutivos ou de normativa
criação que se reconhecem a caracterizar a jurisprudencial realização do
direito(integração e interpretação que deve o jurista fazer “como se fosse o
legislador” tendem a aproximar aqueles dois métodos e parece conferirem
sentido a uma intenção metódica global, ou de totalização integrante em que
aquela distinção se superasse por um unitário método do direito. Método esse
que tanto a criação como a aplicação do direito teriam que cumprir, já que
seria ele o método exigido pelo direito enquanto tal ou pelas suas intenções
prático-normativas (axiológicas, sociopolíticas…) e que, já por isso, toda a
manifestação e realização jurídica se deveria propor.
Não foi outra a intenção de F.GÉNY ao ultrapassar os objetivos ainda limitados
do Méthode d´interprétation et sources en droit privé positif, centrados nos
temas tradicionais da interpretação da lei e da integração das lacunas, pelo
espectro epistemológico de Science et techinique en droit prive positif, onde,
através da conhecida distinção entre “le donné” e “ le construit” tentou lançar
as bases cientifico metodológicas de uma global elaboração do direito. E nessa
perspetiva encontraria uma particular justificação no facto de vermos
atualmente convocada para o âmbito metodológico jurídico, ou para os
objetivos e a metodologia ampliados da “ciência do direito” também a
elaboração de uma “doutrina da legislação”.
De todo o modo, quer pelas diferentes índoles e graus distintos das respetivas
vinculações - á função jurídica da legislação reconhece-se uma especifica autonomia
normativamente constitutiva (não obstante o seu regulativo e o seu enquadramento
normativo-jurídico) e á função jurisprudencial uma índole normativamente vinculada (não
-, quer sobretudo pelas
obstante os seus momentos normativo-jurídicos constitutivos)
diversas funções e intencionalidades que assumem – uma intencionalidade
sobretudo reformadora e estratégica-teológica no caso da função legislativa, e uma função
sobretudo de realização de uma pressuposta validação e judicativo-decisória no caso da função
jurisprudencial-,
aquela primeira distinção metodológica resiste a um completo
apagamento. Assim pode-se dizer, como o faz J. CASTAN TOBENAS, que na
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prescrição normativa temos uma “elaboração criadora” e no juízo


jurisprudencial uma “elaboração reconstrutiva”, embora nesta ultima se hajam
de discriminar os casos de concretização de critérios jurídicos constituídos ou
preexistentes dos casos de elaboração dos próprios critérios jurídicos numa
atividade de integração(de lacunas) e mesmo de desenvolvimento normativo,
atividades estas em que a “elaboração criadora” e a “elaboração reconstrutiva”
como que se vêm de novo a tocar-se no grau constituinte, mas sem que no
entanto de todo se identifiquem.
b) Depois, no próprio âmbito da jurisprudência, ou seja, no domínio da atividade
especificamente jurídica (não politico-prescritiva) dos juristas e como tal
referida em principio a um direito virtualmente pressuposto – o âmbito e o
domínio objetivo a que se designa “ciência do direito”- ter-se-á de distinguir a
função judicativo-decisória chamada a resolver os problemas jurídicos
concretos (Tribunais) da função dogmática dirigida antes ao conhecimento
objetivo-sistemático do direito constituído e vigente numa determinada
comunidade histórica (Doutrina).
A primeira preocupa-se com a “prática” aplicação do direito, centra-se no
problema da interpretação e integração e orienta-se pelo paradigma ou
“método do juiz”, cumprindo assim o método da jurisprudência em sentido
estrito (a que IHERING designa por “jurisprudência inferior”). Já a segunda
assumiria uma intenção sobretudo cientifica do direito objetivamente
pressuposto, mediante o método epistemologicamente próprio da dogmática
jurídica – o método da “ciência jurídica em sentido estrito, e de que seria
funcionalmente titular desde a Idade Média, mas sobretudo no século XIX, o
ensinante teórico do direito, encarnado antes de mais pelo professor
universitário (atividade intitulada por IHERING como “jurisprudência superior”).
Só que também perante esta distinção, sobretudo acentuada pelo pensamento
jurídico dos Oitocentos, haverá de perguntar-se se continua a ser válida uma
distinção nestes termos (entre uma atividade prática sobretudo hermenêutica
e u atividade teórica de índole sobretudo dogmático-sistemático) no domínio
global da jurisprudência. Sendo certo que ao pensamento jurídico cumpre
assumir, em todos os seus momentos e a todos os seus níveis, a intenção e
função prática do direito, de modo a que o seu universal objetivo -e, portanto,
também o da dogmática jurídica- não deverá ser outro senão o da normativa
solução dos problemas prático-sociais postos pela histórica realização do
direito. Com o que à dogmática, como dimensão especifica da prática da
“ciência do direito” caberá a função de preparar e orientar, mediante uma
determinativa reelaboração sistemática do direito positivo, a normativa jurídica
realização prática do direito e assim todo o pensamento jurídico se
compreenderá numa vocação verdadeiramente prático-jurisprudencial. Como
disse BURCKHARDT – “a ciência do direito não tem qualquer outra tarefa do
que a prática … a ciência enina o método à prática, a ciência do direito é o
método da prática jurídica”. A diferença metódica entre uma atividade jurídica
tão-só prático-técnica e uma atividade puramente teorético-cientifica todavia
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não anula a distinção entre os dois momentos metodológicos (não dois


métodos, mas dois momentos) da realização do direito: o momento de
intenção diretamente decisória, em casuística referência ao problema concreto
(ao caso jurídico), e o momento de intenção diretamente dogmática, em
sistemática referência ao sentido unitário-institucional da ordem jurídica – ou
seja, a perspetiva do problema e a perspetiva do sistema enquanto perspetivas
metodológicas correlativas e integradas. A judicativa solução do caso, do
problema, apenas será válida se justificada no e pelo sistema e da mesma
forma também a elaboração e determinação sistemática se terá de aferir pelo
seu correto(plausível) cumprimento na solução dos problemas.

Pensamento Jurídico
O pensamento jurídico é aquele setor cultural em que se assume e cumpre o sentido
com que o direito se compreende a determinar as relações sociais, a ordenar a
convivência comunitária- sentido esse que se revela o regulativo constituinte do direito
que normativamente perspetiva essas relações e essa convivência e ainda como
fundamento ultimo da solução dos problemas jurídicos.
Por outro lado, o universo jurídico (o direito e a realidade histórico-social que ele
ordena e estrutura) manifesta-se como um sistema – como um subsistema do sistema
cultural global- e o pensamento jurídico não é senão a ratio desse sistema – a “razão
jurídica” do “sistema jurídico”.
Assim, o pensamento jurídico acaba por ser o intencional constituens daquele sistema
e da sua prática – “é o motor em virtude do qual um sistema jurídico se organiza de
modo coerente, e próprio para realizar certos fins”, é o “que dirige esta atividade para
certos fins”.
Destarte o pensamento jurídico é a chave para determinar o Método jurídico, método
esse que será a metódica especifica de pensar e resolver os problemas jurídicos.
O pensamento jurídico é uma entidade culturalmente histórica: é a função decerto da
conceção do direito e dos objetivos práticos por que ele se orienta em cada época
(desde logo os sistemas de valores comunitários que o direito não deixa de assimilar).
Até ao séc. XVIII
Pensamento jurídico como um capitulo de filosofia prática.
Surge de raízes gregas, sobretudo aristotélicas, repensada em perspetiva teológico-
cristã pelo pensamento medieval e procurava a solução de todos os problemas da
global praxis humana na ética, na doutrina ética do bem e da justiça, em todas das
suas três distintas modalidades fundamentais (romana, medieval e moderna). Na
diversidade cultural e metódica que essas diferentes modalidades exprimem – uma de
sentido sobretudo prudencial, outra de sentido mais hermenêutico e a terceira já de
intenção racional (dedutivo racional)- e com a maior ou menor mediação de um
sistema de fontes normativas positivas que essas modalidades também diversamente
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invocavam, todas se propunham como solução dos problemas o justo prático


que o pensamento jurídico referia para além das fontes positivas - ius naturalis.
Entre a intenção do direito e a intenção do pensamento jurídico não havia verdadeira
diferença, eram ambas intenções ético-práticas e normativas, e o direito em boa parte,
senão no essencial, produto normativo desse pensamento.
Direito Romano
Ius romanum- Direito Romano da época clássica. Foi um característico “direito dos
juristas”. Na ausência de uma legislação sistemática o ius civile foi sobretudo produto
da jurisprudentia dos juristas romanos (cidadãos particulares), que resultava da
responsa – e mais geralmente da sententia (opiniões ou pareceres) – dos juristas
consultos perante os casos jurídicos que lhes eram postos ou pelos cidadãos ou no
exercício da sua acessória (consilium) aos magistrados e aos juízes.
O ius civile traduzia-se assim numa juridicidade judicativo-casuística que, embora com
o poio formal nas fontes disponíveis e depois nas actiones concedidas pelo pretor e
anunciadas no seu edictum, invocava como fundamentos materiais e
constitutivamente decisivos a bona fides, a aquitas, a utilitas, a humanitas.
Distinguia-se a ius da lex,
Ius- Objeto da jurisprudência;
Lex- Decisão Adotada e publicada pelos grupos preponderantes do povo solicitados
pela iniciativa de um governante;
Ius e lex mantinham-se como ordens distintas e tão só a progressiva intromissão da lex
no terreno da ius, dando orientações ao administrador da justiça e condicionando
resoluções casuísticas da mesma jurisprudência fez com que a lex publica, chegasse a
ser considerada como produtora do ius, como fonte de direito e entre auctoritas
(comunitária) e potestas (politica), distinções que garantiam a autonomia do jurídico
perante as intenções e os poderes diretamente político-económicos e ideológico-
políticos.
Este pensamento jurídico viria a sofrer a influência da filosofia grega, quer do seu
contributo ético-filosófico a repercutir na sua intencionalidade axiológica-material,
quer da sua dialética a repercutir, por sua vez, no modus operandi, chegando a um
incipiente nível sistemático.
Mas certo é que sempre se manteve válido o principio de que “non ex regula ius
sumatur sed ex iure quod est regula fiat” - É a regra que interpreta sucintamente a
coisa existente, o direito não é tirado da regra, mas a regra é feita a partir do direito
existente-, posto que esse ius quod est se manifestava num casuísmo tópico-
jurisprudencial que atuava judicativo-analogicamente, já mediante tipos de casos, já
ad exemplum e por referência aqueles valores fundamentais já referido, conjugados
de certo com outro critérios que se iam manifestando no contexto das validades
jurídico comunitárias. Pelo que perante este pensamento jurídico se compreende o
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afogamento de Ulpianus “Iuris priudentia est divinarum atque humanarum


rerum notitia isti aque iniusti scientia” - Jurisprudência é o conhecimento das coisas
divinas e humanas, a ciência do justo e do injusto- e tivesse verdade a síntese de
Celsus “Ius est ars boni et aequi”- O direito é a arte do bom e do justo.
Época Medieval
A época medieval, sem prejuízo de continuar a comungar com o direito romano nos
seus aspetos fundamentais, caracteriza-se por uma sociedade integrada em unidades
fortemente hierarquizadas – hierarquia que encontrava a sua fundamentação numa
ordenada intenção dogmática referida Deus, como ponto de convergência e foco de
irradiação- e que tanto cultural como sociologicamente se submetia a um
característico principio de autoridade. Assim o pensamento medieval veio-se a
constituir essencialmente como interpretação, nomeadamente, do Corpus Iuris civilis-
a coletânea justinianeia recuperada para o Ocidente europeu nos fins de seculo XI, e
do, entretanto elaborado Corpus Iuris canonici, cujos textos eram tidos pelo
pensamento jurídico, tal como a bíblia pela teologia, como indiscutidos “textos de
autoridade”. Esses textos de autoridade, nos quais o intelectual da Idade Média crê
encontrar todo o conjunto de saber possível, eram a fundação de cada disciplina como
nos diz COING. Não se tratava de testemunhos históricos da verdade ou realidade das
coisas, mas essa verdade e realidade em si mesmas. Na cultura medieval conhecer não
era investigar, mas entender devidamente a palavra decisiva e a doutrinas das
autoridades que as proclamam.
O pensamento jurídico assumiu-se como a interpretação de textos através dos quais,
no modo exegético comentarístico sob o argumentum ex verbo, se obteriam todos aos
critérios para a prática jurídica. Primeiro em estrita exegese gramatical-filológica com
vista ao esclarecimento, á conciliação e à distinção dos textos relevantes mediante
glosas singulares ou conjuntos de glosas, e depois, já mais normativamente inveniendi
(para além da mera comprehensio legis, a extensio legis), mediante interpretativos
comentários dogmático-construtivistas que, em resposta a novas exigências prático-
sociais, iam além do sentido filológico do texto, em ordem a um sentido normativo que
teria como critério decisivo, ou que sempre se havia de compreender de modo a
exprimir, a aquitas, a ratio naturalis ou o ius naturale (Escola dos Comentadores).
A intenção continuava a ser jurisprudencial e nesta sua imediata preocupação prática
distinguia-se este mos italicus (Escolas de Bolonha) do posterior mos gallicus do
humanismo jurídico francês, de intenção mais cultural. Só que enquanto o
pensamento jurídico romano cumpria uma metódica jurisprudencial casuística de uma
racionalidade tópico-decisória, o pensamento jurídico medieval caracterizava-se
sobretudo por uma metódica jurisprudencial dogmática de uma racionalidade
hermenêutico-dialética. Assim o pensamento do direito romano constituía o direito
enfrentando os problemas jurídicos concretos que o iam solicitando e o pensamento
jurídico romanístico laborava sobre o Direito Romano já constituído e objetivado numa
coletânea textual de soluções. A base formativa deste ultimo pensamento era o
trivium e a metodologia era da escolástica – “a aplicação dos métodos da lógica
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aristotélica e da retórica” -, uma discussão tópico-argumentativa sobre


questões doutrinais, suscitadas por problemas práticos reais ou imaginados, que
invocava sempre com o argumentos textos sancionados e opiniões de autores
(autoridades) – communis opinio.
Retiram-se assim duas conclusões:
a) O direito é compreendido como uma normatividade que se infere de fontes
prescritivo-textuais. Que o mesmo é dizer de leges e por isso os juristas
medievais se diziam “legistas”.
b) O pensamento jurídico é hermenêutico, na intenção epistemológica, e
dialético-argumentativo ou lógico-dialético, na perspetiva metódica.
Conclusões estas onde deparamos com duas dimensões essenciais de um tipo de
pensamento jurídico que persistiu em grande parte até ao nosso tempo e por isso se
pode afirmar que “a ciência jurídica europeia” nasceu na Idade Média.
Com a aquisição é certo, por essa ciência jurídica de uma nova dimensão
epistemológica-metodológica, em que ia uma bem diferente compreensão do jurídico
– a dimensão que lhe constituiu o pensamento jurídico moderno. Temos aí a terceira
modalidade do pensamento jurídico perspetivado pela filosofia prática – não obstante
as profundas diferenças relativamente aos dois pensamentos anteriores. Com um
primeiro impulso no Humanismo, o sistema de pensamento que o homem moderno
instituiu do século XVI ao século XVIII radica o seu fundamento ultimo no postulado da
sua própria autonomia: rompendo com a pressuposição de ordens sociais “naturais” e
transcendentes. O homem moderno volve-se para si próprio postulando com valores
decisivos os valores da sua plena realização temporal e como fundamento únicos, do
seu saber e da sua ação, a razão e a experiência. Razão cuja objetividade se viria a
identificar com a subjetividade do principium reddendae rationis em Leibnitz e que
seria transcendentalmente constitutiva em Kant – ou seja, já não há a razão material e
judicativa no horizonte da ordinatio natural, mas a razão autofundamentada nos seus
axiomas ou verdades criticamente primeiras e sistematicamente constituinte nos seus
desenvolvimentos dedutivos. Não foi na verdade, com outra base antropológica e
noutra perspetiva cultural que GRÓCIO a PUFENDORF, C.WOLF e tantos outros que se
construíram sistemas de direito natural (mantêm-se a expressão clássica mas os
sentido era agora bem diferente, pois tratava-se de um jusracionalismo) elaborados a
parir de evidências ou axiomas antropológicos (a natureza do homem) , em termos
axiomático-sistematicamente deduzidos, e que se dualizavam perante o direito
positivo no qual se continuou no essencial a metódica hermenêutica e dogmática do
romanístico ius commune, sendo certo que o direito natural que se distinguia do
positivo como um direito superior, passou a ser compreendido já como principio e
modelo. Assim o jusracionalismo moderno enquanto que implicava que no direito
natural se haviam de procurar os fundamentos normativos da juridicidade, fazia, por
um lado, com que o direito se compreendesse em ultimo termo como filosófico-
especulativamente constituído – o direito como uma filosofia prática. Por outro lado, o
pensamento jurídico ou a “razão jurídica” ao assimilar a axiomática razão moderna,
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tornou-se, como esta, num pensamento ou uma razão sistematicamente


dedutiva; por outro lado ainda, o direito deste modo constituído e pensado adquiriu a
índole de um sistema de normatividade lógico-sistematicamente enunciado em
proposições lógico-normativas que permitiam e suscitavam um tratamento analítico-
dedutivo. O direito passou a ser um sistema de normas que se havia de cumprir
positivamente numa legislação sistemática, numa codificação. Em conclusão, não há
um conjunto de decisões prudenciais ou sequer um sistema de critérios dogmáticos
exegético doutrinalmente elaborados, mas um sistema lógico de normas a prescrever
ou prescritas. Tal foi o normativismo que o pensamento jurídico moderno e a respetiva
metódica instituíram – o direito é a norma e as soluções jurídicas deduzem-se de
normas pressupostas.
O normativismo teve suas primeiras raízes na atrás aludida tradução medieval do
direito em leges, mas a verdade é que só no pensamento jurídico moderno ele
encontrou as condições para a sua plena afirmação. A partir de então o sistema
jurídico deixou de ser um sistema axiológico para se volver num “sistema de
regulamentação”. A filosofia prática converte-se num programa politico e o que
metodicamente fora primeiro prudencialmente judicativo, depois hermenêuticamente
dialético, passa a ser racionalmente dedutivo.
Século XIX
No século XIX o pensamento jurídico abandona totalmente a filosofia prática e procura
o seu lugar na ciência. Ao continuum anterior entre o direito e o pensamento jurídico
pela integração de ambos na filosofia prática – “a filosofia e a ciência do direito ainda
não estavam separadas” (KRAWIETZ)- opôs aquele século uma radical distinção entre
eles. É que, se no historicismo então surgido (com a escola histórica) o direito se
concebia histórico-socialmente pressuposto, no pensamento jurídico que assumiu o
legalismo contratualista e pós-revolucionário (a escola de exegese) tinha-se ele por já
feito. Dai que apesar de origens distintas (de origem cultural o historicismo, de origem
politica o legalismo) e de sentidos intencionalmente contrários (o legalismo imputava o
direito ao voluntarismo politico, o historicismo pretendia subtrai-lo a esse
voluntarismo) os dois movimentos jurídicos capitais de Oitocentos viessem a convergir,
pelos seus posteriores desenvolvimentos, no estatuo epistemológico de um
conhecimento positivo de um direito positivo. O direito era positivo porque
historicamente pressuposto ou porque legalmente prescrito e ao pensamento jurídico
competia, num caso o conhecimento hermenêutico dogmático desse direito
pressuposto e no outro a interpretação e aplicação exegético-analítica da lei. É assim
que o pensamento jurídico pode ser designado por positivismo nos dois sentidos que a
expressão denota- quanto ao direito reconhecia-o só como direito positivo: quanto ao
pensamento jurídico, compreendia-o unicamente como conhecimento (como
“ciência”) desse direito positivo. A interpretação jurídica tinha agora uma índole
exegética estrita – tratava-se de uma filológica-analítica interpretação da lei que se
distinguia da anterior interpretatio iuris pois esta procurava através da extensio legis e
em termos amplamente inveniendi um direito que os textos devim exprimir, mas que
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se fundava e constitui além deles enquanto que a positivista interpretação a lei


identificava o direito com a lei e não se propunha senão a exegética de determinação
do conteúdo das prescrições legais. Por outro lado, a dogmática continuou no modus
as características sistemático-dedutivas do pensamento jurídico moderno, mas a suas
referências constitutivas deixaram de ser já valores e princípios práticos para serem
antes categorias e estruturas logico-conceituais.
Atualidade
O pensamento jurídico atual é decerto diferente e de uma metódica não só diversa
como bem mais problemática. No entanto aquele método continua a ser o referente
histórico da situação metodológica contemporânea. Pois na atual situação
metodológica reconhecem-se duas linhas fundamentais em que é indispensável essa
referência. Uma dessas linhas começou a afirmar-se na critica do “método jurídico”
pelos movimentos de orientação prática surgidos na passagem do século anterior para
o nosso; atingiu o nível de reflexão reflexiva na Methidenstreit das primeiras décadas
de Novecentos, e pela qual se consumou a superação de a intenção teorética e lógico-
formal daquele método por uma intenção normativa e prático-teleológica, fosse de
maior sentido finalístico-sociológico, fosse de maior acento axiológico-cultural e
assumiria já depois da Segunda Guerra Mundial um cariz explicitamente
jurisprudencial em sentido próprio e mesmo clássico restaurado. Uma outra linha
manteve-se fiel à intenção positivista, mas para a orientar num sentido diferente que
satisfizesse as atuais exigências epistemológicas – já se radicalizando num sentido
teorético analítico-descritivo estrito (assim nas orientações metódicas analíticas e
lógico-linguísticas), já substituindo o dogmático pelo estratégico politico ou pelo
finalismo tecnológico e para que pensamento jurídico ss possa inserir nas “ciências
sociais”.
Breve alusão ao método anglo-saxónico
Tanto pensamento anglo-saxónico como a correlativa metódica repetiram a evolução
histórica esboçada, sempre se mostrando com uma particular especificidade.
Quanto a este pensamento, em tópico desde logo justificadamente invocado é o
paralelo com o pensamento jurídico romano. Por um lado, o direito é compreendido
também ai como a expressão de uma razão prática (right reason) em que se manifesta
o ethos comunitário decantado por uma tradição histórico-cultural que se via
assumindo numa experiência judicativo jurisdicional; por um lado, é igualmente o
resultado de um jurisprudência decisória, não um corpo de normas lógico-
sistematicamente prescritas para uma aplicação futura e sim um conjunto de topoi ou
“regras de decisão” obtidas, com fundamento naquela reason e em concreta atenção
“natureza das coisas” nas próprias decisões dos casos jurídicos. Coma diferença de o
papel que coubera ao jurisconsulto romano ser agora desempenhado pelo juiz, pois o
direito da common law é um direito jurisdicional ou de criação judicial (judge made
law) e não rigorosamente é um direito de “juristas”. Daí a sua índole essencialmente
casuística muito embora o conjunto de decisões normativas se vão inferindo princípios
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que na sua concordância prática, em conjunto com as leis parlamentares, não


deixam de garantir a unidade global do direito. Há aqui, no entanto, uma preferência,
no quadro formal das fontes, pelas decisões judiciais e os seu precedentes pois a
statue law é sempre de objeto limitado ou com vista tão só a problemas particulares e
logo se vêm reabsorvidas pelo judicial common law através das decisões que se
aplicam e que passam a invocar-se como precedente em vez de normas legais. Esta
índole casuística do direito anglo-saxónico mantêm-se até aos nossos dias devido ao
seu caracter nacional e cultural, mas cuja possibilidade não foi também alheio o facto
de não se ter verificado no espaço jurídico-cultural que lhe corresponde a receção do
Direito Romano, máxime, o Corpus iuris civilies justinaneu. A. BARAFTA – “o que faz
com que o direito positivo, depositado na tradição e interpretado por um corpo
jurídico fechado em si mesmo e zeloso da autonomia da sua própria função,
corresponda continuamente às situações novas da vida regulando-as segundo os
alores profundamente radicados na consciência popular e dificilmente redutíveis a fins
políticos contingentes, como ao invés acontece no sistema continental”. Existe assim
um prudencial equilíbrio que a common law consegue justamente através do seu
método de precedentes judiciais vinculantes, como ainda num permanente processo
de distinguishing entre os casos decididos e o caso mediante um juízo de ponderação
analógica tendo em conta as circunstâncias relevantes que pode mesmo, em casos
excecionais levar á r4ecusa da vinculação ao precedente com fundamento de o seu
conteúdo decisório ser “plainly unreasonble” ou “a flagrant violation of reason and
utility”. Tudo o que só poderá compreender-se se tivermos presente que “o juiz tem a
consciência de representar na sua pessoa o ethos jurídico do povo inglês” (RADBRUCH)
e se vê comunitariamente reconhecido com essa auctoritas ou legitimação.

II. O POSITIVISMO JURÍDICO E A SUA DEFINIÇÃO DE “O MÉTODO JURÍDICO”


O método jurídico foi, como se disse, a expressão metódica do positivismo jurídico.
Recorde-se que a palavra, methodus começou a utilizar-se a partir do século XVI para
afirmar a autonomia operatoriamente constitutiva da subjetividade transcendental, de
que a ciência moderna seria o ponto mais espetacular. Mas não só no âmbito dessa
ciência empírica e físico-matemática, mas igualmente em todos os dominós culturais e
não menos expressamente no pensamento jurídico. Também aí, desde o século XVI, o
problema do método se tornou nuclear, sobretudo através da temática do sistema e
em que se reconhecerá a particular influência da temática de PETER RAMUS. E
“método” - digamo-lo numa especificação do que já foi atrás invocado – entendido
como o programado processo teleológico de atividade intelectual ou o complexo
estruturado de regras e atos intelectuais que cumpre realizar para atingir um
determinado objetivo cultural, e me que se vê, simultaneamente, o modelo de
atividade de um certo domínio cultural e a condição e critério da validade das
produções desse mesmo domínio. Foi desse modo que a “ciência” passou a
compreender-se fundada no método e tende-se hoje a identificar a sua racionalidade
com a sua metodologia. Nem é com outro pressuposto que tem sentido dizer que
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“uma decisão jurídica correta é uma decisão fundada em termos


metodologicamente corretos” – K. ENGISH, e se pode do mesmo passo afirmar um
discriminável método especificamente jurídico de resolver os problemas jurídicos.
Em segundo lugar, se é licito dizer que o pensamento jurídico romano e medieval não
tematizaram as suas respetivas metódicas, e o que consideramos os seus “métodos”
são afinal os efetivos modus operandi desses pensamentos, só reconhecidos a
posteriori ou através de uma análise da prática desses pensamentos, já o “ método
positivista” que consideramos, foi uma construção doutrinal que visava prescrever,
prévia e autonomamente, o modelo e o processo que o pensamento jurídico de via
cumprir para atuar em termos especificamente jurídicos e corretos, e isto decerto
segundo o que na doutrina se postulava por especificamente jurídico e
intencionalmente correto – conceito normativo de método jurídico.
Não nos deparamos agora com uma prática jurídica em que se reconhece uma certa
metódica, estamos perante um teórico (doutrinal) Método Jurídico que se define a
priori e pretende impor à prática.
É, pois, segundo um conceito normativo e doutrinalmente prescrito de Método
Jurídico que podemos bem entender tanto a sua definição expressa como a sua
intenção determinante no pensamento jurídico a partir do século XIX.
 A sua definição expressa ficou a dever-se à doutrina metodológica alemã,
primeiro por IHERING desenvolvida mais tarde por KELSEN, N. LUHMAN e
FORSTOFF.
 Era a sua intenção determinante a de possibilitar ao pensamento jurídico uma
autonomia intencional perante compromissos e objetivos de outra índole,
históricos, sociológicos, políticos etc…. No que era, aliás, também reconhecível
uma “tendência de imunização” da “ciência do direito” relativamente às
tensões sociais da ultima parte do século XIX, particularmente em LABAND, a
traduzir assim a pretensão de uma inequívoca distinção entre direito e politica,
que voltamos a ver igualmente presente em FORSTOFF. Quanto a KELSEN,
sabe-se como a sua “teoria pura do direito” se propôs a garantir ao
conhecimento jurídico, à “ciência do direito” um estatuto epistemológico
próprio, enquanto “pura ciência de normas” ou ciência jurídica em sentido
estrito, que a preservasse de empíricas considerações sociológicas e de
ideológicas intenções politicas.
Autonomia com este sentido e objetivos gerais, da intenção especificamente
jurídica que se entendia conseguir através de uma definição metódica polarizada
em dois momentos fundamentais:
1. Um momento intencional de redução do jurídico a estruturas e categorias
formais. O jurídico seria essencialmente forma – para que pudesse ele
subsistir e pensar-se com independência do seu conteúdo contingente, ou
sem subordinação aos aleatórios fins que através deles se pretendessem
atingir. Neste sentido afirmava WINDSCHEID – “considerações morais,
Alexandre da Silva A82506

politicas ou económicas não competem ao jurista como tal” – que


era o mesmo que dizer que a “conceção jurídica era fundamentalmente a
consideração não teleológica do direito” – W. WILHEIM. O que
dogmaticamente implicava a elaboração de conceitos e institutos jurídicos
de índole abstrato-forma, suscetíveis como tal de constituírem um sistrema
unitário e racionalmente autossubsistente – um sistema que na sua
autonomia sustentasse a autonomia do próprio jurídico.
2. Um momento estritamente metódico de identificação do noético próprio
do pensamento jurídico a um operar puramente lógico, ou de identificação
da sua racionalidade a esquemas tão só lógico dedutivos- desde o imediato
deduzir das soluções jurídicas particulares, normas gerais e abstratas tidas
por premissas até ao assimilar dessas normas pelo sistema conceitual da
dogmática e de modo a que também sistemático-conceitualmente se
pudesse enquadrar e orientar toda a aplicação do direito.
Método jurídico traduzia-se, em suma, em “uma conceção e um tratamento do
direito positivo independentemente de fins e valores, fundada somente sobre a
validade absoluta de categorias formais e sobre a eficácia d argumentação
lógica”. – W. WILHEIM
Esta atitude metodológica só pode verdadeiramente compreender-se tendo presente
o positivismo jurídico que a possibilitou e de que ela foi afinal a explicita definição
metódica. Trata-se do positivismo que encontrou convergência das duas correntes
características do pensamento Oitocentista: O legalismo exegético francês e a escola
histórica alemã. O direito era para ambas estas correntes pressupostas. E esse ponto
determinou uma distinção capital sobre que se ergue a perspetiva metodológica do
positivismo jurídico; a distinção entre a constituição ou criação de direito e o
conhecimento desse direito constituído. A criação do direito, que era imputada ao
“elemento politico” na escola histórica e diretamente ao poder politico-estadal (ao
poder legislativo) na escola da exegese, corresponderia decerto a intenção prático-
material do direito; ao seu conhecimento, imputado aos juristas ou à ciência do
direito, corresponderia tão-só uma intenção exegético-analítica e teorético-conceitual.
Distinção capital, porquanto ao caber ao jurista e à ciência do direito uma intenção
que punha como que entre parêntesis o momento prático-material do direito, que já
não lhes competiria, era isso abrir a possibilidade de um pensamento jurídico
puramente formal. E foi o que se verificou.
Escola de Exegese
Já no quadro do legalismo pós-revolucionário e de codificação em que se movia o
direito estava para esta escola o direito exclusivamente nas leis, orientando-se
fundamentalmente para a interpretação exegético-analítica ou logico-gramatical dos
textos legais, mas não deixaria, no entanto, de usar o intrumentarium da tradicional
hermenêutica jurídica.
Escola Histórica
Alexandre da Silva A82506

Ao compreender, diferentemente, o direito como uma expressão cultural da


institucionalização tradicional da comunidade, dirigia-se sobretudo ás estruturas e
categorias que pudessem traduzir essa sua objetividade cultural, e nesse sentido
intentou a elaboração teórica de um sistema que começou por querer ser de caris
orgânico-institucional no propósito originário de SAVIGNY, mas que havia se ser um
sistema lógico-conceitual, um formal sistema de conceito, assimilados que foi o
racionalismo lógica e abstratamente dedutivo que caracterizaria afinal as realizações
cientificas da escola, já a partir de PUCHTA, e determinaria todo o seu
desenvolvimento posterior. E isto quer se pensassem esses conceitos como
pressupostos ao concreto direito positivo, a definirem-lhe um a priori categorial e
constitutivo, quer se considerassem eles inferidos do direito positivo, por sucessivas
abstrações ou dogmática construção, como veio posteriormente a prevalecer e a que a
escola não foi estranha com a acentuação da lei como fonte do direito ao longo do
século XIX – dando assim lugar ao “positivismo cientifico”, enquanto que a exegese
francesa se mantinha num “positivismo legalista”. O que determinou, quanto ao
esquema metódico, que este se estruturasse por dois momentos:
1- Um momento hermenêutico, o momento básico da interpretação das leis,
referido só ao seu conteúdo textual ou com exclusão em principio de
ponderações teológicas, e, portanto, em termos de uma hermenêutica
histórica-filológica, também por SAVIGNY definida pelo que dizia serem os
quatro cânones ou “elementos” da interpretação jurídica: gramatical, logico,
histórico e sistemático; e um momento “cientifico”.
2- Momento metódico da elaboração dos conceitos e do seu sistema. Sistema
conceitual a que sempre se haviam de reduzir os conteúdos jurídicos obtidos
do direito positivo pela interpretação e para conseguir desse modo um duplo
objetivo metodológico. Através da assimilação do direito positivo pela
conceitualização sistemática, e com os desenvolvimentos que essa assimilação
permitia atingir-se-ia a totalidade racional do sistema jurídico, a “plenitude
lógica do sistema” que lhe excluiria as lacunas. Através da mesma
determinação sistemático-conceitual podia orientar-se logicamente a própria
aplicação concreta do direito, mediante a subsunção dos casos decidendos aos
sistemáticos conceitos determinativos das normas aplicáveis, convertendo-se
assim essa aplicação numa operação lógico-dedutiva. É um tipo de pensamento
lógico-sistematicamente construtivista e dedutivo análogo, no modus operandi,
ao que fora o próprio do jusracionalismo moderno.
O positivismo jurídico que nos legou o século XIX não foi mais do que a síntese destas
duas correntes. Encontrando-se ambas no momento hermenêutico – as interpretações
pela escola da exegese e pela pandectista eram fundamentalmente idênticas -, a
segunda pode completar a índole tão só exegética da primeira com uma dimensão
conceitualmente dogmática, que permitia dizer “ciência do direito” o global
pensamento jurídico assim constituído. Desse modo se generalizou a definição
metodológica dessa “ciência do direito” pelos três momentos da interpretação,
conceitualização e sistematização a que só se seguiria o ato técnico da aplicação,
Alexandre da Silva A82506

técnico porque não competia à “ciência do direito” aplicar o direito mas


apenas conhece-lo e ainda porque se considerava aquele problema redutível a uma
mera dedução silogística-subjuntiva, a uma operação puramente lógica.
Assim o “método jurídico” mais não era do que a explicita e depurada definição
metódica da ciência positivista do direito do século XIX, pelo que se conclui que ele
levava referido um pensamento jurídico estruturado pelas seguintes coordenadas
metodológicas:
1- O direito seria uma entidade racional subsistente em si – numa imanente e
estruturada racionalidade suscetível como tal de ser considerado em termos
absoluto-dogmáticos (não relativo-funcionais). É como um sistema autónomo
perante heterónimas referências ético-culturais, político-sociais, económicas
etc.
2- Nessa sua dogmático-racional subsistência, o direito constituiria um sistema
normativo unitariamente consistente (sem contradições), pleno (sem lacunas) e
fechado (autossuficiente);
3- O pensamento jurídico, em si mesmo, teria correlativamente um índole
objetivo-intelectual e lógico-teorética, indo-lhe excluídas normativas
ponderações axiológicas ou concretas valorações teleológicas – pertencia à
“razão teórica” não à “razão prática” - pois atuaria em termos lógico-analíticos
e sistemático-conceitualmente dedutivos;
4- Daí que a vaidade dos juízos jurídicos ou a fundamentação jurídica não se
aferisse por referencias axiológicas-normativas ou por quaisquer intenções
práticas que, respetivamente, o direito houvesse de assumir e cumprir, mas
pela coerência sistemática num quando dogmático-conceitual – o discurso
jurídico seria um discurso puramente “sintático”, um discurso “formal” e não
“finalístico”.
5- A realização histórico-concreta do direito reduzir-se-ia a uma aplicação lógico-
dedutiva ou subsuntiva do direito assim prévio, abstratamente determinado
(num momento hermenêutico) e sistemático-conceitualmente conhecido (um
momento dogmático). É determinado por uma hermenêutica exegético-
analítica ou histórico-filológica que culminaria numa “construção” ou
conhecimento dogmático-conceitual e sistemático. Ponto em que o positivismo
jurídico e os eu método só repetiam afinal os esquemas típicos do comum
tradicional normativismo, já que este sempre pensou que se decidiria
juridicamente(se resolveriam os concretos problemas jurídicos) conhecendo
(interpretando e determinando dogmaticamente o direito objetivado nas
normas), transformando do mesmo modo o problema prático do direito num
problema teórico para os juristas.

III. A SUPERAÇÃO DO MÉTODO JURIDÍCO POSITIVISTA


Alexandre da Silva A82506

A superação do método jurídico positivista deu-se com a quebra do contexto,


tanto cultural (cientismo intelectual positivista dos Oitocentos), como político-social (o
individualismo liberal e a pretensão de um direito estatuário-objetivamente formal) e
mesmo axiológico-jurídico (Valores e fins que o direito como um sistema normativo-
dogmático devia servir e que a normatividade jurídica em si mesma assimilaria), a que
ia referido o método jurídico positivista e em que ele encontrava as suas condições
justificativas. Não tardou que a partir já da ultima parte do século XIX esse método se
mostrasse incompatível com as exigências prático-normativas que passaram a ser
dirigidas ao direito e ao pensamento jurídico e se visse, já por isso, objeto de uma
crítica que o pôs fundamentalmente em causa.
Crítica que tomou um duplo sentido, um sentido analítico e um sentido metodológico:

 Sentido analítico- Esta critica começou por incidir sobre o ato da aplicação
concreta do direito, particularmente sobre o juízo jurisdicional ou a sentença, e
que ao contrário do que impunha o esquema silogístico-subsuntivo, não se
tratava de um ato puramente lógico ou que se realizasse e termos tão-só
dedutivos. Por um lado, no concreto juízo decisório concorriam efetivamente
ponderações práticas, “juízos de valor”, momentos volitivos e considerações
teleológicas; Por outro, que o problema da aplicação jurídica não estava na
dedução a partir de premissas que se postulavam oferecidas (normas e factos)
mas na determinação e elaboração de premissas exigidas como critérios pelo
problema do caso decidendo -determinação e elaboração que o esquema
lógico da aplicação nem considerava, nem podia orientar, sendo certo que
tanto a seleção da “norma aplicável” como a formação da “premissa menor” ou
da “subsunção” em si mesma, ou seja, da referência do caso à normas eram
apenas possíveis mediante um juízo normativamente prévio e autónomo do
julgador que verdadeiramente determinava aquela seleção e preparava a
subsunção. Depois, a interpretação da norma reconhecia-se menos como a
mera explicação analítica do seu conteúdo objetivo e mais a constitutiva
imputação a esse conteúdo de um particular sentido normativo em função e
como resultado da referência normativa da norma às exigências problemáticas
do caso concreto – “a interpretação é o resultado do seu resultado” – G.
RADBRUCH; “a norma será como é interpretada” – T. ASCARELLI; o que permite
concluir que o problema da interpretação jurídica não é puramente
hermenêutico e si normativo. Por ultimo, dava-se ainda conta de que a própria
“construção” (elaboração dogmática conceitual sistemática do direito positivo)
tinha verdadeiramente na sua base uma interessa intenção prática assumida
pela subjetividade do jurista pois era decisivamente orientada pelos objetivos
práticos que se propunha. Tudo o que nos leva concluir que os metódicos
esquemas lógicos não eram senão esquemas de exposição de uma atividade ou
atos jurídicos cuja constituição tinha outra sede e se determinava de outro
modo, e sobretudo que o esquema silogístico-subsuntivo não era mais do que o
esquema lógico de justificação ex post de aplicações do direito constituído ex
ante por intenções de índole diversa – o que era afinal cobrir com a aparência
Alexandre da Silva A82506

de um estrita e puramente dedutiva aplicação de pressupostas normas


jurídicas, e bem assim do sistema dogmático que com elas se elaborava, uma
realidade judicativa de todo diferente. Assim, o carácter prático, valorador e
teleológico, realmente próprio da judicativa decisão jurídica exige um outro e
decerto mais adequado tipo de metodologia. Só com base nesse outro tipo de
metodologia se poderá lograr uma também outra racionalidade suscetível de
oferecer uma autentica fundamentação, e com ela, a possibilidade de efetivo
controle da relação do direito.
 Quanto revisão metodológica destaca-se F. GENY que começa por fazer uma
critica concludente à “escola de exegese”, ao seu logicismo analítico-
dedutivista e demonstrara a inadmissibilidade dos postulados fundamentais do
seu legalismo- a identificação do direito com a lei e a plena suficiência do
sistema legal. O direito positivo legal seria antes uma tentativa histórica e
intencionalmente limitada de regulamentação da vida social, e haveria de
reconhecer-se que tanto a riqueza como a concreta problematicidade dessa
mesma vida social continuamente revelam a insuficiência jurídica do direito
legal constituído que nenhum artificio lógico poderá iludir. Assim,
irremediavelmente lacunoso o sistema legal, competiria ao pensamento
jurídico a investigação cientifica de um direto integrante, já com apoio noutras
fontes, já numa livre elaboração normativa com fundamento na “natureza das
coisas”; e a encontrar a sua explicitação em princípios jurídicos próprios de
cada domínio do direito. Esta é a primeira proposta oferecida por GENY mas
logo parte dai para a definição de um novo estatuto da “ciência do direito” no
qual o direito se compreende como produto de duas dimensões conjugadas., le
donné (que competiria à science investigar) e a le construit ( que seria o
resultado daquele dado pela technique, com vista à sua objetivação e
formulação praticáveis). E se em le donné ( a discriminar em “dados reais ou
naturais”, “dados históricos”, “dados racionais” e “dados ideias”), teríamos o
materiais fundamentos constitutivos do direito e nos meios técnicos de le
construit se haviam de incluir as “fontes formais do direito positivo” e assim a
própria lei, a importância metodológica destas posições estava sobretudo em
referir o direito ao seu contexto constitutivo (aos seus fatores ético-racionais,
histórico-culturais, sociais, etc.), determinando desse modo que a
determinação(interpretação) e a realização concreta da normatividade jurídica,
manifestasse-se ou não nessa normatividade imediatamente nas leis, só seriam
corretas tendo em conta aquela referencia. Quer isto dizer que o direito
deixava de se pensar como um sistema autónomo fechado numa formal
dogmática autossubsistente, mas antes compreendido como a obra de uma
elaboração cientifico-técnica comprometida com uma intenção prática e
encontrava o seu sentido constitutivo no contexto humano-histórico-social que
o implicava e transcendia.
Na Alemanha afirmava-se simultaneamente o “movimento do direito livre”, a
“jurisprudência dos interesses”, a “jurisprudência teleológica” e por ultimo, numa
Alexandre da Silva A82506

evolução posterior, a “jurisprudência da valoração”. Tratam-se de correntes de


índole exclusivamente metodológica. O “direito livre” e a “jurisprudência dos
interesses” comungam na inequívoca imutação ao pensamento jurídico de uma função
prática e assim de uma índole normativo-decisória (não já teórico-conceitual e logico-
dedutiva) – “a ciência do direito é uma ciência prática” sublinhava HECK – que ia
simultânea com o reconhecimento das iniludíveis lacunas do direito positivo legal. Dá
que em primeiro plano nas suas preocupações metodológicas estivesse a decisão
jurídica concreta, a judicial realização do direito. Posto que o “direito livre”
radicalizando essa preocupação, exigisse concretos juízos jurídicos cujo decisivo
critério fosse o da solução normativo-materialmente adequado (socialmente
justificada e justa) e nesse sentido não exclua mesmo a possibilidade de decisão contra
legem. A “jurisprudência dos interesses” mantem-se fiel ao principio de obediência à
lei. O que especificamente propunha é que as normas legais fossem compreendidas na
sua função socialmente prática como normativas ponderações ou decisões de
“conflitos de interesses” de que esses mesmos interesses seriam os materiais
fundamentos teleológicos – o que implica que devem ser interpretadas as normas
nesse sentido prático-teleológico e com vista a uma aplicação que repetisse, num juízo
adequado ao caso concreto, essa prática ponderação oferecida em abstrato pela
norma. Ponderação prática de que o legislador já teria direta responsabilidade
constitutiva no caso das lacunas, ainda que também aí houvesse de se continuar a
orientar-se pelos “juízos de valores legais” numa judicativa integração analógica, só
decidindo numa eigenwerting (valores intrínsecos) totalmente autónoma se tal não
fosse possível. A obediência à lei adquiriu assim o sentido de uma normativa
“obediência pensante” – HECK - em que se reconheciam sempre momentos
normativamente constitutivos e mesmo um caracter completamente criador no
domínio da integração. Foi aliás à forma equilibrada como soube conciliar o principio
político-jurídico da obediência à lei com a irreprimível exigência de uma juridicidade e
de uma realização concreta de sentido teleológico e prático-normativo material que
“jurisprudência do interesse” se impôs na sua importância metódica decisiva.
O Método jurídico lógico-formal e conceitualmente dedutivo viu-se assim superado e
esteve na base, como ponto de virgem, de toda a evolução metodológica posterior. A
“jurisprudência dos interesses” sofria, no entanto, de uma insuficiência criteriológica ,
já que mantendo-se apesar de tudo no quadro problemático tradicional da
metodologia jurídica, definido tão-só pelos problemas da interpretação e integração,
não se propôs esclarecer os fundamentos normativos solicitados pelas ponderações ou
juízos de valor que aferiam do relevo relativo dos interesses, decidindo os seus
conflitos – fundamentos normativamente constitutivos do próprio direito. Foi nesse
ponto que a jurisprudência dos interesses admitia e até solicitava a sua posterior
evolução na “jurisprudência da valoração” – jurisprudência que convocava o sistema
de valores e princípios normativos translegais juridicamente fundamentantes, para
compreender na intencional perspetiva constituinte desse sistema o direito positivo e
orientar também por ele a sua realização concreta. Superando assim o originário
Alexandre da Silva A82506

finalismo sociológico da “jurisprudência dos interesses”, por uma


compreensão já axiológico-normativa do jurídico.
Mediante esta revisão metodológica definiu-se uma nova perspetiva de pensamento
jurídico que atingiu o nosso tempo e que igualmente podemos resumir pela
acentuação das suas principais coordenadas:
1- O direito deixa de se ver como uma autossubsistente e lógico-sistemática
racionalidade dogmática para se compreender como uma intenção e uma
tarefa prática referidas á comunidade histórica da sua realização e em função
de cujo contexto também prático se constitui.
2- Essa referência histórico-social da sua intenção prática implica uma realização
problemático—concreta do direito que revela o sistema positivo-legal
essencialmente lacunoso, pelo que o prolema das lacunas se impôs como um
problema metodológico nuclear do pensamento jurídico, tendo
correlativamente o sistema jurídico positivo passado a entender-se no modo de
um sistema aberto, carecido como tal de continua integração e
desenvolvimento.
3- A intenção do direito e a intenção do pensamento jurídico, que o Método
Jurídico positivista tinha distinguido ao considerar a primeira normativa e a
segunda teorética, reconhecem-se agora numa essencial unidade intencional -
orientam-se agora pelos mesmos objetivos práticos e normativos tanto no
momento hermenêutico como no momento da integração e de constitutivo
desenvolvimento. Foi assim que o cânone metodológico do decidir “como se
fora legislador” se converteu num principio metodológico geral em que todo o
pensamento metodológico jurídico reformador se reconhecia.
4- Assim o pensamento jurídico é ele próprio um pensamento prático, não se
afere lógico-formalmente por uma sintática coerência no quadro de um
sistema dogmático-racionalmente autónomo, mas normativo-materialmente
pelo “pragmático” cumprimento ou funcional realização dos fundamentos e
objetivos prático-normativos que cumprem ao direito enquanto tal.
5- O objetivo problemático-metodológico capital do pensamento jurídico é a
decisão concreta, a judicativo- decisória realização do direito. A dogmática tem
agora “uma tarefa pragmática”; propõe-se a oferecer diretivas ou modelos
judicativo-normativos à realização do direito – “a dogmática não é uma teoria
de proposições apodicticamente verdadeiras, mas a fundamentação de
decisões práticas” – F. WIEAKER.
6- Este sentido e este compromisso prático-normativo do pensamento jurídico
não pode deixar de implicar ainda, por um lado, a convocação de fundamentos
e critérios normativos extratextuais, sejam eles fins ou valores, enquanto
fatores decisivos quer da determinação do sentido normativo-jurídico das
normas e do seu concreto cumprimento, quer da integração e do
desenvolvimento do sistema positivo; por outro, o recurso a outras fontes
extratextuais, ainda que fontes subsidiárias, dada a insuficiência normativa do
direito legal.
Alexandre da Silva A82506

7- O pensamento jurídico deixa de ser tão-só o analítico-teorético


conhecimento (a reprodução) de um direito pressupostamente constituído a
que se seguia uma mera aplicação, para participar também ele na normativa-
constituição (da produção) do direito através da sua problemático-concreta e
judicativo-decisória realização histórica. O pensamento jurídico revela-se, na
sua intenção e tarefa prática, normativamente constitutivo. O que repercute
inclusivamente na teoria das fontes do direito, com o reconhecimento do
richterrecht, do direito jurisdicionalmente criado e assim a impor a conclusão
capital de que o legislador mantém decerto uma especial “prerrogativa”, mas
não já um monopólio da criação de direito.

IV. A SITUAÇÃO ATUAL

Pós II Guerra Mundial o pensamento jurídico veio a orientar-se por duas linhas
diferentes, já atrás referidas. Têm de comum o reconhecimento da índole prática-
constitutiva da atividade jurídica, da realização do direito. Mas já se distinguem
quer no sentido último a reconhecer à vocação prática do pensamento jurídico,
quer nos objetivos que, em coerência com esse sentido, ele se haverá
constitutivamente de propor.

 Assim, “prática” no sentido clássico da praxis, a referir ação que manifesta


sentidos num contexto de validades normativas e cujas controvérsias
concretas hão-de ser judicativamente decididas com fundamento
normativo naquelas validades – e a implicar para o pensamento jurídico um
objetivo prudencial?
 Ou “prática” no sentido tecnológico atual, que tem a ver com uma função
finalística e que concretamente se especifica já numa estratégia em que
sobretudo importa a aptidão (instrumental) para atingir certos fins (função
finalístico-politica), já numa consideração empírico-social com vista a obter
determinados efeitos ou resultados (função finalístico-sociológica) – e a
exigir por sua vez que o pensamento jurídico assuma em geral um objetivo
político-social?
No primeiro caso o pensamento jurídico mantém-se como um pensamento judicativo-
decisoriamente normativo e metodológica índole jurisprudencial. No segundo caso
propõe-se funcionalmente uma tecnologia social (social engineering) com índole
metodológica de uma politico-funcional ciência social.
Foi no primeiro sentido, num ambiente de critica ao positivismo jurídico legalista
(invocava-se de novo o direito natural) e tendo como pano de fundo “a jurisprudência
da valoração”, entretanto a tornar-se dominante, que o pensamento jurídico se
entregou a uma reflexão metodológica que já não visa tanto definir doutrinalmente
um novo método jurídico, como compreender e analisar criticamente o tipo de
racionalidade própria de um pensamento que se afirmara, após a atrás aludida revisão
Alexandre da Silva A82506

metodológica, prático-normativo, para só então inferir dessa racionalidade


explicitas sugestões metódicas que reorientassem essa mesma prática no concreto e
criticamente esclarecido cumprimento da sua tarefa.
Esta reflexão crítico-metodológica que teve o seu ponto de partida em 1953 com a
publicação de Topik und Jurisprudenz de VIEHWEG, onde ele sustentava justamente a
tese de que o “pensamento jurídico é tópico” – tópico e não axiomaticamente
dedutivo, problemático e não sistemático. Tratava-se da restauração dos quadros do
pensamento tópico abandonado com o racionalismo moderno-cartesiano, e cuja
invocação por VICO não tinha logrado recuperar, tentando mostrar que essa era a
índole essencial do pensamento jurídico. Este pensamento ia-se traduzir no decidir de
casos, mediante critérios ou rationes decidendi solicitados pelos próprios problemas
decidendos e que só obtêm o seu sentido determinante como pontos de apoio do
decidir e no decidir desses problemas. Nestes termos o pensamento jurídico
jurisprudencial é visto como “um processo especial de discussão de problemas”; e se
os topoi são sempre certos padrões ou critérios , pontos de vista ou princípios,
fundamentos ou argumentos, etc., aceites ou tidos, num determinado contexto
prático-normativo como critérios válidos, razoáveis ou justos, para decidir certos tipos
correlativos de problemas, nesse mesmo sentido invocaria o juízo jurídico as normas,
os princípios e todos os outros critérios normativo-jurídicos no seu decidir concreto.
Tese esta que suscitaria uma ampla discussão doutrinal ainda hoje não encerrada, e
que viria a ser enriquecida com um outro contributo de sentido análogo, como foi o
movimento da “nova retórica” de PERELEMAN, ao opor, por sua vez ao pensamento
teorético-demonstrativo o pensamento prático-persuasivo, ou à demonstração a
argumentação. Podendo dizer-se que, enquanto a invocação da tópica privilegia a
referência intencional ao problema e a concreta exigência inveniendi da sua solução,
mediante a relação entre problema concreto e critério e o modo como
especificamente releva o critério na decisão do problema, a “teoria da argumentação”
jurídica, movimento em que se insere também L. RECHSENS SICHES, ao retirar a razão
jurídica do logos puramente racional para a imputar ao “logos do humano” ou ao
“logos do razoável”. Sendo certo que “argumento” não é uma premissa para uma
conclusão dedutivamente apodítica (lógica), mas um fundamento ou justificação
invocável pelos sujeitos interlocutores de uma controvérsia aberta no seio de um
contexto cultural ou comunitário em que também participam e em ordem a dirigirem
essa controvérsia de um modo racionalmente dialético ou intersubjetivamente
dialógico; é, em ordem a obterem para ela uma solução que não pretenderá ser
necessária as tão-só razoavelmente convincente ou plausível, um solução suscetível
de um consensos prático no contexto problematicamente concreto em que se suscitou
e que se vai referindo. E a importância da acentuação desta índole prático-
argumentativa ou tópica do discurso jurídico está em pôr em relevo, por um lado, que
toda a judicativa decisão jurídica, embora com critério imediato nas normas ou outros
elementos normativos igualmente vinculantes do direito constituído, é sempre
concretamente determinada pelo modo argumentativo da mobilização dessas normas
e desse elementos normativos no contexto problemático relevante, tendo em conta
Alexandre da Silva A82506

as circunstâncias do caso; por outro lado, que essa judicativa solução e a


aquela sua própria índole, nunca deixa de traduzir a opção fundamentada entre varias
soluções possíveis (soluções normativas alternativas) ou em termos de uma não excluir
em absoluto que outra fosse possível, embora menos razoável; por outro lado ainda, e
porque a argumentação possível não fica excluída com essa opção (desde logo a
argumentação em contrário), a judicativa não pode prescindir da mediação justamente
decisória do julgador – é o momento de decisão, irredutível no quadro da
racionalização do discurso pratico que já na expressão adotada “judicativa decisão” se
pretende denotar e a implicar, por isso mesmo, que ela se haverá de imputar também
à responsabilidade pessoal do julgador. Tudo o que convoca de modo evidente a razão
prática, prudencial, como chave judicativa da decisão jurídica. E mostrando-se assim
que o juízo jurídico concreto “é mais do que dedução técnica da lei, de novo se insere
no universo da filosofia prática. – M. KRIELE
Não tem sido esta, no entanto a única perspética da reflexão metodológica de sentido
jurisprudencial – uma outra perspetiva encontra a sua inspiração na hermenêutica. Se
a hermenêutica, se impos a partir de DILTEY como metodologia das “ciências do
espirito” e posteriormente, com o trabalho de outras autores, adquiriu estatuto
filosófico ao afirmar-se como fundamental dimensão da existência humana no mundo,
não deixou o pensamento jurídico de ser sensível às novas possibilidades filosóficas e
metodológicas que assim se lhe oferecia. Viu nela, desde logo, a base para uma revisão
da sua própria filosofia, já que justificaria uma compreensão do direito “para além do
direito natural e do positivismo jurídico”. Depois suscitava diretamente a reflexão
metodológico-jurídica, já porque o pensamento jurídico ou “ a ciência do direito” se
integraria, segundo a sua orientação dominante , nas ciências do espirito (ciências
histórico-culturais), já que ela se compreendia , a partir sobretudo da Idade Média,
como uma essencial dimensão hermenêutica ( o núcleo da ciência do direito seria
interpretação). Só que o sentido com que o pensamento jurídico seria hermenêutico e
encontraria, já por isso, o seu esclarecimento metodológico na hermenêutica geral não
tem sido unívoco, e suscita mesmo fundadas criticas. Na linha da metódica tradicional,
que se orientava essencialmente para a interpretação de textos jurídicos, começa por
pretender dilucidar-se, referindo-a ao quadro justamente de uma “teoria geral de
interpretação”, a índole especificamente hermenêutica da interpretação jurídica,
convocando-se também nela , e para uma sua orientação metódica, os cânones
hermenêuticos gerais (da autónima do objeto interpretado, da adequação material, da
atualidade etc.). Só que, não obstante, era licito duvidar-se da perfeita redução
metodológica do pensamento jurídico á hermenêutica , não tanto porque esse
pensamento, ao contrario as outras ciências do espirito, opera com uma normalidade
vinculante e não é, como tal livre na determinação do sentido; mas sobretudo não se
esgota numa compreensão e antes se cumpre numa decisão- não se trata de uma
atividade culturalmente cognitiva, mas de uma atividade normativamente praxística.
A hermenêutica pôde, no entanto, ser ainda referida pelo pensamento jurídico
metodológico com um outro e mais atual sentido. Aquele que exatamente lhe
permitiria a “nova hermenêutica”: não já apenas numa reconsideração metódica dos
Alexandre da Silva A82506

cânones da sua interpretação, mas numa inteligibilidade critico-metodológica


do actus especifico que lhe cumpre na realização da sua tarefa prático-normativa. Foi
assim que se convocaram as categorias hermenêuticas da “pré-compreensão” e do
“círculo hermenêutico” do “referente” transtextualmente constitutivo e do contexto
comunitariamente significante da dialógica e problemática dialética determinante dos
sentidos e do consensos comunicativamente justificativos, do carater historicamente
condicionado ou situado da compreensão e assim também da sua índole “aplicativa”
ou “ concretizadora”- pretendendo-se com essas categorias esclarecer, na sua
estrutura e na sua intencionalidade a verdadeira natureza metodológica do judicium
jurídico. E, todavia, não se furta ainda esta orientação a uma manifesta ambiguidade.
Podem, com efeito, considerar-se aquelas categorias como metodológicas “condições
de possibilidade” também para o pensamento jurídico, mas isso não permite omitir
que a sua essencial problemática não está simplesmente no compreender dos sentidos
culturais que o direito positivo objetivou e sim no judicativo decidir de concretos
problemas jurídicos, enquanto casos normativo-sociais: aquelas categorias hão de
converter-se em condições de possibilidade ou coordenadas metodológicas, não de
um cientifico ou cognitivo compreender, mas de um prático e judicativo decidir. Nem é
outra coisa o que vemos paradigmaticamente em ESSER: segundo ele, uma pré-
compreensão, determinada fundamentalmente pelas normativo-jurídicas expectativas
comunitárias de justiça, orienta de modo essencial tanto a compreensão normativa
como a decisão jurídica dos problemas jurídicos concretos - posto que essa decisão
não possa também deixar de obter-se pela mediação dogmático-judicativa do direito
constituído. E daí que a decisão jurídica se deva submeter a um duplo contrôle, da
justeza material e da concordância dogmática, condições ambas para que a sua
solução concreta possa logra a plausibilidade de um comunitário consenso prático.
Pelo que o problema metodológico do pensamento jurídico judicativo, ainda quando
invoca categorias hermenêuticas, não é na verdade cognitivamente hermenêutico,
mas praticamente normativo.
O pensamento jurídico vê atualmente o seu metodológico objeto problemático não já
na norma, mas essencialmente no caso. São nesse sentido os mais importantes
contributos metodológicos que hoje podemos referir na linha da recuperação
jurisprudencial daquele pensamento. Com uma discriminação consoante o relevo
metodológico que se atribua à norma para o juízo decisório do caso ou, se quisermos,
consoante o modo comos seja metodologicamente pensada a relação entre norma e
caso: enquadra totalmente a norma a decisão concreta do caso, embora essa decisão
nãos seja obtida só da norma, ou a normatividade da norma é ela própria função da
concreta problematicidade jurídica do caso que a solicita? Se o objeto problemático é
em ambas as hipóteses, o caso concreto decidendo, na primeira hipótese pretende-se
manter a norma como ponto de partida metódico, reconhecendo-se-lhe um sentido
normativo que nela se subsistirá em abstrato; na segunda hipótese recusa-se-lhe essa
possibilidade entendendo que é na perspetiva problemática do caso que a norma é
interrogada e só nessa interrogação para o caso oferecerá ela a sua normatividade.
Alexandre da Silva A82506

Cabem nesta ultima orientação todo o pensamento jurídico tópico-


argumentativo centrado como é no problema concreto, mas não menos, o
pensamento da decisão racional-argumentativa de M. KRIELE e também o pensamento
hermenêutico-prático de ESSER, a concluir este ultimo inclusive por uma funcional
opção metódica justificada pelas exigências normativas do concreto decidir.
E ainda de uma forma explicita, um recente pensamento metodológico casuístico e
decisório que, em repúdio de esquema categorial platónico-aristotélico e tradicional
do “geral-particular”, se coloca exclusivamente no concreto para compreender nesse
mesmo sentido todo o direito – a própria lei é concebida “como decisão concreta de
concretos casos jurídicos futuros”. Quanto á decisão jurídica em geral, é ela
compreendida como o resultado de uma techné judicativa que procura “razões”, ou
fundamentos para um caso concreto numa também concreta e histórico-social
situação de dialogo, e techné judicativa a que a convocação do critério da norma se vê
igualmente submetida.
Já sustentam o primeiro ponto de vista duas outras não menos importantes propostas
metodológicas provindas igualmente do pensamento jurídico alemão – nas quais,
poderá dizer-se, se visa conciliar a coordenada normativista tradicional com as atuais
exigências de um decidir jurídico concreto. Referimo-nos ao modelo de
“concretização” e à teoria da Fallnorm. Pois ambos entendem que na hipótese de
existência de norma jurídica aplicável – ou seja, aquém do domínio das lacunas e do
autónomo desenvolvimento do direito -, essa norma interpretada segundo a
hermenêutica jurídica tradicional e em referência ao seu teor textuais, definirá o
quadro de possibilidades normativas da realização do direito que a invoque como
critério. Só que a norma texto será apenas um elemento – necessário mas não
suficiente- para a concreta realização jurídica, pois essa realização exigirá, para além
daquela norma e em função agora do caso concreto se elabore já a normativa
“concretização”, já a especifica “norma da caso” e entre o legal “programa normativo”
e o correlativo e jurídico-social “domínio normativo” também constitutivo da norma
porque por ela intencionalmente referido. F. MULLER pensa o concreto judicium
jurídico como o resultado de um constitutivo processo normativo de concretização,
que mobiliza estruturadamente um conjunto de fatores ou elementos metódico-
jurídicos a mais do texto normativo ou dos elementos hermenêuticos, os elementos
dogmáticos e do respetivo domínio objetivo, elementos jurídico-teóricos, técnico-
jurídicos, político-jurídicos etc. Daí que o problemas metodológico jurídico seria hoje o
da concretização das normas em vez de interpretação de textos de normas.
GIKENTSCHER, por seu lado, sustentando que o direito só o é verdadeiramente quando
cumpre simultaneamente tanto uma exigência de justiça como de igualdade e uma
exigência de adequação concreto-material dos juízos decisórios, conclui que só na
Fallnorm essa simultaneidade intencional e normativa se poderá cumprir – porquanto
essa norma concreta seria, por um lado, constituída por uma especificação da norma
geral e em referência normativo-material ao caso concreto, mas esta especificação não
poderia, por outro aldo, ir além do sentido consoante com a norma legal ou
Alexandre da Silva A82506

possibilitado por ela. A Fallnorm seria assim, a síntese metodológico-normativa


entre norma e caso e a exprimir um pensamento que nãos será, no fundo, muito
diferente daquele que para A. KAUFMANN tem igualmente chamado atenção, ao
considerar o caracter analógico da concreta decisão jurídica. Pelo que o problema
metodológico estaria em agora em obter essas Fallnormen e em perspetivar por elas
todas a realização do direito – com a proposta de um regime de stare dicisis análogo
ao da common law no âmbito da realização integrante ou autonomamente do direito
quando as Fallnormen não tivessem em prévias normas gerais um dos seus
pressupostos.
Simplesmente é mais do que duvidosa a validade desta persistente atribuição à norma
jurídica de um valor normativo abstratamente sustentado no seu teor textual – para
desse modo se garantir o carácter vinculado da realização do direito, o “primado da
vinculação normativa” que impedisse a conversão do Estado-de-direito em Estado-de-
justiça, continuando inclusive a ver na “subsunção” possibilitada por essa autonomia
da norma, o esquema de fundamentação, que corresponderia àquela vinculação.
Desde logo, perspetivas metodológicas que reconhecem igualmente a prioridade
metódica do caso e não podem já por isso deixar também de concluir que “nem a
norma nem o caso a regular por ela sãos separáveis um do outro”, que “a norma
jurídica não será compreendida em si mas de modo a que se possa dar resposta ao
problema posto pelo caso jurídico: a sua declarativa força normativa para o caso
jurídico é provocada justamente por esse caso”, que “qualquer norma só é significante
em referencia ao caso a resolver por ela” – F. MULLER - Com efeito, a norma revela-se
sempre intencionalmente aberta ou normativamente indeterminada na referência ao
caso decidendo e por isso carece também ela sempre de interpretação. E é a
interpretação, exigida pela decisão do caso jurídico concreto e a realizar em função do
problema normativo-jurídico por ele posto, que irá superar aquela sua abertura e
indeterminação, imputando à norma o sentido jurídico que essa concreta resolução
problemática lhe permite reconhecer. O sentido que se possa admitir em abstrato e
hipoteticamente na norma vê-se submetido à “experimentação” da problemática
realização jurídica em concreto, experimentação essa que obtém da norma o sentido
normativo concretamente decisivo. A interpretação jurídica consuma—se, pois, na
realização concreto e metodologicamente indivisível dessa normativa realização.
O que não significa converter metodologicamente o pensamento jurídico numa mera
casuística, já que o problema concreto não deixa de convocar o sistema da
normatividade que pressupõe e que vai, aliás, desde logo intencionado pela mediação
da norma. O punctum cruxis do atual pensamento metodológico jurídico de sentido
jurisprudencial está justamente no modo de compreender e assumir metodicamente a
dialética entre sistema e problema, coordenadas metodologicamente complementares
e irredutíveis do judicium jurídico.
O que excluiria tanto uma pura tópica como um estrito normativismo.
Alexandre da Silva A82506

Esta linha normativo-jurisprudencial deixou de ser única no atual pensamento


jurídico – embora a alternativa ainda não se tenha apresentado como alternativa real
ou ao nível efetivo da prática.
Esta diferente linha de pensamento é o resultado da convergência de dois vetores
principais do nosso contexto sociocultural:
1- A passagem da sociedade liberal para a sociedade pós-industrial e cientifico-
tecnológica dos nossos dias, onde a intenção do justo se vê substituída pela
intenção ao “bem-estar social”.
2- A aplicação ao jurídico da “ciência” e dos métodos empírico-analíticos e
tecnológicos, já como consequência da pretensão cultural da universalidade da
ciência, já como inferência das possibilidades que se querem ver na ciência e
nas tecnologias que ela estruture para a solução dos problemas político-sociais.
Até porque, impondo aquele primeiro vetor o entendimento do direito em termos de
um instrumento ativo na mudança social, que transformará correlativamente o jurista,
de “jurisprudente”, em “jurista politico ou em “administrador”, é a abertura do
segundo vetor ou solicitação dele que logo se impõe. O lugar que cabia a uma doutrina
da justiça sobre que refletia a “filosofia prática” é agora ocupado por “uma teoria da
sociedade” politicamente intencionada – a “conceção instrumental do direito, inclui a
negação do conceito justiça” – HAVERKATE.
E dai que o sistema das categorias jurídico-metodológicas seja também inteiramente
outro: à “prudência” substitui-se a “ciência”, à “justiça” a “oportunidade”, à “validade”
a “função”, ao “normativo” o “tecnológico”. Há, todavia, ainda aqui que distinguir três
orientações ou, talvez melhor, três diferentes modalidades metódicas desta perspetiva
global.
1- No político-social e instrumental entendimento do direito, a sua forma
imediata de objetivação será decerto um prescrito programa legislativo. E se o
programa legislativo que se comunica é a textual expressão linguística, não se
estranhará que, sob o impulso da linguística, uma das manifestações do atual
cientismo empírico-analítico referido ao direito seja de índole lógico-linguística.
Pelo que no horizonte do pensamento analítico do direito a lógica linguística e
mesmo a compreensão da ciência do direito como “analise da linguagem”
ocupa já um lugar importante. Com o objetivo metodológico sobretudo de
converter o pensamento jurídico numa semântica - e suscetível, como tal, não
só de considerar a “significação” (intencionalidade objetivo-descritiva do
enunciado) dos enunciados linguísticos legais segundo um estatuo lógico-
empírico que de novo permitisse a subsunção ou uma metódica lógico-dedutiva
de fundamentação; como ainda de abrir caminho à própria computação do
jurídico, através da “transformação do discurso legislativo num discurso
rigoroso” – BOBBIO – que culmine numa linguagem simbólica ou formalizada.
Aí temos efetivamente a informática jurídica, quer nos sistemático “tratamento
Alexandre da Silva A82506

dos dados”, ou das informações, quer inclusivamente na tentativa da


própria mecanização das decisões.
Esta jurídica analítica semântica mostra-se, no entanto, insuficiente para dar
resposta a todos os problemas da metodológica da realização do direito,
carecendo por isso de uma complementar intencionalidade prática que não se
pode deixar de convocar. Pelo que o pensamento metodológico analítico nunca
deixa de ser associado às duas modalidades seguintes.
2- Uma segunda modalidade considera o pensamento jurídico como um
pensamento politico, porquanto o direito que esse pensamento é chamado a
realizar, assumindo constitutivamente e concreto a função que ao jurídico
cumpre em geral, não seria senão uma normativo-social estratégia politica,
uma funcional programação e institucionalização de certos objetivos político-
sociais. Tratar-se-ia agora de substituir os valores pelos fins – uma pressuposta
e comunitária contextual validade axiológica por um contingente finalismo
político-social. Finalismo que se pretende decerto submetido a um publico
discurso critico – o que o sistema politico democrático devera permitir e
fomentar como o seu pluralismo – mas que será sempre em ultimo ter o
resultado de uma opção imposta pela decisão politica: e a decisão politica, que
definirá o global programa de fins sociais a assumir pelo direito, manifesta-se
na constituição. Depois, de natureza politica será também toda a realização
concreta do direito embora no quadro normativo da constituição: é-o sem
duvida ao nível da legislação, mas também ao nível da realização judicial, já que
esta nunca deixa de ser normativo-juridicamente constitutiva em concreto, e
“toda a criação de direito é politica”. Conclusão esta que é já hoje lugar-
comum na perspetiva que estamos a considerar, já porque a concreta decisão
constitutiva é teleológica ou finalisticamente orientada ( o juiz decide “como se
fosse legislador” e segundo os mesmos objetivos político-sociais), já porque se
espera do juiz que ele seja um complementar colaborador do seu programa
político-jurídico, e nesse sentido se fale mesmo de um “instrumentalismo
dinâmico” num sistema jurídico aberto e de contínua adaptabilidade.
Mesmo sendo assim, e porque ao mesmo tempo não se quer juridicamente
renunciar à exigência de objetividade, prescrevendo o arbítrio ou tentando
impedir que as decisões concretas sejam a mera expressão das posições
ideológicas ou do subjetivismo do julgador, postulam-se, no reconhecimento
básico de que uma “metódica jurídica é também metódica politica”, como
coordenadas metodológico-jurídicas as seguintes:
 Intencionalmente a constituição deverá ser o referente político-jurídico
fundamental (Passagem de um estado-de-direito para um estado-de-
constituição – HAVERKATE) e a relação entre a legislação e a decisão
concreta haverá de pensar-se segundo um esquema de realização
programática de tipo “estratégia-tática” – A. MEIER-HAYOZ
 Institucionalmente a realização do direito implicará um sistema de
organização hierárquica de poderes e controles com uma particular
estrutura processual. E o processo como o próprio legitimante da
Alexandre da Silva A82506

decisão político-jurídica uma vez que o jurídico, como o politico,


não pode deixar de referir-se constitutivamente à decisão – não apenas
porque faltaria uma fundamento material absoluto, aquele que o
“direito natural”, pretendera, mas ainda porque o próprio consensos
seria hoje ilusório (“a decisão através do legislador ou do juiz já nãos
baseia tendencialmente na experiência do consenso, mas na
necessidade de pôr vinculamente fim ao dissenso – HAVERKATE), e a
sua única racionalização possível só poderia ser dada por uma
fundamentação ad hoc. É certo que a fundamentação não reduziria a
decisão e apenas a justificaria a posteriori, mas não deixaria, no
entanto, de a submeter a um discurso racionalmente critico. Daí que a
decisão deva ter o seu correlato na fundamentação e não possam
desvincular-se “as controvérsias e a decisão, a reflecção e a decisão” -
KRIELE.
Tanto à decisão discursivamente aberta sobre os fins, como à concretamente
fundamentada decisão político-jurídica continua a faltar, no entanto, o contrôle
empírico-cientifico mantendo-se assim insuperado no pensamento jurídico o
ideológico-normativo. Por isso à perspetiva politica ter-se-ia de acrescentar uma
perspetiva socialmente cientifica. De dois modos:
1- Impondo uma racionalização cientifica à realização dos fins, pela mobiliação
interdisciplinar das ciências que permitiam ajuizar cientificamente dos meios e
da adequação deles para atingir os fins decididos.
2- Racionalizando cientificamente os próprios fins, e todas as decisões que por
eles se orientem e, mediante uma critica pelos efeitos – através digamos da sua
“falsificação” pelos efeitos ( o que é mais do que ver nos efeitos da decisão
jurídica um argumento indispensável do seu pratico juízo concreto) – para ser
antes o fator decisivo de uma alteração de perspetiva do pensamento jurídico,
já que este passará a ter um índole fundamentalmente “consequencial”, já que
a compreensão o direito pelos efeitos produzidos é de todo diferente.
Efeitos que, enquanto realidades empíricas seriam não só empiricamente verificáveis
como cientificamente prognosticáveis. Havendo por isso de dizer-se que a verdadeira
possibilidade de cientificização do jurídico a tínhamos aqui: construindo o pensamento
jurídico como um pensamento que ao nível de interpretação e da decisão se
determine por modelos alternativos justificáveis e criticáveis pelos efeitos, ou se
quisermos, por esquemas metódicos de níveis por uma empírica-analítica “teoria da
decisão” – convertendo assim o pensamento jurídico numa cientifica tecnologia social
(social engineering). Não seria, pois, suficiente substituir nas estruturas metodológicas
do jurídico os valores pelos fins, era também necessário substituir o fundamento pelos
efeitos. E o resultado final seria a eliminação pura e simplesmente do normativo no
próprio domínio e função tradicionais do pensamento jurídico.
Mas será que uma orientação desta índole nos oferece verdadeiramente uma
diferente perspetiva daquele pensamento ou nos põe antes perante uma alternativa
Alexandre da Silva A82506

ao próprio direito? Pois o direito postula uma ordem justa da sociedade e não
tão só uma organização viável ou eficaz da mesma sociedade, tem a ver com o
universo espiritual e de sentido, com o dever ser de uma axiológica validade e com
correlativos fundamentos normativos, não apenas com o mundo empírico da
factualidade, da eficácia e dos efeitos. O direito é uma categoria ética, não uma
categoria “cientifica” – a sua racionalidade é prático-axiológica, não tão-só técnico-
intelectual.

2. A constituição do direito
O atual quadro metódico do pensamento jurídico orienta-se para a realização do
direito numa linha de continuidade com a tradicional ciência do direito dogmática. E se
reconhecemos nessa realização do direito um momento concretamente constitutivo,
tratava-se, todavia, de um momento só mediatamente constituinte. Mas elevada a
tarefa imediata, que não apenas mediata, e como tema autónomo ou para além da
referencia completar ao direito constituído, a constituição do direito (no sentido de
produção de direito novo) tornou-se hoje também objeto do pensamento jurídico ou
da “ciência do direito”.
Produção do direito assim inferida, por sua vez, numa conceção alargada da “ciência
do direito” que se especifica, por sua vez em duas disciplinas particulares, a politica do
direito e a teoria da legislação.

 À politica do direito competirá definir os objetivos (valores e fins) a que o


direito se deverá propor, assim como determinar os meios (normativos e
institucionais) adequados à realização desses objetivos – numa palavra
competirá enunciar as coordenadas intencionais e instrumentais do direito. E
com esta intenção revelaria em toda a atividade d sentido juridicamente
constituenda, havendo por isso lugar para uma politica jurídica de lege ferenda
e para uma politica jurídica de sententia ferenda.
 À teoria da legislação caberia considerar e orientar em termos de politica do
direito o momento constitutivo da concreta realização jurídica.
É no plano da lege ferenda que é chamada a participar a teoria da legislação, pois esta
terá como tarefa especifica a de preparar, no quadro das coordenadas definidas pela
politica do direito, as prescrições do direito positivo em que se enunciem as legislativas
soluções jurídicas dos problemas sociais postos em direito. Discriminam-se aqui
também duas dimensões:

 A dimensão metódica dirigida diretamente à constituição material do


normativo a legislar.
 A dimensão técnica que se iria ocupar especificamente da formulação daquele
normativo.
Alexandre da Silva A82506

O método normativo da teoria da legislação propõe fazer com que a


racionalidade jurídica participe também na produção legislativa e para que a legislação
nãos seja apenas ato politico ou sem um constituens especificamente jurídico.
O pensamento jurídica abandona assim o seu tradicional postulado da pressuposição
do direito e compreende-o hoje como um constituindo e uma tarefa (objetivo a
produzir) – a constituição do direito tornou-se um seu problema nuclear, se não
mesmo o problema decisivo. Ao que se levanta a questão, fica esclarecida a índole
essencial ou a natureza ultima da tarefa de produção jurídica que a ciência do direito
deverá assumir na politica do direito e na teoria da legislação? Questão cuja resposta
nos obriga ainda a reconhecer duas orientações metodológicas fundamentais.

 A primeira orientação visa conferir àquela produção o estatuto de


cientificidade – entendida de modo empírico-analítico e num contexto cultural
de superação da “filosofia”, por uma cientificidade daquela índole, e assim
igualmente da praxis significante pela tecnologia.
 Uma outra orientação que significa no âmbito do pensamento jurídico o que a
tentativa de “cientifizaçao da politica” significa para o pensamento-prático
politico em geral. Recupera a pretensão já de COMTE de um direito-legislação
elaborado cientifico-empiricamente. E nesse sentido propõe-se uma “politica
do direito” cientifica que se apoia numa também cientifica teoria do direito a
construir mediante a mobilização interdisciplinar de todas as ciências que
possam contribuir com dimensões ou elementos constitutivos do direito
positivo.
Simplesmente por um lado, o próprio radicalismo empírico-analítico impede uma tal
cientifização do prático-normativo já que é para ele insuperável a “falacia
naturalística” que nessa mesma perspetiva formulou HUME - a impedir a
determinação “cientifica” (a indução empírica) dos fins (valores e fins) -, do mesmo
passo que se revela a irredutível intervenção de valorações em todo o domínio prático,
o que acaba por corresponder também à conclusão do “não cognistimo” axiológico. E
dai a função tão-só hipotética que à “ciência” se acaba por reconhecer no domínio do
prático. A função do conhecimento na esfera de agir, sintetizada por ROSS no mesmo
sentido, pode ser definida deste modo: “o conhecimento não pode nunca determinar
uma ação, mas, assumindo um certo motivo (interesse, opção), pode dirigir a
atividade”. E em tais termos, a conclusão também só poderia ser esta: “o sonho atual
de que as ciências socias se desenvolvam um belo dia numa engenharia social não
pode ser senão um sonho”. Tudo o que implicará, quanto à politica do direito que não
se poderá concebê-la como uma disciplina puramente cientifica ou que
cientificamente ela não oferecerá mais do que uma secundária e condicionada
“técnica especifica” para a elaboração do direito.
No que toca à “teoria do direito”, e enquanto se propõe ela a atingir também
cientifico-teoricamente todas as dimensões constitutivas do jurídico, não poderá dizer-
se menos do que JASPERS acentou relativamente a análogo objetivo redutivista das
“ciências humanas” – cada uma dessas ciências estuda um aspeto limitado do
Alexandre da Silva A82506

problema e bem assim da realidade humana, mas todas elas e não menos o
seu conjunto deixam intocado o problema fundamental do homem, que justamente se
furta a uma redução analítico-teorética. Já que também o problema do direito não se
resolverá pela mera síntese dos fatores e elementos que constitutivamente nele
concorrem.
O que já a outra referia orientação validamente revela ao sublinhar que “a reflexão
sobre as estruturas axiológicas do direito” – a reflexão sobre a humanidade do direito
para além da consideração da sua socialidade, da sua legalidade e da sua cientificidade
e enquanto remete aquela reflexão à filosofia do direito- é a ultima ratio de todo o
jurídico já prescritivo, já decisório. Ou, de outro modo, que a politica do direito tem
por tarefa a “formulação do melhor direito possível”, mas querendo deste modo
significar que a tarefa constituinte do direito exige tanto a irredutível consideração do
valor fundamentante (o melhor) como do facto condicionante (o possível). Que tanto é
dizer, e em geral, que o momento essencial da intencionalidade normativa só pode ter
a sua base constitutiva numa reflexão argumentativa em que se assume
axiologicamente os sentido humano-comunitário de direito enquanto tal – o seu
domino não é da evidencia demonstrativa e da heteromia impessoal e sim o de um
pessoal e responsabilizante encontro de espíritos (PERLEMAN).
O que nos levará a concluir que o Método Jurídico, na complexidade dos seus
pressupostos, das suas estruturas e das suas dimensões intencionais culmina numa
filosofia. Mais do que uma mera hermenêutica e pra além de uma estrita dogmática, o
método jurídico, ao propor-se a tarefa do global problema do direito, não recusa
menos reduzir-se a uma simples tecnologia, porquanto, sendo essencialmente uma
prática normativa de projeção judicativo-decisória, não pode deixar de convocar uma
fundamentante reflexão prática (uma filosofia prática) por que, regulativa e
constitutivamente, se oriente.

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