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Módulo 1 – Direito Privado

(Autor: Professor Paulo Celso Sanvito)

Hermenêutica e Interpretação
Introdução
Hermenêutica Jurídica é o sistema de diretrizes voltadas a orientar a atividade interpretativa,
especialmente no momento de aplicar-se o direito (abstrato) ao caso concreto (“Hermenêutica
Jurídica seria a teoria científica da arte de interpretar, aplicar e integrar o direito" - Antonio Betioli).
As normas são formuladas em termos gerais e abstratos, para que possam ser extensivas a
múltiplos casos de mesma espécie. Nesse contexto, é tarefa do aplicador ou operador do
Direito, integrar a norma jurídica ao fato real (incidir o texto abstrato no caso concreto),
fixando o sentido, alcance e extensão da norma, através da utilização e aplicação da
hermenêutica, interpretação ou exegese.
São elementos integrantes e fundamentais para a interpretação: (a) Norma Jurídica: Toda
norma jurídica pode ser objeto de interpretação [“Leis”, Jurisprudência (decisões judiciais),
Costumes, Princípios ou Negócios Jurídicos (Contratos)]. (b) Sentido da Norma (conteúdo):
conhecer o significado das palavras e descobrir sua finalidade (compreender os fins a serem
regulados pela norma). (c) Alcance da Norma: delimitar seu campo de incidência (conhecer os
fatos sociais e as circunstâncias nas quais a norma tem aplicação).
Sejam obscuras ou claras as palavras da norma, é consenso que a “interpretação” é sempre
necessária. O conceito de clareza é muito relativo e subjetivo: uma palavra pode ser clara
(linguagem comum), mas ter um significado diverso, próprio e técnico, diferente do “sentido
vulgar” (ex: competência).
Além disso, uma vez que a aplicação de qualquer norma deverá orientar-se por seus "fins
sociais” e pelas “exigências do bem comum", é necessária sua interpretação para a descoberta
destes. A interpretação classifica-se quanto: espécie (origem ou fonte), métodos (formas) e
efeitos (resultados).
"A interpretação das normas jurídicas exige a referência a princípios axiológicos e
critérios valorativos, os quais muitas vezes estão apenas implícitos no texto da lei. Uma
ordem jurídica positiva não pode funcionar apenas atendo-se ao que está nela formulado
verbalmente” - Recaséns Siches.

Espécies de interpretação
LEGAL (autêntica) - a que se opera através de outra lei (cria-se uma lei, para interpretar outra
já existente - "Lei Interpretativa").
JUDICIAL - aquela feita através de decisões judiciais (Sentenças, Acórdãos, Súmulas etc).
ADMINISTRATIVA - dada pelos órgãos da Administração Pública (em decisões, pareceres,
despachos, portarias etc).
DOUTRINÁRIA - realizada por doutrinadores e juristas, em obras e pareceres (ex. códigos
comentados).

Métodos de Interpretação
LITERAL (Gramatical) - toma por base, apenas, o significado e alcance restritos e expresso
das palavras contidas na norma.
LÓGICO-SISTEMÁTICO - busca descobrir o sentido e o alcance da norma, a partir da
análise do conjunto do sistema jurídico. Procura preservar a harmonia e coerência do sistema
legal (compreender a norma como parte integrante de um todo, conectada com as demais
normas jurídicas, que se articulam logicamente).
HISTÓRICO - parte do questionamento das condições existentes no momento da criação da
norma, e das causas que a originaram.
TELEOLÓGICO (Finalístico ou Sociológico) - busca o fim (finalidade) que a norma
pretende disciplinar - baseia-se na adaptação do sentido da lei, às realidades e necessidades
sociais atuais (fim social).

Efeitos da Interpretação
EXTENSIVA - quando o intérprete conclui que o alcance da norma é mais amplo do que seus
termos. Nessa hipótese, alega-se que o legislador escreveu menos do que queria dizer e, assim,
o intérprete poderá aplicá-la a situações não previstas expressamente em sua letra (mas que
nela se encontram incluídas de forma tácita ou implícita) – ex. como o direito de propriedade
deve cumprir função social, podem ocorrer alíquotas diferentes e progressivas de IPTU.
RESTRITIVA - quando a interpretação restringe o sentido da norma, ou limita sua incidência.
O intérprete conclui que o legislador escreveu mais do que realmente pretendia dizer,
eliminando a amplitude das palavras – ex. a lei diz "descendentes", quando queria dizer apenas
"filhos" (elimina sua incidência aos demais).
DECLARATIVA (especificadora ou estrita) - quando as palavras expressam, na medida
exata, o espírito da lei (não amplia, nem restringe): cabe ao intérprete, apenas, constatar esta
coincidência. Aplica-se, por exemplo, quando se trata de lei que impõe penalidades, multas etc.

Hermenêutica e Interpretação Integradora


Atualmente, o processo interpretativo de uma norma jurídica é visto como uma atividade
única, mas complexa, composta de vários procedimentos e momentos, em que são utilizados
vários métodos de interpretação (em conjunto). Com efeito, esses métodos se implicam,
complementam, e se combinam, todos, contribuindo para a compreensão do sentido e alcance
da norma (pode ocorrer a preponderância de um sobre outros, quando se mostra mais adequado
ao entendimento da norma.
O trabalho do operador do Direito (intérprete) não se reduz a uma passiva adaptação ou
sujeição a um texto legal, mas representa um trabalho construtivo de natureza axiológica
(valorativa). Ele não fica preso ao texto (como um historiador aos fatos passados, ou um
músico à partitura), pelo contrário: pode avançar e dar à norma um significado até imprevisto,
completamente diverso do esperada, ou pretendido pelo legislador.
Uma vez em vigor, a norma incorpora-se ao meio social e, assim, lei e sociedade se
influenciam reciprocamente, ou seja, deve ser interpretada não como desejou seu autor (há 50
ou 100 anos), mas como o exigem as atuais circunstâncias. Ou seja, a interpretação da norma
jurídica implica na apreciação dos fatos e valores dos quais ela se originou, mas também em
função dos fatos e valores supervenientes e atuais ("a sistemática jurídica, além de ser lógico-
formal, como se sustentava antes, é também axiológica ou valorativa" - Miguel Reale).
Em outras palavras, a interpretação jurídica tem necessariamente uma caráter "lógico" (permite
elevado padrão de rigor e segurança, e afasta qualquer interpretação intuitiva ou emocional),
mas não se reduz a meros esquemas ou formas: trata-se de uma "lógica valorativa" ("Lógica
Razoável").
Assim, essa nova visão de “interpretação integradora” tem o sentido de tentar fazer as normas
atenderem, no máximo possível, às estimações ligadas a valores efetivamente considerados
legítimos pelo homem e pela sociedade (princípios, ética, moral etc), ou seja, dar ao
ordenamento jurídico condições plenas de responder às inquietudes e necessidades do homem,
em cada tempo.
“Convida o intérprete a sair da estrita e direta relação norma-fato, vista isoladamente, e partir para um
alargamento da percepção e sensibilidade, melhor desfraldando o leque de fatores e alternativas a serem
considerados na interpretação. Em resumo, permite a utilização de todas as alternativas possíveis para a
realização do ser humano, na Justiça, por intermédio do Direito" - Raimundo Bezerra Falcão.
A hermenêutica e interpretação jurídica são imprescindíveis no ato de dar concretude à norma
abstrata, ou seja, quando o operador do direito dá aplicabilidade prática, ao ordenamento legal
abstrato. A ciência jurídica não é neutra nem exata (excessivamente positivista e técnica), pois
deve dar importante consideração (axiologia) aos valores éticos, morais, principiológicos e
sociais, a serem levados em conta pelos aplicadores do direito.
Assim, esse é o intuito de uma visão e formação humanista dos operadores do Direito (em
contraponto à estritamente positivista): levar em conta os fundamentos e princípios básicos do
Direito (Gerais ou Específicos), valores éticos, morais, principiológicos e sociais, na hora de
aplicar a norma aos casos concretos, buscando atingir o real escopo das normas e do Poder
Judiciário, em sentido amplo.
Tal visão é aceita até mesmo do ponto de vista positivista (dá importância máxima à letra da
lei), já que a LINDB (art. 4°) prevê a utilização da analogia, costumes e princípios gerais do
direito (nos caso de lacuna), bem como que o juiz deve, na aplicação da lei, atender aos fins
sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum (art. 5°) – distribuição da Justiça,
visando o bem comum.

LINDB – Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – Decreto Lei 4.657/1942

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