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INTRODUÇÃO

AO ESTUDO
DO DIREITO

Magnum Eltz
Revisão técnica:

Gustavo da Silva Santanna


Bacharel em Direito
Especialista em Direito Ambiental Nacional
e Internacional e em Direito Público
Mestre em Direito
Professor em cursos de graduação
e pós-graduação em Direito

G429i Giacomelli, Cinthia Louzada Ferreira.


Introdução ao estudo do direito [ recurso eletrônico ] /
Cinthia Louzada Ferreira Giacomelli , Magnum Koury de
Figueiredo Eltz ; revisão técnica: Gustavo da Silva Santanna.
– Porto Alegre: SAGAH, 2017.

ISBN 978-85-9502-219-5

1. Direito – História. I. Eltz, Magnum Koury de


Figueiredo. II.Título.
CDU 340.111

Catalogação na publicação: Karin Lorien Menoncin CRB-10/2147


Hermenêutica e
interpretação
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

„„ Distinguir interpretação de hermenêutica.


„„ Analisar os métodos de interpretação normativa.
„„ Identificar a importância da hermenêutica filosófica à interpretação
normativa.

Introdução
O Direito é uma ciência que estuda as normas como construção social
e a sua aplicação no mundo dos fatos. No entanto, para que as normas
sejam aplicadas no mundo real, o sujeito da norma ou o julgador, em um
caso concreto, devem interpretá-la para adequar a situação de fato ao
suporte fático normativo ou o suporte fático normativo às especificidades
do caso concreto. A esse processo de concretização das normas dá-se
o nome de interpretação normativa, realizada a partir das ferramentas
elaboradas pelo ramo teórico da hermenêutica jurídica.
Neste capítulo, você vai ler a respeito das distinções entre interpreta-
ção e hermenêutica, das diversas ferramentas de interpretação normativa
existentes e do seu processo evolutivo, bem como das suas relações com
a hermenêutica filosófica.

Hermenêutica e interpretação no Direito


Os conceitos de hermenêutica e interpretação são utilizados de forma corrente
como sinônimos. No entanto, na ciência jurídica, trata-se de conceitos distintos,
e essa distinção tem implicações práticas para o estudo de um e de outro.
130 Hermenêutica e interpretação

Conforme ensina (NADER, 2001, p. 253):

A palavra hermenêutica provém do grego Hermeneúein, interpretar, e deriva


de Hermes, deus da mitologia grega, filho de Zeus e de Maia, considerado
o intérprete da vontade divina. Habitando a Terra, era um deus próximo à
Humanidade, o melhor amigo dos homens.
Todo conhecimento humano, de acordo com F. Gény, desdobra-se em dois
aspectos; os princípios e as aplicações. Os princípios provêm da ciência e
as aplicações, da arte. No mundo do Direito, hermenêutica e interpretação
constituem um dos muitos exemplos de relacionamento entre princípios e
aplicações. Enquanto que a hermenêutica é teórica e vista a estabelecer prin-
cípios, critérios, métodos, orientação geral, a interpretação é de cunho prático,
aplicando os ensinamentos da hermenêutica. Não se confundem, pois, os
dois conceitos apesar de ser muito frequente o emprego indiscriminado de
um e de outro. A interpretação aproveita os subsídios da hermenêutica. Esta,
conforme salienta Maximiliano, descobre e fixa os princípios que regem a
interpretação. A hermenêutica estuda e sistematiza os critérios aplicáveis na
interpretação das regras jurídicas.

Dessa forma, a hermenêutica é o ramo científico por trás da sistematiza-


ção do estudo como uma organização dos pensamentos filosóficos que são
anteriores à prática e a interpretação é o conceito ligado à hermenêutica.
Ambos os conceitos compõem a práxis jurídica.
Conforme ensina (KELSEN, 1999, p. 897-388), o âmbito da aplicação
ocorre:

Quando o direito é aplicado por um órgão jurídico, este necessita de ficar


o sentido das normas que vai aplicar, tem de interpretar estas normas. A
interpretação e, portanto, uma operação mental que acompanha o processo
da aplicação do Direito no seu progredir de um escalão superior para um
escalão inferior. Na hipótese em que geralmente se pensa quando se fala de
interpretação, na hipótese da interpretação da lei, deve responder-se à questão
de saber qual o conteúdo que se há de dar à norma individual de uma sentença
judicial ou de uma resolução administrativa, norma essa a deduzir da norma
geral da lei na sua aplicação a um caso concreto.
Mas há também uma interpretação da Constituição, na medida em que de
igual modo se trate de aplicar esta – no processo legislativo, ao editar de-
Hermenêutica e interpretação 131

cretos ou outros atos constitucionalmente imediatos – a um escalão interior;


e uma interpretação dos tratados internacionais ou das normas do Direito
internacional geral consuetudinário, quando estas e aquelas têm que ser
aplicadas, num caso concreto, por um governo ou por um tribunal ou órgão
administrativo, internacional ou nacional. E há igualmente uma interpretação
das normas individuais, de sentenças judiciais, de ordens administrativas, de
negócios jurídicos, etc. em suma, de todas as normas jurídicas, na medida
que hajam de ser aplicadas.
[...]
Mas há também os indivíduos que têm — não de aplicar, mas — de observar
o Direito, observando ou praticando a conduta que evita a sanção, precisam
de compreender e, portanto, de determinar o sentido das normas jurídicas
que por ele hão de ser observadas.

Assim, enquanto a hermenêutica estabelece os parâmetros de estudo das


normas, o seu método de análise e uma organização dos pensamentos filo-
sóficos, a aplicação ocorre quando se descendem as normas do seu âmbito
ideal para um nível menos elevado, em que se encontra o caso concreto, ou
seja, os fatos ocorridos no mundo real.
Como ensina Nader (2001, p. 254), “A efetividade do Direito depende de
um lado, do técnico que formula as leis, decretos e códigos e, de outro lado,
da qualidade da interpretação realizada pelo aplicador das normas”. Ou seja,
ao passo em que o legislador formula o texto das normas legais, o juiz, o
aplicador do direito (seja advogado, promotor, etc.) ou mesmo o indivíduo deve
interpretar esse texto normativo, e a qualidade da interpretação é medida pela
técnica interpretativa aplicada, desenvolvida pela hermenêutica.
Como resume o autor:

Como todo objeto cultural, o Direito encerra significados. Interpretar o Di-


reito representa revelar o seu sentido e alcance. Temos assim: a) revelar o seu
sentido: a lei que concede férias anuais ao trabalhador tem o significado, a
finalidade de proteger e de beneficiar a sua saúde física e mental; b) fixar o
alcance das normas jurídicas: ignifica delimitar o seu campo de incidência.
Dentro do exemplo citado, temos que apenas os trabalhadores assalariados, isto
é, que participam em uma relação de emprego, fazem jus às normas trabalhadas.
De igual modo, as normas contidas no Estatuto dos Funcionários Públicos
da União têm o seu campo de incidência limitado (NADER, 2001, p. 225).
132 Hermenêutica e interpretação

A partir das ferramentas de hermenêutica, o aplicador, ao interpretar o texto, deve reve-


lar o sentido da norma e fixar o alcance dessas ferramentas. Deve pressupor, portanto,
que o texto normativo não é necessariamente claro o suficiente para que o seu leitor
saiba, a partir da sua literalidade, quais são todos os elementos necessários para a sua
aplicação. Eis a importância do desenvolvimento de um aparato hermenêutico para que
o interprete possua as ferramentas adequadas dentro de um sistema científico jurídico.

Assim, é possível estabelecermos que a hermenêutica é teórica, responsável


pelo desenvolvimento de ferramentas anteriores à aplicação, e a interpretação
é a ponte entre o campo normativo abstrato e a aplicação das normas no caso
concreto, seja por meio de uma sentença, seja por meio da própria vivência
de acordo com as normas jurídicas vigentes pelo cidadão.

Os métodos de interpretação da norma jurídica


Como você viu na seção anterior, a hermenêutica é o campo responsável pelo
desenvolvimento das ferramentas de interpretação para que o aplicador do Direito
possa fazê-lo em conformidade com a ordem normativa vigente. Para tanto, a
ciência jurídica apresenta diversas ferramentas, que espelham uma evolução
científica da própria hermenêutica e, portanto, da interpretação da norma jurídica.
Bobbio (1982) contextualiza a discussão evolutiva da hermenêutica jurídica
a partir do desenvolvimento do dogma da completude em oposição ao reco-
nhecimento de lacunas no ordenamento jurídico. Conforme o autor:

O dogma da completude, isto é, o princípio de que o ordenamento jurídico


seja completo para fornecer ao juiz em casa caso, uma solução sem recorrer à
equidade, foi dominante e o é em parte até agora, na teoria jurídica europeia
de origem romana. Por alguns é considerado como um dos aspectos salientes
do positivismo jurídico.
[...]
Nos tempos modernos, o dogma da completude tornou-se parte integrante da
concepção estatal do Direito, isto é, daquela concepção que faz da produção
jurídica um monopólio do Estado. Na medida em que o Estado moderno crescia
em potência, iam-se acabando todas as fontes de direito que não fossem a Lei
ou o comando soberano (BOBBIO, 1982, p. 119-120).
Hermenêutica e interpretação 133

Dessa forma, se há completude no ordenamento jurídico, não há necessidade


de interpretação, pois a literalidade da norma e o conjunto normativo são
suficientes para a aplicação do Direito a todos os casos concretos.
Para melhor compreendermos a completude a que se refere Bobbio (1982,
p. 114-115), trazemos a conceituação do autor:

Por “completude” entende-se a propriedade pela qual um ordenamento jurídico


tem uma norma para regular qualquer caso. Uma vez que a falta de uma norma
se chama geralmente “lacuna” (num dos sentidos do termo “lacuna”), “com-
pletude” significa “falta de lacunas”. Em outras palavras, um ordenamento é
completo quando o juiz pode encontrar nele uma norma para regular qualquer
caso que se lhe apresente, ou melhor, não há caso que não possa ser regulado
com uma norma tirada do sistema. Para dar uma definição mais técnica de
completude, podemos dizer que um ordenamento é completo quando jamais se
verifica caso de que a ele não de podem demonstrar pertencentes nem a uma
certa norma nem a norma contraditória. Especificando melhor, a incompletude
consiste no fato de que o sistema não compreende nem a norma que proíbe
um certo comportamento nem a norma que o permite. De fato, se se pode
demonstrar que nem a proibição nem a permissão de certo comportamento
são dedutíveis do sistema, da forma que foi colocado, é preciso dizer que o
sistema é incompleto e que o ordenamento jurídico tem uma lacuna.
A partir dessa definição mais técnica de completude, entende-se melhor qual
é o nexo entre o problema da completude e o da coerência. [...] podemos de
fato definir a coerência como aquela propriedade pela qual nunca se dá o caso
em que se possa demonstrar a pertinência a um sistema e de certa norma e
da norma contraditória. [...] diremos “incoerente” um sistema no qual exis-
tem tanto a norma que proíbe um certo comportamento quanto aquela que
o permite; “incompleto”, um sistema no qual não existem nem a norma que
proíbe um certo comportamento nem aquela que o permite. [...] de fato, o que
tentamos estabelecer é sempre a unidade: unidade negativa, com a eliminação
de contradições; a unidade positiva, com o preenchimento de lacunas.

Dessa forma, o dogma da completude encara que o sistema não possui


qualquer lacuna, ou seja, que todos os casos estão considerados no sistema e
que esse sistema é coerente, e que, portanto, não há contradições entre uma
norma e outra, ou expectativa de frustração de determinado comportamento e
ausência de norma que o proíba. Por outro lado, se entendemos que o sistema é
incompleto, e, portanto, possui lacunas, ou que há controvérsias entre normas
existentes dentro de um sistema normativo, há necessidade de aplicação de
normas interpretativas para resolução desses casos.
134 Hermenêutica e interpretação

Nader (2001, p. 257) sintetiza a discussão em seu trabalho:

Outrora, vigorava o princípio in claris cessat interpretatio. Pensavam os


juristas antigos que um texto bem redigido e claro dispensava a tarefa do
intérprete. Havia a ideia errônea de que o papel do intérprete era o de “torcer
o significado das normas”, para coloca-las de acordo com o interesse do
momento. A confirmar a desconfiança no trabalho dos intérpretes, encon-
tramos em Hufeland a declaração de que “é um mal que a lei precise de uma
interpretação. As leis não devem estar sujeitas às chicanas jurídicas”. O jurista
brasileiro Paula Batista, autor de uma apreciada “Hermenêutica Jurídica”,
esposou esta tese, há mais de meio século, afirmando: “Ou existem motivos
para dúvidas do sentido de uma lei, ou não existem. No primeiro caso cabe
interpretação, pela qual fixamos o verdadeiro sentido da lei e a extensão do
seu pensamento; no segundo, cabe apenas obedecer ao seu preceito literal”.

Para a compreensão dos diversos métodos interpretativos da norma, é im-


portante ressaltarmos as diferenças entre a compreensão das lacunas trazidas
por Bobbio, sendo as primeiras as lacunas ditas reais ou seja, a ausência fática
de normas escritas sobre determinada conduta de maneira positiva ou negativa,
e ideológicas, que, segundo o autor, não são “a falta não já de uma solução,
qualquer que seja ela, mas de uma solução satisfatória, ou em outras palavras,
já a falta de uma norma, mas de uma norma justa” (BOBBIO, 1982, p. 140).
Bobbio (1982, p. 143) também distingue lacunas próprias e impróprias:
“A lacuna própria é uma lacuna do sistema ou dentro do sistema; a lacuna
imprópria deriva da comparação do sistema real com um sistema ideal”. Além
disso, o autor diferencia as lacunas ditas objetivas das subjetivas:
Subjetivas são aquelas que dependem de algum motivo imputável ao le-
gislador; objetivas são aquelas que dependem do desenvolvimento das rela-
ções sociais, das novas invenções, de todas aquelas causas que provocam um
envelhecimento dos textos legislativos e que, portanto, são independentes da
vontade do legislador (BOBBIO, 1982, p. 144).
Ainda, o autor distingue lacunas voluntárias e involuntárias:

Involuntárias são aquelas que dependem de um descuido do legislador, que


faz parecer regulamentado um caso que não é, ou faz deixar de lado um caso
que talvez se considere pouco frequente, etc. Voluntárias são aquelas em que
o próprio legislador deixa de propósito, quando a matéria é muito complexa e
não pode ser regulada com regras muito miúdas, é melhor confiá-la, caso por
caso, à interpretação do juiz. Em algumas normas muito gerais que podem
ser chamadas de diretrizes (BOBBIO, 1982, p. 140-144).
Hermenêutica e interpretação 135

Finalmente, Bobbio (1982, p. 145) diferencia as lacunas Preter legem e


inter legem:

As primeiras existem quando as regras, expressas por serem muito particula-


res, não compreendem todos os casos que podem apresentar-se a nível dessa
particularidade; as segundas têm lugar, ao contrário, quando as normas são
muito gerais e revelam, no interior das disposições dadas, vazios ou buracos
que caberá o interprete preencher. As lacunas voluntárias são normalmente
inter legem.

O autor Paulo Nader também traz na obra Introdução ao estudo do Direito


uma sistematização da evolução dos conceitos interpretativos, da literalidade
à vontade da lei, da vontade do legislador à interpretação histórica-evolutiva,
à investigação científica do Direito e finalmente à escola do Direito livre, em
que destacamos os seguintes ensinamentos:

Escola tradicional da exegese: predominância do meio gramatical e da lógica


interna do sistema jurídico (não estuda elementos de outros ordenamentos ou
princípios gerais do direito), é reflexo do momento histórico-legal codicista,
em que todas as normas deveriam estar organizadas sob Códigos de forma
sistemática, clara e objetiva; Possui como postulados básicos: Dogmatismo
Legal; Subordinação à Vontade do Legislador; O Estado como Único Autor
do Direito (NADER, 2001, p. 273).
Método Histórico-Evolutivo: segundo esta escola que surgiu no final do século
XIX, o intérprete possui um papel relevante. Cumprindo ao judiciário manter
o Direito sempre vivo, atual, de acordo com as exigências sociais do momento
histórico (NADER, 2001, p. 274).
Livre investigação científica do Direito: concepção do jurista François Gény,
no final do século XIX, admite alguns pontos da escola da Exegese e rejeita
a outros, aceita que o interprete deva pesquisar a vontade do legislador, não
concordando com a tese de que a lei seja a única fonte formal do direito; admite
a falibilidade do código, portanto e que o interprete deva preencher as lacunas
a partir de um processo, obedecendo a vontade do legislador, e a atualização
dos conceitos genéricos de ordem pública e bons costumes conforme o con-
texto histórico. Gény entende que há uma necessária interdependência entre
a lógica e a interpretação gramatical. Segundo essa corrente, o Direito possui,
na sua versão duas categorias: o dado e o construído. O dado corresponde à
realidade observada pelo legislador, às fontes materiais do Direito, como os
elementos econômico, moral, cientifico, técnico, cultural, histórico, político,
etc. O construído é uma operação lógica e artística que, considerando o dado,
subordina os fatos a uma ordem de fins. (NADER, 2001, p. 275-276)
Finalmente, a corrente do Direito Livre: escola que se opõe diretamente à
Exegese, que concede ampla liberdade, inclusive em relação ao texto legal,
136 Hermenêutica e interpretação

se considerar como incapaz de fornecer uma solução justa ao caso. Se a lei


for justa, deve ser aplicada, se for injusta deve ser colocada de lado de acordo
com critérios de justiça. Reichel, aponta três características principais desta
escola: Repúdio à doutrina da suficiência absoluta da lei; afirmação de que o
juiz deve realizar, precisamente pela insuficiência dos textos, um labor pes-
soal e criador; e a aproximação paulatina do julgador à atividade legislativa
(NADER, 2001, p. 277).

Uma vez compreendidas as diversas escolas da interpretação normativa,


passaremos à classificação dos métodos propriamente dita.
Os métodos de interpretação normativa podem ser classificados e ca-
racterizados como:

Método integrativo — uma vez compreendido um determinado sistema


como lacunoso, há dois métodos de integração desse sistema segundo a ter-
minologia de Carnelutti, conforme referenciado por Norberto Bobbio (1982),
a heterointegração ou de autointegração. O primeiro método consiste na
integração operada por meio do:

1. recurso a ordenamentos diversos;


2. recurso a fontes diversas daquela que é dominante (identificada, nos
ordenamentos que temos sob os olhos com a lei).

Dessa forma, podemos compreender que o método literal e a vontade da lei


são formas de autointegração, ainda que não reconheçam as lacunas existentes
no sistema, enquanto a heretointegração é composta por diferentes métodos
como histórico, Direito comparado e princípios interordenamentais como
direitos naturais, humanos, etc.

Autointegração — segundo Bobbio (1982), o método de autointegração se


apoia particularmente em dois procedimentos:

1. analogia, o procedimento pelo qual se atribuir a um caso não regula-


mentado a mesma disciplina que a um caso regulamentado semelhante;
2. princípios gerais do direito, com os quais o legislador pretende ou
presume que, em caso de lacuna, a regra deve ser encontrada no âmbito
mesmo das leis vigentes, sem recorrer a outros ordenamentos nem a
fontes diversas da lei.
Hermenêutica e interpretação 137

Método literal ou gramatical — Tratando-se de Direito escrito, é pelo ele-


mento gramatical que o intérprete toma o primeiro contato com a proposição
normativa. Malgrado a palavra se revele, às vezes, um instrumento rude de
manifestação do pensamento, pois nem sempre consegue traduzir as ideias,
constitui a forma definitiva de apresentação do Direito, pelas vantagens que
oferece do ponto de vista da segurança jurídica. Cumpre ao legislador aper-
feiçoar os processos da técnica legislativa, objetivando sempre uma redação
simples, clara e concisa. O elemento gramatical se compõe da análise do valor
semântico das palavras empregadas no texto, da sintaxe, da pontuação, etc. No
Direito antigo, o processo literal era mais importante do que hoje. Ocorria, às
vezes, que os códigos eram escritos em línguas mortas, o que exigia esforço
concentrado do intérprete. Modernamente, a crítica que se faz a esse elemento
não visa, como é natural, à sua eliminação, mas à correção dos excessos que
surgem com a sua aplicação. Objetiva-se evitar o abuso daqueles que se apegam
á literalidade do texto, com prejuízo a mens legis.

Método de busca da vontade da lei e do legislador — conforme visto, a


exegese compreendia a vontade do legislador como um parâmetro endógeno
de interpretação literal. Essa ferramenta deriva dos tempos da antiguidade, em
que a lei era ditada pelos deuses e que, portanto, somente o seu criador poderia
mudar o seu sentido. A partir da criação da figura do legislador legitimado pelo
povo, a exegese estabeleceu que a lei que pode ser interpretada de maneira
subjetiva, ou seja, pelo estudo comparativo do emprego de vocábulos de
determinada forma pela pessoa do legislador, chamada de mens legislatoris,
ou pela dedução da sua vontade pelo sistema da ordem jurídica. De qualquer
sorte, o resultado encontrado deveria ser aplicado, mesmo que inócuo ou
absurdo. Já o método objetivo leva o intérprete a pesquisar a vontade da lei.
O legislador não cria a lei no seu intelecto, mas apropria-se das fórmulas
que a organização social sugere para transfundi-las nos textos. No dizer de
Maximiliano, “o indivíduo que legisla é mais ator do que autor, traduz apenas
o pensar e sentir alheios, reflexamente, às vezes, usando meios inadequados
de expressão quase sempre” (NADER, 2001, p. 260).

Método de Interpretação sistemática — segundo Nader (2001), não há


nenhum dispositivo, na ordem jurídica, que seja autônomo, autoaplicável. A
norma jurídica somente pode ser interpretada e ganhar efetividade quando
analisada no conjunto de normas que dizem respeito a determinada matéria.
138 Hermenêutica e interpretação

Quando um magistrado profere uma sentença, não aplica regras isoladas:


projeta toda uma ordem jurídica ao caso concreto. O ordenamento jurídico
compõe-se de todos os atos legislativos vigentes, bem como das normas
costumeiras válidas que mantém entre si perfeita conexão.

Método de Interpretação histórica — muitas vezes o conhecimento gra-


matical e lógico do texto legislativo não é suficiente para a compreensão do
espírito da lei, sendo necessário recurso à pesquisa do elemento histórico.
Como força viva que acompanha as mudanças sociais, o Direito se renova, ora
aperfeiçoando os institutos vigentes, ora criando outros para atender o desafio
dos novos tempos. Em qualquer situação, o Direito se vincula à história e o
jurista que almeja um conhecimento profundo da ordem jurídica, forçosamente
deverá pesquisar as raízes históricas do Direito Positivo.

Método de Interpretação Teleológica — na moderna hermenêutica, o ele-


mento teleológico assume papel de primeira grandeza. Tudo o que o homem faz
e elabora é em função de um fim a ser atingido. A lei é obra humana e, assim,
contém uma ideia de fim a ser alcançado. Na fixação do conceito e alcance
da lei, sobreleva de importância o estudo teleológico, isto é, o estudo dos fins
colimados pela lei. Enquanto a occasio legis se ocupa dos fatos históricos
que projetaram a lei, o fator teleológico investiga os fins que a lei visa atingir.
Outra forma de classificar os métodos interpretativos são:

Interpretação declarativa — nem sempre o legislador bem se utiliza dos


vocábulos, ao compor os atos legislativos. Muitas vezes, expressa-se mal,
utilizando com impropriedade os termos. Quando dosa as palavras com ade-
quação aos significados que deseja imprimir na lei, falamos que a interpretação
é declarativa. O intérprete chega à constatação de que as palavras expressam,
com medida exata, o espírito da lei.

Interpretação restritiva — quando ocorre, porém, que o legislador é infeliz


ao redigir o ato normativo, dizendo mais do que queria dizer, a interpretação
é restritiva, pois o intérprete elimina a amplitude das palavras. Exemplo: a lei
diz descendente, quando, na realidade, queria dizer filho.

Interpretação extensiva — é a hipótese contrária à anterior. O intérprete


constata que o legislador se utilizou com impropriedade dos termos, dizendo
menos do que queria afirmar. Ocorrendo tal hipótese, o intérprete alegará o
campo de incidência da norma, em relação aos seus termos. O exemplo anterior
Hermenêutica e interpretação 139

é útil, ainda: se o legislador, desejando referir-se a descendente, emprega o


vocábulo filho.
Também podemos classificar os métodos pelo critério do elemento lógico.
Segundo Nader (2001, p. 267), “por ser estrutura linguística que pressupõe
vontade e raciocínio, o texto legislativo exige os subsídios da lógica para a
sua interpretação”.

Lógica interna — pela lógica interna, o interprete submete a lei à ampla


análise, considerando a própria inteligência do texto legislativo, alheando-se
dos elementos de informação extra legem.

Lógica externa — visando completar o sentido da lei, sem contrariá-la, essa


lógica se guia na lição dos fatos. Orienta-se pela observação dos acontecimentos
que provocaram a formação do fenômeno jurídico, indagando, ainda, os fins
que ditaram as regras jurídicas. Estudam-se, portanto, a ocasio legis e a ratio
legis. Pode o interprete descer ao exame da história dos institutos e, ainda,
ao Direito comparado.

A lógica do “razoável” — Recaséns Siches, que expõe a doutrina da lógica


do razoável, julga que foi um erro maiúsculo cometido pela teoria e prática
jurídica do séc. XIX o emprego, em assuntos jurídicos, dos métodos da
lógica tradicional, também chamada de matemático-física, silogística, que
se originou com o Organon, de Atistoteles. Na sua opinião, essa metodologia
se ajusta à matemática, física e outras ciências da natureza, revelando-
-se, porém, inservível para os problemas ligados à conduta humana, afir-
mando que há razões diferentes do racional de tipo matemático, de tipo
formalista-silogista.
Nader ainda traz as inovações da Lei de introdução ao Código Civil (LICC),
hoje Lei de introdução ao Direito brasileiro (LIDB), em que a divisão doutri-
nária entre a obrigatoriedade ou não dos seus métodos é aplicada na prática
jurídica pátria. Segundo o autor, no art. 5º da LIDB, “o sistema jurídico brasi-
leiro rompeu com a exegese tradicional, que impedia o intérprete de conciliar os
textos com as exigências dos casos concretos” (NADER, 2001, p. 262). O juiz
deixaria, assim, aquela condição de “ente inanimado”, conforme Montesquieu
concebera, ou então, como descreve Roscoe Pond, em relação à teoria mecâ-
nica, que reduz o juiz à condição de operador de máquinas automáticas: “[...]
ponham-se os fatos no orifício de entrada, puxe-se uma alavanca e retire-se
a decisão pré-formulada” (NADER, 2001, p. 263).
Segundo o autor, o art. 5º da LICC (NADER, 2001, p. 263):
140 Hermenêutica e interpretação

[...] revela, de início, o descontentamento do legislador com os critérios tradi-


cionais de hermenêutica seguidos em nosso País até aquela época. Apesar de a
formula adotada não oferecer com segurança os novos critérios, foi cometido
ao intérprete um papel importante na revelação do Direito.
[...] A expressão fins sociais visa a eliminar a possibilidade de que meros
caprichos pessoais possam surgir em detrimento da coletividade. Quando
houver conflito entre o interesse individual e o social, este último deve pre-
valecer. Tal colocação não tem a finalidade de esmagar o indivíduo em favor
do elemento social. Há situações em que o individual pode prevalecer, de
acordo com os critérios fixados pelo próprio legislador.

Finalmente, Pontes de Miranda (2013) refere que os métodos exegéticos


aplicáveis às leis não aproveitam os negócios jurídicos e vice-versa. Para o
autor, interpretar o negócio jurídico é revelar quais elementos do suporte fático
entrarão no mundo jurídico e quais efeitos que, em virtude disso, produzem.
Destaca alguns critérios a serem observador no momento da interpretação
do negócio jurídico.

1. Princípio da integração: é indispensável a interpretação sistemática do


conteúdo integral do negócio jurídico. O interprete deverá examinar cada
parte do conjunto em conexão aos demais.
2. Princípio da fixação genérica: na apuração do real sentido do negócio jurí-
dico, não se deve levar em consideração “ao que é pessoal de cada figurante,
ou ao destinatário”. O interprete deverá fixar-se primeiramente no texto,
examinando os elementos gramaticais e depois a lei pertinente à matéria,
podendo inclusive, se for necessário, recorrer aos usos;
3. Princípio da classificação técnica: com apoio no conhecimento fornecido
pela doutrina e pela lei, o intérprete classifica o negócio jurídico, a fim de
determinar-lhe as consequências jurídicas (MIRANDA, 2013, p. 322–327).

Conforme complementa Nader (2001, p. 268):

[...] na interpretação dos contratos, destacam-se as chamadas teoria objetiva


ou da declaração e a teoria subjetiva da vontade. Ao considerar que o contrato
faz lei entre as partes, a teoria objetiva preconiza, consoante expõe Miguel
Reale, a interpretação objetiva, analogamente ao processos de interpretação
da lei, pelo qual não se leva em conta o pensamento do legislador. [...] Para a
teoria subjetiva, ou da vontade, o interprete é orientado no sentido de descobrir
a intensão das partes. A interpretação literal é condenada e a subordinação
do intérprete ao conteúdo semântico dos vocábulos é condicionada à plena
adequação das palavras ao elemento volitivo.
Hermenêutica e interpretação 141

Em resumo, é possível concluir que a evolução da interpretação normativa


possui como fio condutor o balanço entre o apego à norma e aos elementos
internos de determinado sistema normativo (e especificidades dos seus
costumes ou vontades empregadas nas normas) e a liberdade de disposição
do aplicador da norma frente à fontes de outros ordenamentos jurídicos, a
partir do Direito comparado, dos princípios gerais de Direito ou mesmo
de uma análise histórica-evolutiva da norma — quando não descartada a
literalidade da norma em prol de um preenchimento idealista das lacunas
normativas existentes.

O maior limitador interpretativo na noção de bem comum está disposta na LIDB, em


nosso ordenamento jurídico, e nos princípios gerais do Direito Natural, que transpassam
a noção de um ordenamento jurídico específico.

A importância da hermenêutica filosófica


para a interpretação normativa
A hermenêutica jurídica é o ramo teórico que contribui para a formação
da metodologia utilizada na aplicação das normas a partir do processo de
interpretação normativa. Já a hermenêutica filosófica é o ramo anterior que
disponibiliza ferramentas teóricas para todos os ramos das ciências, podendo
ser aplicadas por seus respectivos ramos aplicados.

Não são raras as contribuições da filosofia para a ciência jurídica, começando por suas
construções sobre o próprio conceito de justiça, passando pelas discussões sobre os
direitos naturais até a positivação das normas e teorias sobre as ciências políticas, eco-
nômicas e sociais que permeiam a construção das normas e da interpretação jurídica.
142 Hermenêutica e interpretação

Como visto, a hermenêutica jurídica evolui de acordo com a dicotomia


entre a pureza da norma e a possibilidade de preenchimento de lacunas entre
fatores endógenos e exógenos ao ordenamento jurídico, como a história,
economia, sociologia e filosofia.
Esse debate, no entanto, é anterior à própria concepção da norma e à sua
força textual positivada, conforme os ensinamentos de Streck (1999, p. 99):

A questão da linguagem sempre esteve posta em diferentes épocas. Pode-se


colocar como a primeira obra de filosofia da linguagem o escrito de Crátilo, de
Platão, do ano de 388 a.C. Nele, além de Sócrates, há mais dois personagens:
Hermôgenes, que represente os sofistas e Crátilo, que representa Heráclito
(pré-socrático que justamente com Parmênides, inaugura a discussão acerca
do “ser” e do “pensar”, e do logos superando o mythos). Crátilo é um tratado
acerca da linguagem e, fundamentalmente, uma discussão crítica sobre a
linguagem. São contrapostas duas teses/ posições sobre a semântica: o natu-
ralismo, pela qual cada coisa tem nome por natureza (o logos está na phisys),
tese defendida no diálogo por Crátilo; e o convencionalismo, posição sofís-
tica defendida por Hermógenes, pela qual a ligação do nome com as coisas
é absolutamente arbitrária e convencional, é dizer, não há qualquer ligação
das palavras com as coisas.

Assim, o conteúdo das nomenclaturas é uma das bases da própria discussão


filosófica de Platão, entre a arbitrariedade e a lógica aplicada nas regras de
criação das expressões ordinárias.
O autor segue narrando a obra de Platão:

[...] Desse modo, no Crátilo, para discutir a questão relacionada à justeza


dos nomes, Sócrates toma como modelo a atividade do artesão, onde há uma
finalidade própria a cada coisa e a cada ação e que, analogamente aos ins-
trumentos adequados a cada atividade artesanal, há também um responsável
pelo estabelecimento dos nomes para as coisas, o nomoteta (onomaturgo), o
sábio legislador (espécie de fala autorizada...): “Nem todo homem é capaz de
estabelecer um nome, mas apenas um artista de nomes; e este é o legislador,
o mais raro dos artistas entre os homens. Mas o nomoteta não nomeia as
coisas arbitrariamente. Para exercer sua atividade, ele se guia por um modelo
ideal, pois parece haver uma certa exatidão natural de um nome em relação
ao objeto (STRECK, 1999, p. 100).

A noção Platônica sobre o nomoteta, ou aquele que legisla sobre o uso das
palavras, é uma das primeiras raízes remotas de uma exegese literal, em que
a defesa de uma lógica por trás da escolha das palavras legitimaria o seu uso
conforme o emprego arbitrado pelo “artesão das palavras”.
Hermenêutica e interpretação 143

Streck (1999, p. 103-104) segue a sua história sobre o discurso sobre a


formação das palavras em Aristóteles:

(Aristóteles em) sua “Primeira filosofia” pretende estudar o ser das coisas
(ousia), que quer dizer a sua essência, naquilo que elas são em si mesmas,
não importando o que elas pareçam e pelas mudanças que sofrem. Por isso,
Jacobus Thomasius, no séc. XII, afirmou que a primeira filosofia deveria
chamar-se de ontologia.
Para os objetivos (e limites) desta abordagem, é importante referir que, em
Aristóteles, a linguagem continua tendo um papel secundário. No fundo, o
sistema aristotélico, é uma releitura do pensamento de Platão, uma vez que
Aristóteles descobre uma brecha no sistema de seu mestre: como podemos falar
de essências subsistentes? Nele, a linguagem não manifesta, mas significa as
coisas. A palavra é (somente um) símbolo, e sua relação com a coisa não é por
semelhança ou por imitação, mas (apenas) por significação. A questão está
na adequatio, é dizer, na conformidade entre a linguagem e o ser. Pressupõe
uma ontologia. Ou seja, Aristóteles acreditava que as palavras só possuíam
um sentido definido porque as coisas possuíam uma essência. [...] A essência
das coisas que confere às palavras a possibilidade de sentido. Desse modo,
exemplificadamente, o que garante à palavra cão uma significação uma é o
mesmo que faz o cão ser cão.

Dessa forma, o pensamento Aristotélico, ainda que como um reflexo da


filosofia de Platão, encontra um eco no mundo das essências em que as pala-
vras podem (e devem) refletir a essência do que representam, subordinando
a criação das palavras a fenômenos que descrevem, não o contrário, de forma
que, o que garante à palavra a sua significação, é o fenômeno que torna o
objeto descrito ele mesmo.
Em relação aos sofismos relacionados à composição das palavras na sua
essência, Streck (1999, p. 155) relaciona as contribuições da filosofia à discussão
hermenêutica dentro da ciência jurídica:

No âmbito da interpretação da lei, naquilo que tradicionalmente chamamos


de hermenêutica jurídica, é preciso chamar a atenção (dos juristas) para o fato
que “nós, não temos mais um significante primeiro, que se buscava tanto em
Aristóteles, como na Idade Média, como ainda em Kant; significativamente
primeiro que nos daria a garantia de que os conceitos em geral remetem a
um único significado”. Daí por que um rompimento com essa tradição do
pensamento jurídico dogmático é difícil e não se faz sem ranhuras: “A recusa
de uma concepção metafísica do Direito não se faz sem problemas. O mesmo
ocorre, aliás, com a afirmação dessa concepção. Crer que há uma essência
verdadeira em si mesma do Direito – como que à espera de ser captada em sua
inteireza pelo sujeito do conhecimento, seja mediante um trabalho estritamente
racional de índole dedutiva, em que as normas do Direito racional, isto é, as
144 Hermenêutica e interpretação

chamadas leis da natureza, seriam aprendidas como autênticos corolários a


que se acederia pelo raciocínio a essa essência na dinâmica da vida social,
através da investigação sociológica do fenômeno jurídico; seja buscando-a na
exegese dos textos legais -, crer nisso, não deixa de ser confortável.

Assim, a crença em um sistema autossuficiente da exegese e codificadores é


baseada na crença de que o Direito e o texto normativo advêm de uma essência
e que isso legitimaria a perfeição de um sistema oriundo da observação da
natureza humana — ainda que, como descreve Streck (1999), desde a construção
positivista, haja uma separação entre o Direito e a metafísica filosófica que,
como bem alerta o autor, não se faz sem a perda da segurança que a unidade
interpretativa traria ao ordenamento jurídico.
Outra importante contribuição narrada pelo autor encontra-se no ramo
aplicado da filosofia jurídica que trouxe a abertura do sistema como uma
possibilidade de aplicação da discricionariedade do juiz, não por um acaso,
no âmbito da construção da common law:

No âmbito do Direito, o grande contributo é do direito anglo-saxão, mormente


na obra de Hart e seus polemizadores (Raz; Dworkin). Na teoria de Hart, a
dinâmica das normas somente pode ser explicitada através da análise das
chamadas regras secundárias (adjudicação, mudança, reconhecimento), que
permitem a justificação e existência do sistema jurídico. Para Hart, o direito
possui uma zona de textura aberta que permite a livre manifestação do poder
discricionário do juiz. Essa postura é criticada por Dworkin, que entende
que o Direito sempre proporciona uma boa resposta, já que o juiz, ao julgar,
escreve a continuidade de uma história, uma espécie de romance escrito em
continuidade, onde a boa resposta seria aquela que melhor enfrentasse a dupla
exigência que se impõe ao juiz, ou seja, fazer com que a decisão se harmonize
o melhor possível com a jurisprudência anterior e ao mesmo tempo a atualize
(justifique) conforme a moral política da comunidade. Lamego, assevera que
o modo como Hart introduz a problemática da hermenêutica, através de um
ponto de vista interno, tem a vantagem de “economizar” uma série de refle-
xões antropológicas sobre a teoria do conhecimento e da ação que a questão
evidentemente co-envolve (STRECK, 1999, p. 156).

Nas discussões entre a discricionariedade de Hart, em que a norma é revelada


na sua concretude, a justificação da sua imputação é a confrontação com a sua
essência verificada nos fatos concretos e a postura de Dworkin, em que o romance
jurídico necessita de uma vinculação lógica entre os casos precedentes e o caso
concreto, sendo o último consequência do ordenamento que o antecede. Há como
pano de fundo a própria discussão sobre a nomenclatura e a discricionariedade
ou ciência da nomeação das coisas, eis que a norma precede de uma essência
observadora de fenômenos prévia ou no momento da sua aplicação.
Hermenêutica e interpretação 145

Finalmente, ao tratar especificamente da hermenêutica filosófica, Streck


(1999, p. 157–158) sintetiza o debate da filosofia pura e jurídica nas seguintes
contribuições dessa escola:

Embora esses avanços, somente graças à hermenêutica filosófica (Gadmer;


Ricoeur) é que a antiga tensão entre a dogmática jurídica e a sociológica vem
a ser superada, na medida em que a linguagem e os textos, é dizer, a enuncia-
ção, são colocados no centro das discussões. Os contributos da hermenêutica
filosófica para o direito trazem uma nova perspectiva para a hermenêutica
jurídica, assumindo grande importância as obras de Heidegger e de Garmer.
Como efeito, Heidegger, desenvolvendo a hermenêutica no nível ontológico,
trabalha com a ideia de que o horizonte do sentido é dado pela compreensão,
é na compreensão que se esboça a matriz do método fenomenológico. A com-
preensão possui uma estrutura em que se antecipa o sentido. Ela se compõe
de aquisição prévia, vista prévia e antecipação, nascendo desta estrutura a
situação hermenêutica. Já Gaddamer, seguidor de Heidegger, ao dizer que
ser que pode ser compreendido é linguagem, retoma a idéia de Heidegger da
linguagem como casa do ser, onde a linguagem não é simplesmente objeto,
e sim, horizonte aberto e estruturado. Daí que, para Gadamer, ter um mundo
é ter uma linguagem. As palavras são especulativas, e toda a interpretação é
especulativa, uma vez que não se pode crer em um significado infinito, o que
caracteriza o dogma. A hermenêutica, desse modo, é universal, pertence ao ser
da filosofia, pois, como assinala Palmer, a concepção especulativa do ser que
está na base da hermenêutica é tão englobante como a razão e a linguagem.

Dessa forma, é possível concluir que as contribuições da filosofia para a


hermenêutica jurídica são:

„„ a discussão sobre a precisão dos termos;


„„ uma discussão prévia sobre a possibilidade de lacunas entre a arbitra-
riedade do legislador e a essência dos fenômenos que tenta descrever;
„„ a construção das normas como um construto metafísico natural.

Já as contribuições da hermenêutica filosófica para a hermenêutica jurídica são:

„„ a crítica às limitações das palavras escritas;


„„ o uso dos princípios como guias, por se tratarem de especulações do
interprete;
„„ a compreensão da linguagem como horizonte aberto e estruturado para
aplicação no caso concreto;
„„ a conceituação da compreensão e interpretação a partir da bagagem do
interprete, despida de uma “pureza teórica”.
146 Hermenêutica e interpretação

BOBBIO, N. Teoria do ordenamento jurídico. 10. ed. Brasília: UnB, 1982.


KELSEN, H. Teoria pura do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
MIRANDA, P. de. Tratado de Direito privado. São Paulo: RT, 2013. t. 3.
NADER, P. Introdução ao estudo do Direito: de acordo com a constituição de 1988. 21.
ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001.
STRECK, L. L. Hermenêutica jurídica e(m) crise. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999.
Encerra aqui o trecho do livro disponibilizado para
esta Unidade de Aprendizagem. Na Biblioteca Virtual
da Instituição, você encontra a obra na íntegra.
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