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Introdução ao Estudo do Direito Estudos sobre a Norma Jurídica (I) Texto-Aula

Prof. M.e. Marcus Robson Filho


marcusrobsonfilho
98851-6793

ESTUDOS SOBRE A NORMA JURÍDICA1

1. Notas Iniciais
Nesta aula, começamos a estudar um dos elementos centrais dos estudos da
Introdução ao Estudo de Direito (IED). Referimo-nos aos estudos a respeito da norma jurídica
como fenômeno fundamental do Direito. Para esse estudo ser exitoso, dividimos o presente
Texto-Aula em três seções, sendo a primeira uma parte inicial, no bojo da qual abordaremos
os seguintes subitens: (1) o direito é norma jurídica?, (2) norma e poder e (3) norma e
hermenêutica.
No segundo momento, conceituamos o ordenamento jurídico, destacando a relação
entre as normas e também a prevalência da Constituição em relação às demais normas. No
terceiro e último tópico, discorremos sobre elementos da teoria geral sobre a norma jurídica.
Assim, estudaremos, (1) conceito de norma jurídica, (2) estrutura lógica da norma, (3)
caracteres da norma jurídica, (4) classificação e (5) vigência, efetividade, eficácia e
legitimidade. Vejamos.
1.1. Direito é norma?
Essa é uma questão antiga nos estudos da Introdução ao Estudo de Direito (IED). E o
pior é que quase sempre essa pergunta é respondida afirmativamente: sim, direito é norma. Ou
seja, reduz-se o direito à produção estatal de um mandamento, de modo que estudar o direito é
estudar as normas jurídicas.
Todavia, “é só no presente, nas sociedades capitalistas, que o direito é identificado
plenamente às normas jurídicas estatais” (MASCARO, 2013, p. 66). Isso quer dizer que nem
sempre foi uma questão, pois, conforme nos ensina Alysson Mascaro:
[...] o direito era identificado à natureza das coisas, dos fatos, das pessoas,
das situações. Por direito se identificava menos uma norma hipotética que
viesse a ser aplicada em algum caso concreto e mais, sim, a própria
solução dos casos. Por isso o direito se reconhecia tanto em eventuais
normas quanto, principalmente, em outros fenômenos concretos,
medindo-se a partir da casualística: a justiça de cada caso falava tanto
quanto uma norma que se lhe fosse aplicada [...]

Dessa forma, é mesmo no capitalismo que o direito passa a ser visto como norma, o
que significa dizer que estudar o direito é apenas e tão somente a análise da norma estatal já

1
O Texto-Aula procura levar para os alunos noções básicas acerca da matéria abordada, de modo que o
aprofundamento dessa matéria se faz na própria aula ou a partir da leitura dos referenciais que são usados para a
sua confecção.
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na sua forma final, sem se refletir sobre as formas sociais, as circunstâncias políticas das quais
decorre a norma.
1.2. Norme e Poder
Outra coisa que devemos entender é que a norma jurídica não deve ser entendida
como um produto voluntarioso, descomprometido, desvinculado e inadvertido. A norma
jurídica é fruto de certas injunções sociais, isso porque o Estado é o resultado de diversos
interesses, de disputas intermináveis e, sobretudo, de conflitos ideológicos ínsitos a uma
sociedade fragmentada em classes sociais.
Como preleciona Alysson Mascaro (2013, p. 71):
[...] O poder é o motor imediato e o sustentáculo constante das normas. O
receptor das normas não apenas entende um texto: seu posicionamento
quanto à norma se dá conforme o poder que está por detrás do texto.
Faltando o poder que a imponha, não se pode dizer que ainda haja uma
norma, mas sim um mero texto ilustrativo, por exemplo.

Dessa forma, a norma se impõe por causa do poder estatal. A norma é sempre uma
fala do poder. Seus mandos são uma decisão desse poder.
1.3. Norma e Hermenêutica
Como se propala nos manuais que tratam da hermenêutica jurídica, as origens da
palavra HERMENÊUTICA encontram-se no verbo grego hermeneuein, que tem sido
traduzido como interpretar, ou ainda no substantivo hermeneia, da mesma forma designando
também interpretação. Uma investigação etimológica destas duas palavras e das orientações
significativas básicas que elas veiculavam no seu antigo uso esclarece consideravelmente a
natureza da interpretação em teologia, literatura e direito, servindo no atual contexto de
introdução válida para a compreensão da hermenêutica moderna.
Analisando a etimologia das palavras hermenêutica e interpretação, Ricardo
Maurício diz-nos o seguinte:
[...] Destaca que a palavra grega hermeios referia-se ao sacerdote do
oráculo de Delfos. O verbo hermeneuein e o substantivo hermeneia
remetem à mitologia antiga, evidenciando os caracteres conferidos ao
Deus-alado Hermes. Esta figura mítica era, na visão da antiguidade
ocidental, responsável pela mediação entre os Deuses e os homens.
Hermes, a quem se atribui a descoberta da escrita, atuava como um
mensageiro, unindo a esfera divino-transcendental e a civilização
humana2.

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SOARES, Ricardo Maurício Freire. Hermenêutica e interpretação jurídica / Ricardo Maurício Freire Soares. –
4. ed. – São Paulo : Saraiva Educação, 2019.
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Nas pedagógicas palavras de Carlos Maximiliano3, “a hermenêutica jurídica tem por


objeto o estudo e a sistematização dos processos aplicáveis do direito, para determinar o
sentido e o alcance das expressões de direito”, afirmando ainda que interpretar “é determinar
o sentido e o alcance das expressões de direito”. Notem que o citado autor usa exatamente as
mesmas palavras para definir o que entende por hermenêutica e por interpretação.
Devemos entender que só podemos interpretar as normas jurídica em um contexto
amplo, porquanto tomada de forma isolada a norma é só um texto, pois para a construção das
normas, é necessário que se antevejam as diversas implicações sociais, históricas, políticas e
ideológicas que pariram a norma. A interpretação, é verdade, parte da norma, mas deve ir
além dela, sem, contudo, sair dela.
2. Ordenamento Jurídico
Como vimos até aqui, a norma é uma categoria fundamental para o direito. Mas não
podemos entender esse fenômeno de forma isolada, porque as normas jurídicas formam um
complexo de normas jurídicas. Mais uma vez, valemo-nos da lição de Alysson Mascado para
explicar isso, vejamos:
[...] O direito não é composto de apenas uma norma. Pelo contrário, nos
tempos modernos e contemporâneos, os Estados legislam se valendo de
uma infinidade de normas jurídicas, não se pode imaginar que em
nenhuma sociedade atual o direito pudesse ser reduzido a apenas uma
norma. Por isso, uma importante etapa dos estudos jurídicos deve se
devotar a compreender o conjunto das normas jurídicas [...]

Assim, as normas jurídicas devem ser consideradas como parte de um ordenamento


jurídico, na medida em que outras normas jurídicas também estão contidas nesses
ordenamento. As normas que compõem um ordenamento jurídico estão dispostas em que se
guarda a superioridade hierárquica das normas constitucionais, na medida que são exatamente
estas normas que vão conferir validade jurídica.
Assim:
[...] o conjunto das normas jurídicas tem, no seu mais alto grau
hierárquico, as normas da Constituição Federal. Por isso, podemos dizer,
todas as demais normas do ordenamento jurídico somente serão válidas se
estiverem de acordo com os procedimentos, as competências e as
estipulações das normas constitucionais (MASCARO, 2013, p. 119).

A Constituição funciona como o fundamento de validade normas jurídicas quem


compõem o ordenamento jurídico. Assim, fala-se no princípio da Supremacia da Constituição

3
MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito / Carlos Maximiliano. - 21. ed. – Rio de Janeiro:
Forense, 2017.
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sobre as normas hierarquicamente inferiores a ela. Ou seja, uma norma para ser válida, e,
portabnto, produzir seus efeitos jurídicos deve estar em absoluta sintonia com as normas
constitucionais, do contrário, pode ser considerada incompatível com a Constituição e
declarada não recepcionada ou inconstitucional.
3. TEORIA GERAL DA NORMA JURÍDICA
A partir deste ponto, passaremos a abordar elementos conceituais acerca da norma
jurídica. Vejamos.
3.1. Conceito de Norma Jurídica
Podemos definir norma jurídica como sendo:
[...] o instrumento de definição da conduta exigida pelo Estado. Ela
esclarece ao agente como e quando agir. O Direito Positivo, em todos os
sistemas, compõe-se de normas jurídicas, que são padrões de conduta ou
de organização social impostos pelo Estado, para que seja possível a
convivência dos homens em sociedade. São fórmulas de agir,
determinações que fixam as pautas do comportamento interindividual.
Pelas regras jurídicas o Estado dispõe também quanto à sua própria
organização. Em síntese, norma jurídica é a conduta exigida ou o modelo
imposto de organização social. (NADER, 2014, p. 100)

Podemos asseverar ainda que as normas jurídicas são “são padrões de conduta ou de
organização social impostos pelo Estado, para que seja possível a convivência dos homens em
sociedade” (NADER, 2014, p. 100). Em resumo, podemos afirmar que a norma jurídicas é a
representação material daquilo que o Estado quer que façamos ou que não façamos, o que
expressa, o modelo social que nos é imposto por essas normas.
3.1. Estrutura Lógica da Norma Jurídica
A estrutura da norma jurídica diz respeito aos elementos que compõe a norma
jurídica na sua formulação. Adotaremos aqui a catalogação feita por Paulo Nader4, de modo
que vermos como se concebe a estrutura lógica da norma a partir de duas visões teóricas: a de
Hans Kelsen e a de Carlos Cossio.
3.1.1. Concepção de Kelsen.
Segundo o autor da Teoria Pura do Direito , a estrutura lógica da norma jurídica pode ser
enunciada do modo seguinte: em determinadas circunstâncias, um determinado sujeito deve
observar tal ou qual conduta; se não a observa, outro sujeito, órgão do Estado, deve aplicar ao
infrator uma sanção.Da formulação kelseniana, infere-se que o esquema possui duas partes,
que o autor denomina por “norma secundária” e “norma primária”. Com a inversão
4
Todo o texto que compõe o presente tópico foi extraído e aqui reproduzido "ipsis litteris" do manual do jurista
Paulo Nader.
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terminológica efetuada em sua obra Teoria Geral das Normas, publicada post mortem, a
primeira estabelece uma sanção para a hipótese de violação do dever jurídico. A primária
define o dever jurídico em face de determinada situação de fato.
Reduzindo à fórmula prática, temos:
a) Norma secundária: “Dado ñP, deve ser S” – Dada a não prestação, deve ser aplicada a
sanção.
Exemplo: o pai que não prestou assistência moral ou material ao filho menor deve ser
submetido a uma penalidade.
b) Norma primária: “Dado Ft, deve ser P” – Dado um fato temporal deve ser feita a prestação.
Exemplo: o pai que possui filho menor, deve prestar-lhe assistência moral e material.
Hans Kelsen distinguiu proposição normativa de norma jurídica. A primeira é um juízo
hipotético o qual enuncia que, “sob certas condições ou pressupostos fixados por esse
ordenamento, devem intervir certas consequências pelo mesmo ordenamento determinadas”.
Em outras palavras, a proposição jurídica é a linguagem que descreve a norma jurídica. Esta
não foi considerada juízo lógico, conforme alguns autores apontam, mas um mandamento ou
imperativo: “As normas jurídicas, por seu lado, não são juízos, isto é, enunciados sobre um
objeto dado ao conhecimento. Elas são antes, de acordo com o seu sentido, mandamentos e,
como tais, comandos, imperativos”.
3.1.2. O Juízo Disjuntivo de
O renomado jusfilósofo argentino concebeu a estrutura das regras jurídicas como um juízo
disjuntivo, que reúne também duas normas: endonorma e perinorma.
Esta concepção pode ser assim esquematizada. “Dado A, deve ser P, ou dado ñP, deve ser S”.
A endonorma corresponde ao juízo que impõe uma prestação (P) ao sujeito que se encontra
em determinada situação (A) e equipara-se à norma primária de Kelsen. Exemplo: o indivíduo
que assume uma dívida (A), deve efetuar o pagamento na época própria (P). A perinorma
impõe uma sanção (S) ao infrator, isto é, ao sujeito que não efetuou a prestação a que estava
obrigado (ñ). Corresponde à norma secundária de Kelsen. Exemplo: o devedor que não
efetuou o pagamento na época própria deverá pagar multa e juros.
Carlos Cossio não concordou com o reduzido significado atribuído por Kelsen anteriormente
à norma secundária, que prescrevia a conduta obrigatória, lícita. Enquanto a norma primária e
a secundária se justapõem, a endonorma e a perinorma estão unidas pela conjunção ou.
4. CARACTERÍSTICAS DA NORMA JURÍDICA
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A norma jurídica possui certos caracteres que servem não só para ajudar na sua
definição, mas também para diferenciá-la de outras espécies de normas, tais quais as normas
morais. Assim, a nrorma jurídica se notabiliza em função da sua bilateralidade, generalidade,
abstratividade, imperatividade e coercibilidade. Analisemo-las.
4.1. Bilateralidade: significa, pois, que a norma jurídica possui dois lados: um representado
pelo direito subjetivo e outro pelo dever jurídico, de tal sorte que um não pode existir sem o
outro. Em toda relação jurídica há sempre um sujeito ativo, portador do direito subjetivo e um
sujeito passivo, que possui o dever jurídico.
4.2. Generalidade. O princípio da generalidade revela que a norma jurídica é preceito de
ordem
geral, obrigatório a todos que se acham em igual situação jurídica. A importância dessa
característica levou o jurisconsulto Papiniano a incluí-la na definição da lei: Lex est generale
praeceptum. Da generalidade da norma jurídica deduzimos o princípio da isonomia da lei,
segundo o qual todos são iguais perante a lei.
4.2.3. Abstratividade. Visando a atingir o maior número possível de situações, a norma
jurídica é abstrata, regulando os casos dentro do seu denominador comum, ou seja, como
ocorrem via de regra. Se o método legislativo pretendesse abandonar a abstratividade em
favor da casuística, para alcançar os fatos como ocorrem singularmente, com todas as suas
variações e matizes, além de se produzirem leis e códigos muito mais extensos, o legislador
não lograria o seu objetivo, pois a vida social é mais rica do que a imaginação do homem e
cria sempre acontecimentos novos e de formas imprevisíveis. Benedetto Croce, ao formular a
noção da lei, refere-se à sua condição abstrata: “lege è un atto volitivo che ha per contenuto
una serie o classe di azioni”.6 Tanto a generalidade quanto a abstratividade, embora
constituam características típicas das normas jurídicas, não chegam a ser essenciais a estas,
como anota Massimo Bianca, pois há situações especiais em que as normas se revelam
individuais e concretas.
4.2.4. Imperatividade. Na sua missão de disciplinar as maneiras de agir em sociedade, o
Direito deve representar o mínimo de exigências, de determinações necessárias. Para garantir
efetivamente a ordem social, o Direito se manifesta através de normas que possuem caráter
imperativo. Não fosse assim, o Direito não lograria estabelecer segurança, nem justiça. A
norma não imperativa não pode ser jurídica.
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A matéria contida nas leis promulgadas durante a Revolução Francesa, relativas à


definição do bom cidadão ou à existência de Deus, não possui juridicidade. O caráter
imperativo da norma significa imposição de vontade e não mero aconselhamento. Nas normas
de tipo preceptivo e proibitivo, segundo impõem uma ação ou uma omissão, a imperatividade
se manifesta mais nitidamente. Já em relação às normas explicativas ou declarativas,
conforme salienta Groppali, é menos fácil de se descobrir a imperatividade.8 Nesses casos
esta característica existe na associação de duas normas, ou seja, na vinculação entre a norma
secundária (explicativa ou declarativa) e a primária (objeto da explicação ou definição).
4.2.5. A Coercibilidade. Coercibilidade quer dizer possibilidade de uso da coação. Esta
possui dois elementos: psicológico e material. O primeiro exerce a intimidação, através das
penalidades previstas para a hipótese de violação das normas jurídicas. O elemento material é
a força propriamente, que é acionada quando o destinatário da regra não a cumpre
espontaneamente.
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Referências
FERRAS JUNIOR, Tercio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão,
dominação, São Paulo: Atlas, 2003.
MASCARO, Alysson Leandro. Introdução ao Estudo do Direito. São Paulo: Atlas. 2013.
NADER, Paulo Introdução ao estudo do direito / Paulo Nader – 36.a ed. – Rio de Janeiro:
Forense, 2014.

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