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Universidade Federal de Lavras

Núcleo de Estudos de Direito, Argumentação e Justiça


Coordenador: Leonardo Gomes Penteado Rosa
Tutorial I – O método de leitura estrutural e o direito como ação

A utilidade do método de leitura estrutural no ensino jurídico do direito como ação


Gabriel Alves Pessoa

O método de leitura estrutural é mais que um método de leitura. É, para além


disso, um método de estudo. Adequado especialmente para a compreensão de sistemas
filosóficos que só podem ser compreendidos através da leitura dos textos nos quais os
movimentos argumentativos, que dão forma à estrutura desse sistema, foram inscritos.
Nesse sentido, o método estrutural pode ser concebido como a atividade de recuperação
da coerência e da lógica interna de um texto, ou seja, é a busca do tempo lógico interno
que é próprio do sistema filosófico.1 Portanto, não é simples método de leitura ou de
estudo, mas uma atitude do leitor-filósofo, que em si mesma pode ser considerada
filosófica, de esforço intelectual para compreender os argumentos de um sistema através
da sua própria racionalidade filosófica.
Sem dúvidas o método estrutural constitui bom caminho para acessar os sistemas
filosóficos e para desenvolver a aptidão filosófica naqueles interessados em iniciar-se na
Filosofia. Isto porque desenvolve as habilidades intelectuais necessárias para a leitura de
textos difíceis e para a análise estrutural de argumentos, fundamentais para o raciocínio e
para o pensamento de modo geral. Logo, o método estrutural se mostra útil para compor
um programa de ensino filosófico. E, nesse sentido, é útil também para o ensino jurídico.
Pois o jurista, tal qual o leitor estrutural, deve buscar encontrar e compreender as razões
internas que guiam as teorias do direito e sobre o direito, cuja a estrutura está num texto,
para que a partir dessas razões se fundamentem os direitos e se tomem decisões.
Mas o método de leitura estrutural é habilidade suficiente para compor com
sucesso um programa de ensino jurídico que compreende o direito como ação? Para
responder essa pergunta é necessário pensar duas questões. Primeiro qual é a alternativa
ao método estrutural. Segundo, o que significa compreender o direito como ação.
O método estrutural é compreendido pela independência que dá ao tempo lógico
do texto e do movimento argumentativo de sua estrutura em relação ao seu tempo
histórico.2 Isto é, existe um tempo cronológico ou histórico, cujo autor viveu e escreveu
em que o...

1
MACEDO JR, Ronaldo Porto. O método de leitura estrutural. in Cadernos Direito GV, v. 4, n. 2,
março, 2007.
2
GOLDSCHMIDT, Victor. Tempo Histórico e Tempo Lógico na Interpretação dos Sistemas Filosóficos.
in A Religião de Platão. Prefácio introdutório Oswaldo Porchat Pereira, Trad. por Ieda e Oswaldo Porchat
Pereira. 2 ed. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1970.

italico no nome do livro, aspas no capítulo


o texto, influenciado por questões de sua época. E existe dentro do próprio texto um tempo
lógico, que não coincide necessariamente com o seu tempo histórico, porque este é
externo enquanto aquele é interno. Portanto, o tempo lógico é próprio do texto, ditado por
sua racionalidade filosófica e não pelo tempo histórico de seu autor. É o tempo lógico que
faz o texto ser independente de seu próprio autor. Em contrapartida, o método histórico-
genético é aquele que pretende compreender a Filosofia de um filósofo considerando o
contexto histórico de sua vida. Questões sobre política, economia, sociedade e moral,
deixadas de fora da análise do método estrutural, ganham relevância através da
importância do tempo histórico para esse método.3 Enquanto o método histórico-genético
não separa a pessoa do filósofo e o filósofo de sua Filosofia, o método estrutural se volta
apenas para a lógica interna do texto, transcrita na estrutura do sistema filosófico e
independente da vida pessoal de seu autor. disponível

Para compreender o direito como ação precisamos antes entender sua


contrapartida, que é o direito como normas. O direito como normas ou as teorias do direito
como normas, definem o direito como um conjunto de normas estabelecidas para regular
e guiar o comportamento. Como uma lista de coisas permitidas e proibidas. O elemento
central dessa teoria são as próprias normas e os juristas devem limitar-se a descrevê-las,
moral sem exercer qualquer valoração sobre elas. Um exemplo de teoria do direito como normas
é a teoria positivista de H. L. A. Hart que descreve o direito como uma união entre regras
primárias que impõe dever e regras secundárias que outorgam poder.4 O direito como
somente
ação ou as teorias do direito como decisão, se preocupam não com a questão de conhecer
as regras, como o direito como normas, mas com a questão sobre o que é seguir as regras.5
O elemento central dessa teoria não são mais as regras, mas o processo argumentativo e
deliberativo que antecedem sua aplicação. Uma teoria da decisão pressupõe uma teoria
das normas. Mas enquanto a última diz que o direito é só um conjunto de normas, a teoria
da decisão dirá que o direito são as normas e o que os juristas fazem (decidem) delas.
Logo, a atividade própria do jurista é decidir o que é o direito ou quais são os direitos de
um caso em questão. Um exemplo de teoria do direito como decisão é a teoria do direito

3
BERTI, Enrico. Perfil de Aristóteles, São Paulo: Paulus, 2012. pp. 7-8.
4
HART, H. L. A. O conceito de direito. 2 ed. Trad. Por Antônio Sette-Camâra. São Paulo: Martins
Fontes, 2009.
5
LOPES, José Reinaldo de Lima. Entre a teoria da norma e a teoria da ação. In Storck, Alfredo Carlos;
Lisboa, Wladimir Barreto (org). Norma, moralidade e interpretação: temas de filosofia política e direito.
1ed. Porto Alegre: Linus Editores, 2009.
como integridade de Ronald Dworkin.6 Através de uma interpretação construtiva das
regras (como no exercício imaginário de quem escreve um romance em cadeia, onde em que
recebe parte de um romance escrito e tem que continuar a escrever a história de modo a
manter sua coerência interna) é que se decide o que é o direito e quais são os direitos de
um determinado caso.
Nesse sentido, compreendido o que é o método estrutural e seu contra ponto – o
método histórico-genético, e o que é direito como ação ou decisão e sua contrapartida –
o direito como regras, podemos pensar sobre a questão inicial. O método estrutural é
suficiente para o sucesso do ensino jurídico do direito como ação? Ou é necessário
conhecer o filósofo por trás do texto e o contexto histórico de sua vida para decidir qual
é ou o que é o direito? O método estrutural é sem dúvidas importante para o leitor ou para
o jurista compreender um sistema filosófico, um texto teórico sobre o direito ou as razões
internas de um conjunto de regras jurídicas. Porque quem compreende a doutrina de um
filósofo compreendeu suas razões ou sua lógica interna.
Por conseguinte, o método de leitura estrutural é interessante para o ensino do
direito como ação, enquanto um sentido de direito sobre o que fazer com as regras. Pois
aquele que tem a habilidade para entender a lógica de um argumento tem a capacidade
intelectual para identificar as razões de uma regra para decidir a partir dela o que é o
direito, ou quais são os direitos em questão, ou de quem é o direito em determinado caso.
Logo, se precisamos escolher entre um dos métodos para o ensino do direito como ação,
devemos escolher aquele que fornece essas habilidades. Então, deveremos escolher o
método estrutural. Ele é um caminho interessante para compor com sucesso um programa
de ensino jurídico do direito como ação porque dá as habilidades para identificar as razões
e para fundamentar os direitos – habilidades necessárias para decidir. Mas se não
precisamos escolher entre um ou outro, o método histórico-genético, enquanto método
que pretende conhecer um sistema considerando seu contexto, pode servir como método
auxiliar ao método estrutural. Pois embora ele não seja capaz de, sozinho, desenvolver
essas habilidades, poderá oferecer a compreensão dos porquês de o autor escrever o que
escreveu. Isto é, quais são suas motivações por trás de seu sistema filosófico. A Filosofia
pode ser independente de seu filósofo, mas isso não significa que ela se desenvolva no
vácuo, isolada da realidade que seu autor se insere. E essas também são questões
importantes para se decidir o direito.

6
DWORKIN, Ronald. O império do direito. 1 ed. Trad. por Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins
Fontes, 1999.

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