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A psiquiatria clássica definia a paranóia simplesmente como uma crença falsa, sendo o delírio sua
característica predominante. Karl Ludwig Kahlbaum (1828-1899) descreveu a paranóia como
síndrome psiquiátrica em 1863. Para ele, a paranóia era uma doença mental parcial que ao longo do
tempo interfere no intelecto e é de permanência imutável. Desde então a paranóia ficou conhecida
como uma doença delirante, imutável ao longo do tempo, portanto designava delírios primários,
crônicos e sistematizados.
Kraepelin (1915), um grande sistematizador da nosografia psiquiátrica, acreditava que havia três tipos
de transtornos paranóides:
1.Paranóia – doença crônica e rara caracterizada por um fluxo de delírios fixo, falta de alucinações
deteriorações da personalidade.Os tipo de delírios observados incluíam os persecutórios,de
ciúmes,somáticos grandiosos e hipocondríaco.
2.Parafrenia – desenvolveu-se mais tarde que a esquizofrenia e era mais leve, pois mesmo
apresentando alucinações não havia deterioração mental.
3.Demências Paranóides – era como a paranóia, mas tinham um início mais precoce e causava
deterioração mental. Ele as considerava como uma forma de demência precoce por causa das
desordens cognitivas, de pensamento e emoção.
Também considerava os sintomas paranóides em outras variedades de doenças médicas e
psiquiátricas.
Bleuler também identificou a paranóia e Freud ajudou a contribuir para a formação de sua etiologia.
Ernest Kretschmer fez uma correlação entre a paranóia e a personalidade, afirmando em sua teoria
sobre o assunto que algumas personalidades mais sensíveis depressivas, pessimistas e narcisistas
desenvolviam sintomas paranóides em momentos críticos da vida. Porém, tinham prognóstico
favorável e não desenvolviam esquizofrenia.
A confusão em torno do termo paranóia levou a psiquiatria a tentar esclarecer o conceito e torná-lo
clinicamente útil. Cromberg (2000) faz um apanhado de alguns pontos que a psiquiatria considera
importante analisar para se trabalhar com o termo:
a)O termo paranóia é um constructo clínico utilizado para interpretar observações e refere-se a uma
conduta psicopatológica, sendo necessário o conhecimento do termo para utilizá-lo.
b)Implica clínico de psicopatologia.
c)Seus sintomas podem aparecer em outras patologias psiquiátricas e médicas, envolvendo fatores
neurológicos, fisiológicos, uso de drogas e outras substâncias psicoativas.
d)O julgamento de condutas paranóides baseia-se em seu aspecto extremista, de inadequação social
e da presença de delírios.
e)Os termos delírio paranóide, parafrenia e transtorno paranóide não são mais usados. As
terminologias relacionadas à paranóia, além do próprio termo, são transtornos delirantes, paranóide
e paranóico, personalidade e síndrome paranóide.
Referências:
American Psychiatric Association (2003). Referência Rápida aos Critérios Diagnósticos do DSM-IV-
TR. (4ª ed. revisada). Porto Alegre: Artmed.
Bell, D.(2003).Paranóia.Rio de Janeiro:Duetto.
Calligaris, Contardo. (1989). Introdução a uma Clínica Diferencial das Psicoses. Porto Alegre: Artes
Médicas.
Cromberg, Renata U. (2000). Paranóia. São Paulo: Casa do Psicólogo.
Hillman, James. (1993). Paranóia. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes.
O diagnóstico da paranóia
Podemos optar entre duas formas de realizar um diagnóstico: Observar o sintoma do sujeito, ou
escutar o sujeito do sintoma. Os manuais para diagnóstico CID e DSM nos fornecem uma relação de
sintomas observáveis e seus correspondentes transtornos mentais. Dessa forma, podemos observar
os sintomas para fazer um diagnóstico que irá orientar a clínica com o paciente.
Se por um lado podemos, para realizar um diagnóstico, nos deter em observar os sintomas
apresentados pelo paciente paranóico, por outro podemos escutar o sujeito desses sintomas, sendo
a psicanálise um meio. Para a psicanálise, a paranóia pertenceria ao grupo das psicoses. Tanto as
neuroses quanto as psicoses são estruturações de defesa, e a diferença entre elas residiria no modo
como o sujeito se defende da Demanda imaginária do Outro. (Calligaris, 1989). Se para a psiquiatria
um diagnóstico de “Transtorno Delirante” é feito com base na observação de fenômenos – ausência
ou presença de delírios bizarros – para a psicanálise o diagnóstico é realizado na transferência, de
modo que o delírio não é a doença em si, mas apenas o modo pelo qual o paranóico pode dar sentido
ao mundo. Como afirma Freud(1911), "a formação delirante, que presumimos ser o produto
patológico, é, na realidade, uma tentativa de restabelecimento, um processo de reconstrução”. Os
delírios, na paranóia, costumam estar associados a mecanismos de projeção, sendo que o conteúdo
é projetado no objeto por ser intolerável ao sujeito, fazendo com que esse objeto se torne ameaçador
(Bell, 2005). No entanto, cabe ressaltar que a projeção não é um mecanismo exclusivo da paranóia,
estando presente tanto na estrutura neurótica quanto na psicótica. Freud afirma, a partir de um estudo
sobre o caso Schreber, que toda a paranóia pode ser representada a partir de negações sobre a
proposição “Eu (um homem) o amo (um homem)” (Bell, 2005). Se a negação é posta sobre o verbo,
temos o delírio de perseguição: “eu o odeio porque ele me persegue”. Quando a negação é posta
sobre o sujeito, “não sou eu que o amo, é ela quem o ama” - base do delírio de ciúmes. E se a negação
é posta no objeto é “ele que me ama” (Freud, 1911). Às idéias iniciais de Freud seguiram-se outros
autores que trouxeram contribuições bastante relevantes ao entendimento da paranóia, entre
eles Jacques Lacan.
Referências:
Bell, D. (2005). Paranóia. Rio de Janeiro: Relume Dumará: Ediouro: Segmento-Duetto.
Calligaris, C. (1989). A estrutura psicótica fora de crise. Em: Introdução a uma clínica diferencial das
psicoses. Porto Alegre: Artes Médicas.
Classificação de transtornos mentais e de comportamento da CID-10: descrições clínicas e diretrizes
diagnósticas. Porto Alegre: Artes Medicas, 1993.
Freud, S. (1987). Edição Standard brasileira das Obras psicológicas completas de S. F. Rio de
Janeiro: Imago. “Notas psicanalíticas sobre um relato autobiográfico de um caso de paranóia
(dementia paranoides)” (1911c);
Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais - DSM-IV-TR (4ª ed., texto revisado). Porto
Alegre: Artes Médicas, 2002.
Karine Puntel