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Logo ficou claro para mim que as sessões por telefone pode
riam complementar as sessões presenciais, mas eu hesitei por
320 "ANÁLISE POR TELEFONE" (VARIAÇÕES NA SITUAÇÃO PSICANALÍTICA)
Fenômenos imaginários
A presença do analista
Pode-se contestar que o analista concede sua presença, mas
eu acredito que sua presença inicialmente é subentendida
por sua escuta, e que sua escuta é simplesmente a condição
da fala. Por que a técnica analítica deveria solicitar que ele
faça sua presença tão discreta se esse não fosse, de fato, o
caso ?
Lacan (2006, p. 618)
A linguagem do corpo
Enquanto o discurso do sujeito poderia, possível e
ocasionalmente, ser enquadrado nas perspectivas analíticas ·
iniciais, por servir como isca, ou até como obstáculo,
à revelação da verdade, enquanto [seu discurso] serve
como um sinal de que ele agora está permanentemente
desvalorizado ... Parece que qualquer outra manifestação da
presença do sujeito, logo terá que ser designada por ele: sua
apresentação na chegada e maneira de andar, a simulação de
seus modos, e a forma com que ele nos deixa.
Lacan (2006, p. 337)
Tudo isso não foi para dizer que o trabalho analítico por telefo
ne não apresenta desafios em si. Algumas vezes é difícil saber, por
exemplo, se a paciente está rindo ou chorando (alguns sons que
fazemos em determinados momentos podem parecer iguais), e o
analista não pode assumir que sabe o que é. Nas primeiras sessões
realizadas frente a frente, ao olhar para a paciente, o analista pode
sempre avaliar se ela está sendo irônica, sarcástica, brincalhona ou
séria (embora sua avaliação possa estar errada algumas vezes, es
pecialmente quando a paciente faz "cara de pôquer"). Isso é quase
impossível por telefone - assim como é quase impossível quando a
paciente está no divãu - e o analista precisa prestar atenção às me
nores deixas que ela der, tais como mudanças repentinas na respi
ração, sussurros junto com risadas, e mudança na forma típica que
a paciente se expressa. Em resumo, o analista deve, como sempre,
aproveitar ao máximo o que ela disponibiliza a ele, dado o cons
trangimento e os parâmetros da situação. No trabalho presencial,
a paciente faz um gesto com a mão, ou abre a boca como se fosse
dizer algo e depois para, e, por telefone, o único meio disponível é
o som, então o analista deve ficar atento aos momentos em que a
paciente respira e parece que vai dizer alguma coisa e para. É pos
sível que nos surpreendamos com o quanto pode ser apreendido12
se prestarmos atenção a essas coisas.
Análise por telefone sem dúvida não é para todo mundo. Al
guns pacientes precisam do tipo de ligação libidinal com o analis
ta, que só é obtida pessoalmente, para se envolverem no trabalho
analítico, a ausência da transferência erótica baseada na visão leva
a praticamente nenhuma transferência em si, nesses casos (isso
pode ser combatido em certos casos, embora pouco frequente, por
sessões presenciais regulares). Outros pacientes acham a presença
física do analista reconfortante, sentindo necessidade não apenas
da escuta atenta, mas de olhares interessados; esses pacientes geral
mente não falam livremente no início de suas análises e vão crian
do confiança no analista baseada em sua presença praticamente
infalível nas sessões, e na espera resignada para que possam falar,
do que baseada na escuta atenta.
Notas
1 . A severidade climática na maior parte da América do Norte sur
preenderia muitas pessoas de outras partes do mundo; os únicos
obstáculos que impediriam os pacientes de chegar às sessões, que
são de certa forma comparáveis com a Europa, em minha experiên
cia, são as greves de transportes públicos que imobilizam cidades
por semanas a fio.
ao analista que ele parece doente, por exemplo, o que ela poderá
fazer se ele disser, "Sim, estou doente"? Ela iria sentir pena dele
e preferir não demandar demais? Será que ela sentiria que não
deveria tomar muito seu tempo? A resposta autorreveladora do
analista ("Sim, estou doente") situa o comentário da paciente no
nível imaginário, ao assumir que foi dirigido a ele e é de fato sobre
ele. Quando uma das minhas pacientes me falou que eu parecia
cansado, respondi, "Cansado?". Após uma pausa, a paciente re
fletiu, "Talvez eu sempre ache que as pessoas estão cansadas de
me ouvir"; "Sempre acho que estou amolando alguém': Por não
assumir que o comentário foi necessariamente sobre mim, e para
eu evitar me autorrevelar, consegui situar o comentário da pa
ciente no nível simbólico e chegar a algo mais significativo do
que ajudá-la a saber se ela supostamente sabe quando suas per
cepções sobre as pessoas estão corretas ou não (os analistas algu
mas vezes parecem pensar que eles deveriam tentar ajudar seus
pacientes a melhorarem o "teste de realidade" desse modo, como
se a realidade fosse uma coisa direta e clara; ver Capítulo 9). Uma
simples reiteração aqui ("Cansado?") possibilitou que a paciente
articulasse algo importante sobre como ela se via em relação a ·
"É tão fácil, nesse tipo d e situação, impor algum sentimento pes
soal naquilo que é dito para o paciente, que rapidamente passa a
buscar simpatia ao invés de dá-la. Os pacientes não estão interes
sados nas tragédias pessoais de alguém; certamente não quando
eles estão no meio de suas próprias. Assim, os sentimentos dos
terapeutas podem ser mostrados, mas apenas objetivamente, sob
total controle, inteiramente a serviço do paciente" (p. 26).
Outra paciente de Renik comentou que ela achava que "ele tinha
um grande interesse pessoal de não ser visto como dominador e
injusto" e que, quando ela o viu "daquele jeito, com ou sem razão,
[ele foi] rápido, reagiu e tentou resolver"; ela achou que isso
"tinha a ver com a maneira dele ouvi-la algumas vezes" (p. 532).
Em outras palavras, quando ela o confundiu com alguém do seu
passado, que considerava dominador e injusto, ele teria usado a
autorrevelação para se esquivar da transferência! O fato de Renik
recomendar a autoàevelação em curso a todos os analistas, em
todos os casos, sugere que ele havia abandonado a maior parte
do conceito de transferência. Há outras formas de "solicitar ativa
mente as observações da paciente sobre o funcionamento pessoal
do analista, dentro da relação terapêuticà' (p. 529) e dessa forma
aprender com a paciente e não pela autorrevelação sistemática.
9. Note que embora Freud ( 1 909/1955, pp. 166- 167), no caso do Ho
mem dos Ratos, tenha observado que, quando o paciente lhe con
tou a história da tortura do rato, "seu rosto ficou com uma expres
são muito estranha e complexà; e continuado dizendo, "eu pude
apenas interpretar como uma expressão de horror em seu próprio
prazer, do qual ele próprio não tinha consciêncià; ele não inter
pretou isso diretamente ao Homem do Rato, mas simplesmente
anotou mentalmente. Precisamos cuidar para não nos precipitar
mos às conclusões acerca do significado de alguma coisa na análise,
incluindo a fala do paciente, expressões faciais, gestos e posturas.
10. Podemos pensar que, à medida que o olhar é uma das formas
tomadas pelo objeto a no trabalho de Lacan (para discussão de
talhada de objeto a, ver Fink, 1995, pp. 83-97), a análise não pode
prosseguir sem a presença do olhar do analista. Deixe-me recor
dar, primeiro, que a lista de Lacan dos possíveis avatares do objeto
a é bastante extensa, incluindo a voz, o olhar, o seio, o falo imagi
nário, o monte de excremento, o fluxo urinário, o fonema, e o nada
(Lacan, 2006, p. 8 17). Note que, embora muitos, se não todos, esses
objetos sejam discutidos longamente em análise, somente poucos
deles estão geralmente presentes, o monte de excremento e o
fluxo urinário sendo os menos bem-vindos no consultório -
340 "ANÁLISE POR TELEFONE" (VARIAÇÕES NA SITUAÇÃO PSICANALÍTICA)
12. O analista deve, claro, prestar tanta atenção quando estiver ao te
lefone quanto durante as sessões presenciais. Ele não deve apro
veitar que a paciente não o vê para ler, devanear ou se envolver em
qualquer outra atividade que tire sua atenção de seu trabalho com
a paciente.
15. Como Freud ( 1 905a/ 1 953, p. 77) disse, "Quem tem olhos para ver
e ouvidos para ouvir pode ficar certo de que nenhum mortal con
segue manter um segredo': E conforme Lacan (2006, p. 386) disse,
''A repressão não pode ser separada do retorno do material repri
mido em que o sujeito chora, por todos os poros de seu ser, aquilo
que não pode falar': O fato de que "a verdade aparecerá" talvez se
deva, pelo menos de alguma forma, à ideia de que analistas de
diferentes linhas parecem ter no mínimo algum sucesso, mesmo
quando eles ignoram os trabalhos básicos dos sonhos como fo
ram conceituados por Freud e Lacan, voltando aos métodos pré
-psicanalíticos da interpretação do sonho. Muitos analistas não
fazem qualquer uso daquilo que os pacientes querem dizer, e nem
mesmo solicitam a eles associações aos seus sonhos, confiando
somente em suas interpretações sobre as "imagens" encontradas
nos sonhos (como se essas imagens não fossem transmitidas em
palavras para o analista), como é comum entre os Jungianos, ou
nas analogias que podem ser feitas entre as histórias relatadas nos
sonhos (não que todos os sonhos tenham uma história discer
nível) e aquilo que acontece na análise ou na vida cotidiana da
paciente (para ver um exemplo, Casement, 199 1 , p. 95). Podemos
levantar a hipótese de que, enquanto esses analistas manifestam
sua ânsia ou desejo de ouvir os sonhos e trabalhar com eles, o
inconsciente da paciente encontra uma forma de falar em uma
linguagem compreensível ao analista para quem ele se dirige. Se o
analista não captar o fato de que a pergunta "Por quê?" está sendo
apresentada no sonho por uma escada que se divide formando a
letra Y (Casement, 1991, p. 37, menciona esse exemplo proferido
por Bion como uma ilustração da noção de "rêverie", ao invés de
como um exemplo para prestar atenção à letra do discurso da pa
ciente, e ouvir a homofonia e o duplo sentido que ele exerce), en
tão o inconsciente tentará encontrar outros caminhos pelos quais
comunicar ao analista o desejo que busca expressão no sonho.
De fato, como Lacan (2006, pp. 623-629) nos contou, um sonho
é projetado não apenas para cumprir um desejo, mas para ter o
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