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Lançando mão das contribuições da disciplina introdução as teorias e técnicas

psicoterápicas, tentaremos estabelecer uma compreensão do sofrimento de Carlos através


da psicanálise.

A disciplina introdução as teorias e técnicas psicoterápicas corroboram para uma maior


compreensão das psicoterapias que são utilizadas desde os tempos mais remotos da
humanidade. Conhecida como a cura pela fala, esta prática utilizada pela psicologia utiliza a
comunicação verbal através de um profissional treinado e influencia um paciente a obter
alívio para um sofrimento de natureza psíquica
A disciplina destaca fatores comuns que contribuem para o processo psicoterápico um
melhor contato com paciente e o entendimento do fenômeno psíquico proporcionando
assim a diminuição ou alívio dos sintomas. Quais sejam:
● Os fatores do paciente: a motivação capacidade de estabelecer vínculo e aliança de
trabalho;
● Fatores do terapeuta: autenticidade empatia e calor humano;
● Fatores decorrentes da dupla terapeuta e paciente: vínculo.

A vontade de Carlos de se libertar de seu sofrimento fez com que fosse as consultas assim
como o estabelecimento de um vínculo terapêutico contribuiu para que ele rememorasse a
sua história de vida através da fala. Com relação ao profissional podemos dizer que este lhe
ofereceu uma escuta terapêutica sem julgamentos responsável e acolhedora um
incentivando a falar e elaborar seu sofrimento.
A disciplina apresenta também fatores específicos as psicoterapias e para tal o grupo
escolheu a teoria psicanalítica e como técnica uma sucinta introdução amadora para tentar
se aproximar do sofrimento de Carlos;

● Como instrumentação técnica principal a psicanálise utiliza a fala do paciente e


assim a associação livre - técnica criada por Freud - onde o paciente se expressa
sem interferência ou orientação por parte do analista falando ou não falando o que
lhe vier;

Quatro técnicas importantes para a clínica psicanalítica de Lacan:

Inconsciente

Três definições de Lacan


● (1) "O inconsciente é o capítulo de minha história que é marcado por um branco ou
ocupado por uma mentira: é o capítulo censurado" (Lacan, 1953/1998, p. 260);

● (2) "O inconsciente, a partir de Freud, é uma cadeia de significantes que em algum
lugar se repete e insiste" (Lacan, 1960/1998, p. 813);

● (3) "O inconsciente é a soma dos efeitos da fala, sobre um sujeito, nesse nível que o
sujeito se constitui pelos efeitos do significante" (Lacan, 2008, p. 122);

● Para Freud é, grosseiramente, o lugar onde "estão" os representantes ideativos


recalcados, um lugar psíquico. Para Lacan, é um lugar de uma linguagem, um lugar
que advém da cadeia de significantes: o que ele chama de grande Outro.
Repetição

● A repetição pode ser entendida como um ato que abre caminho à atuação (acting
out) - um recado ao analista, de que há um desejo e não uma objetividade, o
inconsciente quer falar algo - e que, de modo geral, se apresenta na análise como
uma força que atualiza componentes psíquicos, quando o analisando repete ou atua
– daí o termo acting out – o que "não pode" ser recordado.

● Em um dos artigos sobre a técnica da psicanálise, Freud (1914/2006a) discute o


movimento do paciente em uma análise: Recordar, repetir e elaborar. Freud
observa, no cotidiano de sua prática, que muitas vezes o mecanismo de recordar é
atravessado pelo elemento da repetição, de forma que o paciente expressa o
elemento reprimido por meio da atuação.

Transferência

● Sujeito Suposto Saber: o paciente chega na clínica sofrendo de algo que ainda é
não-sabido, e sua demanda de tratamento parte do princípio que o outro, o analista,
sabe. Em outras palavras, o paciente supõe que o analista sabe sobre seu
sofrimento. Para Lacan, inicia-se aí o manejo transferencial;

● Freud (1914), a repetição das matrizes infantis produziria um efeito de deslocamento


de afeto de uma representação para outra, não somente para a figura do analista
mas para todas as relações em geral.

Pulsão

● No primeiro capítulo do Seminário, livro 11, Lacan (2008, p. 27) Pulsão, do alemão
Trieb, como já é sabido, foi traduzido erroneamente por Instinto. A diferença entre os
dois estaria justamente no primeiro capítulo dos Três ensaios sobre a teoria da
sexualidade;

● Pela via da sexualidade humana, polimorfa, vemos que, diferentemente da


sexualidade dos animais, a nossa não tem objeto fixo nem pré-determinado. Ela se
satisfaz (parcialmente) pelo objeto da pulsão;

● O objeto não é necessariamente algo estranho: poderá igualmente ser uma parte do
próprio corpo do indivíduo. Pode ser modificado quantas vezes for necessário no
decorrer das vicissitudes que a pulsão sofre durante sua existência, sendo que esse
deslocamento da pulsão desempenha papéis altamente importantes. (Freud,
1915/2006b, p. 128, grifos nossos)
No intuito de melhor entender a diferença entre as duas noções, pulsão e instinto vejamos
este exemplo:

● A necessidade no animal é objeto natural e da ordem do instinto, se falta a ele, ele o


encontra, satisfazendo por inteiro sua necessidade. Ex: se o animal tem sede, tem-
se a água;

● Desejo no homem: o objeto é não-natural e da ordem da pulsão – logo, da ordem do


vazio –, além de nunca ser encontrado em sua plenitude, apenas parcialmente,
nunca fornecendo a satisfação completa das pulsões. A sede pode vir a ser de água,
de refrigerante, de cerveja, de conhecimento, de vingança: uma sede sem fim;

● Todo objeto é passível infinitamente de ser substituído do objeto perdido – de uma


primeira e suposta satisfação completa: o objeto que move e causa o desejo, o que
Lacan intitulou de “objeto a” (objeto inatingível). Por isso pode-se dizer que o desejo
é metonímico, pois ele desliza de forma ininterrupta e incessante sob a cadeia de
significante, nunca sendo capturado pela necessidade.

Neurose, psicose e perversão:


Três posicionamentos diante da vida (falta, uma insuficiência).

● Complexo de Édipo;

Contribuições do caso Carlos na visão de estudantes de psicologia do 6° ano,


utilizando a teoria psicanalítica

Depois desta breve exposição de alguns conceitos sobre a teoria e técnica psicanalítica,
faremos apenas alguns comentários que achamos pertinentes. Desde já, ressaltamos que
esta é a visão de um grupo de estudantes que muito respeitam a psicanálise, assim como
qualquer outra psicoterapia e que preocupamos em não trazer um diagnóstico, ou uma
solução para o sofrimento de Carlos, mas trazer observações em torno da sua dinâmica
familiar e seu contato com o mundo externo - escola, brincadeiras e trabalhos - sendo estes
importantes para a formação da personalidade de Carlos - comentado na teoria da
personalidade - assim como da sua estrutura psíquica. Com relação a esta última, o grupo
prefere não arriscar fazer qualquer diagnóstico - apesar de, no caso, o paciente ser
diagnosticado como neurótico obsessivo - pois para tal, seria necessário um maior contato
com o paciente, ou seja, estabelecermos uma escuta, a relação transferencial para assim
perceber e utilizar as técnicas necessárias.

A rigidez do pai

O pai de Carlos era (relato da sobrinha):


● rigoroso, não era violento, nunca bateu nos filhos, aconselhava muito e exigia bom
comportamento e respeito.
Carlos relata alguns dizeres do pai:
● “ A pessoa tem que ter procedimento e educação. “
● “ Pedia pra a gente manter o nome limpo, pro nome dele continuar limpo até o fim da
vida dele. “
● “ Vocês tem que ser gente de respeito, igual eu. Eu dou bom exemplo para vocês. “
● “ Procedimento, educação e ter ó (mostra a palma da mão direita) coragem para
trabalhar, não pode ser preguiçoso.”
● “ Os irmãos agradeço pelo exemplo que me deram, nenhum abandonou meu pai ou
faltou com respeito. Todos educados e sempre trabalhadores. Não tenho
arrependimento nenhum do jeito como foi a minha infância. “

Observações aqui a presença de alguns significantes advindos do pai de Carlos a ele e


seus irmãos:
1. Procedimento;
2. Educação;
3. Manter o nome limpo, para seu nome continuar limpo;
4. Ser gente;
5. Bom exemplo;
6. Coragem para trabalhar;
7. Nenhum irmão abandonou meu pai, ou faltou com respeito.

Complexo de Édipo:
● Criança de depara com a incompletude da falta;
● Complexo de castração;
● Lacan busca algo que independente da estrutura familiar, há uma condição humana,
a existência da linguagem articula um nós e o mundo;
● Foi o contato de Carlos com a “nomeação da coisa” que é medida pela palavra. A
linguagem é a articulação de um nós com o mundo. Outro ponto, ele trabalha na
fase de seu desenvolvimento infantil e pontuados que o trabalho infantil é crime,
trazendo danos ao desenvolvimento geral da criança.

O controle

Durante a sua infância Carlos não passeou muito, seus pais preocupados, não deixavam
ele e seus irmãos irem para lugares distantes, nem estar na presença de pessoas que
beberam bebidas alcoólicas. Quando saía, Carlos ia acompanhado de dois irmãos mais
velhos.
“ Apesar de todo o controle exercido pelos pais, Carlos não se sentia preso, percebendo
tudo com naturalidade.” (Relato da história de vida)

“ Isso é tradição da família…não é prender não sabe…ninguém nunca desobedeceu meu


pai e minha mãe.” (Carlos)

Aqui, percebemos a naturalidade de Carlos com relação ao controle que a dinâmica familiar
estabelece.

A escola
Carlos saía da escola, almoçava e ia trabalhar. “Nunca ficava, assim, na rua, à toa,
vadiando na rua.” (Carlos).
Na fase infantil, para de estudar no quarto ano primário pois não havia recursos financeiros
para o custeio do transporte. Na fase adulta, tenta estudar novamente, mas, segundo ele, a
relação trabalha-escola gerou cansaço, o que o fez encerrar os estudos.

Ressaltamos neste ponto, logicamente respeitando o contexto social de Carlos, assim como
sua família, mas utilizando-se da responsabilidade social que o psicólogo possui, que o
ECA estabelece como um direito inalienável de toda criança o acesso à educação, sendo
este um elemento extremamente importante para a formação e o desenvolvimento
cognitivo, social, emocional e psicológico da pessoa humana. Carlos sai da escola na 4°
série do primário.

Relacionamentos com as pessoas

● Quando criança, não comenta sobre brincar em casa ou no trabalho, apenas no


trabalho;
● Em seus relatos, sua irmã e a sobrinha o descrevem como calmo e trabalhador;
● Carlos, em sua história de vida, até seu último emprego, descreve sua relação com
as pessoas, como sendo boa.

Pontuamos aqui que Carlos não comenta sobre brincar em casa ou na escola, sendo que
seu único local para tal é o trabalho. Na psicologia estudamos a importância do brincar para
criança, na psicanálise Winnicottiana, o brincar se assemelha ao falar do adulto, é
terapêutico.

O trabalho na infância

Caçula de uma família de 10 filhos e pais lavradores, Carlos cresceu em meio a uma
dinâmica familiar pobre onde o trabalho, segundo o relato de sua história de vida, não era
imposto pelo pai, fazia porque gostava e se achava no seu dever.
Começou a trabalhar aos 8 ou 10 anos e neste período chegou a trabalhar de 7:00 às 00 na
plantação de arroz.

Outro ponto, novamente respeitando o contexto social, geográfico e econômico de sua


família, mas tomando uma posicao crítica, Carlos trabalha na idade infantil e pontuados que
o trabalho infantil é crime (lei e data?) trazendo danos ao desenvolvimento geral da criança.

O trabalho na adolescência e adultez

Carlos passou por trabalhos variados e segundo relatos próprios, de sua irmã e sobrinha:
● Na roça era o primeiro a sair de casa e o último a sair do trabalho, a maioria
trabalhava por uma quadra, Carlos fazia duas ou três;
● Em todos os empregos sempre foi muito dedicado;
● Quando trabalhava como garagista, (seu último emprego) tirou férias apenas quando
sua filha se casou;
● Percebe-se uma mudança de empregos por motivações diversas até o último
emprego. Há a mudança também de cidade até chegar na capital e se estabelecer;
● Percebe-se que Carlos é aberto ao aprendizado, assim como a se adaptar em
diferentes funções e tarefas.

Ressaltamos que Carlos, quando entra em contato com o trabalho, vivencia experiências
diferentes de seu contexto familiar, principalmente quando vai adentrando a fase da
puberdade onde segundo Freud (três ensaios sobre a teoria da sexualidade parte 3) o
indivíduo passará de uma fase auto erótica para a necessidade do outro para a sua
satisfação sexual. No trabalho, Carlos experimenta o brincar, o contato com outras pessoas,
conversas, novos aprendizados que lhe foram tolhidos no contexto escolar, conhecer novos
lugares, muda-se para a capital, casa-se, tem filhos e estabelece sua vida. Enfim, o que
Carlos vive no trabalho é diferente do que ele vivenciou em casa.

O retorno do recalcado

Hipótese

Ao entrar em contato com uma organização patologizante, Carlos se depara com um


contexto desafiador. Surgem sintomas, o conflito psíquico lhe traz um sofrimento, um
incomodo que não lhe permite seguir sua vida, que o retira de seu estado “normal”, que o
faz repetir patológicamente ações de seu último trabalho, especificamente o relógio
demarca o que parece ser um acting out. Carlos necessita desenhar aquele relógio para se
sentir melhor, quer comprar um igual, diz que em um dado momento que o relógio é seu
amigo.

A dinâmica da empresa lhe assemelha com um algo familiar. Os significantes adormecidos


em seu inconsciente, a ideia reprimida por um trauma, uma repressão de seus desejos
sexuais se fez presente ao tocar seus afetos. O querenos trazer é:
● a comparação do contexto infantil de Carlos com a organização patologizante. Em
ambas encontramos uma rigidez, o controle e a vigilância. Carlos se depara com a
rigidez de um emprego que controla, que vigia, que proíbe;
● o trabalho, local onde Carlos - alem casa - cresceu, brincou, socializou e adquiriu
independência, liberdade e autonomia, agora estava tomado por significantes que
estranhamente lhe eram familiares;
● Percebe-se que Carlos não apresentou dificuldades para mudar de emprego -
estaria ele movimentado a procura de uma falta? e quando em contato com afetos
familiares se vê imobilizado?
● o relógio seria um pedido de socorro, por não conseguir verbalizar algo que habita
seu inconsciente? Seria um gozo? Seria a representação - do que o controle, a
vigilância, a responsabilidade, ser perfeito, honrar seu pai - de desejos sexuais
reprimidos em seu passado?
● Carlos, em um dado momento, em seu trabalho, defeca na roupa, passa a defecar
na rua, a segurar urina para ganhar tempo e seguir apertando o relógio a cada
25min - mecanismo de controle e vigilância - e proibido de falar com seus
companheiros de trabalho, segue as ordens, cumpre seu dever. No silêncio de seu
trabalho se assusta com a buzina dos carros.

O que será de Carlos? Ele continua a se lembrar do relógio, mas já consegue perceber e
elaborar melhor seu real significa e o lugar que ocupa em sua vida. Sua última notícia é de
que seguia em tratamento e que decidiu fazer uma horta em sua casa. Ao final, segue uma
fala de Carlos, sobre o relógio, ele elabora um cadinho de seu sofrimento:

“ Não tem jeito de esquecer (...) Eu comi, vesti e trabalhei com ele. Por que ele veio fazer
isso comigo? Mas não foi ele. O culpado foi alguém ter exigido muito de mim. Não
precisava… Eu morria de medo de chamarem minha atenção (...) Não gosto de fazer nada
errado.”

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