Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
A esquizofrenia e a linguagem
Uma delimitação possível do conceito de esquizofrenia passa por uma precisão dos
conceitos freudianos que devem ser diferenciados da madeira como são utilizados
por Bleuler e Jung, notadamente pela eliminação da libido - Eros - do conceito de
autismo. Segundo Lacan, é no decorrer do seu comentário sobre Schreber que
Freud se dá conta das dificuldades colocadas pelo problema do investimento
libidinal das psicoses. A ideia de um autoerotismo primordial, a partir do qual se
constituem os objetos, poderia confundir-se com a noção junguiana de interesse
psíquico. Daí a necessidade de voltar, no seu artigo sobre narcisismo, à distinção
entre libido do eu e libido de objetos (Lacan, 1983, p. 136; Freud, 1974b, p. 89-103)
Para Lacan, o problema que se coloca então a Freud é o da estrutura das psicoses
dentro da teoria da libido (Alvarenga, 1992). Trata-se de apreender a diferença de
estrutura entre o afastamento da realidade nas neuroses e nas psicose levando em
conta o gozo. A solução junguiana para as psicoses - introversão da libido no
mundo interior do sujeito - é análoga a solução freudiana para as neuroses, o que
Lacan atribui a uma confusão entre os registros do imaginário e do simbólico. Em
Freud esses registros seriam estritamente distintos, permitindo-lhe dizer que, na
neurose, se há uma recusa da realidade, pode haver um recurso às fantasias ao
passo que nas psicoses nenhuma substituição imaginária seria possível.
Freud não abandona o conteúdo sexual do seu conceito de libido para fazê-lo
coincidir com o interesse psíquico em geral, como quer Jung. Para Lacan, o
esquema junguiano “não permite apreender as diferenças que podem existir entre a
retratação dirigida, sublimada, do interesse pelo mundo à qual pode chegar o
anacoreta, e a do esquizofrênico cujo resultado é, entretanto, estruturalmente
distinto” (Lacan, 1983, p. 137). Trata-se de uma das poucas referências de Lacan à
esquizofrenia.
Haveria na vida psíquica uma pressão para sair das fronteiras do narcisismo, ou do
gozo do Um, e colocar a libido nos objetos,vou dirigir-se ao Outro, quando o
investimento do eu em libido ultrapassa uma determinada medida. Os fenômenos
da hipocondria e da parafrenia termo utilizado por Freud para falar da esquizofrenia,
estão ligados a uma estase da libido do eu, ao passo que a introversão e a
regressão das neuroses de transferência estão ligadas anima estase da libido de
objetos.
É no seu texto “O inconsciente”, notadamente no capítulo VII, “Avaliação do
Inconsciente” (Freud, 1974a, p. 224 - 233), que a retirada de investimento nas
palavras na esquizofrenia aparece em todo o esplendor do inconsciente estruturado
como linguagem. Pois é justamente através das alterações da linguagem na
esquizofrenia que Freud vai apontar a existência do inconsciente, a céu aberto, no
que ele chama então de psiconeuroses narcísicas.
Freud continua a opor libido do eu e libido objetal, de tal forma que na neurose
renuncia-se ao objeto real, mas a libido que lhe é retirada subsiste no inconsciente,
apesar do recalque. A aptidão à transferência supõe esse investimento de objeto.
Na esquizofrenia, ao contrário, após o processo de retirada do investimento objetal,
a libido retirada não procura um novo objeto, mas se volta para o eu. Se não
paranoia essa libido serve ao narcisismo e à megalomania, na esquizofrenia a libido
retorna aos órgãos do corpo de maneira fragmentada, concomitantemente ao
investimento de determinados significantes.
Freud diz então que os esquizofrênicos tratam as coisas concretas como se fossem
abstratas, o que Lacan retoma dizendo que o significante parece exterior ao sujeito
psicótico, que fica preso a ele por uma fixação erótica. (Lacan, 1985, p. 165).