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A QUARTA ESTRUTURA

A Quarta Estrutura da Personalidade Psicanal tica Sandro Fontana

DA PERSONALIDADE PSICANALÍTICA

SANDRO FONTANA

EDIÇÃO 1.0 2023

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A Quarta Estrutura da Personalidade Psicanal tica Sandro Fontana

Composição de imagens
https://posterstore.es/ | Vecteezy | Eyestetix Studio
Imagem de Freud museu de Londres
Rabisco de Freud: Hera Brigagão
Capa: Shay Brunelle
Diagramação: Sandro Fontana

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Todos os direitos reservados ao autor

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Guararema | SP | Brasil | 202

104 Páginas | Versão Impressa | Tamanho 14x2


95 Páginas | Versão e-book | Primeira Ediçã

| Palavras chav
1. Psicanálise, 2. Personalidades,
3. Autismo 4. TEA, 5. Psicologi
7. Estruturas da personalidade,
8. Psicoterapia, 9. Manejo clínic

Psicanálise, generalidades,
língua Portugues

ISBN: 978-65-87578-01-9

Contato do autor:
cmte.fontana@gmail.com

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A Quarta Estrutura da Personalidade Psicanal tica Sandro Fontana

SUMÁRIO

PREFÁCIO .........................................................................................................4
INTRODUÇÃO .................................................................................................6
AS ESTRUTURAS DA PERSONALIDADE PSICANALÍTICA ...............................11
A POSIÇÃO DO ANALISTA NOS TRATAMENTOS PSICANALÍTICOS..............21
A QUARTA ESTRUTURA ................................................................................31
O AUTISMO (TEA) ..........................................................................................60
O MANEJO CLÍNICO PARA A QUARTA ESTRUTURA ....................................80
POSFÁCIO ......................................................................................................95

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A Quarta Estrutura da Personalidade Psicanal tica Sandro Fontana

PREFÁCIO

Num mundo de constantes descobertas e avanços, o


mesmo não poderia deixar de ocorrer no meio psicanalítico.
Desde Sigmund Freud, passando por vários pensadores ao longo
de sua história, a psicanálise vem trazendo inovações natas em
sua estrutura que permitem, até por necessidade, de uma busca
constante para seu aprimoramento e aperfeiçoamento de sua
teoria. Quando temos muitas teorias para tentar explicar algo
complexo, como é o caso da mente humana, logo podemos
concluir que tais teoria estão incompletas, pois se assim não o
fossem, então seus saberes se tornariam leis.
Esta obra surgiu de uma observação independente no
setting analítico, uma vez que o padrão de algumas
personalidades encontradas não se encaixavam nas três
categorizações elaboradas por Freud. Foi necessário então uma
busca por respostas pois os manejos clínicos não vinham surtindo
efeito.
No decorrer desse trabalho foi percebido que outros
psicanalistas, em paralelo, também convergiam em opiniões para
uma personalidade até então não percebida por diversos
pro ssionais, e nem prevista na teoria até então. O tema se

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A Quarta Estrutura da Personalidade Psicanal tica Sandro Fontana

tornou tão amplo que mereceu uma atenção especial no que se


referia a toda uma compreensão necessária para que se
introduzisse esse novo anexo teórico, que poderá contribuir para
que pro ssionais se identi quem com tal proposta e possam
proporcionar uma solução para pacientes que, por anos, zeram
terapias e não conseguiram sucesso em suas demandas.
Tal teoria passa a ser muito interessante e impactante,
pois transpassa o campo da especulação abstrata e pode ser
percebida na atuação prática, tornando-se mais fácil assim, o
vislumbramento objetivo de suas características e resultados no
manejo clínico.
O autismo, também estruturado em nossa atualidade com
o termo Transtorno do Espectro Autista (TEA), sai do campo da
psicose e ganha um novo seccionamento, onde o TEA passa a ser
uma psicopatologia de uma personalidade autista. Como bem
sabemos, assim como um neurótico não necessariamente possui
uma neurose, o per l de personalidade autista não necessita ser
um portador do TEA, portanto tal personalidade se caracteriza
por suas especi cações próprias, diferentes das três outras
estruturas, e poderão ser melhor compreendidas ao longo desse
livro.

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A Quarta Estrutura da Personalidade Psicanal tica Sandro Fontana

INTRODUÇÃO Capítulo 1

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mbora seja um tanto incomum, é possível
encontrarmos em vários escritos de Sigmund Freud,
textos sobre seu interesse de que a psicanálise se
tornasse uma ciência, ou ao menos, uma disciplina cientí ca.
Esta intenção é exposta em diversos livros de sua obra histórica e
esse desejo, daquele que elaborou toda uma teoria, através de
observações empíricas, vem se tornando parte de um
conhecimento atual da neurociência que, utilizando de
equipamentos modernos, tem identi cado coerência nas tópicas
freudianas.
Acredito que a grande maioria dos psicanalistas já
possuem o conhecimento de que a teoria psicanalítica difere em

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muito dos códigos e diagnósticos atualmente utilizados pela


psiquiatria e psicologia (CID e DSM). Esse fato se dá por um
motivo muito simples: enquanto a medicina atual foca-se
principalmente nos sintomas, a psicanálise foca-se nas causas.
Uma atenção dedicada aos sintomas faz parte da rotina
psiquiátrica, mas não é sem um motivo. A principal razão se dá
pela necessidade de um diagnóstico preciso e especí co pois
geralmente será prescrita alguma medicação. Essas drogas
receitadas tem funções e reações ainda sem muita explicação de
como atuam no cérebro, mas existem dados su cientes para
percebermos os resultados positivos e, desse modo, permitindo
que pacientes consigam ter uma vida relativamente “normal”.
É nesse ponto que terapeutas e psicanalistas podem
aproveitar da situação e iniciar um tratamento para ajudar o
paciente em suas demandas. Por esse motivo é importante que
psicanalistas não se preocupem tanto com as categorizações dos
diagnósticos médicos do CID e do DSM pois eles são diferentes
da estrutura teórica psicanalítica, no entanto, estando o paciente
sob medicação, ca mais fácil o manejo clínico com o mesmo.
O leitor poderá perceber, ao longo deste livro, que iremos
abordar uma breve revisão nas estruturas da personalidade
(segundo Freud), e demonstrar sua importância para o tratamento
no consultório. Como sabemos, cada per l (neurótico, perverso e

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psicótico), quando levados a transtornos, necessitam de um


manejo clínico diferente para cada um deles, sob pena de um
possível insucesso no tratamento. Essa revisão, no entanto, não se
focará ou fará comparações com as centenas de diagnósticos
possíveis da psiquiatria e psicologia.
Essa elaboração e revisão das estruturas da personalidade
serão a base para apresentarmos um novo adendo à teoria
freudiana, ou seja, seguindo os interesses de Sigmund Freud,
pretendemos que a psicanálise continue se aprimorando e isso
pode ser feito com trabalhos como este, uma vez que trazemos
estudos de caso onde foi percebida uma quarta estrutura da
personalidade. Essa descoberta ocorreu da mesma forma que
Freud fazia, ou seja, através de observações empíricas que se
sustentam pela repetição e obtenção de resultados positivos no
tratamento. Talvez, sem essa consideração e manejo, a simples
associação livre não daria conta de ajudar o paciente a resolver-
se e a teoria psicanalítica não consegue signi car os fatos
observados pelo analista.
Em nossa observação, podemos perceber ao longo do
tempo, que algumas pessoas não se encaixavam em um dos três
per s (neurótico, perverso e psicótico), logo o manejo clínico se
fazia complicado pois parecia que os pacientes variavam suas
características e suas queixas (será mais fácil entender nos
estudos de caso que serão apresentados em capítulo apropriado).

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No entanto, na subjetividade do setting analítico, foi possível


cruzar informações e características de pacientes, chegando-se a
conclusão de que os mesmos possuíam muitas das características
do autismo leve. Por se tratar de atendimento com adultos, em
idade mais avançada, é comum o fato de que não houve
diagnóstico médico durante a infância e adolescência, no entanto
o sofrimento desses pacientes persistiu durante toda sua vida, e
por se tratar de níveis leves jamais foram percebidos para uma
determinação concisa da característica.
Num breve resumo, podemos dizer que o autismo ou TEA
(Transtorno do Espectro do Autismo) possui características que
di cultam seu diagnóstico, geralmente tendo que ser feito por um
grupo de especialistas, por eliminação/descarte, e que é mais
difícil ainda quando o caso é leve. Segundo o Dr. Paulo
Liberalesso (em seus canais pessoais e do CERENA - TEA), além
do TEA ser muito difícil de identi car, existem muitos
diagnósticos equivocados devido a semelhança com outras
psicopatologias, por exemplo: é muito fácil confundir o TDAH
com alguns espectros do TEA, principalmente os leves. Talvez,
em termos de tratamento médico isso não fará diferença pois
provavelmente serão prescritos medicamentos para melhorar a
atenção (como o metilfenidato), mas o tratamento terapêutico
necessita de uma melhor compreensão para saber como atuar
pontualmente conforme a demanda do paciente.

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Vale lembrar que a estrutura da personalidade não


implica no transtorno ou na psicopatologia em si, mas o mesmo
se caracteriza por níveis, veja mais nos capítulos seguintes.
Por m, teremos uma abordagem sobre o manejo clínico,
pois a teoria isolada não possui utilidade alguma sem que haja
demonstração e prática útil. Claro que, e é de conhecimento de
todos os psicanalistas, que o manejo irá depender e variar muito
conforme a realidade do paciente, mas nossa experiência será
passada para que possa ajudar outros pro ssionais que
necessitem de um guia para ir compondo esse novo passo dado
pela psicanálise.

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A Quarta Estrutura da Personalidade Psicanal tica Sandro Fontana

Capítulo 2
AS ESTRUTURAS DA
PERSONALIDADE PSICANALÍTICA

S
igmund Freud, no decorrer de toda sua obra
psicanalítica, percebeu e categorizou a existência
de três personalidades características dos seres
humanos: O neurótico, o perverso e o psicótico.
Embora os nomes dessas personalidades estruturais nos
remonte à ideias errôneas, em sua essência e signi cado técnico,
elas fazem parte de uma base teórica muito importante para os
adeptos da psicanálise, principalmente no que se refere ao
manejo clínico no setting analítico. Em sua teoria, Freud elabora
a partir desses per s toda uma gama de psicopatologias
interligadas, ou seja, cada per l, pode-se desenvolver uma
patologia da mente, e essa virá a ocorrer em um modelo e padrão

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especí co. Desse modo elaboram-se as de nições das neuroses


para os neuróticos, as psicoses aos psicóticos e as psicopatias aos
perversos.
Mas então um neurótico não é um doente? Segundo a
teoria psicanalítica, não. O neurótico é uma estrutura da
personalidade que se observa em muitas pessoas, não implicando
necessariamente em algum problema psicológico. Essa
personalidade se estrutura em uma série de características que
podem ser percebidas através de comportamentos, atitudes e
expressões, portanto somente passará a ser um problema/doença
quando algumas dessas particularidades se apresentarem em um
“nível” mais elevado. Em geral uma das idiossincrasias mais
marcantes do per l estrutural do neurótico é o sentimento de
culpa. Essa sensação, quando em demasiado, provavelmente irá
acarretar algum problema psicológico, onde uma possível
intervenção terapêutica se fará necessária. Embora o per l de
personalidade exempli cado ofereça uma predisposição, isso não
quer dizer que aquele ser humano com o per l estrutural
neurótico se tornará ou desenvolverá alguma psicopatologia, no
caso, uma neurose.
Cada per l (iremos estudar cada um com mais detalhes)
possui suas vantagens e desvantagens, e é nesse momento que o
bom conhecimento do psicanalista poderá colaborar com o
tratamento, sabendo explorar os bons atributos e compensar as

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A Quarta Estrutura da Personalidade Psicanal tica Sandro Fontana

fraquezas de cada paciente. O per l estrutural neurótico, por


exemplo, possui grandes vantagens de empatia, amorosidade,
sensibilidade etc. Por outro lado pode desenvolver o Transtorno
Obsessivo Compulsivo (TOC) ou então somatizar seus problemas
psicológicos, isto é, poderá facilmente transferir ao corpo físico
danos problemáticos, tais como gastrites, enxaquecas, alergias
etc.
É importante salientar que alguns transtornos não
necessariamente fazem parte de per s estruturais, por exemplo:
ansiedade, depressão, melancolia, psicossomatização etc.
Portanto estes distúrbios podem ser “sinais sintomáticos”, ao
invés de uma psicopatologia em si, na visão psicanalítica.
Isso quer dizer então que a depressão ou a ansiedade
podem ocorrer em qualquer pessoa, independente do per l
estrutural da personalidade?
Sim. E o olhar psicanalítico observa essas características
como sinais de algo mais profundo, onde deve ser tratado para
que esses efeitos desapareçam naturalmente. Em outras palavras,
a psicanálise busca tratar a causa e entende que uma depressão,
por exemplo, é uma resultante de algo que está no inconsciente
(TDM) e não foi resolvido, portanto, quando um paciente utiliza
de medicações para compensar ou reter hormônios que irão
regular a estabilidade cerebral, o psicanalista irá aproveitar desse

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A Quarta Estrutura da Personalidade Psicanal tica Sandro Fontana

estado temporário para ajudar na resolução da causa primária. A


medicação é compreendida como uma intervenção necessária na
colaboração do fortalecimento do Ego para que desempenhe
adequadamente suas atribuições.
Por outro lado, a neuropsicanálise entende um pouco
diferente, ou seja, questões como ansiedade e depressão fazem
parte de uma tendência biológica/orgânica de cada pessoa,
adquiridas hereditariamente ou por questões hormonais (quando
patológico). Uma forma empírica de perceber isso é quando as
mulheres estão na tensão pré-menstrual. Muitas vivenciam
variações de humor, agressividade, sensibilidade (choro
demasiado) etc. Um psicanalista atento pode perceber facilmente
como a questão biológica afeta a realidade psíquica,
principalmente se analisarmos os poucos dias da TPM e
relacionarmos isso com uma vida toda com os diversos tipos de
organismos e suas variações genéticas e hormonais.
Voltando aos per s estruturais da personalidade
psicanalítica, vamos estudar um a um, resumidamente, entretanto
é importante salientar que existem diversos pontos de vista
(linhas de pensamento) dentro da própria psicanálise e, muitas
das nomenclaturas utilizadas por Freud não se aplicam hoje em
dia, como por exemplo, a histeria. Sendo assim será feito um
breve resumo para cada per l, mesmo assim não afetando
diretamente numa teoria isolada.

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A Personalidade Neurótica
Pessoas com esse per l tendem a ser muito emotivas,
com tendência e “super-valorizarem” seus problemas,
pensamentos e ações, mas a principal característica que forma
essa personalidade é o notório sentimento de culpa, seja por algo
que zeram ou por algo que deixaram de fazer.
Em geral são pessoas sensíveis e com uma excelente
percepção aos detalhes. São pessoas organizadas e empáticas.
Com suas características, quando em níveis mais
elevados, surgem os diversos problemas, tais como a
obsessividade compulsiva (TOC) em uma de suas tendências.
Como exemplo clássico, a compulsividade na limpeza ou outras,
como excesso de metodologias, organização etc. No entanto
sentimentos de culpa, inconscientes ou conscientes, em demasia
e por longo período de tempo poderão acarretar em um
transtorno de ansiedade que pode vir a ocasionar problemas
físicos (psicossomatização).

A Personalidade Perversa
O perverso é o oposto do neurótico. Enquanto o
neurótico tende a sentir-se culpado por muitas coisas, o perverso
possui uma tendência a não sentir culpa, portanto com uma
propensão muito menor à empatia. Isso não quer dizer que o

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per l da personalidade perversa não seja empático, mas o é em


“baixa escala”, uma vez que seu cérebro funciona de forma
diferente, comparado ao neurótico. Uma característica do per l
perverso é a autocon ança, enquanto o neurótico possui muitas
dúvidas, o perverso possui as certezas, porém não quer dizer que
estejam certos, apenas sua realidade psíquica percebe o mundo
dessa forma.
Com suas “certezas”, o per l perverso pode gerar muitos
con itos, principalmente com as pessoas com quem convive.
Quando algumas de suas características tornam-se mais
proeminentes, esse per l tende a ser muito dominador/
controlador e autoritário. Se isso for somado a um narcisismo,
por exemplo, problemas muito sérios surgirão, agravando-se caso
a pessoa possua propensão à criminalidade, então podendo
surgir o famoso psicopata.
Pessoas desse per l, em suas características mais básicas,
são bons em se auto-resolverem, dispensando muitos dos
tratamentos psicológicos. Por outro lado, essa identi cação pode
ser um problema também, requerendo que o conceito de
“problema” seja levado a sério, isto é, o momento de buscar
ajuda se baliza por dois pontos: (i) Quando a pessoa se sente
incomodada; (ii) quando as pessoas que convivem se sentem
incomodados.

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A Quarta Estrutura da Personalidade Psicanal tica Sandro Fontana

A Personalidade Psicótica
Este per l se caracteriza principalmente pela falha em
viver a realidade objetiva. Em outras palavras, as pessoas de per l
psicótico tendem a fugir da realidade factual e criam as suas
próprias realidades, no entanto, em se tratando de per l da
personalidade, isso ocorre de forma muito sutil.
Quanto a relação com a culpa, enquanto o neurótico
sente-se o culpado e o perverso não sente a culpa, o psicótico
direciona (projeta) a culpa aos outros.
Resumidamente, podemos dizer que existem duas
realidades básicas: a objetiva (os fatos e uma predominância
global de entendimento); e a realidade psíquica (a forma como as
pessoas veem e compreendem [ou ignoram] os fatos).
Pessoas com per s psicóticos são predispostos a serem
muito falantes e impulsivas, geralmente se articulando muito bem
na parte expressiva da comunicação, chegando a serem
controladores, entretanto tendem a ter problemas nas execuções
dos planejamentos (por serem ilusórios - muitas vezes). Vivem
muito no imaginário e podem ter complicações no momento em
que as confrontam com a realidade usual, inclui-se aqui os
relacionamentos amorosos, comerciais/ nanceiros, sociais etc.

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Duas psicopatologias muito comuns aos psicóticos são a


esquizofrenia e a paranóia (similar com o TOC do neurótico).
Ambas psicoses são propícias a surgir quando os psicóticos
perdem o controle sobre sua "realidade alternativa” e obrigam-se
(por diversos fatores) a retornarem para a realidade objetiva. Para
compreender melhor, nos casos de paranóia, o paciente psicótico
se caracteriza pela absoluta certeza em seu delírio, por exemplo,
de que estar sendo perseguido por alguém ou por algo justi cável
em sua realidade mental, enquanto isso, o neurótico sob um
momento de delírio, não estará nessa condição. Em outras
palavras, o neurótico percebe o simbólico numa “extrapolação
do normal”, o psicótico não.

***

É importante salientar que todos nós temos um pouco de


cada uma das características aqui apresentadas, portanto somos
um “pouco de tudo” mas com uma predominância para um
deles. Isso não quer dizer que não houveram fases em nossas
vidas em que experimentamos alguma forma diferente de nossa
personalidade atual. É por esse motivo que é aconselhável, ao
psicanalista, evitar “bater o martelo” quando se trata de
adolescentes, haja visto que suas fases transitam pelos diversos

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per s até que sua personalidade esteja formada na vida adulta.


No entanto é salutar perceber o momento em que se encontram,
para uma melhor escolha do manejo clínico.
Percebam também que a investigação analítica para
descobrir um per l estrutural da personalidade psicanalítica se
faz por uma observação empírica, isto é, o pro ssional deve se
manter atento a uma predominância e recorrência de
determinadas características e hábitos, uma vez que todo o ser
humano possui, em graus diferentes, todas as atribuições citadas
anteriormente para os três per s padrões da personalidade.
Devido a isso, em exemplo, um paciente que demonstre
excessivamente impulsividade concomitante com o fato de nunca
se sentir culpado e sempre projetar a culpa aos outros, isso
fornece evidências que devem ser somadas para uma
caracterização de um per l psicótico. Por outro lado é comum
que, em vários momentos da vida, um neurótico e perverso
acabem sendo impulsivos e por alguns eventos isolados
direcionem um fator de culpa a outra pessoa. Em resumo, a
determinação de uma personalidade psicanalítica necessita de
recorrências pontuais.
O psicanalista deve se atentar também às evidências
contrárias, isto é, a uma veri cação oposta que deve ser
observada para certi car a investigação empírica de forma
invalidadora a suposição inicial. Um exemplo dessa situação é

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quando observamos as características de um paciente


(impulsividade, negação constante e fuga da verdade), no entanto
apresentando também um sentimento de culpa permanente.
Nesse caso é possível notar uma aparente contradição pois a
impulsividade, uma fuga da realidade e a negação da verdade
sugerem uma característica do per l psicótico, mas por haver um
sentimento de culpa persistente, este invalida os demais,
somando pontos para uma característica neurótica com algum
trauma recalcado. A negação e a fuga da realidade são elementos
de defesa para reduzir a dor da culpa e a impulsividade aparente
sugere um momento de extrema ansiedade. Esses detalhes são
fundamentais ao olhar atento do psicanalista.

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A POSIÇÃO DO ANALISTA
NOS TRATAMENTOS
Capítulo 3
PSICANALÍTICOS

N
o meio psicanalítico nós podemos perceber a
existência de diversas escolas. Essas escolas a
que me re ro agora não são as escolas de
pensamento mas sim as escolas (associações e institutos) de
treinamento e ensino, uma vez que é possível notar uma falha
substancial na preparação de muitos dos pro ssionais. Por esse
motivo considero importante abordar alguns pontos que
merecem uma auto-re exão analítica mais profunda e com isso
balizar a atuação do pro ssional no consultório, tanto sico
como virtual.

Imparcialidade e invisibilidade
O pro ssional necessita estar balizado fortemente por
uma ética e seguindo uma vigilância constante sobre si mesmo.

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Nessa auto-atenção é saudável buscar uma certa invisibilidade


no que se refere ao seu Ego, isto é, no momento da sessão o “Eu”
do psicanalista deve desaparecer, possibilitando um tratamento
mais perfeccionista, onde suas opiniões e ideologias não devem
fazer parte, senão a única: do analisando.
Por esse motivo o auto-controle em não deliberar
sugestões e conselhos é imprescindível, uma vez que é provável
que não sejam úteis ao paciente. Nesses casos é recomendado
que o analista leve o analisando a uma re exão sobre o maior
volume de informações para decidir sobre um questionamento,
aproveitando para si mesmo um possível aprendizado.

Um professor às vezes
Embora alguns psicanalistas defendam a ideia de que o
terapeuta não deve abandonar a Associação Livre, sob pena de
não estar mais fazendo psicanálise, um outro grupo de
pro ssionais não possuem uma mesma visão. Desse modo, em
muitos momentos, se pode interromper uma fala para pontuar
sobre os conhecimentos da psicanálise ou neuropsicanálise. Em
outras palavras, pode fazer parte de uma sessão, o psicanalista
abordar sobre o complexo de Édipo e explicar os efeitos positivos
e negativos que determinada situação possa causar. Um exemplo
prático seria numa sessão de terapia de casal, onde estão os dois

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e o psicanalista tratar sobre o re exo que determinada decisão


poderá acarretar nos lhos pequenos, colaborando para uma
decisão que possa vir a ser tomada por ambos. Dentre duas
possíveis decisões (divórcio ou não), o psicanalista pode
colaborar repassando uma re exão sobre os riscos que podem
afetar inconscientemente as crianças: (i) Uma separação é
realmente necessária? (ii) Os efeitos negativos aos lhos (em fase
edipidiana) são piores ou menos piores do que as possíveis brigas
do casal? (iii) Se o divórcio é iminente, os pais sabem que devem
evitar deturpar a imagem de um deles para com os lhos? e que
isso poderá afetar na escolha de seus futuros parceiros. (iv) O
casal sabe que suas escolhas pessoais de parceiro tenderão a se
repetir, ocasionando um problema recorrente?
Perguntas como essas poderão ajudar nas decisões e na
Associação Livre, mesmo com intervenções explicativas,
baseando-se nos conhecimentos teóricos.

É preciso não compreender rápido demais.. é


preciso permitir o analisando concluir
Existe uma tendência natural de todo o ser humano em
“processar dados”, estes a que me re ro são os dados do dia a
dia. Percebemos, pensamos e concluímos.

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A Quarta Estrutura da Personalidade Psicanal tica Sandro Fontana

No setting analítico é prudente que o psicanalista aguarde


mais informações para que se forme uma opinião ou
entendimento sob determinada situação ou analisando. Isso é
importante pois temos uma di culdade natural em mudar de
opinião depois que a signi camos.
Uma opinião formatada sob determinado aspecto, por
exemplo, de que uma paciente deve se separar do marido ou que
um analisando poderia buscar outro emprego para ser feliz, pode
ser difícil de manter sua imparcialidade, logo, in uenciando o
paciente a uma determinada escolha. Por esse motivo é de bom
grado que o psicanalista trabalhe um auto-controle e permita que
o analisando conclua por conta própria. Mesmo que essa
conclusão não seja ou esteja completa, em algum momento ou
fase da vida, ele poderá concluir diferente. Lembre-se: a
mudança é uma porta que se abre somente pelo lado de dentro.

O analista pode levantar suposições e não a rmações


É de conhecimento comum que lidamos com mentes
humanas, em geral com algum problema (sofrimento/dor) e que
necessita de ajuda. Por esse motivo há que termos cuidado com
análises precipitadas e conclusivas, principalmente expostas aos
pacientes.

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O psicanalista pode até pensar, mas deve evitar concluir


rápido demais e expor sua interpretação ao paciente. Somente
em momentos oportunos levante suposições que possam levar o
analisando à re exão e colaborando assim para a terapia. O
psicanalista não conduz o analisando, mas sim o tratamento.

O psicanalista é um investigador e não um juiz


Dentre os diversos aspectos citados anteriormente, é
importante uma vigilância constante para manter-se como um
investigador da mente e não um juiz. Todo o paciente possui
níveis diferentes de percepção e, caso ele entenda ou perceba
que o psicanalista o está julgando, provavelmente isso irá
comprometer a transferência e o tratamento. Por outro lado é
comum o paciente julgar, seja pelo posicionamento ou postura
do pro ssional, ou seja, até mesmo pela aparência e fala.
Quando me re ro ao termo julgar é porque essa
expressão implica numa “sentença”. No caso do paciente ele
pode “sentenciar” o psicanalista a diversos signi cantes,
inclusive, ao rompimento das sessões.
Não é incomum que a grande maioria dos meus
pacientes tenham me procurado e tecem comentários sobre
antigos pro ssionais, dentre os comentários: “fui assediada”, “o
nível cultural do meu ex-terapeuta era muito baixo”, “não senti

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A Quarta Estrutura da Personalidade Psicanal tica Sandro Fontana

evolução alguma durante mais de um ano de tratamento”,


“percebi que era um mercenário e me tornou dependente dele”,
“encerrei minhas sessões pois minha terapeuta me atendia na
piscina da casa dela e queria se exibir”, “meu psicanalista me
olhava com olhos que me julgavam, eu tinha vergonha de falar e
me abrir”, etc.
Notem o quão importante é o olhar que devemos ter para
com nós mesmos.

O paciente não procura ajuda para mudar, mas


para parar de sofrer
Essa foi uma das frases mais importantes que meu
professor (Pedro Sá) falou em uma de suas aulas. Um
ensinamento simples mas tão marcante que levarei para toda a
vida e compartilho nesse pequeno livro, que busca aprimorar o
conhecimento de outros psicanalistas. Essa fala diz muito mais do
que aparenta, isto é, ela traz toda uma informação indireta que é
imprescindível na caminhada do pro ssional da área.
Temos que ter em mente que um paciente não busca uma
mudança, ele chega até nós por algum tipo de dor que não
consegue resolver sozinho. Esse sofrimento e a sensação de
incapacidade autônoma de resolução é que o motivou a buscar
uma ajuda, portanto chega a ser um dever do psicanalista acolhe-

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A Quarta Estrutura da Personalidade Psicanal tica Sandro Fontana

lo, ouvi-lo e direcionar um tratamento adequado, tendo


consciência de que o mesmo está muito sugestionável e frágil.
Sabemos, pois, que a terapia irá mudá-lo mas ele não tem
e nem precisa ter consciência disso, ao menos num momento
inicial. É muito provável que o paciente venha a perceber depois
de uma longa caminhada, quando olhar para trás e se ver
diferente. É muito comum presenciarmos situações e falas como:
“nossa! como eu podia pensar daquela forma?” ou “Meu Deus!
Como eu não conseguia ver aquilo da forma como vejo hoje!?”.
A terapia psicanalítica não é só perlaboração mas
também um aprendizado e auto-conhecimento.

Não existe terapia sem uma transferência adequada


Freud deixou isso muito claro em seus diversos escritos
do passado. Muitos pro ssionais e signatários zeram o mesmo.
Todo o psicanalista, principalmente os mais novos,
precisam ter em mente sobre a importância da transferência para
o sucesso de um tratamento. Não cabe aqui expor todo seu
signi cado e de nição, mas é oportuno enfatizar sua importância
e colaborar com um alerta ao psicanalista: Se percebeu que não
houve transferência ou contra-transferência, encaminhe seu
paciente para outro pro ssional.

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A Quarta Estrutura da Personalidade Psicanal tica Sandro Fontana

Talvez esse alerta possa soar um tanto duro, mas digo isso
pois o tratamento é uma responsabilidade do psicanalista e não
cabe a outra pessoa, ou instituição, tal feito. O paciente, se não
se sentir seguro para falar ou con ante com a imagem do
analista, talvez demore um tempo para perceber que o
tratamento não dará certo, e quando isso ocorrer já se passaram
longas sessões e dinheiro investido. Precisamos ter em mente que
a terapia não é um tratamento barato e o cliente espera por
algum resultado. Por esse motivo é importante que o psicanalista
tome uma ação o quanto antes, sob pena de sua imagem ou
trabalho ser mal falado ou divulgado, mesmo sabendo que isso
não necessariamente tem a ver com a qualidade do pro ssional.
Conseguir uma boa transferencia não é tão difícil, mas
recupera-la é quase impossível.

Sua análise com o paciente vai até onde foi a sua


É muito comum aprendermos na escola que o tripé
psicanalítico é essencial para todo o pro ssional, portanto
dominar bem a teoria, manter em dia sua própria análise e um
bom suporte para momentos difíceis, se faz necessário na carreira
de todo aquele que pretende atuar nesse trabalho.
Também é usual que muitos psicanalistas tiveram e tem
seus próprios problemas, uma vez que suas experiências pessoais

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A Quarta Estrutura da Personalidade Psicanal tica Sandro Fontana

acabaram resultando em um caminho de ajuda ao próximo,


mesmo em forma de trabalho. No entanto é importante ter em
mente que para ajudar o outro é essencial que estejamos bem
resolvidos no que se refere as nossas demandas. Não podemos
ajudar o outro sem que estejamos bem, por isso é recomendado a
resolução primeiramente de seus problemas, antes que consiga
ajudar um paciente.
Claramente é possível controlar nossos problemas, mas
em que nível? Em que momento estou da minha vida? Até onde
eu consigo ir? A resposta está em cada um de nós e por isso se
enfatiza muito nas boas escolas de psicanalise que: cada um terá
o seu momento para se “autorizar psicanalista”.
Além da própria condição psicológica do analista, é
importante ressaltar o seu limite cultural para o nível de
atendimento. Em outras palavras, a psicanalise é uma caminhada
constante e é de responsabilidade do pro ssional a busca
incessante pelo seu aperfeiçoamento, tanto cultural como social.
Uma falha na interpretação desse conceito poderá implicar em
situações desconfortáveis, por exemplo: Imagine que você
trabalha numa clínica e teve uma formação escolar muito ruim,
com falhas graves de escrita ou pronúncia de palavras. Então
imagine que a clínica encaminhe para você um diretor de um
grande empresa. Como será seu manejo com ele? Será que
haverá transferência? Seria prudente, ao perceber, problemas na

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A Quarta Estrutura da Personalidade Psicanal tica Sandro Fontana

transferência e contra-transferência, a solicitação da troca para


outro colega?
Questões como essa fatalmente irão ocorrer ao longo da
caminhada, mas uma postura ética e correta darão conta da
resolução.

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A Quarta Estrutura da Personalidade Psicanal tica Sandro Fontana

A QUARTA ESTRUTURA Capítulo 4

D
epois de algum tempo com o trabalho
psicanalítico, baseado no consultório
(principalmente virtual), foi possível detectar um
per l estrutural que parecia não se encaixar com os demais
categorizados por Freud, e que as sintomáticas se confundiam
facilmente com as três estruturas, o que não parecia condizente e
coerente. Inconscientemente acabei agindo por eliminação de
traços característicos e dessa forma surgiu um alerta para um
caso em especí co.
Antes disso é importante enfatizar que cada terapeuta
possui seu estilo de trabalho e a psicanálise permite isso, o que é
saudável, a nal, a liberdade de pensamento e estilo faz parte da
cultura da pro ssão. Nem mesmo Freud gostava de falar pela
psicanálise como totalitária, mas como uma ou outra linha de

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A Quarta Estrutura da Personalidade Psicanal tica Sandro Fontana

pensamento, aceitando ou discordando de outros psicanalistas,


mas nunca os excluindo ou rechaçando.
Em minha prática clínica, tenho como costume (desde a
anamnese) ir construindo minha impressão e análise sobre o
paciente. Embora o foco principal esteja na demanda do
analisando, se faz necessário trabalhar a transferência e observar
a qual dos per s estruturais da personalidade aquele paciente em
especí co se enquadra. Por exemplo, se uma paciente tende a
demonstrar-se ansiosa, angustiada, culpada por algumas coisas e
tende a aumentar seus problemas, eu começo a supor que ela
possa fazer parte do per l estrutural neurótico. Esses poucos fatos
observados, somados às informações, atos e decisões, irão
formando uma opinião mais robusta sobre aquela pessoa e dessa
forma eu posso saber como melhor atuar em cada caso.
Se faz oportuna a questão: mas esse “analisar” e
“categorizar” possui alguma relação com julgar?
É comum muitos psicanalistas pensarem que, ao se
avaliar certas características, estariam julgando o paciente, ou
tomando algum pressuposto que pudesse gerar algum tipo de
preconceito ou oposição, ou ainda, coloca-lo em “prateleiras” ou
rotulá-lo. Se isso ocorrer, o psicanalista deverá levar esse
pensamento à sua supervisão ou análise para que resolva consigo
ou passe o paciente para outro colega. Portanto não se trata de

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A Quarta Estrutura da Personalidade Psicanal tica Sandro Fontana

julgar ou rotular, mas sim de investigar para de nir uma


condução do tratamento psicanalítico.
A análise do per l estrutural da personalidade é
extremamente importante pois o manejo clínico, ou seja, a forma
como o psicanalista irá lidar com o paciente depende
exclusivamente de como o analisando age e pensa e, inclusive,
desenvolve seus transtornos.
Imaginemos uma situação agora: Uma paciente chega até
nós com reclamação de que tem feito tratamento por anos e
nunca conseguiu resolver seu problema de TOC (Transtorno
Obsessivo Compulsivo). Esta paciente tem se demonstrado
agitada/hiperativa e relata casos onde existem fatos impulsivos, e
estes tem gerado sérios problemas. Imagine que em sessões
subsequentes essa mesma paciente lhe conte as estórias e
sofrimentos de sua vida e, em todos ela sempre aponta os
culpados (ela sempre se considera vítima). Reclamações que ela
é assim porque a mãe agia de tal forma, ou então fazia as coisas
porque o marido/esposa lhe tratavam de forma injusta etc. No
decorrer das sessões você percebe certas insistências e repetições
de memórias, e suspeita se estas lembranças realmente tenham
sido reais, pois às vezes ocorre vitimização excessiva e
divergências com relatos anteriores.

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Se o psicanalista for atento aos detalhes, poderá perceber


que essa paciente jamais teve TOC, pois suas características de
estrutura da personalidade se enquadram mais com o per l
psicótico, portanto o transtorno que lhe perturbava era a paranóia
e não a obsessão e compulsão. Mas o que muda com isso?
Tudo muda, pois o manejo clínico para a paranóia não é
o mesmo que para o TOC e por esse motivo ela cou anos
tratando algo de uma forma não satisfatória.
É importante destacar que a paranóia e o TOC se separam
por uma linha muito tênue, cabendo ao psicanalista a obrigação
de identi ca-la corretamente sob pena de uma longa terapia sem
sucesso. Esse tipo de erro de identi cação pode acabar
di cultando a imagem do terapeuta e, consequentemente,
gerando uma desistência do paciente.
Psicanalistas atentos poderão perceber que muitos
pacientes de per l estrutural psicótico tendem a viver uma
realidade paralela, fato esse que somente se agrava quando
algum transtorno surge e, nesse caso, a psicopatologia já está em
um elevado nível (avançado) e acaba por resultar em situações
mais sérias, tais como depressão, esquizofrenia, bipolaridade,
paranóias etc. Portanto, nesses casos o psicanalista necessita
adentrar na realidade psíquica do paciente para ajuda-lo.

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Se faz necessário salientar que o per l estrutural da


personalidade não implica em uma psicopatologia em si. Todos
nós possuímos um pouco de cada característica dos per s,
embora possuímos um “dominante” e este nos impõe
particularidades que, de certa forma, são previsíveis em uma
maioria de pessoas. Portanto não se trata de julgar mas de
conhecer para poder ajudar. Entretanto, quando se envolve
tratamento, por exemplo, ao sabermos que nosso paciente tende
a surtar quando entra em contato com uma realidade objetiva,
precisamos ajudá-lo a adentrar nela lentamente ao longo de um
bom planejamento. Por esse motivo que o tratamento com
pacientes psicóticos é mais demorado (dependendo da demanda)
o u a t é i n c u r á ve l , n e c e s s i t a n d o d e m e d i c a m e n t o e
acompanhamento durante toda a vida.
Conhecendo melhor o paciente podemos ajudá-lo na
livre associação, se não fosse assim, é possível imaginar qual
seria o resultado de um paciente que vive uma realidade psíquica
paralela (distante da real) associando algo sem sentido algum,
levando a culpa aos outros e di cultando a resolução e
perlaboração das demandas. Nesse quesito, também é importante
saber que, no fundo (a negação), o paciente sabe da verdade,
mas foge dela pois teria que admitir uma realidade contrária a
sua fantasia. Como exemplo ilustrativo posso citar um caso em
particular, onde uma paciente, já idosa, não consegue resolver

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A Quarta Estrutura da Personalidade Psicanal tica Sandro Fontana

seu sofrimento (que dura anos) pois permanece relutante de que


seu casamento acabou (há quase 50 anos) pois o marido lhe
agredia sicamente. Ela sempre insiste nessa mesma recordação e
culpa o ex-marido pelo sofrimento que lhe acompanha até hoje.
Ao analisar o caso mais amplamente, com outros membros da
família (colaboraram para o tratamento), estes relataram que a
idosa havia traído o marido e este descobriu, gerando toda a
situação. No referido caso, a realidade onde a mesma está
inserida, psiquicamente, há colocou num lugar de vítima e não
consegue resolver o sofrimento pois, o Ego foge da realidade
objetiva. Nesse caso, cabe ao terapeuta ajudá-la nessa resolução,
mas pelo fato da mesma possuir um per l estrutural de
personalidade psicótica (e não aceitar as medicações), ela
di cilmente irá atingir sucesso, pois, por anos ela insiste na busca
externa ao invés da interna (no Outro e não no Eu). Nesse
referido caso, é fundamental o psicanalista ter em mente que é
possível ocorrer um surto psicótico caso a mesma venha a
vivenciar a realidade objetiva do histórico.
Para situar o leitor na quarta estrutura da personalidade,
creio que a melhor forma seja relatar casos por completo,
incluindo um parecer analítico para elucidar os detalhes:

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Estudo de Caso 1.
Paciente, Sra E., do sexo feminino, 58 anos, solteira. Vive
com a mãe idosa que depende dela para tudo. A Sra. E. informou
que tem um lho na faixa dos 40 anos de idade.
A Sra E. me procurou para atendimento psicanalítico sob
uma demanda de ter um sofrimento contínuo que perdura pela
vida toda. Ela se demonstrou muito preocupada em obter um
diagnóstico pois já havia recebido vários e nenhum deles parecia
fazer sentido para ela. Reclamou de muitas medicações, uma vez
que fez uso durante longo tempo e nenhum lhe surtia efeito
desejado, ao contrário, ela sentia-se mal com as medicações para
controle de humor, depressão etc. A paciente informou ter
recebido vários diagnósticos ao longo da vida: arritmia cerebral,
bipolaridade e borderline (por pro ssionais diferentes).
Durante todo o período de 6 meses de sessões comigo (1
vez por semana), ela sempre se demonstrou calma e tranquila,
apenas sempre angustiada com um sofrimento constante. Ela
dizia: “Se eu penso na minha vida, eu nunca lembro de ter sido
feliz.”. No entanto ela mesma relatava que haviam momentos em
que ela se irritava e perdia o controle, e tinha medo de, em
algum momento, machucar a mãe a qual ela cuidava.

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Durante a entrevista foi indagado à ela como havia sido a


infância e o relacionamento com os pais. A Sra E. relatou que
sempre se relacionava muito bem com o pai, que ele era muito
parecido com ela, ao contrário da mãe, onde havia uma relação
muito ruim, chegando a desentendimentos sérios. Relatou
também que a mãe impediu seu relacionamento amoroso com
um amor de sua vida, alegando que E tinha problemas mentais (e
que não era normal). Como consequência, ela veio a engravidar
desse amor e a mãe não a deixou criar o lho e nem o pai
biológico registrá-lo. Ela relatou que sua mãe era manipuladora e
agiu assim com seu lho, induzindo-o desde criança a chamar a
avó de mãe, fato que ocorre até hoje. Uma das demandas que
surgiram posteriormente, se pontuava no problema da não
aceitação e incomodo do seu lho lhe chamar pelo nome, e não
de mãe. A outra demanda estava relacionada ao fato de ter que
cuidar da mãe, a qual sempre lhe zera muito mal durante a vida
toda (em suas palavras).
No decorrer de todas as sessões, a Sra E. sempre
demonstrou grande consciência dos fatos e de sua situação, não
culpando seu lho mas com uma culpa para com a mãe. Seu pai
ja havia falecido anos antes, então eram somente as duas
dividindo a casa.
A Sra E. é repetitiva em relatar que sempre gostou de car
sozinha, não se relacionava bem com outras pessoas. Não

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gostava de abraços ou toques. Relatou que era um sacrifício


muito grande ter que cuidar da mãe, pois preferia car sozinha e
que haviam momentos em que ela queria deixar a mãe com os
irmãos e cuidar de sua vida. Em contrapartida, o pensamento de
deixar a mãe lhe implicava um peso na consciência. Devido a
isso a Sra. E. demonstrava um SuperEgo atuante, onde se
observou um con ito entre sua felicidade por não precisar
conviver com outras pessoas e o deixar a mãe, na qual poderiam
não cuidar adequadamente dela.
Em todas as sessões a paciente era insistente em pedir
ajuda para descobrir o que ela tinha, ou seja, insistindo num
diagnóstico. Foi explicado a ela que psicanalistas não fornecem
diagnósticos, mas que atuamos conforme a teoria freudiana de
análise do per l e das demandas. Foi explicado a ela, na primeira
sessão, sobre como funciona a associação livre e como se dariam
os atendimentos.
Numa conversa mais detalhada com a Sra E., no decorrer
das sessões, ela comentou que, quando pequena, encontrava
uma di culdade enorme de se relacionar com as outras crianças.
Relatou problemas de aprendizado na escola e que não tinha
relacionamentos, sem amigas ou amigos. Relatou também que
era interpretada como uma menina que não “se misturava”, que
dava a entender, e a viam como uma pessoa prepotente, mas ela
permaneceu alegando que preferia car sozinha e não falar com

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os outros. Ela não se sentia a vontade, não tinha manejo com o


outro.
A Sra E. relatou também que a mesma característica lhe
acompanha até os dias atuais, onde familiares reclamam de suas
reservas e relacionamento, principalmente porque ela não
demonstrava ter sentimentos de empatia e falava o que pensava,
informando que odiava as mentiras e que tinha que falar o que
era necessário. Reclamava de ter que ir nas reuniões de família.
Fazia o mesmo quando na época de seu trabalho (em empresa
privada). Ela ia aos eventos mas logo quando possível, retornava
para casa para brincar com seus gatos e car na companhia
deles.
Foi indagado à ela de como foi a vida e relacionamento
com colegas na empresa onde trabalhou por anos. Relatou que
todos gostavam dela e pelo fato de ser extremamente metódica e
organizada, lhe atribuíram funções a mais na administração: “só
eu sabia organizar bem os chários e deixar tudo no lugar certo.
Era minha rotina e me via feliz nessa época”.
Com o passar das sessões (online) eu percebia que ela
não olhava nos olhos, sempre desviando quando podia. Então a
indaguei se ela percebia isso. A mesma disse que sim e não
gostava de olhar porque achava imprudente, e isso lhe
incomodava.

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Nesse momento comecei a suspeitar de uma possível


característica do TEA, a nal, ela já havia demonstrado várias até
então, como por exemplo: não gostar de abraços e toques; ter
tido di culdade de aprendizado (e ainda possuir); não gostar de
car ou se relacionar com pessoas; não ter uma empatia com os
outros ao dizer algo (em momentos oportunos e inoportunos),
independente de ofender ou não. Havia também todo o relato
descritivo de ser muito organizada e sentir-se bem em rotinas
(metódica).
A partir desse momento eu iniciei uma análise mais sutil,
onde a indaguei se ela gostava de música (geralmente o som de
música pode perturbar muito o autista) e então eu poderia
veri car se havia coerência, ou não, em outros sintomas. A Sra E.
relatou que gostava de música, não muito alta, mas gostava de
car em sua rotina e car ouvindo certos tipos de estilos
variados. No entanto ela comentou: “Olha, música ok, mas se
tem uma coisa que me deixa muito louca é voz de mulher, eu
quase surto! Eu não consigo car muito num lugar onde aquelas
vozes cam me perturbando e aquela mulherada não ca quieta.
Eu saio e vou embora.”
Eis então que um sintoma a mais parecia ter coerência
com os demais. Retomamos mais “retornos ao passado”, para ela
tentar lembrar de momentos em que ela se sentiu feliz e de
quando ela começou a perceber que algo lhe atingia da forma

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como reclamava na demanda. A paciente relatou que sempre foi


assim, mas haviam alguns momentos de paz, que era quando
estava com o pai sozinha e uma vez que cou na sala, por mais
de uma hora, olhando para um quadro na parede. Eu indaguei:
“O que você via naquele quadro?”, ela respondeu: “Não sei ao
certo mas parece que via minha vida lá, era uma paz tão boa que
eu cava como hipnotizada”. O presente relato, reforçado por
outros similares, reforçou ainda mais a hipótese. Optei em fazer
uma sessão somente para explicar-lhe o que era o TEA,
elucidando sobre seu amplo espectro e que o autismo possui
muitas características que se encaixavam com ela.
Por um bom tempo ela foi relutante em perceber e
aceitar, mas naquela sessão eu havia comentado sobre as
previsões comportamentais que a teoria sobre o TEA fazia. Aos
poucos a Sra E. foi pesquisar por si mesma, e trazia suas
demandas para a sessão, como por exemplo num dia que
estávamos falando sobre a estereotipia. Naquele momento ela já
havia elevado seu nível de compreensão, e comentou que ela,
quando pequena, fazia os movimentos (de balanço do corpo) e
se sentia bem, mas com o tempo ela converteu por “ car tocando
a mão na orelha”, como se zesse carinho. Isso a relaxava. Seu
relato trouxe a tona mais um sintoma observável, pois ela relatou
que em vários momentos se percebe mexendo em sua orelha
como que num balançar. Com o passar das sessões eu fazia

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análises e investigações discretas, perguntando se ela gostava de


algum tipo de alimento e sondando se havia correlação de uma
quantidade maior de sintomas e características do autismo. Sim,
ela havia comentado que alguns tipos de alimento não lhe
proporcionava sensação boa na língua. Este era mais um dos
fatores. Não é incomum alguma pessoa com TEA relatar algum
tipo de sensibilidade com certas texturas de alimento.
No decorrer do período do tratamento terapêutico eu
dediquei algum tempo em estudar o Transtorno do Espectro
Autista, e após a leitura de vários periódicos cientí cos eu pude
avaliar a amplitude do espectro e perceber que a origem é
praticamente genética/hereditária. Por esse motivo, pedi que ela
relatasse sobre o pai, alguém que ela declarou ser muito bom,
que lhe fazia bem e era parecido. A Sra E. relatou que seu pai era
como ela, mais discreto, ouvia a mãe controlar e mandar em
tudo e ele “fugia” de certos momentos, onde ela ( lha) pedia para
ir embora e levar ela com ele. Aqueles relatos me zeram
acreditar que seria possível que o pai também possuísse algum
grau de autismo ou uma possível personalidade autista. Embora
impossível se ter certeza, ao menos era uma hipótese a ser
considerada.
Todo esse cenário nas sessões, eram intercalados com as
demandas familiares da Sra E., para que o foco não parecesse
uma análise investigativa e sim uma associação livre de

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pensamentos (na busca de insights), assim, então, se inferiam os


questionamentos e, por vezes, algumas paradas para que algo
fosse pontuado.

Parecer Psicanalítico
Cada psicanalista possui sua liberdade de atuação.
Alguns optam por um caminho no setting analítico e outros
escolhem outras técnicas ou métodos variantes da associação
livre.
Eu possuo o hábito de ir formando uma visão do per l
estrutural de cada paciente para que seja possível escolher o
manejo adequado para cada um deles, obviamente, ajustando o
tratamento à subjetividade e característica própria do analisando.
Considero isso importante pois não é possível um manejo
adequado, senão até arriscado, quando não se conhece bem o
paciente e as técnicas psicanalíticas, por exemplo, trazer
pacientes com per l psicótico para a realidade objetiva pode
desencadear um surto psicótico.
No caso da Sra E., eu não conseguia “encaixa-la” nos
per s estruturais da personalidade padrões, elaborados por Freud.
Embora tudo sugerisse um per l psicótico(devido histórico de
diagnósticos), ela não se encaixava nas várias características, por
exemplo: em geral o per l psicótico não tem sentimentos de

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culpa (baseados em sua realidade psíquica), ou seja, não se


sentem culpados, ao invés disso colocam a culpa no Outro
(objeto). Inclua-se também; a Sra E. não parecia viver uma
“realidade paralela”. Ela sempre demonstrou muita consciência
da realidade objetiva (fato esse que veio a colaborar muito no
tratamento).
A paciente relatou que nunca ouviu vozes ou teve visões
(alucinações). Relatou incomodo com medicamentos que
deveriam aliviar as demandas das psicoses. Em suas palavras, tais
drogas a deixavam “chapada”. Nos relatos, ela também foi
enfática em dizer que nunca pensou em suicídio e sempre
demonstrou um SuperEgo bem estruturado, tanto que guardava
suas magoas com a mãe para si, e evitava de expor ao lho,
buscando protege-lo. Essas atitudes não condiziam com o per l
estrutural psicótico, tanto que ao ser analisada/observada nas
sessões, não demonstrou problemas quando voltou a lembrar do
passado e pareceu sempre lidar bem com a realidade social.
Descartando o per l estrutural de personalidade
psicótica, me restavam apenas dois, o neurótico e o perverso.
Nesses, ela parecia transitar, ora por um, ora por outro, algo
também que passa a ser incoerente. Enquanto o neurótico sente-
se culpado e carrega mágoas que o deixam pior por “aumentar”
os problemas, por outro lado ela se demonstrava totalmente “não
empática”, ou sequer com algum relato de culpa por ter falado

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algo a alguém (que precisava ouvir a verdade). Em sua realidade,


os toques e contatos físicos eram mínimos e se limitavam ao lho
e muito pouco à mãe, porém com outras pessoas ela não
demonstrava culpa quando entrava em algum tipo de crise
(surto). Ela sempre expressou ter boa saúde e não haviam relatos
de psicossomatização, comumente possíveis de ocorrer nas
neuroses e psicoses.
Até aquele momento eu estava atento à possibilidade do
autismo, mas buscava descartar as outras opções plausíveis.
Nesse caso me restava somente a opção do per l estrutural de
personalidade perversa. No entanto existiam vários elementos
que pareciam inconsistentes, tais como: Se ela fosse do per l
perversa, com todo o histórico da mãe, ela possivelmente a teria
abandonado e deixado para que os irmãos cuidassem. Focamos
muito nessas sessões sobre a opção de cada escolha e suas
consequências psíquicas, em todo o contexto ela demonstrou
empatia e sentimento de culpa se deixasse a mãe, tão verdade
que a Sra E. jamais a abandonou e a cuida até os dias atuais. Ora
isso era muito incoerente com o per l perverso pois este possui,
em sua característica, uma baixa (ou ausência) de culpa ou
importância, assim como uma valorização do “eu” como
principal. No decorrer das sessões de análise, sobre suas questões
sexuais, haviam traços e características que sugeriam o fetichismo
mas quando ela enfatizava detalhes dos atos sexuais, estes eram

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A Quarta Estrutura da Personalidade Psicanal tica Sandro Fontana

mais condizentes com o TEA, evitando abraços e muita interação


romântica/social.
Quando me convenci de que o TEA era algo mais
coerente do que os outros per s estruturais da personalidade,
decidi atuar de forma diferente no manejo. Desde então o
trabalho foi focado numa linha psicanalítica dinâmica, onde o
ponto central era ajudar a promover o maior número de insights
e, conforme fossemos evoluindo nas resistências da paciente, ela
fortalecia-se através do Ego na administração dessas demandas
(as ambivalências). Com o tempo, desde a primeira sessão, a Sra
E. passou a mudar parte do comportamento, não com os outros
inicialmente, mas consigo mesma. Ela passou a notar-se e se
perceber de outra maneira, compreendendo suas atitudes e como
lidar com os “esforços necessários” para conviver em sociedade.
Passou aceitar-se no sentido de não gostar de car junto à outras
pessoas, assim como ser tocada (exceto por quem ela permitisse).
Esse sentimento melhorou pois a mesma sentia-se mal por ser
assim e, portanto, infeliz porque se sentia rejeitada e se achava
uma pessoa má, de hábitos ruins (dito por pessoas próximas).
Conforme o tempo foi passando, essa auto-aceitação e o
reconhecimento de seus limites, assim como um exercício
constante em busca de elaborar rotinas e ajustar suas
necessidades, ela passou a demonstrar (e comentar) uma forte

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melhoria na qualidade de vida, comparada com o tempo


pregresso ao tratamento psicanalítico.
Ainda nesse contexto, é importante saber que o TEA
possui um nível muito difícil de diagnóstico, por isso não cabe ao
psicanalista faze-lo, mas sim, ao menos, percebê-lo para que
possa aplicar o manejo adequado e obter melhores resultados.
Com isso, implicam também as características do autismo que
não foram observadas, isto é, não é porque o paciente não
possua todas as características, que ele deixa de apresentar o
transtorno do espectro autista. Em outras palavras, haviam muitos
dos traços sintomáticos/característicos que não estavam
presentes, por exemplo: Problemas de fala (provavelmente o
espectro da Sra E. não incluía essa característica); incapacidade
de identi car/sistematizar expressões faciais (não foi possível
analisar adequadamente nas sessões);
Assim como as características comentadas acima, podem
haver outras e é importante que o psicanalista esteja atento(a).

Estudo de Caso 2.
A resolução de uma demanda numa sessão de 35
minutos? Ao ler isso, parece algo muito pouco provável, não?
Para melhor explicar o caso 2, necessito recorrer a Lacan no que
se refere ao tempo de uma sessão, mas antes, expõe-se o caso:

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Numa roda de colegas de trabalho (não do meio


psicanalítico) se falava sobre diversos assuntos, quando então
surgiu o tema: Família. Uma de minhas colegas relatou seu
relacionamento com os pais e os lhos e nesse meio tempo pude
perceber o olhar e gesto de outra colega (chamaremos de Srta.
C). Esta falou através do corpo, onde suas expressões faciais me
chamaram a atenção e então sentei ao seu lado para um
“atendimento assistencial rápido”.
Frente a frente com a Srta. C, a indaguei se ela desejava
falar e, se sim, que me falasse mais sobre seu pai, e seu
relacionamento com ele. Isto por que, cerca de 1 hora antes, eu
estava explicando ao grupo de colegas, como ocorria o processo
do complexo de Édipo nos meninos e meninas.
Comentei com ela que eu percebi uma certa expressão de
tristeza (discreta) enquanto as mulheres estavam falando sobre
seus pais. Então ela decidiu falar: “Sabe, eu amo muito meu pai!
Eu acredito que ele me ama também. Ele sempre fez tudo por
mim, mas não sei porque, mas muitas vezes ele parece tão frio. A
minha explicação para isso sempre foi de que ele foi criado dessa
forma, então ele me dava presentes, mas não me pegava no colo,
e não parecia gostar de me abraçar, mesmo que tentasse
demonstrar de outra forma.”
Eu perguntei: “Seu pai era assim somente com você ou
com outras pessoas também?”. Ela respondeu: “Com todo

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mundo. Acho que meu pai me ama mas não sabe demonstrar
muito bem isso, como se fosse parecer uma fraqueza para ele.”
A conversa (ou sessão?) se alongou por mais alguns
minutos e ouvi-la relatando sobre a relação com o pai e suas
características, me fez decidir comentar com ela sobre uma tese
na qual eu vinha amadurecendo a ideia e confrontando hipóteses
com fatos.
Expliquei rapidamente à Srta. C sobre os per s estruturais
da psicanálise e que eu pretendia aprofundar meus estudos sobre
a possibilidade de um quarto per l psicanalítico: o autista.
Expliquei a ela também que o per l não se trata necessariamente
de uma psicopatologia, mas sim de características que as pessoas
possuem e, se forem desenvolver alguma doença psíquica/
psicológica, essa tenderá para caminhos especí cos do TEA.
Nesse momento eu inverti a situação, isto é, eu procurei
falar à ela sobre as características do autismo leve como uma
personalidade. No momento em que eu acabei de expor as cerca
de 20 situações ela me olhou e disse: “Nossa! Você acabou de
descrever o meu pai! E você nem o conhece!”.
Eu respondi a ela: “Então é muito provável, pois não
posso a rmar nada sem conhecê-lo ou tratá-lo, que seu pai
possua uma personalidade do autismo” (fato que não implica em
ser um autista devido o nível das variáveis).

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Os olhos da Srta. C brilharam naquele momento,


demonstrando vários insights enquanto conversávamos. Foi algo
como se o cérebro dela zesse uma revisão completa de sua
vida, de suas incertezas com o pai e perlaborasse uma enorme
quantidade de pendências e perguntas. Em continuação à aquela
“breve terapia” eu expliquei a ela sobre como a mente da
personalidade autista funcionava e isso foi gerando mais
elaborações por parte dela. Uma das explicações que me
pareceram fazer muito sentido a ela foi: “Talvez você, por padrão
social, tenha criado uma expectativa de seu pai, mas é bem
verdade que ele sinta muito amor por você, mas não consiga
demonstrar. Então quando não pegava você no colo, não era por
falta de amor, mas porque aquilo não fazia muito sentido para a
mente dele. O autismo leve, ou uma personalidade autista possui
algumas variações, e dentre estas está a incapacidade de
automatizar sentimentos, inclusive perceber os seus por ele.”
A nossa breve conversa fez tanto sentido a Srta. C que
cava muito evidente toda uma ressigni cação de sua vida em
poucos minutos. Um sorriso discreto e olhos lacrimejantes
traziam ao mundo exterior que tudo agora parecia fazer sentido.
Que todo aquele comportamento do pai e seu grande amor por
ele ganhavam uma nova visão e interpretação.
No dia seguinte, no café da manhã (pois estávamos em
um hotel a trabalho), a Srta C veio ao meu lado e sentou-se,

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relatando que a mente dela não parava de pensar em tudo que


havíamos falado no dia anterior. Ela comentou que ligou de
manhã cedo ao pai para poder contar-lhe que o amava demais e
que depois de uma conversa com seu colega de trabalho, ela o
compreendia melhor.
Devido ao caso não ser um tratamento psicanalítico
convencional, ao que pude perceber é que, de alguma forma,
havia uma pendência emocional dela quanto a essa relação com
pai. Algo como um amor dela não reciproco ou retribuído, e que
passou a fazer todo um sentido depois daquele momento.

Parecer Psicanalítico
Segundo Lacan, as sessões não necessitam de um padrão
de tempo especí co, desde que o analisando consiga obter
algum tipo de aproveitamento. Inicialmente eu não acreditava
muito nessa teoria, mas hoje penso diferente.
No caso citado, foi possível perceber uma real e cácia
numa breve sessão de casualidade. Ela não era minha paciente,
mas é muito comum eu ajudar vários amigos e colegas a se
compreenderem melhor, pela psicanálise e neuropsicanálise.
Mesmo assim, foi possível perceber que a elaboração e os
insights não necessariamente precisam ocorrer somente pela fala
do paciente. As vezes a livre associação ocorre através de alguma

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explicação, ou até mesmo em sala de aula, pois o analisando


recebe algum conhecimento técnico e aquilo passa a fazer tanto
sentido que uma mudança de comportamento surge a partir
daquele momento.
No caso da Srta. C, quando ela iniciou seu breve relato
(em sua demanda informal), eu a interrompi para veri car se o
pai realmente possuía tais características. Naquele momento duas
coisas poderiam acontecer: Ela dizer algo, a rmando que aquilo
não fazia sentido algum; ou então os ditos preverem e
complementarem sua visão, gerando assim um vínculo
transferencial rápido com minha pessoa. Foi o que aconteceu.
Dentre a série de características que eu forneci, até o
momento, sobre uma possível personalidade autista, incluí-se a
“particularidade da ingenuidade”, isto é, se faz muito comum
alguns autistas parecerem “bobos” por não perceberem certas
brincadeiras (mal intencionadas) e estarem propensos a certos
controles e dominações por parte de pessoas próximas ou não. A
Srta. C a rmava observar muito desses traços no pai.
Infelizmente não tratei o pai da Srta. C no setting
psicanalítico e não sei se ele possui alguma demanda a ser
tratada, mas pude ter certeza que foi mais um caso resolvido
satisfatoriamente numa única sessão, baseando-se na teoria de
que existe o quarto per l estrutural da personalidade.

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Estudo de Caso 3.
Para ser mais didático e exempli cativo, além do Caso 1, que foi
uma experiência antiga, relato um caso recente, demonstrando assim que
algumas características de personalidade estrutural autista se repetem e o
manejo sugerido no capítulo 6 pode ser funcional, até que seja
aprimorado ou remodelado.
Paciente Sra V., sexo feminino e 39 anos de idade. Procurou
terapia devido uma demanda constante de se sentir perdida e não
entender sobre um sofrimento que lhe a igia durante sua vida toda. Em
geral sentiu-se sempre comandada, usada e sem muita chance de
escolhas.
Sra V. nasceu em uma família aparamente desestruturada, onde o
pai parecia ser submisso a mãe, e esta sem muita atenção com as
crianças. Paciente relatou vários abusos sexuais durante a infância e
adolescência, onde haviam festas em sua casa com diversas pessoas e
mãe conivente.
Em certo momento da infância o pai adoece e torna-se acamado,
e dependente para tudo. Nesse tempo, Sra. V. percebe os maus tratos e as
traições da mãe com o pai, e foi quando a mãe opta pelo caminho da
prostituição; A Sra V. cou com pai até certa idade e depois foi criada pela
irmã mais velha.
Sra V. é casada e tem 2 lhos. Relata descontentamento com o
casamento, onde alegou não ter escolhido o marido; esta escolha feita por
sua mãe. Conta também, nas sessões, que sofreu com abusos e traições do
esposo, mas atualmente lida melhor com a situação. Comenta que

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pretende se separar mas não o faz por estar com uma lha ainda pequena
e não conseguir manter-se nanceiramente.
Atualmente trabalha como autônoma e estagia em uma clínica,
porém, planeja dar andamento em duas atividades pro ssionais por algum
tempo até nalizar seus estudos.
A Sra V, relatou que faz uso de benzodiazepina para controle da
ansiedade e colaboração para o sono.
Como faz parte de minha rotina, desde nossa primeira sessão eu
busquei analisar a subjetividade da paciente, suas demandas (que na
época era a descrita acima) e seu per l estrutural da personalidade. No
início eu cheguei a acreditar que ela possuía uma estrutura neurótica,
baseando-me nos diversos relatos, onde ela sugeriu-me se sentir vítima de
todo um contexto em sua vida etc. Conforme as sessões ocorreram, eu
havia desistido de tal pensamento, logo, o manejo esperado não seria
apropriado. Daquele momento em diante eu comecei a indagar qual
personalidade lhe parecia “dominadora”, uma vez que nem sequer
cogitei, na época, uma personalidade estrutural autista. Pensei
secundariamente num estrutural psicótico, descartando a personalidade
perversa (não haviam traços claros e nem subjetivos naquele tempo).
A personalidade estrutural psicótica pode ser muito empecida de
se veri car no início, principalmente quando seu “grau” é muito baixo/
sutil. Sendo assim, a realidade apresentada pela paciente pode ser algo
sem relação alguma com a realidade objetiva, di cultando a percepção
do psicanalista. Uma paciente pode chegar ao consultório e contar toda
uma estória, mas essa pode não ser necessariamente algo verdadeiro ou
real. Algo que deve ser analisado, é quando a estória não se sustenta e
acaba se contradizendo ao longo do percurso do tratamento.

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Levantei a possibilidade de uma personalidade psicótica quando


a Sra V. relatou uma das brigas com o marido, momento no qual ela
descobrira uma das traições dele. Ambos discutiam na cozinha, quando a
Sra V. pegou um faca e en ou na perna do esposo em um momento de
raiva.
Inicialmente eu havia descartado a personalidade neurótica por
ela não aparentar, e nem relatar sentimentos de culpa, inclusive reportou
não se sentir traumatizada pelos abusos sexuais sofridos na infância e
adolescência, pelo cunhado e irmã mais velha. No entanto, devido os
demais relatos, ela não aparentava características psicóticas, uma vez que
sempre se demonstrou muito concisa e coerente com a realidade objetiva.
Nessa mesma observação, ela não sugeria culpa ao Outro e não haviam
históricos de psicose na família.
Sem conseguir perceber a qual personalidade estrutural a Sra V.
pertencia, foi um pouco difícil de de nir um manejo adequado, então
optei, inicialmente, em darmos andamento nos relatos e iniciarmos o
tratamento psicanalítico. Em certa fase da terapia, várias características
começaram a me sugerir que ela poderia se encaixar na quarta estrutura
da personalidade. Com base nesse pensamento, aos poucos, comecei a
indaga-la sobre formas de pensamentos, hábitos etc. Foi então que essas
características vieram a tona. A Sra V. comentou que era muito agradável
quando cava sozinha, que gostava de ter sua rotina e seus hábitos
desacompanhada de outras pessoas. Sua personalidade se caracteriza por
ser discreta e não falar muito. Quando indagada sobre sua organização
pessoal, a mesma relata que sempre foi muito organizada e metódica.
Comentou que não gosta de algo inesperado e que, por vezes, possui uma
mudança de humor muito forte (casos onde sai da rotina). Um detalhe que
me chamou a atenção, foi a falta de habilidade de expor seus sentimentos,

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onde sempre foi levada a fazer o que os outros lhe impunham, e isso
associado com uma baixa percepção de informações subliminares
(indiretas).
A Sra V. parece ter poucas amizades e mantem-se muito
reservada e descon ada com algumas pessoas, quando não, em muitas
vezes, ingênua.

Parecer Psicanalítico
Talvez uma forma oportuna e didática para analisarmos o caso 3,
seria compararmos com o estudo de caso da Sra E. (Caso 1).
Ambas as condições são muito parecidas, mas o que pode ser
bem destacado, ao observado, foi a “intensidade das características”, ou
seja, o “grau da personalidade”. Enquanto a Sra E. sugeria um caso de TEA
nível 1, a Sra V. estava mais distante de uma psicopatologia/transtorno, isto
é, ao que percebi, neste caso, eram as mesmas atribuições, porém de uma
forma muito branda, onde não a igiu o cognitivo, e com características
pouco pronunciadas da estereotipia adulta ou com alguma reclamação
relativa a tipos de sons ou ruídos especí cos. Sobre esse aspecto, a Sra. V.
relatou nas sessões, que locais barulhentos a incomodam, assim como
considera um massagear das mãos, um hábito estereotipado.
Uma certa frieza emocional parecia muito evidente nas sessões
com a Sra. V., identi cado pelo relato do momento da facada no marido,
assim como o fato de gostar de car só, de se considerar muito metódica,
de haver certa di culdade de socialização, da existência de muita
organização e do prazer em manter rotinas, dentre outros.

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Para uma análise mais comparativa, o manejo clínico foi


estruturado e executado da mesma forma, e com os mesmos resultados
apresentados no Estudo de Caso 1, descartando a hipótese das outras
personalidades estruturais.
É imprescindível salientar que existem algumas características em
comum entre as personalidades, onde essas poderiam induzir a um
entendimento de um per l estrutural perverso. Do mesmo modo, uma
aparente dissociação da realidade psíquica com a realidade objetiva possa
estar presente, existe também muitas semelhanças com a frieza emocional
da personalidade estrutural perversa. Por esse motivo, uma análise atenta
do psicanalista poderá detectar algumas características do psicótico e do
perverso, na personalidade autista.
Lembremos também que até pouco tempo atrás, o autismo era
considerado como uma psicose, logo, estava no grupo dos psicóticos.
Em comparação com o Estudo de Caso 1, após iniciarmos um
manejo que buscou uma melhor auto-compreensão, a Sra. V. passou a
apresentar melhoras signi cativas. A sensação relatada por ela foi: “parece
que o mundo se abriu para mim”, e dessa forma toda uma explicação e
estudo sobre a personalidade autista, fez todo um sentido para a
analisanda.
Um pouco diferente do Caso 1, em que o tratamento perdurou
por cerca de 6 meses, o Caso 3 surtiu um efeito muito bené co em apenas
4 meses. Esse olhar novo para si, pareceu ressigni car a visão que tinha
do Ego, trazendo algo que até então era inconsciente, para o consciente e,
dessa forma, ela aprendeu a lidar com suas demandas. De certo modo,
essa mudança na realidade psíquica acabou desencadeando uma

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autonomia persistente do Eu, permitindo que outras demandas surgissem e


pudessem ser trabalhadas no setting analítico.
Em sessões seguintes, podia-se facilmente perceber uma certa
felicidade devido novos planejamentos e rumos aos quais a Sra. V. parecia
ambicionar. Desde então a analisanda passou a melhorar seus planos e
estratégias para um futuro ao qual esperava atingir.
Em uma das sessões, a analisanda trouxe ao setting um momento
muito importante, relativo ao seu tratamento. Depois de ter sua vida
comandada por outras pessoas, ao longo de seu percurso até aquele
momento, ela fora colocada sob pressão para aceitar um cargo do qual
não desejava. A Sra. V. contou-me, com certo sorriso no olhar, que
conseguiu dizer “não” e que sentiu-se capaz de ter o controle sobre sua
vida.
Numa análise mais ampla, esse caso fez muito sentido para mim
quando ela demonstrou que, a falta de controle em sua vida não passava
de um sintoma, mas que pode ser resolvido de uma vez por todas, quando
identi camos e atuamos na causa. Neste caso, a causa era o não saber
sobre si mesma, em outras palavras, quando a causa principal tornou-se
consciente, cou mais fácil lidar consigo mesma.
A Sra. V. continua em tratamento [até a data de publicação deste
livro], e até o presente momento tem demonstrado total mudança de
comportamento e atitudes. As atuais demandas nada mais tem a ver com
aquela paciente que chegou, insegura, com uma infelicidade e angustia
no olhar e com um sentimento de desorientação. As sessões tem ocorrido
normalmente pela livre associação e as demandas secundárias sendo
resolvidas conforme o previsto pela linha psicanalítica tradicional.

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A Quarta Estrutura da Personalidade Psicanal tica Sandro Fontana

O AUTISMO (TEA) Capítulo 5

C
om o objetivo de complementar o capítulo
anterior, abordemos o Transtorno do Espectro do
Autismo de forma a enriquecer o conhecimento
do psicanalista para a sua atividade, no entanto devemos lembrar
que o per l estrutural da personalidade autista não representa o
transtorno em si, mas sim características tênues deste.
Segundo o DSM 5, que é um manual destinado orientar
pro ssionais da saúde para elaborarem diagnósticos, o TEA
possui uma série de características:

“As características essenciais do transtorno do espectro autista


são prejuízo persistente na comunicação social recíproca e na
interação social (Critério A) e padrões restritos e repetitivos de

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comportamento, interesses ou atividades (Critério B). Esses


sintomas estão presentes desde o início da infância e limitam ou
prejudicam o funcionamento diário (Critérios C e D). O estágio
em que o prejuízo funcional ca evidente irá variar de acordo
com características do indivíduo e seu ambiente. Características
diagnósticas nucleares estão evidentes no período do
desenvolvimento, mas intervenções, compensações e apoio atual
podem mascarar as di culdades, pelo menos em alguns
contextos. Manifestações do transtorno também variam muito
dependendo da gravidade da condição autista, do nível de
desenvolvimento e da idade cronológica; daí o uso do termo
espectro. O transtorno do espectro autista engloba transtornos
antes chamados de autismo infantil precoce, autismo infantil,
autismo de Kanner, autismo de alto funcionamento, autismo
atípico, transtorno global do desenvolvimento sem outra
especi cação, transtorno desintegrativo da infância e transtorno
de Asperger.
Os prejuízos na comunicação e na interação social especi cados
no Critério A são pervasivos e sustentados. Os diagnósticos são
mais válidos e con áveis quando baseados em múltiplas fontes
de informação, incluindo observações do clínico, história do
cuidador e, quando possível, autorrelato. Dé cits verbais e não
verbais na comunicação social têm manifestações variadas,
dependendo da idade, do nível intelectual e da capacidade
linguística do indivíduo, bem como de outros fatores, como
história de tratamento e apoio atual. Muitos indivíduos têm
dé cits de linguagem, as quais variam de ausência total da fala,
passando por atrasos na linguagem, compreensão reduzida da

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fala, fala em eco até linguagem explicitamente literal ou afetada.


Mesmo quando habilidades linguísticas formais (p. ex.,
vocabulário, gramática) estão intactas, o uso da linguagem para
comunicação social recíproca está prejudicado no transtorno do
espectro autista.
Dé cits na reciprocidade socioemocional (i.e., capacidade de
envolvimento com outros e compartilhamento de ideias e
sentimentos) estão claramente evidentes em crianças pequenas
com o transtorno, que podem apresentar pequena ou nenhuma
capacidade de iniciar interações sociais e de compartilhar
emoções, além de imitação reduzida ou ausente do
comportamento de outros. Havendo linguagem, costuma ser
unilateral, sem reciprocidade social, usada mais para solicitar ou
rotular do que para comentar, compartilhar sentimentos ou
conversar. Nos adultos sem de ciência intelectual ou atrasos de
linguagem, os dé cits na reciprocidade socioemocional podem
aparecer mais em di culdades de processamento e resposta a
pistas sociais complexas (p. ex., quando e como entrar em uma
conversa, o que não dizer). Adultos que desenvolveram
estratégias compensatórias para alguns desa os sociais ainda
enfrentam di culdades em situações novas ou sem apoio,
sofrendo com o esforço e a ansiedade para, de forma consciente,
calcular o que é socialmente intuitivo para a maioria dos
indivíduos.
Dé cits em comportamentos de comunicação não verbal usados
para interações sociais são expressos por uso reduzido, ausente
ou atípico de contato visual (relativo a normas culturais), gestos,
expressões faciais, orientação corporal ou entonação da fala. Um

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aspecto precoce do transtorno do espectro autista é a atenção


compartilhada prejudicada, conforme manifestado por falta do
gesto de apontar, mostrar ou trazer objetos para compartilhar o
interesse com outros ou di culdade para seguir o gesto de
apontar ou o olhar indicador de outras pessoas. Os indivíduos
podem aprender alguns poucos gestos funcionais, mas seu
repertório é menor do que o de outros e costumam fracassar no
uso de gestos expressivos com espontaneidade na comunicação.
Entre adultos com linguagem uente, a di culdade para
coordenar a comunicação não verbal com a fala pode passar a
impressão de “linguagem corporal” estranha, rígida ou exagerada
durante as interações. O prejuízo pode ser relativamente sutil em
áreas individuais (p. ex., alguém pode ter contato visual
relativamente bom ao falar), mas perceptível na integração
insatisfatória entre contato visual, gestos, postura corporal,
prosódia e expressão facial para a comunicação social.
Dé cits para desenvolver, manter e compreender as relações
devem ser julgados em relação aos padrões relativos a idade,
gênero e cultura. Pode haver interesse social ausente, reduzido ou
atípico, manifestado por rejeição de outros, passividade ou
abordagens inadequadas que pareçam agressivas ou disruptivas.
Essas di culdades são particularmente evidentes em crianças
pequenas, em quem costuma existir uma falta de jogo social e
imaginação compartilhados (p. ex., brincar de ngir de forma
exível e adequada à idade) e, posteriormente, insistência em
brincar seguindo regras muito xas. Indivíduos mais velhos
podem relutar para entender qual o comportamento considerado
apropriado em uma situação e não em outra (p. ex.,

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comportamento casual durante uma entrevista de emprego) ou


as diversas formas de uso da linguagem para a comunicação (p.
ex., ironia, mentirinhas). Pode existir aparente preferência por
atividades solitárias ou por interações com pessoas muito mais
jovens ou mais velhas. Com frequência, há desejo de estabelecer
amizades sem uma ideia completa ou realista do que isso
signi ca (p. ex., amizades unilaterais ou baseadas unicamente em
interesses especiais compartilhados). Também é importante
considerar o relacionamento com irmãos, colegas de trabalho e
cuidadores (em termos de reciprocidade).
O transtorno do espectro autista também é de nido por padrões
restritos e repetitivos de comportamento, interesses ou atividades
(conforme especi cado no Critério B) que mostram uma gama de
manifestações de acordo com a idade e a capacidade,
intervenções e apoios atuais. Comportamentos estereotipados ou
repetitivos incluem estereotipias motoras simples (p. ex., abanar
as mãos, estalar os dedos), uso repetitivo de objetos (p. ex., girar
moedas, en leirar objetos) e fala repetitiva (p. ex., ecolalia,
repetição atrasada ou imediata de palavras ouvidas, uso de “tu”
ao referir-se a si mesmo, uso estereotipado de palavras, frases ou
padrões de prosódia). Adesão excessiva a rotinas e padrões
restritos de comportamento podem ser manifestados por
resistência a mudanças (p. ex., sofrimento relativo a mudanças
aparentemente pequenas, como embalagem de um alimento
favorito; insistência em aderir a regras; rigidez de pensamento)
ou por padrões ritualizados de comportamento verbal ou não
verbal (p. ex., perguntas repetitivas, percorrer um perímetro).
Interesses altamente limitados e xos, no transtorno do espectro

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autista, tendem a ser anormais em intensidade ou foco (p. ex.,


criança pequena muito apegada a uma panela; criança
preocupada com aspiradores de pó; adulto que gasta horas
escrevendo tabelas com horário). Alguns encantamentos e rotinas
podem estar relacionados a uma aparente hiper ou
hiporreatividade a estímulos sensoriais, manifestada por meio de
respostas extremadas a sons e texturas especí cos, cheirar ou
tocar objetos de forma excessiva, encantamento por luzes ou
objetos giratórios e, algumas vezes, aparente indiferença a dor,
calor ou frio. Reações extremas ou rituais envolvendo gosto,
cheiro, textura ou aparência da comida ou excesso de restrições
alimentares são comuns, podendo constituir a forma de
apresentação do transtorno do espectro autista.
Muitos adultos com transtorno do espectro autista sem
de ciência intelectual ou linguística aprendem a suprimir
comportamentos repetitivos em público. Interesses especiais
podem constituir fonte de prazer e motivação, propiciando vias
de educação e emprego mais tarde na vida. Os critérios
diagnósticos podem ser satisfeitos quando padrões limitados e
repetitivos de comportamento, interesses ou atividades estiverem
claramente presentes na infância ou em algum momento do
passado mesmo que os sintomas não estejam mais presentes.
O Critério D exige que as características devam ocasionar
prejuízo clinicamente signi cativo no funcionamento social,
pro ssional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo
no presente. O Critério E especi ca que os dé cits de
comunicação social, ainda que algumas vezes acompanhados
por de ciência intelectual (transtorno do desenvolvimento

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intelectual), não estão alinhados com o nível de desenvolvimento


individual e que os prejuízos excedem as di culdades esperadas
com base no nível do desenvolvimento.
Instrumentos padronizados de diagnóstico do comportamento,
com boas propriedades psicométricas, incluindo entrevistas com
cuidadores, questionários e medidas de observação clínica, estão
disponíveis e podem aumentar a con abilidade do diagnóstico ao
longo do tempo e entre clínicos.” (DSM V - pags 53-54)

Contudo, é importante o psicanalista estar atento que


estamos elaborando aqui uma teoria para determinação de um
diferente per l estrutural da personalidade, portanto os traços e
sintomas característicos serão minimizados comparados aos
apresentados pelo DSM 5. Isso se torna previsto pois, como
sabemos, os transtornos e psicopatologias dos pacientes, re etem
um maior grau/nível em suas características basilares, por
exemplo, um paciente de per l estrutural psicótico, que tende a
“fugir da realidade”, quando acometido por um maior grau,
acaba por desenvolver a esquizofrenia, situação no qual o Ego já
está totalmente abalado e sem controle, onde uma realidade
psíquica não condiz mais com a realidade objetiva.

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Para tanto, a Dr.ª Sani Santos Ribeiro1 escreve em um


artigo:

“O autismo leve  é o transtorno de espectro autista de grau 1.


Embora não seja um  diagnóstico correto da medicina, é uma
expressão bastante popular, mesmo entre pro ssionais de saúde,
para descrever uma pessoa com alterações leves do espectro do
autismo, que consegue fazer quase todas as atividades diárias
como se comunicar, ler, escrever e ter cuidados básicos, de forma
independente.
Uma vez que os sintomas desse subtipo de autismo são bastante
leves, muitas vezes acabam sendo identi cados apenas por volta
dos 2 ou 3 anos de idade, quando a criança começa a ter maior
interação com outras pessoas e a realizar tarefas mais complexas,
podendo ser observados pelos familiares, amigos ou
professores… ()
()… Os sintomas característicos do "autismo leve" ou transtorno
do espectro autista de nível de suporte 1 podem abranger uma
destas 3 áreas:
1. Problemas na comunicação
Um dos sinais que pode indicar que a criança tem autismo é ter
problemas em se comunicar com outras pessoas, como não
conseguir falar corretamente, dar uso indevido às palavras ou não
saber se expressar utilizando palavras.
2. Di culdades na socialização

1 (https://www.tuasaude.com/autismo-leve/)

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Outro sinal muito característico do autismo é a existência de


di culdades para socializar com outras pessoas, como di culdade
para fazer amigos, para iniciar ou manter uma conversa ou
mesmo olhar as outras pessoas nos olhos.
3. Alterações de comportamento
As crianças com autismo têm muitas vezes alterações ao
comportamento que seria esperado de uma criança sem autismo,
como ter um padrão repetitivo de movimentos e xação por
objetos. De forma geral, algumas das características do autismo
que podem ajudar no seu diagnóstico são:
Relacionamento interpessoal afetado;
Riso inapropriado;
Não olhar nos olhos;
Frieza emocional;
Poucas demonstrações de dor;
Gostar de brincar sempre com o mesmo brinquedo ou objeto;
Di culdade em focar-se numa tarefa simples e concretizá-la;
Preferência por car só do que brincar com outras crianças;
Não ter, aparentemente, medo de situações perigosas;
Ficar repetindo palavras ou frase em locais inapropriados;
Não responder quando é chamado pelo nome como se fosse
surdo;
Acessos de raiva;
Di culdade em expressar seus sentimentos com fala ou gestos.

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Os autistas leves podem não ter alterações no nível da


inteligência, mas serem extremamente sensíveis a mudanças
inesperadas.” 2

Como foi possível observar, são diversas características e


elas possuem suas subjetividades conforme cada paciente, desse
modo, podemos elencar os seguintes traços observados em uma
personalidade estrutural autista de um adulto (para ns
psicanalíticos):
a) Di culdade de socialização, nem sempre percebida
pelo paciente;
b) Tendência prazerosa em car sozinho;
c) Sentir-se bem em rotinas;
d) Di culdade em expressar sentimentos e desejos;
e) Excesso de organização;
f) Hábitos muito metódicos e rigor com regras;
g) Pode aparentar frieza emocional em determinados
momentos (confundindo com personalidade perversa);
h) Sentir-se incomodado com algum tipo de som
(barulhos, música ou vozes);

2 (https://www.tuasaude.com/autismo-leve/)

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i) Necessidade de falar a verdade, sem percepção do


momento adequado;
j) Sensibilidade exarcebada a mudanças inesperadas;
k) Tendência a não olhar nos olhos;
l) Acessos de raiva, sem razão aparente (similar à
bipolaridade);
m) Em alguns espectros, di culdade de planejamento e
concentração para elaboração de tarefas simples até as mais
complexas;
n) Di culdade de percepção de certas ironias, piadas ou
atitudes abstratas de outras pessoas, parecendo ingênuo ou
“bobo” em determinadas circunstâncias;
o) Pode apresentar certas restrições de paladar a
determinados tipo de alimentos;
p) Estereotipia no adulto, que pode ser mexer na orelha,
ou algum movimento que lhe faça sentir-se bem ao executar;

Acima, deixei uma série de atributos que caracterizam a


personalidade estrutural autista, portanto, cabe ao psicanalista,
primeiramente, observar tais traços e descartar a possibilidade
das outras personalidades estruturais em seu paciente. Somente
após, é recomendado a aplicação do manejo descrito nesse livro,

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A Quarta Estrutura da Personalidade Psicanal tica Sandro Fontana

ou então, outro que demonstre-se oportuno ao psicanalista em


sua atribuição.

***

A psicanálise e a neuropsicanálise no que se refere ao TEA.


Aspectos importantes.

Embora pouco comentado nas escolas de psicanálise, e


entre os psicanalistas, Sigmund Freud sempre buscou um viés
cienti co em seus trabalhos. Um dos pontos importantes que
sempre haviam notação freudiana era com relação a
hereditariedade, ou seja, as propensões genéticas para as
psicopatologias estudadas. Não é difícil de encontrar, em toda
sua obra, inúmeras passagens que abordam essa problemática.
Desde Charcot até seus relatos de casos recentes ao longo de sua
trajetória. Para os que leram atentamente sua obra, ca fácil
perceber que Freud muda de opinião, diversas vezes, baseando-
se em suas percepções empíricas, sempre confrontando suas
ideias com psiquiatras e médicos de seu tempo, e buscando

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A Quarta Estrutura da Personalidade Psicanal tica Sandro Fontana

explicações melhores para a grande variação de patologias da


mente. Vejamos a seguinte citação:

Tentarei exempli car esse quadro esquemático etiológico


completo:
Efeito: Tuberculose pulmonar.
Precondição: Predisposição da constituição orgânica, baseada,
em sua maior parte, na hereditariedade.
Causa especí ca: Bacilo de Koch.
Causas auxiliares: Qualquer coisa que diminua a resistência -
tanto as emoções como as supurações ou resfriados.
O quadro esquemático da etiologia da neurose de angústia me
parece seguir o mesmo padrão:
Precondição: Hereditariedade.
Causa especí ca: Um fator sexual, no sentido de uma de exão da
tensão sexual para fora do campo psíquico.
Causas auxiliares: Quaisquer perturbações banais - a emoção, o
susto, e também o esgotamento físico devido a doenças ou à
estafa.
Examinando detalhadamente essa fórmula da neurose de
angústia, posso acrescentar os comentários que se seguem. Se
uma constituição pessoal especial (não necessariamente
produzida pela hereditariedade) é absolutamente necessária para
a produção da neurose de angústia, ou se qualquer pessoa
normal pode ter uma neurose de angústia devido a algum

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aumento quantitativo do fator especí co, é algo que não posso


decidir com certeza; mas inclino-me fortemente para a segunda
possibilidade. A predisposição hereditária é a mais importante
precondição da neurose de angústia… ()
Sigmund Freud - RESPOSTA ÀS CRÍTICAS A MEU ARTIGO SOBRE A
NEUROSE DE ANGÚSTIA (1895)

Assim como essa, existem muitas citações ao longo de


toda a obra freudiana, e nessa, como em diversas, Freud
considera que o fator genético passa a ser uma predisposição
necessária para que uma neurose ocorra. Ora, o que é uma
neurose senão um desencadeamento patológico de um per l
estrutural do neurótico? Então, aqui, surge um certo con ito: Um
per l estrutural neurótico nasce com aquela pessoa ou é uma
construção baseada na trajetória daquele ser humano, inclusive
pela fase edípica?
Freud não encerrou o assunto, pois como um “cientista
da mente humana” de sua época, possuía um viés investigativo
constante, no entanto o que dizem os estudos mais recentes
sobre mente humana no que se refere a personalidade e
psicopatologias?

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Alguns estudos3 recentes tem demonstrado que a


predominância da personalidade humana depende mais
(percentualmente) de fatores genéticos (hereditários) do que de
fatores ambientais. Em outras palavras, os resultados sinalizam
que o ambiente interfere numa predisposição existente em cada
pessoa, no entanto a in uência é um fator de menor efeito
determinante para a formação de uma personalidade.
Num dos estudos citados, os experimentos que levaram a
essa conclusão se baseou no acompanhamento de gêmeos
univitelinos (clones) que foram adotados por famílias diferentes.
Esse acompanhamento se fez por praticamente 2 décadas, até
que atingissem cerca de 20 anos de idade. Portanto foi possível
comparar uma mesma genética (dos gêmeos) que foram criados
em ambientes familiares diferentes, logo, se analisou as
semelhanças e diferenças nas personalidades, concluindo-se que
o ambiente foi um fator de menor impacto.
Mas o que pensava Freud já no nal de seus trabalhos?
Vejamos um trecho da obra Análise Terminável e Interminável
(1937):

3The genetics of human personality (2018); Continuity of Genetic and Environmental In uences on
Cognition across the Life Span: A Meta-Analysis of Longitudinal Twin and Adoption Studies (2014);
Genetic and Environmental Contributions to Personality Trait Stability and Change Across
Adolescence: Results From a Japanese Twin Sample (2015)

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A questão seguinte a que chegamos é a de saber se toda


alteração do ego - em nosso sentido do termo - é adquirida
durante as lutas defensivas dos primeiros anos. Não pode haver
dúvida sobre a resposta. Não temos razão para discutir a
existência e a importância de características distintivas, originais e
inatas do ego. Isso é certi cado pelo ato singular de que cada
pessoa faz uma seleção dos mecanismos possíveis de defesa, de
que ela sempre utiliza apenas alguns deles, sempre os mesmos
ver em [[1]].Isso pareceria indicar que cada ego está dotado,
desde o início, com disposições e tendências individuais, embora
seja verdade que não podemos especi car sua natureza ou o que
as determina. Ademais, sabemos que não devemos exagerar a
diferença existente entre caracteres herdados e adquiridos,
transformando-a numa antítese; o que foi adquirido por nossos
antepassados decerto forma parte importante do que herdamos.
Quando falamos numa ‘herança arcaica’ geralmente estamos
pensando apenas no id e parecemos presumir que, no começo
da vida do indivíduo, ainda não existe ego algum. Mas não
desprezaremos o ato de que id e ego são originalmente um só;
tampouco implica qualquer supervalorização mística da
hereditariedade acharmos crível que, mesmo antes de o ego
surgir, as linhas de desenvolvimento, tendências e reações que
posteriormente apresentará, já estão estabelecidas para ele. As
peculiaridades psicológicas de famílias, raças e nações, inclusive
em sua atitude para com a análise, não permitem outra
explicação. Em verdade, mais do que isso: a experiência analítica
nos impôs a convicção de que mesmo conteúdos psíquicos
especí cos, tais como o simbolismo, não possuem outras fontes

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senão a transmissão hereditária, e pesquisas em diversos campos


da antropologia social tornam plausível supor que outros
precipitados, igualmente especializados, deixados pelo primitivo
desenvolvimento humano, também estão presentes na herança
arcaica.
Sigmund Freud (1937)

Como foi possível notar, Freud já conseguia um vislumbre


da atuação genética sobre a personalidade humana, fator esse
convergente com os mais recentes estudos das neurociências.
Pensemos também que Freud não dispunha, na época, de uma
moderna metodologia, nem tampouco dados cientí cos, como
do genoma humano. Contudo ele sinalizou pontos cruciais para
uma demonstração coerente com a ciência moderna, de que os
fatores genéticos estão inseridos na personalidade e atuam como
“gatilhos” para condições ambientais (da formação do Ego).
Agora o leitor pode estar se perguntando: Por que se está
abordando tudo isso?
A resposta é simples mas não tão bem aceita no meio
psicanalítico, uma vez que muitos não são pesquisadores, mas
sim signatários de Freud e in uenciados por pensamentos
ideológicos, e não cientí cos.
Em se tratando da resposta, o mesmo se fez necessário
pois muitos psicanalisas e psicólogos optam pela não aceitação

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de que o TEA possui evidências de precondições genéticas e


hereditárias. Ao contrário, muitos ainda preferem acreditar que o
autista não nasce autista, mas se constitui ao longo das fases
iniciais de formação. Ora, isso não possui coerência alguma com
estudos mais modernos das neurociências4 e implica em possível
sentimento de culpa por parte da família, ambiente no qual a
criança está inserida. Pensando por esse viés, não é incomum
que muitos pais desenvolvam transtornos ou sentimentos de
culpa por algo que não lhes compete durante a criação dos
lhos, tanto para com alimentação bem como aplicações de
vacinas etc.
Até o momento, não se conseguiu mapear todos os genes
envolvidos numa condição de TEA, no entanto a predominância
observada chega em torno de 97% dos casos de autismo para
fatores genéticos e hereditários, deixando um pequena lacuna
para fatores ambientais, ainda sem resposta. No entanto, é
preciso compreender que, em se tratando de TEA não existe
apenas um gene que o determine, como por exemplo a Síndrome
de Down, mas sim um grande leque de possibilidades,
condizentes com amplo espectro de variações características do
transtorno.

4 Genetic Advances in Autism (2021); Autism spectrum disorder (2018)

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A Quarta Estrutura da Personalidade Psicanal tica Sandro Fontana

Baseando-se então nos estudos mais recentes das


neurociências, e isso inclui a neuropsicanálise (como atuante
terapêutico possível), podemos perceber que as percepções de
Freud já condiziam e apontavam para uma forte correlação
hereditária para a personalidade estrutural psicanalítica. Essas
análises de Freud condizem com outros estudos modernos, de
que psicoses e neuroses também percebem fatores genéticos e
hereditários como predominância5, incluindo comportamentos
criminosos6. Portanto, os resultados de estudos que abordam o
TEA, condizem também para a percepção de uma mesma
etiologia que as demais personalidades possuem, sinalizando,
cienti camente, uma coerência para tal hipótese como uma base
estrutural de uma personalidade psicanalítica.

5 Mapping genomic loci implicates genes and synaptic biology in schizophrenia (2022);
Schizophrenia in a genomic era: a review from the pathogenesis, genetic and environmental etiology
to diagnosis and treatment insights (2020);
6Genetic and environmental contributions to the relationship between violent victimization and
criminal behavior (2012);

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A Quarta Estrutura da Personalidade Psicanal tica Sandro Fontana

Importante: Todos os estudos citados em notas de rodapé aqui podem ser


consultados por seus nomes no site que concentra pesquisas cientí cas
mundiais diversas, no endereço:
https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/

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A Quarta Estrutura da Personalidade Psicanal tica Sandro Fontana

O MANEJO CLÍNICO
PARA A QUARTA
ESTRUTURA Capítulo 6

O
per l estrutural da personalidade autista, ainda
em teoria, consiste em um grande desa o aos
pro ssionais da área. Uma mesclagem de
características das demais personalidades padrões o compõe e
isso torna a demanda mais desa adora do ponto de vista
terapêutico. Como compreender e lidar com uma mente que
possui sentimentos de culpa em alguns casos, demonstrando uma
presença atuante do SuperEgo, mas em outros momentos é
totalmente inerte a sentir-se culpado ou sequer percebe o
inapropriado momento de atitudes? Como agir com aquele que
vive uma realidade objetiva mas não consegue interagir bem
socialmente? Como ajudar aquele que muitas vezes é
considerado um “bobo” por não perceber ironias ou brincadeiras
maldosas? Como contribuir para uma melhor independência

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emocional e sócio- nanceira para aqueles que muitas vezes


possuem di culdade de comunicação e interação social? Como
assistir aquele que pode mudar de humor repentinamente ao
estar incomodado com barulhos, tumultos etc? Como adargar
aquele que parece se sentir mal, ou incomodado, ao longo da
vida e possui uma di culdade de auto-compreensão e auto-
aceitação?
Acima se elaboraram perguntas que zeram parte de
demandas de meus pacientes com características de um per l de
personalidade autista. Subliminarmente a essas questões estão
parte de uma problemática usual deste per l e isso incorre em
um mal estar corriqueiro em suas vidas. Muitas vezes os
resultados práticos disso são percebidos em problemas no âmbito
do trabalho e na vida social. Não é incomum óbices relatados na
manutenção de empregos ou promoções de cargos, mas é claro
que isso dependerá da tendência dentro do espectro. Esse é um
fator que di culta muito a vida de pessoas com essa
personalidade. Enquanto alguns possuem seu espectro atingindo
negativamente a parte cognitiva, outros possuem um grande
atributo em sua inteligência e memória, colaborando para um
sucesso esplendoroso em determinadas áreas de atuação,
principalmente quando o “fator medo” deixa de existir, um
exemplo é o empresário Elon Musk. Mas como estamos falando
de realidade, ele é uma exceção. Sendo assim, uma correlação

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de di culdades no relacionamento social, na atuação cognitiva e


na interação com varias demandas do dia-a-dia, tenderão a gerar
muitos problemas às pessoas do per l de personalidade autista e,
deste modo, acabam ocorrendo uma busca por um tratamento
psicanalítico. Ok? Mas onde está o problema nisso?
O problema prático tem se demonstrado presente nos
devidos manejos psicanalíticos, isto é, esses pacientes procuram
ajuda e mesmo depois de um tempo de tratamento não
conseguem resolver suas demandas. Para o leitor ter ideia, todos
os pacientes que tratei, com tais características, já haviam
passado por psicoterapias sem solução alguma ou apenas
parciais (alguns por mais de 3 anos). Para adentrar nessa temática
se faz necessário expressar uma certa crítica ao meio
psicanalítico, uma vez que é oportuno uma análise mais ampla
sobre teorias (escolas) e certos conceitos sobre a atuação no
setting analítico. Em geral o meio pro ssional da psicanálise
aceita que muitos colegas pensem que a maior responsabilidade
da terapia é do analisando e que a “cura” somente poderá partir
dele. Esse mesmo grupo parece possuir uma visão ou
interpretação de que o psicanalista está ali somente para fornecer
um suporte em sua “auto-escuta” na livre associação e que,
inclusive, o psicanalista não deve gerar expectativas permitindo
que, mesmo de demore muito tempo, o paciente possa a ter seus
insights quando lhe for o momento apropriado. Em verdade não

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há problema algum em conduzir dessa forma, entretanto passa a


ser um obstáculo quando o resultado não aparece ou demora
muito a ser notado, algo que favorece a desistência do
tratamento.
No dia-a-dia eu costumo dizer que cada método ou
campo de atuação (inclua aqui psicólogos, religiosos etc) será útil
para determinado paciente. Pode acontecer de um paciente não
obter sucesso num tratamento psicológico mas ao adentrar no
campo religioso do espiritismo e conseguir resolver suas
demandas. Portanto esses campos de atuação terapêuticos e seus
manejos são como ferramentas que podem servir muito bem para
alguns mas ser totalmente inútil para outros.
De fato, a atuação prática da psicanálise não é fácil e não
existe um manual que a ensine em sua totalidade, dizendo o que
seria correto ou não e de como agir para cada um dos casos,
entretanto precisamos ter em mente que somos pro ssionais e
“vendemos” um tratamento que não é barato e que nosso cliente
espera por resultados, por esse motivo me posiciono contra a
responsabilização única do paciente como o “promotor” da cura.
Em se tratando de cura, dispensando as diversas opiniões
psicanalíticas, eu acredito na “cura” e na cura. É muito comum
aprendermos na escola de psicanálise que uma cura de fato não
existe, principalmente porque uma pessoa que possua um per l

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de personalidade especí co tenderá, ao longo de toda sua vida, a


propensão constante de problemas ou transtornos recorrentes.
Nesse sentido sim, então podemos considerar que um
psicanalista irá atuar na “cura” daquela demanda e ajudar o
paciente no fortalecimento do seu Ego para que possa suportar e
gerenciar (inclusive evitar) o retorno delas, ou se ainda assim
acontecer, que o mesmo ocorra de forma mais branda. Essa
situação descreve muito bem a “cura”, entre aspas, pois ela
jamais irá ocorrer de fato, uma vez que está em nosso DNA e
teremos que lidar com ela ao longo da vida.
Por outro lado, eu acredito na cura em sua forma mais
literal. Essa opinião se baseia na observância prática de vários
resultados. Um exemplo foi o estudo de caso 2, apresentado no
capítulo 4. Em outras palavras, dependendo da situação bastará
um insight e ocorre como se uma nova sinapse ligasse um novo
caminho entre as células do cérebro e este passasse a
compreender de forma diferente todo um contexto ou situação.
De forma simbólica poderíamos dizer que um bom psicanalista é
aquele “caçador de insights”, uma vez que eles são os
verdadeiros transformadores da perlaboração ou ressigni cação.
Para ilustrar melhor essa opinião vou relatar um caso de uma
amiga que vivenciou isso em sua análise e lhe tirou um
sofrimento que perdurou por anos:

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Ela, mulher adulta acima dos 40 anos de idade, solteira


por opção e trauma (segundo a mesma). Em seu relato CM
(pseudônimo) contou-me que teve muito sofrimento quando era
pequena, com a separação dos pais. O genitor abandonou a
família pois possuía relacionamento extra-conjugal. Em sua
percepção infantil, se sentiu responsável em cuidar dos irmãos
menores, mesmo ela tendo cerca de 7 anos de idade na época.
Sua vida levou a decepcionar-se com os homens e relatando não
conseguir se envolver em relacionamentos, inclusive bloqueando
paixões. Quando um relacionamento começava a car sério, ela
não queria mais. Talvez por um medo inconsciente? Não sei, eu
me limitei apenas a ouvi-la como amigo. No entanto uma
demanda que lhe gerava sofrimento era o relacionamento ruim
com sua avó, alguém que ela teve muito amor mas veio a falecer
sem essa resolução. Numa das sessões, sua terapeuta, retomando
às memórias infantis, voltaram para um momento em que
ocorreu um evento traumático. Um dia em que ela estava na casa
da avó com seu pai doente, sua avó a trancou no banheiro e ela
percebeu que isso tinha ocorrido pois a amante do pai foi visita-
lo enfermo, e a avó não queria que ela descobrisse sobre essa
namorada do pai (mas ela ja sabia). Aquele momento foi tão
decepcionante para ela que, ao recordar, a lembrança a irritava
profundamente, fato esse que alegava nunca ter perdoado a avó
pelo que lhe fez: “Imagina!? me trancou pequena num banheiro

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para que a amante do meu pai pudesse car lá com ele!”. Ao


relembrar o ocorrido, e sob lágrimas no setting analítico, a
psicanalista a interrompeu e perguntou: “Você já pensou que sua
avó poderia ter feito isso para te proteger naquele momento.
invés de estar ajudando seu pai com a namorada?”.
Ela contou-me que naquele instante foi como se tudo na
sua vida parecesse ter um novo sentido. Ela nunca tinha pensado
por esse prisma e sempre mantinha sua percepção infantil
daquele fatídico instante de sua vida. Nas palavras dela: “Fontana
foi algo incrível! Naquele momento tudo passou a fazer sentido
na minha vida com relação a minha avó. Foi algo tão marcante
porque eu não conseguia perdoa-la e guardei essa mágoa, e
desde aquele momento eu passei a ver minha avó da forma
amorosa de sempre. Foi algo tão impactante que na mesma noite
eu sonhei com minha avó, no qual sentamos e conversamos e
nos abraçamos. Acordei em lagrimas e tirei um peso enorme das
minhas costas, algo que me incomodou sempre e eu nunca
conseguia esquecer e nem conversar com ela sobre isso enquanto
ela estava viva”.
Assim como no caso 2, exempli cado no Capítulo 4, esse
é mais um em que uma cura, sem aspas, ocorreu de fato. Por esse
motivo precisamos compreender que existe a “cura” e a cura.
Toda essa introdução se fez necessária para situarmos
algumas compreensões, principalmente porque pretendermos

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concentrarmos num manejo com pacientes de personalidade


autista.
É fundamental salientar que o descrito aqui não possui a
pretensão de encerrar o tema, nem tão pouco de ser um manejo
único, pelo contrário, deixo a expectativa de que outros
psicanalistas venham a colaborar ainda mais para a resolução de
tais demandas.
É oportuno comentar também que esse manejo foi
baseado em resultados positivos obtidos em sessões práticas, mas
sabemos que cada ser humano possui suas demandas particulares
e características únicas, mesmo com outros padrões.
Primeiramente vamos abordar os fatos que foram
recorrentes entre os pacientes, permitindo assim uma visão mais
ampla.
Dos pacientes tratados, todos já haviam passado por
terapias anteriores sem sucesso. A queixa recorrente vinha de
uma sensação de não saberem quem eram ou que pretendiam de
suas vidas, um sofrimento que lembrava uma dor e infelicidade
contínua, algo como, se olhassem para trás e percebessem não
terem feito nada que gostavam, que sempre foram levados ou
conduzidos por outros.
As lembranças de suas histórias, inclusive infantis, não
pareciam ter-lhes afetado drasticamente na personalidade em si,

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A Quarta Estrutura da Personalidade Psicanal tica Sandro Fontana

senão pelo sentimento de raiva com aqueles que lhes “ zeram


mal”. Esse sentimento perdurava somente no momento da
lembrança, desaparecendo depois por memórias benevolentes,
oscilando em momentos com sentimentos e em outros com
descaso, isto é, em um momento pareciam neuróticos mas em
outros, perversos.
Essas demandas recorrentes, principalmente o sentir dor
ou incomodo sem saber o motivo, ou sentir que lhe falta algo, ou
então uma busca consciente por uma pergunta sem saber qual
era, parecia ser o principal foco da terapia.
Num manejo inicial, eu busquei tentar fornecer
informações para concentrarmos a atenção num auto-
conhecimento, na expectativa de que, sendo essa a causa do
problema, e a partir de então, tudo começaria a se resolver
naturalmente. Deu certo, mas o trabalho não foi fácil e os
pacientes passaram por alguns estágios até se aceitarem e se
compreenderem.
Pode parecer um tanto estranho, mas analisandos que
tiveram uma vida sendo criticados por preferirem abster-se de
muitas amizades, por não perceberem certas nuances comuns
aos outros (automatização de percepções) e até mesmo por serem
considerados, muitas vezes, como pessoas más e sem

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sentimentos, isso lhes causava alguma dor e indiferença, até


porque não entendiam serem assim.
Numa primeira fase foi necessário expor as características
do amplo espectro e ajuda-los a perceberem o que condizia ou
não com as características variantes. Mesmo explicando a teoria
das personalidades psicanalíticas, todos adentraram numa fase de
se imaginarem como doentes. Essa fase de interpretação errônea
e exagerada foi solucionada com várias exempli cações dos
outros per s de personalidade padrões, por exemplo, um
neurótico, embora propenso, não necessariamente possui uma
neurose, quando no máximo alguma ênfase maior em suas
características que demandem uma busca por ajuda pontual para
determinados casos. Sendo assim, para o caso de um per l de
personalidade autista, o mesmo acontece, ou seja, se trata apenas
de uma forma de agir e pensar, nada mais. Essa desmisti cação
se mostrou positiva e reveladora para os casos acolhidos. Em
seguida surgia a fase de negação, onde as falas eram muito
similares aos psicóticos, tentando fugirem de uma realidade
factual. Para tal foi retomado item a item das características do
TEA e se buscou um retorno às memórias da infância e
momentos condizentes esperados, tais como bater com as mãos
sobre a cabeça (em momentos de crises), relação com o
aprendizado na escola, relacionamento com professores, colegas
e até mesmo com familiares.

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A Quarta Estrutura da Personalidade Psicanal tica Sandro Fontana

Numa segunda fase os pacientes se identi caram com as


características e passaram a um estágio de “choque de
realidade”, onde se iniciaram os processos seguintes, tais como ir
pesquisarem sozinhos em várias fontes e estudarem o autismo.
Foi muito interessante e recorrente o “fator curiosidade”, ou seja,
praticamente todos os pacientes caram entusiasmados e foram
pesquisar em sites sobre o TEA, e isso pareceu ser um momento
importante e necessário, pois a associação livre estava ocorrendo
de várias maneiras.
Com isso surgiu um estágio de certa revolta e raiva, tanto
com terapeutas anteriores (“como nunca perceberam isso?!”)
como com familiares e colegas que não lhes compreendiam.
Com as diversas fases e estágios, por último, aparece a
aceitação e deste ponto em diante várias demandas secundárias
começaram a se resolver sozinhas. Dentre as demandas
secundárias observadas estavam a resolução pontual do
pensamento de “maldade” ou de terem sido pessoas más só
porque falavam o que pretendiam, mesmo em momentos
inoportunos. Esse sentimento de culpa desapareceu em todos os
pacientes tratados. Com isso surgiu também uma
autocompreensão, permitindo que muitos eventos e memórias
parecessem fazer sentido agora.

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Nessa terceira fase, da aceitação, os pacientes iniciaram


uma resoluta caminhada na Livre Associação, gerando seus
próprios insights sobre diversas falas e temáticas, bastando
apenas pontuar, como analista, algum momento no discurso
analítico.
Em minha percepção, quando ocorreu uma auto-
aceitação e auto-conhecimento tudo começou a mudar com os
pacientes, pois todos começaram a ver e perceber o mundo e a si
mesmos de outra forma. Esse entendimento pessoal pareceu
entoar um novo sentido às suas vidas, como se eles se
redescobrissem como novas pessoas, mesmo com todas suas
limitações e habilidades.
Numa quarta fase se trabalhou uma busca pelo que lhes
fazia mais felizes e isso condizia com as mesmas práticas
aplicadas aos autistas: rotina.
A rotina se demonstrou algo bom e prazeroso, mesmo
para a personalidade autista, criando ou não métodos, todos se
identi caram muito bem com essas “metas”. Isso lhes fez tanto
sentido que ao reprogramarem suas tarefas, que eram desde
estudar, ir à academia, refeições (horários) e trabalho. Por outro
lado, a colaboração do psicanalista para o manejo pessoal, de
quando isso não era possível ocorrer, se fez necessário. Algo
como: Eu sei que gosto de rotinas, ok.. mas se for necessário sair

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A Quarta Estrutura da Personalidade Psicanal tica Sandro Fontana

muito dela e algo tiver que mudar, sei que isso poderá me
incomodar, mas não devo focar nisso, devo pensar que logo tudo
se resolve e vou focar na próxima rotina.
Em termos psicanalíticos, essa condução e postura traz o
inconsciente para o consciente e gera certa previsão. Quando o
paciente possui essa consciência, seu Ego está mais apto e “forte”
para lidar com essas variações, uma vez que eles não se irritavam
(ou ao menos mantinham sob controle) simplesmente porque não
percebiam o que estava acontecendo.
Um dos momentos difíceis e que acabaram necessitando
de mais atenção são algumas demandas de expressar
sentimentos. Em geral, dependendo no nível e espectro, a pessoa
de personalidade autista pode não conseguir demonstrar seus
sentimentos, e algumas vezes nem os tê-lo mesmo. Para esses
casos, o que foi direcionado era uma conscientização da
necessidade de formalidades, algo como tarefas a serem
cumpridas. Deveriam então dar um abraço numa visita
importante e até lembrar de ser simpático, se fez necessário. É
importante salientar que essa característica atingia apenas cerca
de 50% dos pacientes tratados.
Paralelo a quarta fase, se conduziu um manejo para a
auto-investigação e conscientização de suas limitações. Isso se
fez necessário porque, um paciente mais atento (qualquer que
seja) e consciente de suas limitações, geram menos expectativas

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A Quarta Estrutura da Personalidade Psicanal tica Sandro Fontana

ilusórias. Por outro lado, a busca pela motivação de superação


também faz parte, por exemplo: Eu gostaria de ser um desenhista,
meus desenhos são um tanto bons, mas longe ainda de um
pro ssional.
Nesse caso caberia a associação livre para perceber a
realidade objetiva e concluir: Eu tenho capacidade de ser
melhor? Se eu estudar e me dedicar eu vou conseguir? Percebi
melhora na minha habilidade de desenhar, agora preciso do que?
Eu consigo me relacionar bem, mesmo de forma não automática,
para conseguir me colocar no mercado de trabalho? Qual será
minha estratégia?
Dependendo das respostas acima o analisando poderá
motivar-se a algo ou então concluir que aquele processo de
desejo é uma ilusão e então passará numa busca pelo que esta
dentro de suas capacidades frente às oportunidades. Mesmo
assim o psicanalista pode conduzir a terapia com mais
questionamentos: Ok, você concluiu que vai buscar outro
caminho. Mas acha que continuar a desenhar lhe faz bem? Achas
que poderia fazer por hobbie? Etc.
De um modo geral, desse ponto em diante, a retomada
aos princípios clínicos psicanalíticos se fazem muito necessários,
sendo importante lembra-los:

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A terapia busca um fortalecimento do Ego. Essa


consolidação consiste em deixa-lo mais apto (forte) para lidar
com suas ambivalências, ou seja, gerenciar as demandas do Id e
do SuperEgo, assim como lidar com a realidade objetiva e a rmar
suas própria identidade e autonomia. Esses pontos são cruciais,
mas eles dependem também do paciente ser capaz de trazer o
inconsciente para o consciente e assim poderá ser mais
independente e seguro.

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A Quarta Estrutura da Personalidade Psicanal tica Sandro Fontana

POSFÁCIO

A presente obra é o re exo de experiências empíricas


durante o setting analítico, baseadas na própria metodologia
freudiana que visava uma atenção especial na relação da
demanda dos pacientes e das características repetitivas e
replicáveis.
Embora estejamos falando de uma proposta teórica, esta é
facilmente veri cável ao olhar atento dos psicanalistas mais
engajados para com uma continuidade ao trabalho in ndável de
Sigmund Freud.

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