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PSICOPATOLOGIA

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Sumário

Psicopatologia ................................................................................................. 3

Conceitos e atribuições históricas da loucura .............................................. 3


Séculos XVI e metade do século XVII: modelo mágico ............................ 3

Renascimento: Loucura anexada à razão ................................................ 4

Século XVIII: Loucura como enfermidade mental: Nascimento da clínica


psiquiátrica .......................................................................................................... 6

Século XIX: Teoria da degenerescência ................................................ 11

Século XX: Movimentos críticos à tradição psiquiátrica ......................... 13

História da Psicopatologia .......................................................................... 16


Principais métodos de investigação ....................................................... 18

Diferentes abordagens na psicopatologia .............................................. 19

Síndromes psicopatológicas ...................................................................... 22


Transtornos de ansiedade: ansiedade normal e patológica ................... 23

Transtornos da ansiedade ...................................................................... 25

Os transtorno de personalidade ............................................................. 26

Transtornos do humor ............................................................................ 28

Os transtornos esquizofrênicos .............................................................. 30

REFERÊNCIAS ............................................................................................. 39

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NOSSA HISTÓRIA

A NOSSA HISTÓRIA, inicia com a realização do sonho de um grupo de


empresários, em atender a crescente demanda de alunos para cursos de Graduação
e Pós-Graduação. Com isso foi criado a INSTITUIÇÃO, como entidade oferecendo
serviços educacionais em nível superior.

A INSTITUIÇÃO tem por objetivo formar diplomados nas diferentes áreas de


conhecimento, aptos para a inserção em setores profissionais e para a participação
no desenvolvimento da sociedade brasileira, e colaborar na sua formação contínua.
Além de promover a divulgação de conhecimentos culturais, científicos e técnicos que
constituem patrimônio da humanidade e comunicar o saber através do ensino, de
publicação ou outras normas de comunicação.

A nossa missão é oferecer qualidade em conhecimento e cultura de forma


confiável e eficiente para que o aluno tenha oportunidade de construir uma base
profissional e ética. Dessa forma, conquistando o espaço de uma das instituições
modelo no país na oferta de cursos, primando sempre pela inovação tecnológica,
excelência no atendimento e valor do serviço oferecido.

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Psicopatologia
A etimologia da expressão Psicopatologia é composta de três palavras gregas:
psychê, que produziu "psique", "psiquismo", "psíquico", "alma"; pathos, que resultou
em "paixão", "excesso", "passagem", "passividade", "sofrimento", "assujeitamento",
"patológico" e logos, que resultou em "lógica", "discurso", "narrativa", "conhecimento".
Dessa forma, Psicopatologia pode ser compreendida como um discurso ou um saber
(logos) sobre a paixão, (pathos) da mente, da alma (psiquê). Ou seja, um discurso
representativo a respeito do pathos psíquico; um discurso sobre o sofrimento psíquico
sobre o padecer psíquico. A psychê é
alada; mas a direção que ela toma lhe
é dada pelo pathos, pelas paixões.

A Psicopatologia é uma ciência


complexa, uma ciência natural,
destinada à explicação causal dos
fenômenos psíquicos mediante os
recursos e teorias acerca dos nexos
extraconscientes que determinam
esses fenômenos; e é ciência do espírito, voltada para a descrição das vivências
subjetivas, para a interpretação das suas expressões objetivas e para a compreensão
de seus nexos internos e significativos. A Psicopatologia deve considerar o individuo
globalmente atentando sempre para os padrões de normalidade aonde o indivíduo a
ser questionado está inserido, não se deixando guiar “cegamente” pelos sintomas.
Considerar um sintoma isolado é fazer com que o objetivo principal de entendê-lo
(compreender o indivíduo) seja esquecido.

Conceitos e atribuições históricas da loucura

Séculos XVI e metade do século XVII: modelo mágico

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A Mania, loucura profética, foi descrita por Homero, na Grécia Antiga,
atribuindo-se a ela um sentido de sabedoria oracular e mística. A loucura ritual ou
dionisíaca é outra manifestação de loucura entre os gregos, a qual deu origem aos
carnavais, que trazia a ideia de que é necessário se liberar das forças “subterrâneas,
instintivas” da natureza para não enlouquecer.

O cristianismo radicalizou o caráter de exterioridade da loucura, atribuindo sua


causa ao daimon cristianizado, o demônio, valorizando-a negativamente como fruto
do pecado, responsabilizando moralmente o sujeito por ela acometido. Foi assim que
fenômenos como os das epidemias de feitiçaria, ocorridos na Idade Média,
transformaram-se na origem da Inquisição, que foi o “tratamento” indicado pela Igreja
para curar esta “doença” espiritual.

Renascimento: Loucura anexada à razão

Na metade do século XVII, com a chegada do Renascimento (mundo moderno)


houve um grande avanço da ciência e da tecnologia ocasionando o desenvolvimento
da burocracia, da formalização da lei, da difusão das letras e da instrução, e o
florescimento da economia de mercado levando à valorização da Racionalidade. A
loucura passa a ser anexada à razão sofrendo sua mais radical modificação.

Foucault foi o primeiro a estudar profundamente esta questão em sua tese de


doutorado, “História da loucura na idade clássica”. Mais do que se excluírem, loucura
e razão aparecem em sua obra animadas por forças que as integram, complementam
e se fecundam reciprocamente. Loucura e sensatez, razão e desrazão se aliam na
experiência humana. Diz Foucault que “a loucura é um momento duro porém
essencial no trabalho da razão; através dela, e ainda em suas vitórias aparentes, a
razão se manifesta e triunfa” .

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Relata Foucault que no auge do racionalismo, favorecida pelos escritos de
Hegel, a razão surgiu como soberana. Foi, todavia, com Descartes que Foucault e
outros encontraram, já na modernidade, o primeiro corte radical entre a loucura e a
razão. Na “Primeira” das Meditações Metafísicas, que tem o título “Das coisas que se
podem duvidar”, escreve Descartes:

Com este “são loucos”, Descartes expulsou de cada um a possibilidade do


outro da loucura e inaugurou a visão moderna, base para a nosografia psiquiátrica.
Na nascente sociedade burguesa, começava a despontar o privilégio pela razão. Foi
a "dúvida" de Descartes que encerrou a vitória definitiva à razão (a partir do momento
em que se antepôs à dialética desatino/razão). O sujeito que duvida, duvida, logo,
não pode estar louco.

A razão é o meio pelo qual o sujeito acessa a verdade. O encerramento dos


loucos estava franqueado e a partir do século XVII. O aparato legal encontrava formas
de afastar todos que alteravam a ordem social, forma inovadora de tratar da questão
como uma medida econômica e precaução social. No entanto, não são apenas os
loucos (como os conhecemos hoje) aqueles que serão internados. Mendigos,
vagabundos, libertinos, bandidos e os próprios loucos fazem parte desse espaço que
era único. Não havia um juízo que diferenciasse qualquer das categorias acima. Elas
simplesmente faziam parte do erro, da não-tentativa à verdade. Assim, o Hospital
Geral nessa época não possui um caráter médico.

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Século XVIII: Loucura como enfermidade mental: Nascimento da clínica
psiquiátrica

Ao final do século XVIII, em vários países da Europa aconteceu um movimento


de cunho filantrópico que revolucionou a assistência dos alienados e nele
encontramos a figura de Philippe Pinel (1745-1826). Sintonizado com a sua época,
leitor dos grandes médicos modernos como Cullen, e dos filósofos Locke, Condillac,
não agiu em seu tempo aleatoriamente ou intuitivamente.

Pinel estabeleceu os fundamentos da clínica psiquiátrica, estruturando-a como


experiência (que privilegia o olhar), um método (a análise, apropriada de Condillac) e
linguagem (privilegia os signos), numa formalização que ficou conhecida como
método clínico. Suas obras principais foram: Nosografia Filosófica ou o Método da
Análise, aplicado à medicina de 1798, e Medicina Clínica ou a Medicina tornada mais
precisa e mais exata pela aplicação da análise de 1802.

Influenciado por Locke, Pinel via o conhecimento como um processo cuja base
é a observação empírica dos fenômenos que constituem a realidade, ou seja, o
conhecimento tem origem na experiência, nas percepções dos sentidos. Ao introduzir
o método de análise, ele estrutura a clínica: experiência que privilegia o olhar que
observa e procura traduzir o visível no enunciável.

Para Pinel, as alienações mentais seriam devidas a distúrbio funcional do


sistema nervoso central, as lesões poderiam ou não existir, seriam apenas
contingentes. Dentro desta concepção, surgem os asilos especializados na custódia
e tratamento dos alienados, promovendo o chamado “tratamento moral”. A pretensão
de tal tratamento era moderar as paixões e destruir os delírios a partir do trato amável,
da persuasão e respeito pela autoridade do médico. O desejo era fazer do louco um
bom cidadão, um sujeito produtivo e autodisciplinado. Isto podia ser apenas pensado,
pois, ainda que ancorado na antiga noção de paixões, o processo mórbido, nos ideais
pinelianos, mantinha o germe da razão.

A ideia básica era que o alienado, ainda que muito enfermo ou desprovido de
sua identidade e liberdade moral, conservava um pé no mundo dos civilizados e
então, reconduzindo-se as paixões a um novo estado de harmonia, ele recobraria a

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ordem e a clareza que havia perdido. Hegel foi quem captou o vestígio de razão que
seguia coabitando com a loucura e fez até um elogio a Pinel.

Deve-se destacar, não obstante, que esta ideia de Hegel a respeito de Pinel
não é compartilhada por muitos autores atuais. Como exemplo cita-se o próprio
Foucault, o qual considera que o trabalho de Pinel libertou os pacientes de suas jaulas
e algemas, mas os sujeitou à noção de enfermidade, ao asilo e à disciplina
psiquiátrica. A loucura reduzida quase completamente à enfermidade (nosologia), a
criação de asilo (institucionalização), a promoção do tratamento moral (caráter
terapêutico) e a lei de 30 de junho de 1838 (caráter legal) são expressões do trabalho
deste homem que propunha erradicar o termo “folie” e substituí-lo por “alienation
mentale”, no rigoroso intento de fazer entrar a loucura no discurso médico. Alienação
era definida por ele e seus seguidores como um processo único que aglutinava não
somente as possíveis e profundas variedades mórbidas, mas também os estados de
afetação moral que induzem a uma perda de liberdade em conseqüência das lesões
do entendimento.

Todavia, como qualquer outra enfermidade, a alienação deve ser examinada


em todas as suas variedades e o alienado, enquanto enfermo, requer tratamento
específico e estabelecimento adequado para o tratamento. Deste movimento, que
aproxima a loucura da medicina, origina-se a psiquiatria. Ao aproximá-la do modelo
médico acaba por delimitar sua exclusão desse modelo: a nosografia contrastava com
aquela apresentada pela medicina; havia dúvidas, até mesmo pelos médicos
alienistas, de que seu substrato etiológico se encontrava em uma alteração
anatomopatológica e que as variadas terapêuticas dos plantonistas do hospital
servissem aos alienados já que a todos se aplicavam o mesmo tratamento moral; o
hospital geral acaba por ser considerado inapropriado para acolher os alienados.

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Segundo Teixeira (1997), as noções introduzidas por Pinel consolidaram novos
conceitos operatórios:

(1) uma semiologia psiquiátrica, a partir do olhar do alienista que convive,


observa e descreve minuciosamente o comportamento dos doentes;

(2) uma nosografia, com a conhecida divisão pineliana em quatro grandes


classes, a saber: a mania, a melancolia, a demência e o idiotismo;

(3) uma abordagem clínica, que parte dos sintomas para chegar aos quadros
clínicos; e

(4) uma terapêutica específica da loucura, voltada para o tratamento das


causas corporais e, principalmente, das chamadas causas morais, isto é, das paixões
descontroladas, ardentes ou pervertidas que estariam na base da insanidade.

Jean-Etienne Dominique Esquirol (1772-1840) foi o grande continuador das


idéias de Pinel, aprofundando-as, enriquecendo-as, mantendo, porém, a concepção
unitária da patologia mental grave, seguindo um modelo paralelo ao da “psicose
única” dos clínicos de língua alemã da época (como Griesinger). Complementando
Pinel, amplia a sua noção de loucura quando a descreve também como uma
“aberração profunda dos sentimentos morais” , e, assim, reafirma a importância do
asilo enquanto o único local apropriado para o tratamento moral dos alienados.

A partir de Esquirol, o afastamento social do louco passa a ser considerado


terapêutico por si só, e o hospício passa a ser visto definitivamente como um
instrumento necessário para a intervenção médica na loucura, do qual, portanto, o
alienista não poderia prescindir. Na sua tese, apresentada em 1805, “As paixões
consideradas como causas, sintomas e meios curativos da alienação mental” adverte
que, se as paixões acarretavam as alienações, elas também deviam servir para o
tratamento. Seguindo uma orientação mais moderada, ele advogava pelo equilíbrio
das paixões ao invés de sua supressão, levando o louco ao estado em que se
encontrava antes de precipitar-se na enfermidade. Busca Esquirol a descrição e
classificação dos transtornos mentais utilizando o método clínico descritivo.

Esquirol também foi um dos excelentes colaboradores na área médico-legal.


Em 1818 propôs a criação de dezenas de asilos regionais e teve uma participação
ativa nos prolongados debates que terminaram na criação da lei de 30 de junho de

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1838, conhecida como “Lei sobre os alienados”, em vigor até 1990. Quando se depara
com o texto de lei escrito naquela época se vê sua riqueza. Nele constavam três
títulos:

1. Sobre os estabelecimentos para alienados;

2. Sobre as reclusões nos estabelecimentos para alienados (abarcando as


internações voluntárias, aquelas ordenadas pela autoridade pública, gastos dos
serviços e disposições comuns a todos os internados);

3. Disposições gerais.

A preocupação principal das abordagens científicas tanto de Pinel como


Esquirol era de primeiro descrever os fatos, bem organizá-los em categorias; se isso
era ou não era uma doença, era o menos importante de se tratar. Era isso que se
discutia nas ciências naturais da época: quais são as ordens, quais são as espécies,
como uma ordem se relaciona com outra ordem e como delimitar essas grandes
categorias. Na verdade, o procedimento racional que Pinel e Esquirol colocam dentro
do campo, fundando o campo da psiquiatria contemporânea, é o de bem descrever,
bem classificar, bem ordenar os quadros clínicos, muito mais que supor tratar-se de
doenças.

Em 1822 Bayle (1799-1858) apresentou uma tese (“Pesquisas sobre as


doenças mentais”) em que descreveu uma forma de alienação mental acompanhada
de perturbações motoras e que evoluía em três fases:

a) delírio monomaníaco com exaltação;

b) delírio maníaco geral e;

c) demência com amnésia.

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Bayle correlacionou a referida alienação mental, que denominou de paralisia
geral, com uma lesão determinada, uma meningite crônica tendo como agente
etiológico o treponema pallium. Construiu com sua tese o paradigma
neuropsiquiátrico que fascinou as gerações seguintes, orientando a investigação
psicopatológica em direção à neuropatologia e transformando definitivamente a
loucura clássica em uma enfermidade do cérebro e de suas membranas. Ao publicar
sua tese em Medicina arrasou as ideias da nosologia sindrômica forjada por Pinel e
Esquirol. Tudo o que estes haviam postulado (mania, melancolia, monomania,
demência e idiotia) ficou reunido em uma
única enfermidade cuja evolução se articulava
formando uma sequência.

Propõe assim uma teoria globalista,


unitarista, com dimensão evolutiva, muito
distinta da de Pinel e Esquirol (nosologia
sindrômica edificada sobre a fenomenologia
mais chamativa do quadro clínico). Trabalhando em um hospital onde se internavam
muitos oficiais do exército, contaminados por sífilis, ele descobriu que determinados
delírios megalomaníacos e comportamentos motores estavam associados à
inflamação das meninges, comprovada na mesa de dissecação de cadáveres. Isto o
levou a escrever e publicar muitos artigos importantes sobre a origem das
enfermidades mentais no cérebro enfermo organicamente, o que estava bem de
acordo com o modelo médico. Parecia haver encontrado a organogênese das
enfermidades mentais e, se no princípio era um pouco discreto em suas publicações,
à medida que sentia seus efeitos, foi se tornando orgulhoso, generalizando suas
descobertas que não passaram disto. Com o passar dos tempos, sua etiologia
cerebral, originada na paralisia cerebral, se evidenciou incorreta, foi muito criticada, e
muitos acreditam que esta foi uma das causas de seu abandono da clínica mental.

Enquanto vimos nos clássicos franceses vários nomes como Pinel, Esquirol,
Bayle entre outros, na escola alemã um nome sobressaiu e dominou amplamente o
cenário, o de Kraepelin. Publicou em 1883 seu Compêndio de Psiquiatria, com 380
páginas, que foi revisado e reeditado várias vezes, sendo que na oitava edição, em
1913, seu Compêndio continha 4 volumes com 2.500 páginas. Influenciado por
Griesinger, o fundador da escola alemã que entendia serem as doenças mentais,

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antes de tudo, afecções cerebrais, Kraepelin se orienta na busca do suposto curso
natural das enfermidades mentais e, mais especificamente, nas manifestações de
suas formas terminais.

Desaparece quase por completo a reflexão sobre a loucura, o interesse pelo


louco se torna inexistente. O enfermo mental tem valor enquanto uma mácula no bom
funcionamento social na medida em que supõe uma carga para a família, sociedade
e Estado. Podemos sublinhar que a psiquiatria clássica conheceu duas teorias no que
se refere à natureza da doença mental: com Pinel temos a hipótese funcionalista
radical (as alienações mentais seriam devidas a distúrbio funcional do sistema
nervoso); com Griesinger temos a hipótese organicista (a doença mental seria antes
de tudo uma afecção cerebral).

Com a escola francesa vimos o surgimento do método clínico descritivo; já na


Alemanha surge o método anátomo-clínico (vertente mecanicista com sua concepção
atomística do organismo concebido como soma de órgãos).

Século XIX: Teoria da degenerescência

Da metade do século XIX em diante o otimismo em relação à cura dos doentes


mentais pela psiquiatria deixou de existir. A própria psiquiatria se deu conta de que o
que era capaz de oferecer não operava curas. Surge um novo avanço nas teorias
médicas da insanidade mental enquanto doença física, agora dentro de uma proposta
da teoria da degenerescência. A loucura era incurável por ser hereditária,
constitucional.

A Teoria da Degenerescência, desenvolvida por Bénédict-Augustin Morel


(1809-1873), foi uma das grandes influências no meio médico brasileiro da segunda
metade do século XIX e início do século XX. Essa teoria defende a idéia da
transmissão de uma predisposição do organismo à degenerescência, que pode ser
identificada pela ocorrência de traços físicos e morais característicos aos
degenerados.

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Leonel Gomes Velho, em sua tese
“Do degenerado e sua capacidade civil”,
de 1905, apresenta as idéias de Morel e
de alguns de seus seguidores, procurando
inicialmente apontar as diferentes
definições de “degenerado” e de como
este se encontra presente em todos os
recantos da vida – não existem só os degenerados débeis, pouco aptos para as lutas
pela existência, mas também os superiores, aqueles indivíduos “originais, bizarros e
excêntricos que, apesar de serem triunfantes na vida e até ocuparem elevadas
posições sociais, são tão anormais sob o ponto de vista cerebral quanto os idiotas.

Devido a este fato, os débeis, por serem impotentes, são menos prejudiciais à
sociedade que os degenerados superiores” (s/esp). Assim, a degenerescência não
estaria ligada somente à alienação mental, mas à idéia de desvio de modo geral. As
causas da degeneração são pensadas como podendo ser tanto físicas quanto morais.
Como possíveis causas físicas são apontadas a insalubridade dos climas, a má
higiene e a insuficiência das moradias e da nutrição, sendo atribuída especial
importância ao meio enquanto produtor de condições propícias à instalação de
processos degenerativos. Como causas morais, por outro lado, figuram a ignorância,
a avareza, a sede de prazeres, a prostituição, os fanatismos, entre muitas outras.

No entanto, também são apontadas com frequência lesões físicas, morais e


intelectuais como sendo consequências do processo de degeneração, o que
demonstra o caráter paradoxal deste processo, onde causa e efeito são muitas vezes
confundidos, num processo de retroalimentação. Uma das formas encontradas pela
medicina para intervenção neste processo foi a higiene, mencionada por Morel como
possibilidade de tratamento para a degenerescência.

A higiene moral empenhava-se na moralização dos hábitos e costumes do


degenerado, a partir da disseminação de uma lei moral que, sendo universal, seria o
principal fator de união da espécie humana. À higiene física não é atribuída a menor
importância, pois se proclamava uma interdependência do físico e do moral, já que
somente em um organismo saudável a moral poderia desenvolver-se
adequadamente.

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Século XX: Movimentos críticos à tradição psiquiátrica

Começaremos por mencionar brevemente alguns dos principais movimentos


críticos à tradição psiquiátrica ao longo do século XX. A experiência de Bion é uma
referência a ser assinalada neste percurso: na Inglaterra do pós-guerra, cria-se como
possível saída para a grave situação dos hospitais psiquiátricos: a prática da
psicoterapia grupal. No início dos anos 50, nasce a análise institucional francesa,
buscando “tratar o doente pela instituição e tratar a instituição como um doente”; na
mesma época, na Inglaterra, se desenvolvem as comunidades terapêuticas.

Em todas estas tendências, podemos constatar uma preocupação com a


pobreza dos laços e da produção humana no interior das instituições, e uma tentativa
de resgatar este empobrecimento subjetivo pelo viés do grupo, da análise das
relações intergrupais, institucionais, etc. Logo a seguir surge a antipsiquiatria inglesa:
envolvendo também a dimensão da reconstrução das relações entre as pessoas na
instituição, ela acaba por assumir uma posição crítica mais incisiva no seio da
contracultura dos anos 60.

Nesta história, temos tido também projetos gerenciais de reestruturação de


modelos, visando a uma nova política de organização de serviços, como a psiquiatria
de setor francesa, que se organiza segundo a hierarquização e a regionalização de
serviços, e a ênfase na prestação de cuidados extra-hospitalares, com a criação de
ambulatórios, oficinas terapêuticas, visitas domiciliares, etc.

Um outro exemplo é a psiquiatria preventiva ou comunitária norte-americana,


na qual os cuidados se organizam com base nos graus de complexidade primário-
secundário-terciário, enfatizando-se a chamada atenção básica como espaço de
prevenção do adoecer psíquico.

Nos anos 70, ocorre na Itália a experiência da psiquiatria democrática, que


caracteriza uma ruptura com as práticas baseadas numa reforma estritamente
institucional: levando ao seu limite e evidenciando os impasses das experiências do
tipo comunidade terapêutica, os italianos optam por uma desconstrução das
instituições psiquiátricas, cujas características principais são a desmontagem do mito

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da doença mental e a criação de novas formas de convívio entre a sociedade e a
loucura.

Reforma Psiquiátrica Brasileira: Após a política assistencial da primeira


metade do século, que priorizava a construção de grandes hospícios públicos como
referência para a população, temos, a partir dos anos 60, uma enorme proliferação
de hospitais psiquiátricos privados conveniados com o poder público, de acordo com
a política fortemente privatista que caracterizou o governo militar.

No final dos anos 70, terminada a ditadura militar, num movimento muito vivo
de reorganização de forças democráticas do país, alguns dos trabalhadores de Saúde
Mental de vários estados brasileiros se reúnem em torno de propostas de reforma.

No final dos anos 80, o então chamado Movimento dos Trabalhadores de


Saúde Mental politizou decididamente a questão da Reforma, e levou às suas últimas
implicações a crítica ao modelo representado pelo hospital psiquiátrico. Em um
manifesto histórico, afirma “marcar uma ruptura” ao definir que “não basta racionalizar
e modernizar os serviços nos quais trabalhamos”. Sustenta a necessidade de
promover a extinção dos manicômios, compreendidos como “mecanismo de
opressão”. Emprega-se já então a expressão “luta antimanicomial”, e afirma-se a
aliança

Ainda no final dos anos 80, acontecem no Brasil importantes eventos relativos
à saúde pública. A saúde é afirmada como direito do cidadão e dever do Estado, e
concebida em sua determinação pela organização social e política, em seus laços
com a qualidade de vida, o trabalho, o lazer; cria-se o Sistema Único de Saúde – o
SUS – com garantia da universalidade do acesso, da eqüidade, da descentralização

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de recursos e decisões, priorizando-se o nível local; garante-se o controle social, onde
a Saúde se torna desde então uma área pioneira.

No início dos anos 90, o movimento dos trabalhadores da Saúde Mental, que
já se intitulava como antimanicomial, procede à sua organização, em nível nacional,
como movimento social autônomo, independente de serviços, administradores ou
partidos. Experiências como a psiquiatria democrática, textos como os de Foucault,
têm sido referências importantes para esse movimento: Basaglia e Foucault, cada
qual à sua maneira, mostram que o processo histórico de exclusão da loucura não
tem suas raízes na natureza da loucura, não são características inerentes ao sujeito
louco que geram tal exclusão; esse processo resulta de uma série de embates,
enfrentamentos, correlações de força, no âmbito de uma cultura que acredita
demasiadamente em sua própria razão.

Os princípios do movimento antimanicomial são:

1. a consideração da dimensão da subjetividade nas experiências da loucura


em particular, e na luta política em geral;

2. a extinção do hospital psiquiátrico e sua substituição por um modelo


assistencial radicalmente diverso;

3. a abordagem das experiências da loucura deve apontar para a sua presença


e produção no campo da cultura;

4. o movimento antimanicomial é um movimento social, que organiza


trabalhadores, famílias e usuários de Saúde Mental no combate às diferentes formas
de exclusão da loucura;

5. o movimento antimanicomial, em aliança com outros segmentos da


sociedade civil organizada, participa de uma luta política por transformações
estruturais da sociedade.

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História da Psicopatologia

A psicopatologia percorreu um caminho extremamente difícil até se tornar uma


ciência autônoma. Psicopatologia e Psicologia científica se iniciaram através de
Wundt, Kraepelin e Pavlov, os quais começaram seus caminhos juntos nos mesmos
laboratórios. Muito rápido, seguiram rumos diferentes. Não encontrando na Psicologia
recursos descritivos e explicativos suficientes para o comportamento anormal, a
psicopatologia foi buscá-los na Filosofia, na Retórica e na Literatura, tentando
encontrar uma linguagem que a Psicologia não proporcionava.

Segundo Isaías Paim, não é fácil descobrir a origem do termo psicopatologia.


É possível que o seu criador tenha sido Jeremy Bentham, filósofo inglês (Londres,
1748- 1832), que, ao preparar uma lista das motivações humanas, reconheceu a
necessidade da organização de uma psychological pathology (1817).

Cheniaux (2002) refere que Esquirol e Griesinger, com seus trabalhos


publicados, respectivamente na França (em 1837) e na Alemanha (em 1845), é que
seriam considerados os criadores da psicopatologia.

Para Hervé Beauchesne, a psicopatologia teria surgido no século XX, na


França, no momento em que a psicologia, enquanto disciplina científica, começou a
se separar da filosofia. “Com algumas raras exceções, os psicólogos de meu país
(França) deixaram aos alemães as pesquisas psicofísicas, aos ingleses o estudo da
psicologia Podemos definir de forma ampla a psicopatologia como a disciplina que se
ocupa do sofrimento psíquico.

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Sims (2001) refere que a psicopatologia é
“o estudo sistemático do comportamento, da
cognição e da experiência anormais; o estudo
dos produtos de uma mente com um transtorno
mental. Isto inclui as psicopatologias
explicativas, nas quais existem supostas
explicações, de acordo com conceitos teóricos
(p. ex., a partir de uma base psicodinâmica,
comportamental ou existencial, e assim por diante), e a psicopatologia descritiva, que
consiste da descrição e da categorização precisas de experiências anormais, como
informadas pelo paciente e observadas em seu comportamento”.

Didaticamente podemos então dividir as psicopatologias em dois grupos: as


psicopatologias explicativas, baseadas em modelos teóricos ou achados
experimentais, que buscam esclarecimentos quanto à etiologia de uma enfermidade,
e as psicopatologias descritivas, que, por sua vez, consistem na descrição e na
categorização precisas das experiências patológicas, como informadas pelo paciente
e observadas em seu comportamento.

O Webster’s New Internacional Dictionary define o termo como “o estudo


científico das alterações mentais do ponto de vista psicológico”. Outras definições
são: “Investigação sistemática de estados mentais mórbidos” e “o ramo da ciência
que trata da morbidade e patologia da psique ou mente”.

Pelas definições apontadas podemos ver que permanece em nossos tempos,


não obstante, uma certa confusão quanto ao objeto de estudo da psicopatologia: é a
enfermidade mental ou a conduta anormal? É a conduta anormal ou a desadaptada?.
Isto se deve às diferenças de enfoques existentes na área ainda que se saiba que a
variedade de estabelecimentos de critérios não é característica peculiar da
psicopatologia.

Como aponta Pereira (2000), “há um problema teórico e ético que acompanha
toda a história da psicopatologia: qual a relação do sujeito com o seu próprio
sofrimento, com sua própria loucura? Seria ele vítima do acaso, do acidental, daquilo
sobre o que ele não tem como interferir enquanto existente? Ou, ao contrário, seria o
homem, de alguma forma, o paradoxal sujeito de seu próprio sofrimento?”

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Existem alguns fatos importantes
que marcam a psicopatologia desde o final
da Segunda Guerra Mundial até o
momento atual:

a) a relação da psicopatologia com


a prática da psicologia clínica – isto
contribuiu para a extensão da ideia de um
contínuo entre o estudo do comportamento
normal e patológico, ambos sendo regidos por leis idênticas. A psicologia
experimental tem tido até o momento uma dificuldade enorme para gerar explicações
e modelos que tenham aplicação nos problemas específicos da psicologia clínica e,
desta maneira, pode-se falar de duas psicopatologias: uma clínica, basicamente
descritiva e fenomenológica, e outra experimental, basicamente especulativa e com
pouca capacidade de explicação dos fenômenos clínicos;

b) a fragmentação em modelos e escolas;

c) o estabelecimento de nosologias e sistemas diagnósticos reconhecidos;

d) a Segunda revolução terapêutica (transformação dos hospitais psiquiátricos,


atenção comunitária, avanços da farmacologia);

e) os aportes das neurociências, sem dúvida, muito importantes.

Principais métodos de investigação

A psicopatologia está relacionada a múltiplas abordagens e referências


teóricas. Destacamos seus principais métodos de investigação:

- Fenomenológica: apreende os dados imediatos da consciência tais como eles


se apresentam; utiliza a compreensão empática. O fenomenólogo busca colocar-se
no lugar do paciente, a fim de sentir como ele se sente, em sintonia e consonância

18
com ele. Transcreve as vivências patológicas e descreve as condutas anormais do
doente, indagando sempre a essência dos fenômenos apresentados.

- Psicodinâmica: valoriza o papel do Ics buscando o significado do sintoma, e


levando em conta os fenômenos da transferência.

- Analítico-existencial: retira o foco da essência dos fenômenos para a


existência dos pacientes em obediência aos preceitos da filosofia existencial
(Heidegger, Sartre, Merleau-Ponty) e também do método psicanalítico. Confere
especial importância às formas de existências patológicas, às noções de tempo e
espaço em nossa vida psíquica e aos modos de adoecer mentalmente. (Biswanger,
Minkowski).

- Neurociências: buscam aporte da psicofarmacologia para possibilitar-lhes


melhor conhecimento bioquímico dos transtornos mentais.

Diferentes abordagens na psicopatologia

Ainda que na tendência atual algo pareça estar mudando, até hoje são
encontrados dois grupos claros na psicopatologia: aqueles que se interessam pela
investigação básica dos processos psicopatológicos subjetivos e aqueles
interessados na prática clínica, que procura evitar os modelos etiológicos e se
interessa mais pelas técnicas e procedimentos diagnóstico a partir de uma posição
próxima da fenomenologia.

19
De fato, cada disciplina que se ocupa do sofrimento psíquico produz modelos
específicos de psicopatologia, coerentes no interior do referencial teórico em que se
inscrevem e respondendo a certos problemas inerentes à clínica. Os diferentes
enfoques ou abordagens atuais na psicopatologia, de acordo com Ionescu (1997),
são:

1. Psicopatologia experimental: Pavlov utiliza pela primeira vez este termo em


1903. É a abordagem dedicada ao estudo do comportamento patológico experimental
ou ao estudo experimental do comportamento patológico.

2. Psicopatologia behaviorista: os comportamentos anormais e normais são


adquiridos e mantidos por mecanismos idênticos e segundo leis gerais de
aprendizagem. Rejeita toda causa interna como causa última do comportamento e
liga o aparecimento de todo comportamento ao ambiente do sujeito. Por esta razão,
o clínico busca precisar as condições específicas ambientais que precedem,
acompanham ou seguem os comportamentos estudados. Trata-se de uma análise
destinada a precisar as variáveis ambientais que estão em relação com os
comportamentos respectivos.

3. Psicopatologia cognitivista: visa explicar os transtornos mentais levando em


conta os processos pelos quais uma pessoa adquire informações sobre ela e seu
meio e as assimila para pautar seu comportamento. Assim, os determinantes
principais do comportamento anormal são construtores cognitivos. A mente é
entendida como um sistema de processamento de informação, o qual, como os
computadores, recebe, seleciona, transforma, armazena e recupera dados. Os

20
transtornos podem ser explicados a partir de um mau funcionamento de alguns
componentes desse sistema.

4. Psicopatologia biológica: a ênfase é colocada na influência das modificações


morfológicas ou funcionais do sistema nervoso sobre a gênese dos transtornos
mentais. A tese de que as afecções mentais possuem um substrato orgânico é antiga,
e a obra de Kraepelin é considerada como o apogeu da psiquiatria organicista. A
evolução posterior implica o aparecimento de duas correntes: a psicobiologia de Adolf
Meyer (que considerava a patologia como uma patologia funcional da adaptação) e o
organodinamismo de Henry Ey. Nesta abordagem os transtornos mentais são
enfermidades cerebrais, que podem ser, de acordo com Buss (1962), causadas por
um agente externo (por exemplo, um vírus) que ataca o organismo (enfermidade
infecciosa), um mau funcionamento de algum órgão (enfermidade sistêmica) ou
trauma (enfermidade traumática).

5. Psicopatologia existencialista: procura ver o paciente tal como é realmente,


descobri-lo enquanto ser humano, enquanto ser no mundo e não como uma simples
projeção de nossas teorias sobre ele. Interessados pela decisão e vontade humana,
os existencialistas insistem sobre o fato de que o ser humano pode influir na sua
relação com o próprio destino. Coloca em questão a fronteira entre a normalidade e
a patologia, fazendo-nos descobrir uma psicopatologia da média.

6. Psicopatologia fenomenológica: apresenta origens da filosofia alemã nas


obras de Husserl e de Heidegger. Temos dois métodos: o primeiro que se pode
qualificar de descritivo (Biswanger) e o de Karl Jaspers. Nesse caso, a psicopatologia
ocupa-se, sobretudo, do que os doentes vivem, estuda seus estados de espíritos, visa
a desvelar significações.

7. Psicopatologia psicanalítica: leva em conta os conceitos fundamentais da


psicanálise, a saber, o inconsciente, a transferência, a pulsão e a repetição. 8.
Psicopatologia social ou Psiquiatria social: estudo do papel dos fatores sociais na
etiologia das manifestações psicopatológicas (ou a sociogênese destas) e as
repercussões da doença mental sobre as relações do paciente com seu meio
ambiente.

21
Síndromes psicopatológicas

Uma síndrome é conjunto de sinais e sintomas que podem aparecer em um


sujeito em um determinado momento. Para Dalgalarrondo (2008, p. 304-389), uma
síndrome pode estar presente em vários transtornos diferentes, como a síndrome
delirante-alucinatória (que apresenta como característica delírios e alucinações) que
pode estar presente tanto na esquizofrenia como também no transtorno bipolar. Os
sujeitos podem ter diferentes e diversas síndromes ao longo de sua vida. Uma pessoa
portadora de esquizofrenia pode iniciar seu quadro com uma síndrome negativista,
para algum tempo depois apresentar uma síndrome delirante-alucinatória.

Nas doenças clínicas, temos a etiologia, os sinais e sintomas, a evolução, o


prognóstico e a resposta dos pacientes aos tratamentos. Mas, nos transtornos
mentais temos os sinais e sintomas, a evolução, o prognóstico e a resposta dos
pacientes aos tratamentos, mas não inclui a etiologia, porque até ainda hoje não
podemos precisar uma causa que justifique todos os sinais e sintomas que os
pacientes apresentam.

22
Transtornos de ansiedade: ansiedade normal e patológica

Inicialmente, precisamos chamar sua atenção para uma discussão


fundamental a fim de entendermos os transtornos psicopatológicos. A sugestão de
Dalgalarrondo (2008, p. 301) é que as vivências psicopatológicas acontecem em duas
perspectivas: de um lado o que ele chama de transfundo das vivências
psicopatológicas, uma espécie de palco, de contexto geral, em que surgem os
sintomas. De outro lado, os sintomas emergentes, sintomas específicos vivenciados.

Há uma relação direta e dialética entre o sintoma e o transfundo das vivências


psicopatológicas onde ocorre. Texto e contexto se articulam, e precisam ser
analisados nesse entrelaçamento para que possamos compreender o sujeito em seu
sofrimento.

Dalgalarrondo (2008, p. 302) ainda faz uma distinção entre dois tipos de
transfundo: os estáveis e duradouros e os mutáveis e momentâneos.

1. Transfundos estáveis – seriam a personalidade e a inteligência dos sujeitos.


Os sintomas, em geral, estão em acordo com os traços de personalidade. Exemplo:
pessoas mais contidas, tímidas, tendem a ter sintomas mais passivos. Os sujeitos
mais explosivos, hipersensíveis, podem apresentar sintomas mais vivos, ativos. Já a
inteligência fará o contorno, a diferenciação e a riqueza dos sintomas. Sujeitos muito
inteligentes produzem sintomas elaborados, ricos em detalhes, em cores e
complexos. Sujeitos com inteligência reduzida criam quadros psicopatológicos mais
simples, sem detalhes e muitas vezes bastante pueris.

2. Transfundos mutáveis e momentâneos – Dalgalarrondo (2005) divide em


dois esse transfundo – o nível da consciência e o humor. O nível da consciência diz
respeito à clareza e à precisão dos sintomas. Quanto ao humor, podemos dizer que
os estados afetivo-volitivos influem no surgimento dos sintomas, e também no
colorido específico dos sintomas.

Para Dalgalarrondo (2005, p. 302), vários fatores contribuem para a


manifestação dos sintomas:

23
A associação de fatores precipitantes com vulnerabilidade constitucional e
fatores predisponentes ocorre ao longo da história de vida dos sujeitos, dentro de um
contexto sociocultural específico. Portanto, cada sujeito produzirá uma sintomatologia
única e pessoal.

Dalgalarrondo (2008, p. 295) faz uma distinção entre as manifestações dos


transtornos:

Patogenia (patogênico) – é a manifestação dos sintomas que ocorrem nos


transtornos mentais. Na mania, a agitação psicomotora, hipertimia são comuns.

Patoplastia – está relacionado aos fatores da personalidade que antecederam


a eclosão do transtorno. A história de vida do sujeito, sua cultura, seu comportamento,
sua origem. Ao que lhe era peculiar antes do surgimento do transtorno.

Psicoplastia – está relacionada à forma como o sujeito se relaciona com o seu


entorno após o surgimento do transtorno. Os cursos crônicos dos transtornos mentais
podem ser de dois tipos: processo e desenvolvimento.

Processo – é uma transformação lenta, insidiosa e incompreensível da


personalidade causada pelas alterações psicopatológicas. Consideramos processo
porque a evolução vai transformando lentamente a personalidade do sujeito.

Desenvolvimento – é uma transformação psicológica e compreensível da


personalidade. Essa evolução pode ser normal ou anormal, determinado por
transtornos da personalidade ou das neuroses.

Fenômenos agudos ou subagudos são classificados da seguinte forma:

Crise ou ataque – tem o surgimento ou término abrupto e dura minutos,


raramente horas. Chamamos de crise as de natureza epilética, histérica e de agitação
psicomotora.

Episódio – tem duração de dias ou até semanas. O termo crise ou episódio


refere-se apenas à temporalidade do fenômeno.

24
Fase – refere-se principalmente às fases de depressão (diminuição da
atividade psíquica) ou da mania dos transtornos afetivos.

Surto – é a eclosão abrupta da doença de base endógena não compreensível


psicologicamente.

Sinais e sintomas prodrômicos

São chamados também de personalidade pré-mórbida e são aqueles


comportamentos identificados em períodos anteriores a eclosão do transtorno.
Podem ocorrer desde a infância, já antecipando o início do transtorno, segundo
Dalgalarrondo (2008, p. 298).

Transtornos da ansiedade

A ansiedade pode ser normal ou patológica. A ansiedade normal funciona com


um alerta vermelho, indicando para o sujeito que ele precisa tomar as medidas
necessárias para lidar com as ameaças. A ansiedade normal faz com que o professor
prepare e organize suas aulas com cuidado, faz com que o ator se prepare em
detalhes para o espetáculo ou que os namorados apaixonados se arrumem da melhor
forma possível para o encontro.

Segundo Nunes (1996), a ansiedade normal é uma sensação difusa (não está
concentrada em nenhuma parte específica do corpo), é desagradável, de apreensão
(sentimos que algo de ruim vai acontecer, mas não conseguimos saber exatamente
o que) e, em geral, vem acompanhada de sensações físicas: mal-estar epigástrico,
aperto no tórax, palpitações, sudorese excessiva, cefaleia, súbita necessidade de
evacuar, inquietação etc. Esses sintomas podem
variar de pessoa para pessoa. Fazer uma distinção
precisa entre medo e ansiedade é uma tarefa
complicada. O medo é uma reação normal,
fundamental para a proteção dos sujeitos. Se não
tivéssemos medo, sairíamos de madruga para
lugares perigosos, não tentaríamos nos proteger. O

25
medo aparece em situações que apresentam um perigo real ou imaginário.

A ansiedade normal é vaga e difusa, e pode ajudar em algumas situações. Já


a ansiedade patológica paralisa o sujeito, traz prejuízos ao seu desempenho, não
permite que o sujeito se proteja das ansiedades ameaçadoras. Segue na figura abaixo
os principais transtornos de ansiedade, seguindo a 10ª Classificação de Transtornos
Mentais da Organização Mundial de Saúde (CID10, 1993) e a quinta edição do
Manual Diagnóstico e Estatístico (DSM-V, 2014) da Associação Americana de
Psiquiatria (APA).

Os transtorno de personalidade

Um transtorno de personalidade significa que a pessoa tem um grave distúrbio


de comportamento, que envolve todas as áreas
de atuação da pessoa, resultando em sérias
dificuldades pessoais, afetivas e sociais. As
alterações não são secundárias a outro
transtorno. A ciência ainda não chegou a um
consenso para determinar a origem dos
transtornos. Os transtornos começam a ser

26
notados no final da infância ou início da adolescência. O diagnóstico só pode ser
efetivado após os 18 anos de idade.

Diretrizes diagnósticas no CID-10 (1993, p. 196)

De acordo com o CID-10 (1993) essas condições do transtorno abrangem


padrões de comportamento arraigados e permanentes. São respostas inflexíveis que
independem das situações que as envolvem. São desvios extremos ou significativos
do modo como a média das pessoas de determinada cultura reagiriam.

O CID-10 (F60) relaciona os seguintes transtornos de Personalidade:


personalidade paranoide; esquizoide, antissocial, emocionalmente instável,
narcisista, evitativa, histriônica, anancástica, ansiosa ou de evitação, dependente.

Diretrizes diagnósticas no DSM-V (2014, p. 645)

Critério A – Padrão persistente de experiências interna e comportamento


desviante acentuadamente das expectativas da cultura do indivíduo. O padrão
manifesta-se em duas ou mais das seguintes áreas: 1. Cognição, afetividade,
funcionamento interpessoal, controle dos impulsos.

Critério B – Padrão persistente e inflexível e abrange situações pessoais e


sociais.

Critério C – O padrão persistente provoca sofrimento clinicamente significativo


e prejuízos no funcionamento social, profissional e pessoal.

Critério D – O padrão é estável e de longa duração. No DSM-V (2014, p. 645)


os transtornos de personalidade (DSM-V 300) relacionados são os seguintes:
paranoide, esquizoide, esquizotípica, antissocial, borderline, narcisista, histriônica,
evitativa, dependente, obsessiva-compulsiva.

27
Transtornos do humor

Transtorno depressivo persistente distímico

Este transtorno representa uma consolidação do transtorno depressivo maior


crônico e do transtorno distímico definidos no DSM-IV. Humor deprimido na maior
parte do dia, na maioria dos dias, indicado por relato subjetivo ou por observação feita
por outras pessoas. A característica essencial do transtorno depressivo persistente
(distimia) é um humor depressivo que ocorre na maior parte do dia, na maioria dos
dias, por pelo menos dois anos, ou por pelo menos um ano para crianças e
adolescentes.

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Ciclotimia

O transtorno ciclotímico tem como característica essencial a cronicidade e a


oscilação do humor, envolvendo vários períodos de sintomas hipomaníacos e
períodos de sintomas depressivos.

Transtorno bipolar

No DSM-V (2008, p. 123), vemos que o transtorno bipolar é um transtorno do


humor é está dividido em bipolar I e II. Os critérios para transtorno bipolar tipo I
representam o entendimento moderno do transtorno maníaco-depressivo clássico, ou
psicose afetiva, descrito no século XIX. Diferem da descrição clássica somente no
que se refere ao fato de não haver exigência de psicose ou de experiência na vida de
um episódio depressivo maior. No entanto, a vasta maioria dos indivíduos cujos
sintomas atendem aos critérios para um episódio
maníaco também tem episódios depressivos
maiores durante o curso de suas vidas.

O transtorno bipolar tipo II, que requer um ou


mais episódios depressivos maiores e pelo menos
um episódio hipomaníaco durante o curso da vida,
não é mais considerado uma condição “mais leve”
que o transtorno bipolar tipo I, em grande parte em
razão da quantidade de tempo que pessoas com essa condição passam em
depressão e pelo fato de a instabilidade do humor vivenciada ser tipicamente
acompanhada de prejuízo grave no funcionamento profissional e social.

Transtorno depressivo maior

O transtorno depressivo maior representa é caracterizado por episódios


distintos de pelo menos duas semanas de duração (embora a maioria dos episódios
dure um tempo consideravelmente maior) envolvendo alterações nítidas no afeto, na
cognição e em funções neurovegetativas, e remissões interepisódicas. O diagnóstico

29
baseado em um único episódio é possível, embora o transtorno seja recorrente na
maioria dos casos.

Atenção especial é dada à diferenciação da tristeza e do luto normais em


relação a um episódio depressivo maior.

O luto pode induzir grande sofrimento, mas não costuma provocar um episódio
de transtorno depressivo maior. Quando ocorrem em conjunto, os sintomas
depressivos e o prejuízo funcional tendem a ser mais graves, e o prognóstico é pior
comparado com o luto que não é acompanhado de transtorno depressivo maior.

A depressão relacionada ao luto tende a ocorrer em pessoas com outras


vulnerabilidades a transtornos depressivos, e a recuperação pode ser facilitada pelo
tratamento com antidepressivos.

Os transtornos esquizofrênicos

A esquizofrenia tem um longo histórico. Nunes (1996, p. 91) mostra que na


descrição de Benedict Morel, em 1852, aparece pela primeira vez a menção à
esquizofrenia como démence précoce. Referia-se a certas formas especiais de
demência que surgem na adolescência, como os distúrbios do pensamento e afeto,
e manifestações delirantes. Surgiram também as descrições de quadros semelhantes
feitos por Ewald Hecker, em 1863, e
denominados hebefrenia. Já K. Kahlbaum,
em 1874, descreveu os sintomas da
catatonia.

Nunes (1996, p. 92) segue mostrando


que Emil Kraepelin, em 1896, em seu Tratado
de psiquiatria, elencou os termos até então conhecidos, mas que ficavam dispersos
– dementia praecox, a catatonia e a demência paranoica. Kraepelin reúne os termos
num tratado de psicopatologia sob a rubrica de doenças do metabolismo junto com o
mixedema (infiltração cutânea causadora de edema firme e elástico nos tecidos,
especialmente no tecido do rosto e nos membros, acarretada por diminuição da
atividade da tireoide), o hipotireoidismo e o cretinismo (perturbação grave e
relativamente rara do desenvolvimento físico e intelectual devido a uma diminuição

30
da atividade tireoidiana). Na sexta edição do seu tratado, em 1899, a dementia
praecox ganhou a autonomia para se contrapor à “loucura maníaco-depressiva”.

Eugen Bleuler (1911 apud PEREIRA, 2000) consagra o termo esquizofrenia


em substituição à demência precoce. O termo esquizofrenia, de acordo com Bleuler
(1911, p. 91), diz respeito à “mente cindida” que expressava a dissociação entre o
pensamento dos afetos e da psicomotricidade. Nunes (1996, p. 92) mostra que
Bleuler procurava um distúrbio fundamental em que pudesse basear o diagnóstico
sem fixá-lo no curso ou quadros finais.

Ele também aponta que Bleuler descreveu os sintomas (a) da esquizofrenia:


associação dos pensamentos; distúrbios afetivos; ambivalência e autismo (tem a ver
com o sujeito ensimesmado, diferentemente do que hoje diagnosticamos como
autismo). Eugen Bleuler e Karl Jaspers (este último introduziu o método
fenomenológico em psiquiatria) influenciaram toda a psiquiatria.

A ideia central da fenomenologia, de acordo com Nunes (1996, p. 91), era


descrever com precisão as experiências vividas pelos pacientes. Até a publicação do
DSMIII, em 1980, pessoas com quadros depressivos e outros transtornos mentais
eram tratados como esquizofrênicas. Foi a descoberta dos neurolépticos-
antipsicóticos que exigiu uma precisão maior nos diagnósticos e forçou a mudança
do DSMII para o DSMIII.

Os critérios de Kurt Schneider estabeleceram uma distinção entre os sintomas


de primeira e de segunda ordem, o que permitiu organizar o diagnóstico de modo
mais simples e preciso, mais tarde incorporados ao DSM-IV (2014) e consagrados no
CID-10 (1993).

Os sintomas de primeira ordem da esquizofrenia descritos por Schneider (apud


DALGALARRONDO, 2008, p. 328) são:

1. Percepção delirante – Uma percepção absolutamente normal recebe uma


significação delirante, que ocorre de modo simultâneo ao ato perceptivo. Exemplo: a
turma da professora Anna resolve oferecer uma festinha de aniversário para ela.
Organizam a mesa do parabéns colocando guardanapos, copos para os refrigerantes
e a faca para cortar o bolo. Quando a professora entra na sala, onde está sendo

31
preparada a festa, ela subitamente tem uma espécie de revelação e passa a acreditar
que a faca está ali para feri-la, para matá-la.

2. Alucinações auditivas características – São vozes que comentam e ou


comandam a ação do paciente. Exemplo: Luciana ouve vozes que lhe dizem para que
ela tome banho, que fique acordada e para que pule na linha do trem e morra.

3. Eco do pensamento ou sonorização do pensamento – O paciente escuta


seus pensamentos ao pensá-los. Exemplo: Jorge reclama que antes de pensar ouve
os seus pensamentos.

4. Roubo do pensamento – O paciente tem certeza de que seu pensamento foi


inexplicavelmente roubado. Exemplo: Jorge, durante a entrevista inicial, começa
contando sua história, mas para inesperadamente. Quando indagado por que parou
de relatá-la, ele conta que o seu pensamento foi roubado, ficando sem poder
continuar a história.

5. Vivências de influência corporal ou ideativa –

a) vivências de influência: são experiências onde o paciente sente que uma


força externa age sobre o seu corpo ou seus órgãos, emitindo raios, influenciando
suas funções corporais.

b) vivências de influência sobre o pensamento: refere-se à experiência de que


algo influencie seus pensamentos. O paciente recebe pensamentos impostos de fora,
pensamentos postos em seus cérebros.

Os sintomas de primeira ordem indicam, segundo Dalgalarrondo (2008, p.


328), uma profunda alteração Eu-mundo.
Nessa alteração, o sujeito tem uma perda
significativa da sua intimidade; o mundo
externo invade a intimidade do sujeito.
Essas experiências sugerem uma “fusão”
entre o particular e o público.

Os sintomas de segunda ordem de


Schneider, de acordo com Dalgalarrondo (2008, p. 328), são menos significativos
para o diagnóstico da esquizofrenia: perplexidade, alterações da sensopercepção
(excluindo aqueles de primeira ordem), vivências de influência no campo dos

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sentimentos, impulsos ou vontade, empobrecimento afetivo, intuição delirante e
alterações do ânimo de colorido depressivo maniatiforme.

Síndrome negativa ou deficitária (sintomas negativos)

Os sintomas negativos das psicoses esquizofrênicas podem ser caracterizados


pela perda de funções psíquicas nas áreas da vontade, do pensamento, da linguagem
e um empobrecimento da vida afetiva, cognitiva e social. Dalgalarrondo (2008, p. 328)
relaciona os seguintes sintomas ditos negativos:

1. Distanciamento afetivo – aparece em graus variáveis até o completo


embotamento (perda da capacidade de sintonizar afetivamente com as pessoas).
Exemplo: Jorgina adoeceu com 23 anos. Pouco a pouco, foi ficando cada vez mais
fechada em si mesma. Evita o contato com as pessoas, não inicia conversas, só
responde quando solicitada. Não faz contato visual com as pessoas. Fica sempre
quieta em seu canto.

2. Retração social – o paciente vai se isolando progressivamente do contato


social. Exemplo: Lúcia, uma jovem muito sociável, sofre um surto psicótico e desde
então se tranca em casa, não fala com ninguém, terminou o namoro, saiu da escola.
Seu único contato com outras pessoas é com sua mãe, que fica muito preocupada
com sua filha.

3. Empobrecimento da linguagem e do pensamento, e diminuição da fluência


verbal – O paciente diminui a quantidade de suas falas, não inicia conversas, fica
responsivo. Exemplo: Lucia fica o dia todo olhando pela janela fechada. Sua mãe
pergunta alguma coisa e ela responde apenas ao que é solicitado.

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4. Diminuição da vontade (avolição) e hipopragmatismo – Incapacidade de
realizar ações, trabalhos ou tarefas que exigem o mínimo de iniciativa e organização.
Exemplo: Lucia deixou de cuidar da casa, de suas tarefas cotidianas. Passa o tempo
todo sentada diante de uma janela fechada.

5. Negligência quanto a si mesmo – A pessoa apresenta um descuido consigo


mesmo. Desinteressa-se com a higiene, a aparência e a saúde. Exemplo: Lúcia fica
sentada desde que o dia amanhece até o anoitecer. Só escova os dentes, toma banho
ou penteia os cabelos se sua mãe insistir muito.

6. Lentificação e empobrecimento psicomotor – O paciente fica lentificado, com


dificuldade para responder de forma rápida as solicitações do meio. Exemplo: Lúcia
fica sentada o dia todo em frente a uma janela, e dificilmente se levanta para fazer
qualquer coisa. Atualmente, prefere dormir próximo à cadeira que fica na sala a ir
para o seu quarto. Repare que ela não senta na cadeira apenas dorme próximo a ela.

Síndrome positiva ou sintomas positivos

Ao contrário dos sintomas negativos, os sintomas positivos são manifestações


novas, intensas e produtivas. Dalgalarrondo (2008, p. 331) relaciona os sintomas
produtivos:

1. Alucinações – ilusões ou pseudoalucinações auditivas (as mais comuns), ou


visuais. Exemplo: Jorge ouve constantemente vozes que lhe dão ordens para se
matar ou para matar outras pessoas.

2. Ideias delirantes – de conteúdo paranoide, autorreferente, ou de influência


(o paciente sente-se perseguido por outras pessoas ou instituições).

3. Comportamentos bizarros – atos impulsivos. Ex.: Jorge tem como hábito


abrir e fechar portas todo o tempo, incomodando todas as outras pessoas.

4. Agitação psicomotora – a pessoa fica muito agitada, anda e fala muito


enfaticamente e rapidamente.

5. Ideias bizarras – não necessariamente delirante. Ex.: Jorge acredita que é


capaz de comandar o fluxo dos carros numa avenida bastando manter o olhar fixo
nos veículos.

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6. Neologismos – palavras novas, ou com significado único e particular para o
paciente. Ex.: Leandra criou a palavra fogteu – que significa que seu namorado era
ateu.

Síndrome psicótica desorganizada

Segundo Dalgalarrondo (2008, p. 331), a síndrome corresponde ao subtipo


classicamente denominado de esquizofrenia hebefrênica, que apresenta as seguintes
características:

1. Pensamento progressivamente desorganizado – de um leve afrouxamento


das associações até a total desagregação e produção de um pensamento totalmente
incompreensível.

2. Comportamentos desorganizados – comportamentos sociais e sexuais


inadequados, agitação psicomotora, vestimenta e aparência bizarras.

3. Afeto inadequado – descompasso entre as esferas afetivas, ideativas e da


vontade.

4. Afeto pueril – o paciente reage de forma infantil, boba.

Espectro da esquizofrenia

O espectro da esquizofrenia no DSM-V (2014, p. 87) inclui esquizofrenia,


outros transtornos psicóticos e transtornos de personalidade esquizotípica. Esses
transtornos são definidos por anormalidades em um ou mais dos cinco domínios:
alucinações, pensamento desorganizado, comportamento motor desorganizado ou
anormal, sintomas negativos e delírios.

Os delírios são caracterizados por crenças fixas, não passiveis de mudanças


à luz de evidências conflitante, tais como:

Delírios persecutórios – crença de que a pessoa irá ser prejudicada por outra
pessoa, grupos ou organização.

Delírio de referência – crença que alguns gestos, comentários ou estímulos do


ambiente são direcionados ao paciente.

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Delírios somáticos – crença de que se está com alguma doença física;
preocupação excessiva com a saúde.

Delírios religiosos – crença de que a pessoa é escolhida por deus, tem ligações
fortes com entidades religiosas ou acredita que é um profeta ou santo.

Delírios de grandeza – a pessoa acredita que tem habilidades excepcionais,


riqueza ou fama.

Delírio erotomaníaco – a pessoa acredita falsamente que outra pessoa está


apaixonada por ela.

Delírio niilista – crença de que alguma tragédia irá ocorrer. Também há os


delírios bizarros e não bizarros:

Delírio bizarro – a crença de que, por exemplo, a pessoa sofreu uma cirurgia e
lhe trocaram o cérebro. Delírio não bizarro – a crença de que, por exemplo, a polícia
o está vigiando.

Segue abaixo os principais tipos de transtornos esquizofrênicos. Usaremos os


critérios diagnósticos e o curso contidos no DSM-V com o respectivo CID para simples
conferência.

36
37
38
REFERÊNCIAS

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