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SUMÁRIO

1 IMPORTÂNCIA DA PSICOLOGIA JURÍDICA ............................................. 4

2 PSICOLOGIA JURÍDICA E AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA .......................... 6

3 A FAMÍLIA E A INFÂNCIA ........................................................................ 11

3.1 Definição de infância e adolescência ................................................. 13

3.2 O trabalho dos psicólogos com crianças e adolescentes ................... 16

3.3 O estatuto da criança e do adolescente ............................................. 19

3.4 Atuação do psicólogo nas varas da infância e juventude ................... 22

4 A ADOÇÃO NO BRASIL ........................................................................... 24

4.1 Os tipos de adoção no brasil .............................................................. 27

4.2 A atuação do psicólogo no contexto judiciário da adoção .................. 31

5 BREVE HISTÓRICO DA VIOLÊNCIA SEXUAL ........................................ 40

5.1 Aplicação em casos de abuso sexual infantil ..................................... 42

5.2 O dever do psicólogo.......................................................................... 42

5.3 A psicologia a serviço do atendimento das vítimas ............................ 46

5.4 Responsabilidade do Psicólogo ......................................................... 48

6 A DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR ................................................. 52

7 Alienação Parental .................................................................................... 61

7.1 O psicólogo jurídico e a alienação parental ........................................ 63

7.2 Perícia e Avaliação psicológica .......................................................... 64

8 ADOLESCENTES AUTORES DE ATOS INFRACIONAIS........................ 66

8.1 O Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo – SINASE ....... 66

8.2 Aplicação das medidas socioeducativas: alguns achados empíricos . 67

8.3 Função e práticas do psicólogo na atuação com adolescentes em


medida socioeducativa de internação .................................................................... 69

9 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .......................................................... 77

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1 IMPORTÂNCIA DA PSICOLOGIA JURÍDICA

Fonte: unifor.br

Por “Psicologia”, se analisado no sentido etimológico da palavra, compreender-


se-á como “a ciência que estuda a alma”, vez que o termo de origem grega abarca
duas palavras: psique = alma e logos = ciência/estudo. (BARROS, 1993 apud LIMA J;
2019).
A Psicologia surgiu ainda no séc. III a.c., em seus primórdios agregada à
Filosofia, sendo encontrados inclusive estudos de Platão e Aristóteles inspirados na
psique humana. De acordo com Cambaúva (1998, p. 214 apud LIMA J; 2019) “A
psicologia se ‘desliga’ da filosofia e se configura enquanto ciência independente
quando deixa de buscar a essência humana e passa a adotar métodos para não só
conhecer, mas também intervir nesse ser humano. ”

Ainda assim, apenas no final do século XIX, quando foram empregados


métodos de observação sistemáticos e cautelosos, que a Psicologia foi
considerada ciência; ao passo que ao longo do tempo foi tida por seus
estudiosos como o estudo da mente e/ou do comportamento e, atualmente,
para maioria deles, indica o estudo do comportamento dos organismos.
(BARROS, 1993 apud LIMA J; 2019).

A Psicologia Jurídica, por sua vez, é um ramo ainda muito recente desta
ciência, afinal, sua origem provém ainda de outro ramo da Psicologia, a “Psicologia
do Testemunho”. Esta última se deu dos trabalhos do psicólogo e pedagogo Alfred

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Binet (1857-1911 apud LIMA J; 2019), analisando a sugestionabilidade da memória
das crianças. Em paralelo, os estudos de Karl Marbe (1869 - 1953 apud LIMA J; 2019)
e Hugo Munsterberg (1863-1912 apud LIMA J; 2019), também psicólogos,
ressaltavam como a memória, a fiabilidade e a vulnerabilidade das testemunhas
poderiam ser problemáticas ao processo. (HERRERA, 2015 apud LIMA J; 2019).
Assim, a psicologia do testemunho ganhou força durante as três últimas
décadas do século XX, sendo influenciada pela psicologia cognitiva onde, através dos
estudos acerca da memória humana, obteve gradualmente participação efetiva em
julgamentos, realizando perícias e, desta forma, assessorando os tribunais,
principalmente na área forense. (HERRERA, 2015 apud LIMA J; 2019). Foi a partir
desta atuação que a Psicologia do Testemunho progrediu para a matéria específica
que hoje é conhecida por Psicologia Jurídica.
No Brasil, a intersecção entre Psicologia e Direito se deu, justamente, da
evolução dos métodos empírico-experimentais sobre testemunho e sua participação
nos tribunais, extraídos da Psicologia do Testemunho, para uma utilização de
estratégias de avaliação psicológica, com objetivos definidos, inicialmente identificada
como uma prática voltada para a realização de exames e avaliações, buscando
identificações por meio de diagnósticos (GROMTH-MARNAT apud LAGO, 2009 apud
LIMA J; 2019).

Estes diagnósticos eram feitos pelos psicólogos clínicos em participação com


médicos psiquiatras em exames psicológicos legais, impulsionando o
psicodiagnóstico de forma muito positiva, porém informal e, quase sempre,
de forma voluntária. (AMATO, 2009 apud LIMA J; 2019).

Estes trabalhos se deram ainda no reconhecimento da profissão no país, na


década de 1960, e a inserção da Psicologia no Direito ocorreu de forma muito gradual
e a passos curtos, de modo que, somente “a partir da promulgação da Lei de
Execução Penal (Lei Federal nº 7.210/84), que o psicólogo passou a ser reconhecido
legalmente pela instituição penitenciária (Fernandes, 1998 apud LIMA J; 2019). ”
(LAGO, 2009, p. 484 apud LIMA J; 2019).
Ao fim, restou comprovado “a partir de estudos comparativos e representativos,
que os diagnósticos de Psicologia Forense podiam ser melhores que os dos
psiquiatras (Souza, 1998 apud LIMA J; 2019). ” (LAGO, 2009, p. 484 apud LIMA J;
2019), ademais, para os juristas, um método mais matematicamente provável como

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eram os dados fornecidos pelos psicodiagnósticos faziam melhor jus à orientação de
que necessitavam.
Apesar de inicialmente a importância à avaliação psicológica destinar-se em
especial a área criminal, não é apenas a este ramo do Direito que se deve a
aproximação destas matérias; dentro da área cível, a destacar-se o Direito da Infância
e da Juventude, área em que o psicólogo iniciou sua atuação na perícia psicológica
de processos do então denominado Juizado de Menores, também influenciou a
psicologia jurídica em sua ascensão. (TABAJASKI; GAIGER; RODRIGUES apud
LAGO, 2009 apud LIMA J; 2019).
Com a implantação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), e dilatação
da legislação destinada aos menores, em 1990, o trabalho do psicólogo também
ampliou, envolvendo-o em atividades na perícia, acompanhamentos e aplicação das
medidas de proteção ou medidas socioeducativas (TABAJASKI; GAIGER;
RODRIGUES apud LAGO, 2009 apud LIMA J; 2019).

Essa expansão do campo de atuação do psicólogo gerou um aumento do


número de profissionais em instituições judiciárias mediante a legalização dos
cargos pelos concursos públicos. [...] (Rovinski, 2002 apud LAGO, 2009, p.
485 apud LIMA J; 2019) [...] no estado de São Paulo, o psicólogo [...] fez sua
entrada oficial em 1985, quando ocorreu o primeiro concurso público para
admissão de psicólogos dentro de seus quadros (SHINE apud LAGO, 2009,
p. 484-485 apud LIMA J; 2019).

A institucionalização do psicólogo forense está intimamente atrelada, portanto,


ao Direito Criminal e ao Direito da Criança e do Adolescente, conforme LIMA J; (2019).

2 PSICOLOGIA JURÍDICA E AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA

Pode-se dizer que ainda é recente a prática do psicólogo no âmbito jurídico,


cada vez mais esse profissional vem mostrando a importância da sua prática em
diversos contextos. Na área jurídica, o psicólogo atua como perito judicial e assistente
técnico (LUZ; GELAIN; BENICÁ, 2014 apud FIGUEIREDO S; 2019).
O psicólogo jurídico atua na área de família nas questões que envolvem guarda
dos filhos, abuso sexual, regulamentação de visitas, exoneração de alimentos,
separação, divórcio, alienação parental, adoção entras outras demandas. Seu
trabalho depende da solicitação de uma intervenção especializada por parte do juiz
(MENDES, 2013 apud FIGUEIREDO S; 2019).
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O psicólogo enquanto perito, a partir das suas experiências e dotado de
conhecimento técnico e científico, apresenta informações ao juízo, contribuindo com
este para que o mesmo possa desenvolver uma sugestão mais clara e objetiva sobre
um problema em questão (GUILHERMANO, 2012 apud FIGUEIREDO S; 2019).
O perito atua como auxiliar do juiz, é um profissional que demonstra capacidade
técnica de sua competência, apresenta habilidades e conhecimentos específicos, para
executar de forma eficiente a função. O psicólogo nesta função necessita estar
regularmente registrado em seu conselho, neste caso no CFP (conselho federal de
psicologia) e seguir às regras estabelecidas por este (CHEFER; RADUY; MEHL, 2016
apud FIGUEIREDO S; 2019).
Existem dois tipos de peritos, os que trabalham diretamente nos Tribunais de
Justiça, que atuam nos fóruns e os que são contratados de forma particular, indicado
pelo juiz. Esses profissionais trabalham nos casos que necessitam de um
esclarecimento especializado (MENDES, 2013 apud FIGUEIREDO S; 2019). O
psicólogo enquanto assistente técnico atua como um assessor garantindo o direito ao
contraditório.
O psicólogo nesta função deve atuar de forma separada da função do perito e
vise versa, para que não interfira na qualidade do serviço de ambas as partes. O
envolvimento entre estes profissionais deve prezar pelo respeito, cada um realizando
suas competências, o assistente técnico tem o direito de esclarecer suas possíveis
dúvidas a respeito do caso com o psicólogo perito (LUZ; GELAIN; BENICÁ, 2014 apud
FIGUEIREDO S; 2019).
É função do assistente técnico, produzir Parecer Crítico relacionado ao caso,
dentro de um prazo de 10 (dez) dias logo após a exposição do laudo. Para isso é
fundamental conhecer o Código do Direito Civil que fala sobre Direito de Família, é
necessário também analisar o processo observando as questões psicológicas
(GUILHERMANO, 2012 apud FIGUEIREDO S; 2019).

Vale ressaltar, que este profissional não é obrigado a ser contratado pelas
partes, seu papel é apenas prestar um auxílio ao caso. E para desenvolver a
sua atividade o mesmo pode escutar as pessoas envolvidas no caso,
requerer documentos das partes entre outros (CHEFER; RADUY; MEHL,
2016 apud FIGUEIREDO S; 2019).

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De acordo com a Resolução do Conselho Federal de Psicologia N. º 007/2003
o profissional psicólogo tem como função elaborar documentos que resulta na
avaliação psicológica, sendo uma prática exclusiva desse profissional (LUZ; GELAIN;
BENICÁ, 2014 apud FIGUEIREDO S; 2019). A avaliação psicológica, é uma prática
exclusiva do psicólogo, trata-se de um processo técnico e científico que coleta dados
para estudar e interpretar informações relacionadas aos fenômenos psicológicos da
interação do sujeito com a sociedade, fazendo o uso de métodos, instrumentos e
técnicas (MENDES, 2013 apud FIGUEIREDO S; 2019).
Laudo é uma exposição minuciosa relacionada a fatos ou condições
psicológicas, a partir das situações impostas pelos fatores políticos, sociais, históricos
e culturais investigados na avaliação psicológica. Devem ser elaborados também, a
partir de informações extraídas e analisadas com base em técnicas, como entrevista,
testes psicológicos entre outras (LUZ; GELAIN; BENICÁ, 2014 apud FIGUEIREDO S;
2019).
Serve para apresentar desde o procedimento até a conclusão do processo de
avaliação psicológica, descrevendo tudo sobre as intervenções, encaminhamento,
prognóstico, diagnóstico e a evolução do caso, se necessário, solicitação de
acompanhamento psíquico, fornecendo apenas as informações essenciais da
demanda, solicitação ou petição. Após a realização da perícia, é papel do perito
elaborar este documento, para auxiliar o juiz na decisão da sentença
(GUILHERMANO, 2012 apud FIGUEIREDO S; 2019).
O estudo psicossocial é uma forma de perícia, que pode ser feito pelo psicólogo
junto ao assistente social, que investigam a relação familiar e as consequências para
as partes que estão vivenciando o conflito, se difere do laudo por que analisa a
situação de forma relacional e não individual. Para escolher a melhor forma de perícia
é necessário avaliar de forma individual, as pessoas envolvidas e as possíveis
técnicas para atuar onde ocorre a situação (CHEFER; RADUY; MEHL, 2016 apud
FIGUEIREDO S; 2019).
Outro documento que pode ser produzido pelo psicólogo é o parecer, trata-se
de um resumo sobre o foco principal das questões psicológicas, no qual o resultado
deste pode ser conclusivo ou indicativo. Sua finalidade é esclarecer as informações
de uma avaliação especializada de um problema, com o intuito de eliminar as
possíveis dúvidas do caso (MENDES, 2013 apud FIGUEIREDO S; 2019). O assistente

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técnico não emite laudo e estudo psicossocial de acordo com o Conselho Federal de
Psicologia, ele elabora parecer que irá contribuir com o advogado da pessoa que o
contratou, auxiliando também na decisão do juiz (LUZ; GELAIN; BENICÁ, 2014 apud
FIGUEIREDO S; 2019).
Quando se trata de casos de alienação parental, se houver a necessidade o
juiz irá solicitar a perícia psicológica ou biopsicossocial. O laudo irá conter, entrevista
individual com as partes envolvidas, exames, levantamento histórico do
relacionamento do casal e do processo de divórcio, avaliação da personalidade das
pessoas envolvidas e analisar a forma, de como a criança ou o adolescente apresenta
os comportamentos de acusação com o genitor (GUILHERMANO, 2012 apud
FIGUEIREDO S; 2019).
De fato, não é fácil diagnosticar a síndrome de alienação parental, pois requer
um amplo conhecimento prático e cientifico dos profissionais perito e assistente
técnico. Por mais que a lei 12318/10 aponte os possíveis atos, existem várias outras
formas de alienação parental, muitas crianças e adolescentes não desprezam o
genitor alienado e demostram sofrimento psicológico tal e qual de uma pessoa
alienada (CHEFER; RADUY; MEHL, 2016 apud FIGUEIREDO S; 2019).
Com isso, só pode ser considerado alienação parental se o ato for reconhecido
pelo poder judiciário. Então, o juiz poderá solicitar a realização de uma perícia
biopsicossocial ou psicológica. O laudo será produzido por perito habilitado, podendo
ser o profissional psicólogo ou a junção de uma equipe multidisciplinar, este
documento tem um prazo de até 90(noventa) dias para ser entregue (MENDES, 2013
apud FIGUEIREDO S; 2019).
Dependendo do grau de alienação que o adolescente ou a criança de se
encontre, poderá haver inúmeras atitudes no processo decisório da guarda, que pode
ser tomada pelo juiz da causa, podendo inclusive adiar para decidir de forma mais
eficiente (LISBOA, 2013 apud FIGUEIREDO S; 2019). As intervenções realizadas pelo
psicólogo para diagnosticar a síndrome de alienação parental podem ser: entrevista
pessoal com as partes envolvidas, análise do histórico da dinâmica familiar do casal,
constatação do término do relacionamento, análise do caráter dos envolvidos,
incluindo as manifestações de acusação do filho contra o genitor (LISBOA, 2013 apud
FIGUEIREDO S; 2019).

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Necessita-se então, tomar todas as medidas cabíveis, para que haja a proteção
da integridade psicológica do sujeito alienado, (criança ou adolescente) buscando
garantir o direito à convivência familiar, e estabelecer uma reaproximação do filho com
genitor no qual houve o distanciamento, devido os atos de alienação parental (LUZ;
GELAIN; BENICÁ, 2014 apud FIGUEIREDO S; 2019). Ao ser julgada a alienação
parental, torna-se inviável a guarda compartilhada, ou seja, os pais não poderão mais
dividir as responsabilidades para com o filho, então a guarda passará a ser unilateral
onde apenas um dos genitores irá assumir tal responsabilidade e será decretada de
forma preferencial ao genitor que na prática, possa garantir ao seu filho uma melhor
relação familiar com o outro (GUILHERMANO, 2012 apud FIGUEIREDO S; 2019).
As intervenções judiciais são diversas para reestabelecer o vínculo, métodos
de aproximação com o filho, por meio de visitas supervisionadas por uma terceira
pessoa, a fim de garantir que não haverá comportamentos de alienação durante a
visita. Quanto ao alienador existem sansões, que irá depender do grau de alienação
parental em que o menor se encontre, entre elas estão: pagamento de multa diária
enquanto o alienador emitir comportamentos inadequados, imposição de tratamento
psicológico, alteração da guarda do menor, em casos extremos é decretado prisão do
alienador (CHEFER; RADUY; MEHL, 2016 apud FIGUEIREDO S; 2019).
Existe também a possibilidade de requerer indenização por danos morais na
presença do alienador, pois a regra define que quando há a alienação parental existe
um “abuso moral” contra a criança ou adolescente (FACCINI, 2011 apud
FIGUEIREDO S; 2019). O tratamento da SAP consiste em reconstruir o vínculo entre
filho e genitor alienado e reduzir ao máximo os danos causados pela quebra desse
vínculo. Sendo de extrema importância os psicólogos buscarem métodos de
intervenção que amenizem os efeitos que surgiram por conta do tal fenômeno
(MENDES, 2013 apud FIGUEIREDO S; 2019).
A mediação é uma forma de solucionar conflitos extrajudiciais, é basicamente
uma tentativa de diálogo entre as partes junto com um mediador. No caso da alienação
parental, será discutida a vontade das pessoas envolvidas no processo, em busca de
uma solução amigável, e mais adequada para o caso (LUZ; GELAIN; BENICÁ, 2014
apud FIGUEIREDO S; 2019). O psicólogo enquanto mediador irá facilitar o diálogo
entre as partes, para que os mesmos possam buscar a melhor alternativa de resolução
para o caso em questão. Para solucionar a alienação parental é necessário que o

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psicólogo faça com que o alienador se coloque no lugar no alienado para que o mesmo
perceba o seu sofrimento diante de suas ações, e possa enxergar também o mal que
está causando aos seus filhos. Ao tomar consciência dos seus atos aos poucos os
comportamentos alienadores irão se reduzindo até chegar ao fim (BARBIERI; LEÃO,
2013 apud FIGUEIREDO S; 2019).
Para obter sucesso na mediação, é imprescindível que psicólogo enquanto
mediador possua competências, que possa fazer com que as partes reflitam sobre
seus sentimentos e emoções, ajudá-los a clarificar os fatos, auxiliando-os a falarem o
verdadeiro significado do que desejam expressar, interpretando as questões,
fornecendo explicações para aumentar a compreensão dos fatos e por fim resumir o
que foi dito no geral para obter uma melhor percepção (TOSTA, 2013 apud
FIGUEIREDO S; 2019).
Superar a alienação parental é uma tarefa difícil por parte dos pais, os mesmos
devem desenvolver um equilíbrio emocional diante da separação, possuir afeto para
com os filhos, compreendendo a situação em que se encontram como um todo, para
facilitar a solução do problema vivenciado por eles (CHEFER; RADUY; MEHL, 2016
apud FIGUEIREDO S; 2019).

3 A FAMÍLIA E A INFÂNCIA

Gomes (2008 apud CVIATKOVSKI A; et al., 2014) ressalta que cabe à família,
a sociedade e ao estado garantir às crianças e aos adolescentes o direito à vida, a
moradia a saúde, a alimentação adequada, a educação de qualidade, o lazer, o
acesso aos meios para ingressar na vida profissional. Garantem também direitos
relacionados ao respeito, a cultura, a liberdade e a dignidade, protegendo as crianças
e adolescente da discriminação, da violência, da exploração, da crueldade, da
negligencia e da opressão.
Segundo o Art. 25. Do Estatuto da Criança e do Adolescente, se entende por
família natural, aquela que é constituída pelos pais e seus descendentes. Já a família
extensa seria aquela formada pela família natural e por mais parentes que convivem
no mesmo ambiente. Sendo assim, ambas as formações familiares têm o dever de
proteger e preservar os direitos assegurados pelo ECA, conforme CVIATKOVSKI A;
et al., (2014).

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Tanto a família como o estado devem oportunizar as crianças e adolescentes,
proteção física, social e cognitivo e que possam ter desenvolvimento integral para a
vida profissional, social e familiar, entre outros. Para efeito de todas as leis
consideram-se crianças até 12 anos incompletos e adolescentes aqueles que
possuem idade entre 12 e 18 anos. Tendo preferência quando se trata de proteção ou
em atendimentos em serviços públicos, conforme CVIATKOVSKI A; et al., (2014).
De acordo com Gomes (2008 apud CVIATKOVSKI A; et al., 2014), as crianças
devem ter acesso a tratamentos médicos e psicológicos, e em caso de abandono têm
direito a um abrigo ou ainda, se a criança foi destituída de sua família natural deverá
ser inserida em uma família substituta.
Segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente (2014 apud CVIATKOVSKI
A; et al., 2014) após os 18 anos os adolescentes atingem a maioridade civil, onde ele
passa a responder judicialmente pelos seus atos. Em casos de negligencia, violência
ou qualquer outra forma de violação de direito, serão aplicado medidas protetivas a
este segmento e sua família. E em caso de ato infracional também será aplicada ao
adolescente uma medida protetiva denominada socioeducativa.
São direitos fundamentais da criança e do adolescente, o direito à vida e a
saúde. Essa medida de proteção se dá por meio de políticas sociais públicas que
permitam o nascimento e o desenvolvimento sadios em condições dignas. O direito à
liberdade, ao respeito e a dignidade, como sujeitos de direitos civis as crianças e
adolescentes em processo de desenvolvimento devem ter seus direitos assegurados,
sendo dever de todos zelarem pela dignidade e liberdade, não permitindo que sofram
violações físicas, psíquicas e sociais, conforme CVIATKOVSKI A; et al., (2014).
O Estatuto da Criança e do Adolescente (2014 apud CVIATKOVSKI A; et al.,
2014) assegura também o direito a convivência familiar e comunitária, sendo que a
criança deve ser educada e criada no seio de sua família, cabendo aos pais o dever
de sustento, educação e guarda. As crianças e os adolescentes também possuem a
garantia do direito ao esporte, a educação, lazer e cultura visando principalmente o
desenvolvimento de sua pessoa preparando-os para exercícios de cidadania.

Subsequentemente as crianças e os adolescentes têm direitos garantidos de


proteção ao trabalho e de profissionalização, ressaltando, porém, a proibição
de trabalho para crianças com idade inferior a quatorze anos exceto na
condição de aprendiz, respeitando sempre a condição de desenvolvimento.
Gomes (2008 apud CVIATKOVSKI A; et al., 2014) ressalta que desde a sua
criação, o ECA apresenta grandes avanços no processo de formulação e
implantação de políticas para crianças e adolescentes como a erradicação do
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trabalho infantil, o Plano Nacional de Convivência Familiar e Comunitária,
Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo e enfrentamento da
violência sexual, concomitante a dos conselhos de diretos e tutelares.

O ECA deve ser compreendido como um instrumento de inclusão infanto-juvenil


em toda a sua diversidade etária, étnica, sexual e cultural, de uma maneira
democrática, sendo que seu dever é proteger a infância e adolescência, conforme
CVIATKOVSKI A; et al., (2014).

3.1 Definição de infância e adolescência

Segundo Berger (2013 apud PAES T; et al, 2019), desde o nascimento, as


crianças expressam angústia, tristeza e contentamento, o prazer é expresso com um
primeiro sorriso social em até seis semanas, o medo também se manifesta cedo, e a
cautela com estranhos e outros sinais de medo são evidentes por volta dos seis
meses, quando os avanços cognitivos possibilitam a diferenciação entre o familiar e o
inesperado, geralmente o comportamento temeroso atinge o auge por volta dos
quatorze meses, o contexto social ensina às crianças quando e como se expressar
suas emoções, a referência social em relação aos pais inicia por volta dos seis meses.
A autoconsciência desenvolve-se no segundo ano de vida e possibilita um novo
conjunto de emoções, a criança torna-se menos previsível e menos submissa. Dos
dois aos seis anos de idade muitas habilidades cognitivas são adquiridas como
memória e resolução de problemas, o contexto social tem o papel essencial de
fornecer apoio, conforme PAES T; et al, (2019).
As crianças começam a desenvolver raciocínio abstrato, a interação social,
especialmente na participação dirigida, auxiliando no processo cognitivo. Ao mesmo
tempo, contudo, o pensamento das crianças pode ser ilógico e egocêntrico. As
capacidades de linguagem se desenvolvem rapidamente; aos seis anos, a criança
média conhece 10.000 palavras e demonstra conhecimentos em gramática.
Aprendem a ajustar sua comunicação às pessoas e utilizam a linguagem para ajudar
a si mesmas e aprender, conforme PAES T; et al, (2019).
A educação pré-escolar ajuda as crianças a desenvolverem a linguagem e a se
expressarem, bem como a se prepararem para a educação. Na medida em que são
elogiadas por seus esforços elas iniciam novas atividades como organizar

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brincadeiras que as ajudam a controlar habilidades físicas e intelectuais e que as
ensinem ou aperfeiçoem os papéis sociais, conforme PAES T; et al, (2019).

Nessa fase, as crianças aprendem a refletir sobre as consequências de suas


ações surgindo também os castigos físicos e técnicas disciplinares para
mudar os comportamentos indesejáveis, agressão e negligência podem
trazer, alterações no desenvolvimento desses pequenos seres como
comportamento antissocial, que poderá levar à agressividade e a conflitos
com a lei. Técnicas disciplinares adequadas são aquelas em que não é
preciso bater na criança, como por exemplo, deixá-la sozinha em algum canto
para "pensar na vida", procedimento de correção disciplinar na hora são
adequados e uma boa estratégia para as crianças agressivas se acalmarem
(BERGER, 2013 apud PAES T; et al, 2019).

Outra correção pertinente seria tirar os privilégios, proibi-la de fazer algo que
gosta, a ideia é de devolver à criança um determinado privilégio assim que a criança
admitir que errou, porém, o ideal é que o período não seja muito longo. Também é
indicado, se possível consertar o erro, fazê-la reparar o que fez de errado para só
então poder realizar outra atividade, conforme PAES T; et al, (2019).
Não é indicado gritar e dar broncas constantemente nas crianças, pois desta
forma os adultos passam a imagem que estão fora do controle e o próprio filho pode
sentir-se estimulado a testar o genitor. Crianças que levam palmadas, surras e
castigos severos tendem a se sentir mais inseguras e ter baixa autoestima, tornando-
se excessivamente tímidas ou demasiadamente agressivas, além de ser tênue a linha
entre medidas não agressivas e as agressões efetivas aumentando o risco para a vida
e integridade desta criança (RIBEIRO et al. 2007 apud PAES T; et al, 2019).
Na idade dos sete aos onze anos ocorre a expansão do mundo social,
abandonam a total autossatisfação para ajustar seu próprio comportamento e interagir
adequadamente com outras pessoas. O grupo de amigos torna-se cada vez mais
importante à medida que a criança fica menos dependente de seus pais e mais
dependente de seus amigos, em termos de ajuda, lealdade e compartilhamento de
interesses mútuos. Começam a ter interesse pelos jogos competitivos e por artistas
da televisão, internet, esportistas e cantores. Muitas crianças apresentam
necessidade de aprendizagem especial, conforme PAES T; et al, (2019).
Nessa fase podem surgir conflitos como a separação dos pais e geralmente
mudam de comportamento podendo ficar: deprimidas, hostis, desobedientes,
irritáveis, sozinhas, etc., perdendo o interesse pela escola e vida social. Nos casos de
maus tratos a criança pode manifestar prejuízos na aprendizagem, autoestima, nas

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relações sociais e no controle emocional. Alguns desses efeitos podem marcar a
pessoa por toda a vida, crianças maltratadas tendem a se tornar adultos agressivos
(BERGER, 2013 apud PAES T; et al, 2019).
Para Rangel, Torman e Focesi (2012 apud PAES T; et al, 2019) a adolescência
é o período de transição da infância para a idade adulta, no qual os adolescentes
precisam se adaptar ao tamanho e à forma do corpo que se modifica, o despertar da
sexualidade e às novas maneiras de pensar. A adolescência é uma crise de identidade
e confusão de papéis. Em termos ideais, os adolescentes resolvem a crise
desenvolvendo sua própria exclusividade e seu relacionamento com a sociedade,
estabelecendo nesse processo uma identidade sexual, política, moral e vocacional. O
pensamento do adolescente é marcado, e às vezes obstruído, pelo egocentrismo,
exemplificado pelo mito da invencibilidade e pelo mito pessoal.
O egocentrismo também é amplificado pela autoconsciência durante essa fase.
É também um período onde eles se sentem ansiosos por estímulos intelectuais, mas
estão altamente vulneráveis à falta de confiança em si mesmos. A puberdade se inicia
pela produção de hormônios no cérebro, enquanto esses hormônios executam
funções biológicas podem tornar o humor desses adolescentes mais instáveis. Ambos
os sexos passam por mudanças nas características sexuais que são alterações nos
órgãos sexuais além de modificações nos seios, voz, pelos faciais e corporais
(RODRIGUES; MELCHIORI, 2014 apud PAES T; et al, 2019).
De acordo com Oliveira (2006 apud PAES T; et al, 2019), esse processo ocorre
em um momento em que a criança está sendo confrontada com as mudanças físicas
da puberdade e seu impacto psicológico, o abuso sexual na adolescência pode ser
especialmente danoso. Os efeitos do abuso sexual dependem da natureza do abuso,
da sua duração e do relacionamento do adolescente com o agressor. Os adolescentes
sexualmente molestados podem se tornar deprimidos, viciados em drogas ou
agressores sexuais também. O uso ou experimentação de drogas ocorre com a
maioria dos adolescentes, e quase todos eles sabem como obter cigarros, bebidas
alcoólicas e outras drogas. O contexto familiar e o apoio dos pais podem reduzir a
incidência da atividade sexual prematura, o comportamento sexual de risco e a
gravidez precoce, porém poucos pais são educadores sexuais e bem informados para
seus filhos.

15
Pode surgir conflitos entre os pais e filhos nesse período sobre coisas como
cabelo, aparência e roupas, porém é importante nessa fase que os pais
procurem ter comunicação, apoio, ligação e controle. Nessa época a
depressão e a ideia de suicídio é bastante comum principalmente entre os
rapazes. Assim como a violação da lei é mais comum na adolescência do que
em qualquer outro período da vida. Grande parte se envolve em algum tipo
de transgressão, mas relativamente poucos são presos e nem todos se
tornam criminosos vitalícios assim também frequentemente são vítimas de
crimes (BERGER, 2013 apud PAES T; et al, 2019).

Porém, Aberastury e Knobel (1981 apud PAES T; et al, 2019), consideraram


que nesta fase o adolescente vive uma ameaça constante de ruptura das relações,
fator que pode ocasionar maior incidência de mecanismos de defesa de natureza
psicótica como onipotência, egocentrismo, cisão, negação e projeção com tendência
a se consolidar como modo de funcionamento psíquico. Os autores acrescentam
ainda que neste período para alcançar a consolidação da personalidade o adolescente
tem de utilizar-se de conduta superficialmente patológica.
Sendo assim, comportamentos conhecidos como transgressões são
reverberações dos conflitos internos, decorrentes desse processo. A ocorrência dos
principais sintomas nesta fase são: A busca de si mesmo e da identidade; tendência
grupal; necessidade de intelectualizar e fantasiar; crises religiosas, deslocalização
temporal; evolução sexual manifesta; atitude social reivindicatória; contradições nas
manifestações de conduta; separação progressiva dos pais e flutuação de humor,
conforme PAES T; et al, (2019).
O processo de busca de identidade pode fazer com que o adolescente a
encontre de forma incorreta, fundamentada em figuras negativas, na qual é preferível
uma identidade perversa a não possuir nenhuma. Portanto, a prevenção da
criminalidade na adolescência inclui a identificação de crianças em risco, que
consome substâncias precocemente, que são autoritárias, que são maltratadas ou
negligenciadas, conforme PAES T; et al, (2019).

3.2 O trabalho dos psicólogos com crianças e adolescentes

Em 2002, o Conselho Federal de Psicologia (CFP) publicou uma cartilha


visando à atualização dos psicólogos que trabalham com a população adolescente no
Brasil. Bastos (2002 apud BRAMBILLA B; et al., 2010), nessa cartilha, inicia sua
reflexão com a exposição sobre a normatização da prática do psicólogo. O autor

16
afirma que o psicólogo é um profissional da saúde, especificamente da saúde mental,
independentemente da área de atuação. Saúde mental compreendida como o
processo de otimização da qualidade de vida das pessoas, através da consideração
dos fatores emocionais que agem contra ou a favor do seu bem-estar psíquico e da
vida como um todo.
Ao compreendermos a psicologia como uma ciência da saúde, Paes Ribeiro
(1998 apud BRAMBILLA B; et al., 2010) discute aspectos ligados ao binômio saúde
doença, relatando a nova compreensão em relação a esse binômio, cujo foco é a
saúde ao invés da doença, no campo político e científico da saúde. Conforme
argumenta o autor, há o surgimento de uma psicologia da saúde, que recorre aos
diferentes conhecimentos no domínio da psicologia, visando à promoção e proteção
da saúde, à prevenção e ao tratamento de doenças e disfunções associadas, à análise
e melhoria do sistema de cuidados à saúde e ao aperfeiçoamento da política de saúde.
A saúde é aqui entendida não apenas como ausência de sintomas ou de
doenças. Destaca-se uma preocupação com o indivíduo em sua totalidade. Segundo
Paes Ribeiro (1998 apud BRAMBILLA B; et al., 2010), há um movimento da saúde
enquanto um modelo ecológico e uma compreensão holística. O modelo ecológico
possibilita uma compreensão diferenciada acerca do ser humano e da saúde, na
medida em que não há dicotomias entre mente-corpo e as relações que o indivíduo
estabelece com o mundo, ocupando uma esfera saudável ao não separar a relação
indivíduo-coletividade. Essa união retrata as possibilidades de os indivíduos
vivenciarem suas experiências de maneira mais integral e autêntica, aproximando-se
de melhores condições de vida.
Esta noção de saúde converge com as concepções de Bleger (1984 apud
BRAMBILLA B; et al., 2010) que reflete sobre a postura de esperar que a pessoa
adoeça para curá-la, em lugar de evitar a doença e promover um melhor nível de
saúde. O autor propõe uma aquisição da dimensão social da profissão de psicólogo,
com consciência do lugar que ocupa dentro da saúde pública e da sociedade.
Em relação à psicologia, o autor acima citado, afirma que se deve inseri-la,
penetrá-la cada vez mais na realidade social e em círculos mais amplos, incluindo
estudos de grupos, das instituições e da comunidade, já que a dimensão psicológica
se faz presente em tudo, visto que o ser humano atua em tudo.

17
Nesse outro paradigma proposto por Bleger, no que tange o trabalho com
crianças e adolescentes, requer-se uma compreensão sobre a dimensão da infância
e da juventude; segundo Cruz, Hillesheim e Guareschi (2005 apud BRAMBILLA B; et
al., 2010), precisa-se contextualizá-la em uma noção datada geográfica e
historicamente e não apenas como uma etapa natural da vida. Implica em refletir as
questões relativas à família, aos vínculos mães/pais/filhos/filhas, à escola, à
maternidade/paternidade e às formas de criação dos filhos. Quando se fala em
infância e adolescência não se pode remeter a uma abstração, mas a uma construção
discursiva que institui determinadas posições, não só das crianças e dos
adolescentes, mas também da família, dos pais, das mães, das instituições escolares,
entre outros, caracterizando determinados modos de ser e viver a infância.
Essa compreensão materializa-se no cotidiano e, segundo Salles (2005 apud
BRAMBILLA B; et al., 2010), as condições históricas, políticas e culturais diferentes
produzem transformações não só na representação social da criança e do
adolescente, mas também na sua interioridade. Identifica-se uma correspondência
entre a concepção de infância presente em uma sociedade, as trajetórias de
desenvolvimento infantil, as estratégias dos pais para cuidar de seus filhos e a
organização do ambiente familiar e escolar.
As crianças e os adolescentes não podem ser fadados a tornarem- se apenas
adultos. As crianças constituem identidade e subjetividade na relação com o outro e
num tempo e num espaço social específico. A criança e o adolescente demonstram
modos específicos de se comportar, agir e sentir, e só podem ser compreendidos a
partir da relação que constroem. Essa relação se concretiza de acordo com as
condições objetivas da cultura na qual se inserem. Segundo Bock (2004 apud
BRAMBILLA B; et al., 2010), vivemos hoje numa cultura caracterizada pela existência
de uma indústria da informação, de bens culturais, de lazer e de consumo onde a
ênfase está no presente, na velocidade, no cotidiano, no aqui e no agora, e na busca
do prazer imediato.
Além disto, segundo Cruz, Hillesheim e Guareschi (2005 apud BRAMBILLA B;
et al., 2010), ao afirmar as crianças como seres em desenvolvimento, a infância é
tomada a partir da ótica adulta, isto é, como uma etapa de vida a ser superada e que
necessita proteção integral, na medida em que é compreendida como frágil e incapaz.

18
Essa compreensão de infância e adolescência construída e a atuação do
psicólogo, como profissional da saúde, contribuíram para o surgimento de técnicas
que possibilitem a atenção em relação à demanda de promoção e proteção,
prevenção e tratamento das pessoas. No que compete ao manejo do psicólogo com
crianças e adolescentes, as práticas variam de acordo com a situação em que estão
inseridos. Independentemente de qual seja a práxis, há princípios legais que oferecem
subsídios para o trato das crianças e adolescentes. Este subsídio é o Estatuto da
Criança e do Adolescente (ECA), conforme BRAMBILLA B; et al., (2010).

3.3 O estatuto da criança e do adolescente

Santos (2007 apud CVIATKOVSKI A; et al., 2014) refere que houve na história
vários momentos que marcaram a luta pelos direitos da criança e do adolescente. Em
1923, uma organização não-governamental, chamada International Union for Children
Welfare, promulgou as primeiras leis de proteção à infância, que foram agrupadas na
primeira Declaração dos Direitos da Criança de 1924, em Genebra.
Apesar de em 1948 ser elaborada uma lei que garantia os direitos dos cidadãos
chamados de Declaração Universal dos direitos do homem, houve a necessidade de
criar outro documento que abordasse unicamente os direitos das crianças. Desta
forma em 1959 fora aprovada na Assembleia Geral das Nações Unidas a Declaração
dos Direitos da Criança, tornando a criança um sujeito de direitos. (SANTOS, 2007
apud CVIATKOVSKI A; et al., 2014).
Segundo Gomes (2008 apud CVIATKOVSKI A; et al., 2014) no Brasil a luta
pelos direitos da criança e do adolescente passou a ter notoriedade em 1978, com a
instituição do Ano Internacional da Criança, mas foi com a Constituição de 1988 que
passa a garantir alguns direitos à criança, como por exemplo, o direito da criança de
0 a 6 anos de frequentar a educação infantil. Conhecido como uma conquista histórica
dos direitos da criança e do adolescente a criação do Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA), passou a garantir todos os direitos fundamentais a estes.
A partir da criação do ECA através da lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, as
crianças e os adolescentes são considerados sujeitos com direitos, sendo
assegurados a esses mediante políticas públicas governamentais. Esta é a primeira
legislação criada em defesa da infância e juventude, sendo colocada em prática para

19
a efetivação dos direitos pertencentes às crianças e adolescentes, conforme
CVIATKOVSKI A; et al., (2014).
Siqueira e Dell’ Aglio (2006 apud CVIATKOVSKI A; et al., 2014) comentam que
depois do Estatuto da Criança e do Adolescente, esses sujeitos deixam de serem
apenas objetos de tutela e passam a ter direitos e deveres como os demais integrantes
da sociedade. Mas a ideia de que as crianças e adolescentes seriam sujeitos de
direitos, por muito tempo a sociedade não compartilhava da mesma opinião, já que, a
infância não era priorizada pelas políticas sociais e públicas.
Segundo art. 3º do Estatuto da Criança e do adolescente (2014 apud
CVIATKOVSKI A; et al., 2014), as crianças e adolescentes gozam de todos os direitos
oferecidos para as pessoas humanas, sendo lhes assegurados por leis e/ou outros
meios, a oportunidade de um desenvolvimento físico, moral, mental, espiritual e social,
deixando a criança em liberdade para escolher o é melhor, podendo viver com
dignidade.
Portanto, no Brasil, diversas medidas com caráter assistencialista aconteceram
até a formulação da Constituição Federal de 1988, que visava garantir de forma
integra os direitos das crianças e adolescentes e ainda viabilizando a criação do
Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990, Lei nº 8.069/1990. Anteriormente, o
UNICEF - Fundo das Nações Unidas para a Infância, que é um órgão de defesa dos
direitos das crianças e adolescentes, colaborou com campanhas fundamentais e
impulsionou a aprovação do artigo 227 da Constituição Federal e ainda o ECA por
garantias dos direitos de meninos e meninas, conforme SALGADO I; (2018).
De acordo SALGADO I; (2018), a garantia dos direitos de crianças e
adolescentes de apoio de interesses e necessidades de titulares juridicamente
tuteláveis foi também garantida pela Constituição Federal de 88, de forma integra:

Art. 227 É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança,


ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde,
à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à
dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária,
além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação,
exploração, violência, crueldade e opressão (Brasil,1988 apud SALGADO I;
2018).

Ficou ainda garantido que toda criança tem direito à vida, saúde, alimentação,
educação, liberdade, convivência família e etc. (Artigo 4º do ECA), estabelecendo que
todas crianças e adolescentes tenham prioridade especial em aspectos do direito,

20
sendo assistidas em todas as necessidades. Pela garantia da lei, toda criança e
adolescente também tem seu princípio de condição peculiar de pessoa em
desenvolvimento, que significa que todo indivíduo nessa fase de formação precisa de
condições integras do Estado, da família para se tornar um adulto completo, conforme
SALGADO I; (2018).
Sabe-se também que alguns direitos são imprescindíveis a todos os indivíduos,
ficou estabelecido pelo ECA alguns deles como, Art 7º, Direito à vida: “A criança e o
adolescente têm direito a proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas
sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso,
em condições dignas de existência” (Brasil, 1990, p.20 apud SALGADO I; 2018).
O Direto a Educação, também garantido pelo ECA (1990 apud SALGADO I;
2018):

Art. 53. A criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno


desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e
qualificação para o trabalho, assegurando-se lhes:
I - Igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;
II - Direito de ser respeitado por seus educadores;
III - direito de contestar critérios avaliativos, podendo recorrer às instâncias
escolares superiores;
IV - Direito de organização e participação em entidades estudantis;
V - Acesso à escola pública e gratuita próxima de sua residência. (Brasil,
1990, p.46).

O Direito a Convívio Familiar, pelo artigo 19º do ECA: “É direito da criança e do


adolescente ser criado e educado no seio de sua família e, excepcionalmente, em
família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente que
garanta seu desenvolvimento integral” (Redação dada pela Lei nº 13.257, de 2016).
(Brasil, 1990, p27 apud SALGADO I; 2018).
Por fim, de SALGADO I; (2018), alguma Medidas de Proteção à Criança e ao
Adolescente são estabelecidas pelo ECA sempre que houver qualquer violação dos
direitos desses indivíduos, formuladas sendo:

Art. 101. Verificada qualquer das hipóteses previstas no art. 98, a autoridade
competente poderá determinar, dentre outras, as seguintes medidas:
I - Encaminhamento aos pais ou responsável, mediante termo de
responsabilidade;
II - Orientação, apoio E acompanhamento temporários;
III - Matrícula e frequência obrigatórias em estabelecimento oficial de ensino
fundamental;
IV - Inclusão em programa comunitário ou oficial de auxílio à família, à criança
e ao adolescente;

21
IV - Inclusão em serviços e programas oficiais ou comunitários de proteção,
apoio e promoção da família, da criança e do adolescente; (Redação dada
pela Lei nº 13.257, de 2016)
V - Requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime
hospitalar ou ambulatorial (Brasil, 1990, p.67 apud SALGADO I; 2018).

O ECA ainda está ligado ao SUS sobre defender os direitos básicos das
crianças e adolescentes, como é mostrado na cartilha de orientação para gestores e
profissionais da saúde, que o ECA enviou um mandato ao SUS para fins de promoção
a vida e saúde de crianças e adolescentes, sobre a atenção completa de saúde, que
presume acesso universal e igual aos três níveis de atenção. Exigindo uma tarefa que
desenvolvem ações de promoção à saúde, prevenção de doenças, atenção
humanizada (Brasil, 2010 apud SALGADO I; 2018).
O Ministério da Saúde é o gestor federal do SUS que segue as recomendações
da OMS (Organização Mundial da Saúde) feitas na Assembleia Geral das
Organizações das Nações Unidas (ONU). Em 1996, ficou determinado que a violência
era um problema que se constituía para saúde pública. O MS publicou ainda a Política
Nacional de Redução de Morbimortalidade por Acidentes e Violência (Portaria
nº737/2001) sendo este instrumento de notificação, as autoridades competentes, de
casos que existir suspeita ou confirmação de violência contra crianças e adolescentes
(Portaria MS/GM nº 1.968, de 25 de outubro de 2001). (Brasil, 2010 apud SALGADO
I; 2018).

3.4 Atuação do psicólogo nas varas da infância e juventude

De acordo com Conselho Federal de Psicologia (2010 apud PAES T; et al,


2019), o psicólogo que atua em Varas da Infância e Juventude ou que realiza trabalhos
a ela encaminhados desenvolve práticas próprias à área da Psicologia Jurídica.
Entende-se como psicólogos jurídicos não só aqueles que exercem sua prática
profissional nos tribunais, mas também os que trabalham com questões diretamente
relacionadas ao sistema de Justiça.
Segundo Lago et al. (2009 apud PAES T; et al, 2019), destacam-se os
psicólogos jurídicos que integram equipes multidisciplinares nos Tribunais de Justiça
nas Varas da Infância e Juventude, atendendo separada ou cumulativamente as
Varas de Família. Entre os psicólogos que realizam trabalhos encaminhados às Varas
de Família ou por solicitação destas, recebem encaminhamentos da Justiça,
22
geralmente para a confecção de avaliações ou diagnósticos, com solicitação para
envio dos resultados ao Poder Judiciário.
Tem sido comum encontrar psicólogos que atuam em consultórios clínicos e,
por vezes, são convidados ou solicitados a emitir pareceres que serão anexados a
processos. Tal fato requer extremo cuidado ético, devido, principalmente, à quebra de
sigilo que pode ocorrer nesses casos. As diversas possibilidades que levam o
profissional a encaminhar resultados de seus trabalhos às Varas de Família apontam,
inicialmente, para a importância de o psicólogo ter clareza do papel a desempenhar
naquele contexto, conforme PAES T; et al, (2019).
As atribuições do psicólogo são: Avaliar as condições intelectuais, emocionais,
relacionais e psíquicas de partes envolvidas em processos judiciais de habilitação
para adoção, guarda, tutela e medidas de proteção, atuar em diversos tipos de
processos judiciais, ligados a proteção da criança e do adolescente, como perito,
elaborando laudos e pareceres, quando designado, efetivar acompanhamento
psicológico aos adotantes e às crianças ou adolescentes que estejam em período de
convivência à família substituta, até a finalização do processo de adoção;
desempenhar acompanhamento psicológico de crianças, adolescentes e famílias que
estejam envolvidos em processos judiciais e situação de risco, quando necessário e
solicitado; realizar palestras ou grupos de reflexão para habilitação à adoção,
adotantes e famílias; praticar visitas, acompanhamento e avaliação psicológica de
crianças e adolescentes abrigadas, quando necessário ou quando designado pelo
Juiz (ALBERTO et al. 2008 apud PAES T; et al, 2019).
Participar, quando determinado, de audiências para esclarecer aspectos
técnicos em psicologia, realizar acompanhamento psicológico de adolescentes
inseridos em programas ligados a Vara da Infância e Juventude, quando solicitado
executar visitas domiciliares e visitas institucionais, quando necessário ou designado
pelo juiz, assessorar autoridades judiciais no encaminhamento a práticas psicológicas
e médicas específicas, quando necessário. Assim como atuar de reuniões de equipe
para discussão de casos e procedimentos técnicos quando necessário (ALBERTO et
al. 2008 apud PAES T; et al, 2019).
Lago et al. (2009 apud PAES T; et al, 2019) salienta ainda que o profissional
de psicologia deve contribuir para criação de mecanismos que venham agilizar e
melhorar a prestação do serviço, proceder na elaboração e execução de programas

23
socioeducativos, destinado a crianças em situação de risco. Um dos desafios do
Poder Judiciário é o de se estruturar para lidar com a complexidade do mundo
contemporâneo, considerando, as mudanças na composição das entidades
familiares, as relações de gênero e de geração, que redefinem a própria família. Tais
mudanças exigem novas organizações do aparelho judiciário como uma ferramenta
do Estado Democrático de Direito. Nesse sentido entende-se que as equipes
interdisciplinares são indispensáveis ao Sistema de Justiça.

4 A ADOÇÃO NO BRASIL

Fonte: mpgo.mp.br

No Brasil, no segundo e terceiro séculos de colonização as crianças concebidas


fora do casamento e ou filhas de moças brancas e solteiras, de família de classe média
alta, eram abandonadas em calçadas, florestas, terrenos baldios e praias, esse tipo
de abandono chamado de abandono selvagem teve um número considerável de
ocorrências, conforme SILVA R; (2011).
Para controlar o abandono selvagem a igreja católica instaurou a Roda dos
Expostos. As crianças eram depositadas na Roda dos Expostos e eram acolhidas
pelas Santas Casas de Misericórdia, garantindo o sigilo sobre as mães biológicas das
crianças, normalmente as brancas solteiras de classe média. Neste período os
preceitos e as regras que orientavam a organização familiar, eram os do cristianismo.
A procriação fora do casamento era recriminada e ficavam sujeita a sanções, tanto
religiosas como sociais, conforme SILVA R; (2011).
24
Se na época colonial as crianças eram abandonadas porque eram geradas fora
dos preceitos da moral cristã, hoje, ao abandono somaram-se novos motivos - a
inexistência de programas sociais que orientem sobre planejamento familiar, a falta
de instrução sobre o uso de métodos anticonceptivos, ou ainda a falta de auxílio de
qualquer espécie, seja moral, afetivo ou econômico, às famílias. O Código Civil
Brasileiro, de 1916, estipulou que somente poderia adotar o maior de 50 anos, sem
descendentes legítimos ou legitimados, e desde que fosse, pelo menos, 18 anos mais
velho que o adotado (art. 368 e seguintes), conforme SILVA R; (2011).
A adoção internacional, por sua vez, aparece como prática regular, após a
Segunda Guerra Mundial, em face da existência de multidões de crianças órfãs, sem
qualquer possibilidade de acolhimento em suas próprias famílias. Crianças da
Alemanha, Itália, Grécia, do Japão, da China e de outros países foram adotadas por
casais norte-americanos e europeus. Segundo o Serviço Internacional de Adoção,
milhares de crianças foram encaminhadas para o exterior sem que tivessem os
documentos indispensáveis à regularização de sua cidadania. Das crianças adotadas
na Itália, entre 1985 e 1990, quase 80% eram provenientes da América Latina. Já na
França, das 5.348 crianças adotadas, entre 1990 e 1992, 21% eram brasileiras
(COSTA, 1998 apud SILVA R; 2011).

O descontrole, os abusos verificados, especialmente a venda e o tráfico


internacional de crianças, no país de origem e no de acolhida, fez nascer à
necessidade de serem estabelecidas normas eficazes de garantia das
adoções e de proteção aos infantes. A criança e o adolescente têm direito a
proteção à vida e a saúde; mediante a efetivação de políticas sociais públicas
que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em
condições dignas de existência. (ECA, Art. 7, Cap. I apud SILVA R; 2011).

De acordo com SILVA R; (2011), na América Latina, as mudanças legislativas


tiveram início no final da década de 1980, buscando atender aos princípios da
Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, adotada pela
Assembleia Geral das Nações Unidas, em 20.11.89. Passou-se a considerar a criança
como sujeito de direitos, afirmando o seu direito a ter um nome, a partir do nascimento,
assim como o direito a ter uma nacionalidade; o direito de conhecer e conviver com
seus pais, a não ser quando incompatível com seu melhor interesse; afirmando o
caráter excepcional da adoção internacional, entre tantas outras disposições que vêm
elencadas em seus 56 artigos, dos quais destaco dois dos artigos da I Parte do
Documento:

25
Art.1 Para efeitos da presente convenção considera-se como criança todo ser
humano com menos de 18 anos de idade, a não ser que, em conformidade
com a lei aplicável à criança, a maioridade seja alcançada antes.
Art.2 1 – Os Estados Partes respeitarão os direitos enunciados na presente
Convenção e assegurarão sua aplicação a cada criança sujeita à sua
jurisdição, sem distinção alguma, independentemente de sexo, idioma,
crença, opinião política ou de outra natureza, origem nacional, étnica ou
social, posição econômica, deficiências físicas, nascimento ou qualquer outra
condição da criança, de seus pais ou de seus representantes legais.

Questões referentes ao abandono e a adoção de crianças e adolescentes


deveriam fazer parte das reflexões e proposições acerca da política social brasileira.
Desde que o Brasil foi descoberto, e ainda durante o período de colonização
portuguesa, ações referentes à prática do abandono e da adoção começaram a surgir.
Contudo, as ações do Estado em relação a tais práticas, sobretudo em relação à
adoção e/ou colocação de crianças e adolescentes em famílias substitutas, sempre
atenderam aos interesses daqueles que não poderiam gerar biologicamente seus
próprios filhos em detrimento dos interesses das crianças e adolescentes
disponibilizadas para adoção, conforme SILVA R; (2011).
Pode-se dizer que a Roda dos Expostos oficializou e institucionalizou o
abandono no Brasil. A fundação de instituições-abrigo de níveis federal e estadual
como a FUNABEM e a FEBEM, tornaram ainda mais degradante a situação das
crianças e adolescentes abandonados que, uma vez institucionalizados, passaram por
processos de subjetivação extremamente comprometedores. A subjetivação ocorre
quando há uma ruptura do indivíduo com a sua história não só transgeracional, mas
também com a história humana, diz Roberto da Silva (2003 apud SILVA R; 2011).

A situação da criança brasileira pobre é ainda mais agravada pela


circunstância de sua história revelar um processo de contínuo maus tratos,
abandono, brutalidade, violência, fome, abuso sexual, exploração no
trabalho, privação de lazer, perambulação por ruas e praças, extermínio,
mortalidade precoce. Afirma João Clemente de Souza Neto (2003, p.73 apud
SILVA R; 2011). Esses fatos, para nós, caracterizam um quadro de política
de genocídio. Alguns autores têm constatado que tanto a criança quanto o
adolescente são as principais vítimas do processo de acumulação capitalista.
Sua condição não é melhor do que a dos trabalhadores, com o agravante de
serem pessoa em desenvolvimento.

A falta de políticas sociais bem fundamentadas para assegurar os direitos


sociais da infância e da adolescência, acaba tendo por consequência uma política de
genocídio. Em busca de soluções para a situação da criança brasileira, o governo cria
Leis ou altera as existentes, assim como cria programas de ação social, porém, não

26
são suficientes para resolver todas as questões a que estão sujeitas as crianças
oriundas de famílias de baixa renda, conforme aponta Souza Neto (2003, p.74 apud
SILVA R; 2011), provavelmente a primeira grande Lei que procurou defender os
direitos das crianças tenha sido a Lei do Ventre Livre, de 28 de setembro de 1871.
[...]... iniciou um processo de libertação e essa é sua peculiar importância.
Segundo Roberto da Silva (2003 apud SILVA R; 2011), os Códigos dos
Menores de 1927 e o de 1979, ao darem ao juiz pleno poderes os direitos de pátrio
poder, de tutela, de legitimação dos filhos ilegítimos, constituíram-no como figura
responsável por normatizar e intermediar as relações de pais e filhos de famílias
desestruturadas e precárias com o Estado.
E devido ao grande índice de abandono o Código Penal, datado de 1940, ainda
em vigor, estabeleceu penas de detenção de seis meses a três anos ao genitor que
abandonasse crianças, aumentando a pena de reclusão de um a cinco anos, se do
abandono resultassem lesões corporais de natureza grave, e se o abandono causasse
a morte da criança, a pena era de quatro a doze anos, agravada se o abandono
ocorresse em lugar deserto onde não fosse possível o socorro da criança, conforme
SILVA R; (2011).
Repensar a questão do abandono e da adoção de crianças e adolescentes,
hoje, significa dar passos no sentido de re-significar valores, desmitificar crenças
limitantes e reconsiderar, acima de tudo, o interesse da criança e do adolescente,
conforme SILVA R; (2011).

ECA - Lei nº 8.069 de 13 de julho de 1990 - Art. 19. É direito da criança e do


adolescente ser criado e educado no seio de sua família e, excepcionalmente,
em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em
ambiente que garanta seu desenvolvimento integral.

Nos termos do ECA - Estatuto da Criança e do Adolescente (Cap. III, Art. 19)
assiste às crianças e aos adolescentes o direito de serem criados e educados “no seio
de sua família e, excepcionalmente, em família substituta”, conforme SILVA R; (2011).

4.1 Os tipos de adoção no brasil

Conforme mostra a Cartilha da Associação dos Magistrados Brasileiros AMB -


existem alguns tipos de adoção mais conhecidos, a adoção tardia que se refere à
adoção de crianças maiores ou de adolescentes. O que nos faz pensar que a adoção
27
seja uma prerrogativa de recém-nascidos e bebês e de que as crianças maiores
seriam adotadas fora de um tempo ideal. Desconsidera-se, com isso, que grande
parte das crianças em situação de adoção tem mais de 2 anos de idade e que nem
todos pretendentes à adoção desejam bebês como filhos. O termo Adoção tardia tem
uma desigualdade de interpretações sobre idades. Há quem fale em 2 anos como
idade limite, e há quem fale em a partir de 5 ou 6, conforme SILVA R; (2011).
A adoção pronta e direta, ou Intuitu Personae é aquela em que a mãe biológica
decide para quem deseja entregar o seu filho. Na maioria dos casos, a mãe procura a
Vara da Infância e da Juventude, acompanhada do pretendente à adoção, para
legalizar um convívio que já esteja acontecendo de fato. É um tema bastante polêmico,
há juízes que entendem que a adoção pronta é sempre desaconselhável, pois é difícil
avaliar se a escolha da mãe é voluntária ou foi induzida ou se os pretendentes à
adoção são adequados, além da possibilidade de uma situação de tráfico de crianças,
conforme SILVA R; (2011).
Esse tipo de adoção, também é muito comum no Brasil visto que as maiorias
dos casais que não podem ter filhos querem adotar crianças recém-nascida, branca e
com boa saúde. E muitas mulheres, no final da gravidez, desvendam a intenção de
confiar seu filho à adoção, pelo fato de não terem condições de criar e educar seus
filhos, ou mesmo, por não se acharem em condições de assumir a responsabilidade
de serem mães, estabelece contato com casais, que manifestam o desejo de adotar
a criança e, passam a dar às futuras mães toda a assistência necessária, para que
tenham um bom parto e a criança nasça saudável, conforme SILVA R; (2011).
E depois do parto a mãe biológica entrega seu filho ao casal adotante, que,
pode iniciar a pratica da “adoção à brasileira”, em muitos casos os pais adotantes
buscam, por meios legais, a adoção do seu filho, que correm o risco, sem saber, de
ver a criança confiscada e levada para alguma instituição, onde esperará os tramites
da adoção, fato esse que tem ocorrido repetidas vezes. Os trâmites legais visam
atender casais e/ou pessoas, em obediência quanto à ordem cronológica dos inscritos
no Cadastro Único dos Adotantes, que previamente, se habilitam à adoção, pois já
fizeram a sua inscrição junto à Vara da Infância e Juventude tornando-se pretendentes
à adoção, conforme SILVA R; (2011).

28
Com efeito, já no § 1º, da Nova Lei da Adoção, afirma que a intervenção estatal
visa à orientação, apoio e promoção social da família natural, “junto à qual a criança
e o adolescente devem permanecer”. A adoção, segundo esse mesmo parágrafo, é a
última medida a se tomar, na “absoluta impossibilidade” de ficar com a família. A lei
garante a adoção burocrática determinada pelo Estado, sem qualquer condição de os
detentores do poder familiar escolherem uma família ideal para o filho que não podem
criar, cabendo ao Estado e não aos pais biológicos dizer quem deve adotar a criança,
conforme SILVA R; (2011).
Adoção à brasileira é a expressão utilizada para designar uma forma de
procedimento, que desconsidera os trâmites legais do processo de adoção. Este
procedimento consiste em registrar como filho biológico uma criança, sem que ela
tenha sido concebida como tal. O que as pessoas que assim procedem em geral
desconhecem é que a mãe biológica tem o direito de reaver a criança se não tiver
consentido legalmente com a adoção ou se não tiver sido destituída do Poder Familiar,
conforme SILVA R; (2011).

A adoção ideal é aquela que possibilita a vida em família, para as crianças e


os adolescentes, de qualquer faixa etária, que não tem lar tenham qualidade
de vida e obtenham o seu desenvolvimento psicofísico, como explicita SILVA,
ROBERTO (2003 apud SILVA R; 2011). Essa uma das mais tocantes
definições para a luta contra o abandono de crianças no Brasil.

A adoção necessária - crianças que possuem perfis geralmente rejeitados pelos


pretendentes à adoção, como as crianças que apresentam idade mais avançada e/ou
problemas de saúde. A criança, que sofreu ruptura com as figuras às quais esteve
vinculada, pode reconstruir o seu eu primário a partir das novas representações dela
própria, das quais participará, fundamentalmente, a interiorização das novas imagens
parentais. (MALDONADO, 1998 apud SILVA R; 2011).
A Adoção Internacional – ou adoção transnacional é qual acontece quando os
pais adotivos são domiciliados em um país e o adotado domiciliado em outro. Adoção
por pessoa jurídica - Esse tipo de adoção é mais utilizada para auxiliar financeiramente
as pessoas envolvidas, não tem nada a ver com a adoção paterno ou materno-filial,
uma relação de pai e/ou mãe e filho. Pela adoção se um vínculo familiar, que dá
origem a sentimentos só existentes entre seres humanos. O que não está presente
nas chamadas pessoas jurídicas, conforme SILVA R; (2011).

29
A Adoção de embriões – nos tempos atuais com a evolução da ciência e da
engenharia genética a questão da fertilização humana assistida está presente,
caminhando para uma necessidade governamental em legislar a questão de adoção
de embrião humano. O tema atualíssimo e de delicada discussão tem movido
estudiosos que implantam debates que visam estabelecer critérios para continuidade
de pesquisas. Tais técnicas conceptivas resolvem a questão da esterilidade do casal,
que terá seu filho, mas, por outro lado, causam graves problemas jurídicos, sociais,
psicológicos, bioéticos e de ordem médica, conforme SILVA R; (2011).
A Adoção por homoafetiva - O homossexualismo pode abarcar a união entre
dois homens, ou o relacionamento entre duas mulheres, envolvendo o âmbito sexual.
Essa união, atualmente, é denominada homoafetiva, portanto adoção acontece por
dois pais ou duas mães, conforme SILVA R; (2011).
Antes de adentrar de fato a questão relativa à adoção por famílias
homoafetivas, necessário discorrer brevemente sobre seu conceito e sua natureza
jurídica para que se entenda melhor como este procedimento funciona. A adoção, no
Direito Civil, é um ato jurídico no qual uma pessoa ou um casal, que não são os pais
biológicos da criança ou do adolescente, assumem permanentemente um indivíduo
como filho, adquirindo todas as responsabilidades e direitos em relação ao adotado,
conforme DIAS P; (2020).
O artigo 227, da Constituição Federal e o artigo 19 do ECA, trazem que deverá
ser assegurado à criança e ao adolescente o convívio familiar, independentemente de
quem exercerá o poder familiar. Não há nenhuma especificação no ordenamento
jurídico que impossibilite a doção de crianças e adolescentes por casais homoafetivos.
Certo é que, tanto no Estatuto da Criança e do Adolescente, quanto no Código Civil
de 2002, não está exposto nenhuma condição quanto a opção sexual para que se
proceda à adoção, encontrando-se em harmonia com a Constituição Federal que
proíbe qualquer forma de discriminação, dentre elas, inclusive, a opção sexual,
conforme DIAS P; (2020).
Entretanto, a omissão na própria Lei quanto a esta possibilidade de adoção
afeta o direito de inúmeras crianças e adolescentes que aguardam ansiosamente por
um lar, bem como o direito de muitos casais homossexuais que sonham em construir
uma família. Desta forma, de início, não há que se falar em impedimentos na
possibilidade de adoção por casais homossexuais, isso porque é um procedimento

30
moldado de afeto, amor, carinho, do qual independe do sexo das pessoas envolvidas.
Ademais, reconhecida a possibilidade da união estável homoafetiva como estrutura
familiar, cabível também enfrentar o seu direito à adoção, conforme DIAS P; (2020).

A homoafetividade vem adquirindo transparência e aos poucos obtendo


aceitação social. Cada vez mais gays e lésbicas estão assumindo sua
orientação sexual e buscando a realização do sonho de estruturar uma família
com a presença de filhos. Vã é a tentativa de negar ao par o direito à
convivência familiar ou deixar de reconhecer a possibilidade de crianças
viverem em lares homossexuais (MARIA BERENICE DIAS, 2005 apud DIAS
P; 2020).

4.2 A atuação do psicólogo no contexto judiciário da adoção

A atuação do psicólogo no contexto judiciário, incluindo da adoção, tem


oscilado entre uma postura mais pericial-avaliativa e uma atuação mais
construcionista com foco na promoção das condições para o bem-estar e a saúde
psicossocial das pessoas assistidas pela Justiça (Brito, 1993; Cassin, 2000; Paiva,
2004; Reppold, Chaves, Nabinger e Hutz, 2005; Fávero e col., 2005; Weber, 2005
apud GALVÃO I; 2008). Esta variação encontra raízes na dupla inserção do psicólogo
na instituição judiciária, já que “duas instâncias interpelam nosso saber: a do
assessoramento ao magistrado e a consequente produção escrita sobre a adoção e
a da intervenção com os sujeitos do campo da adoção” (Alvarez, 1996, p. 136 apud
GALVÃO I; 2008). Tal inserção envolve uma série de questões éticas, que demandam
contínua reflexão.

Apesar de prevalecer no imaginário social e dos estudantes de Psicologia o


estereótipo do atendimento clínico em consultório como imagem fundamental
da intervenção dos psicólogos (Magalhães e col., 2001 apud GALVÃO I;
2008), desde a institucionalização da Psicologia como ciência (Wundt, 1879
apud GALVÃO I; 2008), o fenômeno psicológico foi reconhecido como algo
típico do entrecruzamento entre aspectos naturais (biológicos), culturais e
sociais (antropológicos, sociológicos, filosóficos). Entre esses pólos existe um
vasto espectro de abordagens, teorias e possibilidades de atuação. De fato,
muitas vezes pode ser mais fácil um psicólogo, por exemplo, adepto da
Psicofisiologia, estabelecer consenso com um biólogo que com outro
psicólogo, por exemplo, de orientação organizacional (Figueiredo e Santi,
1999 apud GALVÃO I; 2008).

Além disso, o próprio conhecimento psicológico tem sofrido reformulações e


refinamentos constantes, sendo influenciado e influenciando a dinâmica da História e
das relações sociais e subjetivas. Diferentemente do campo das ciências naturais, o
campo das ciências humanas e sociais tem revelado a característica de ser composto
31
de fenômenos que se modificam em progressão geométrica e não se submetem ao
reducionismo dos cânones do Positivismo, conforme GALVÃO I; (2008).
A própria superação do paradigma positivista pode ser vista como alimentada
pelos avanços possibilitados a partir dos estudos sobre a subjetividade (Santos, 2001
apud GALVÃO I; 2008). De fato, o caráter processual e dinâmico do objeto da
Psicologia, que é um objeto sujeito, promove progressivamente novos modos de
perceber e interpretar a realidade.
Com isso, não se deve estranhar que existam diferentes interpretações sobre
o fenômeno da adoção dentro da própria Psicologia e mesmo em relação a um mesmo
autor. Aquilo que no paradigma anterior era considerado como uma fraqueza científica
a subjetividade, a dificuldade de matematização de um evento, a variabilidade, a não-
replicabilidade, a imprevisibilidade, hoje é compreendido como aquilo que mais se
aproxima da complexidade da experiência humana. Mesmo o conhecimento sobre os
fenômenos físicos tem passado a se fundamentar na relatividade e na incerteza
(Einstein, 1956; Heisenberg, 1958; Demo, 2000 apud GALVÃO I; 2008).
Os aspectos psicológicos não encontram uma única forma de serem definidos
e abordados, visto coexistirem várias teorias e práticas dentro da Psicologia,
derivadas de diferentes concepções de mundo e de ser humano. Nesse sentido,
Garcia-Roza (1973 apud GALVÃO I; 2008) compreende a Psicologia como um espaço
de dispersão de saberes, pois se constitui de diversas escolas, teorias, metodologias,
técnicas e objetivos diferentes.
Assim, pode fazer mais sentido falar em Psicologias que em Psicologia no
singular (Bock, Furtado e Teixeira, 2000 apud GALVÃO I; 2008). Tal diversidade no
campo da Psicologia, segundo os autores retrocitados, pode decorrer do fato de se
tratar de uma ciência ainda muito nova. Contudo, a diversidade parece afirmar-se
cada vez mais nas discussões pós-modernas e têm passado a ser vista como uma
riqueza em vez de uma fraqueza, como algo que talvez não se dilua apesar do
‘crescimento’ dessa ciência, pois reflete uma característica do próprio fenômeno ao
qual se refere: o ser humano (Santos, 2001 apud GALVÃO I; 2008).
De fato, essa área, enquanto ciência e profissão, tem progressivamente se
subdividido em muitas subáreas: Psicologia Clínica, Psicologia Escolar ou
Educacional, Psicologia da Saúde ou Hospitalar, Psicologia Social e Comunitária,
Psicologia Organizacional ou do Trabalho, Psicologia Jurídica, Psicologia Ambiental,

32
Psicologia do Trânsito, Psicologia do Esporte, Psicologia do Consumidor, Psicologia
da Religião, entre outras. Apesar disso, no senso comum, observa-se a
predominância da representação do psicólogo como psicoterapeuta, inclusive com
poderes de “adivinhar” sentimentos e pensamentos, como alguém que localiza a
solução do problema psicológico “dentro” do indivíduo e que é capaz de manipular o
comportamento alheio e “consertar” as pessoas (Magalhães e cols., 2001 apud
GALVÃO I; 2008).
Além disso, existe associada à imagem da Psicologia a noção da “busca por
um ‘verdadeiro eu’ em detrimento da história coletiva, das relações de grupo, do
compromisso social do cidadão” (Santos, 1994, p. 40 apud GALVÃO I; 2008). Essa
mesma autora, em relação a isso, cita a obra de Sennet (1989 apud GALVÃO I; 2008),
intitulada: “O declínio do homem público: as tiranias da intimidade”, em que se discute
o problema de a sociedade atual corromper as relações humanas em função da
ênfase no narcisismo, que “tem a dupla qualidade de ser uma voraz introjeção nas
necessidades do eu e o bloqueio de sua satisfação”, pois impossibilita o
reconhecimento da alteridade e, portanto, de uma relação humana autêntica e não
mercantilizada nem reificada.
Essas questões não são sem importância para a compreensão da atuação do
psicólogo no contexto jurídico da adoção, pois muitas vezes é a partir dessa imagem
que os vários atores formulam demandas ao psicólogo, configurando o risco de se
incorrer em um serviço descontextualizado, que confunda subjetividade com
individualismo, conforme GALVÃO I; (2008).

Gomes (2003, p. 7 apud MORAIS W; 2019) enfatiza que a adoção, [...] está
bastante ligada à realidade psicológica e social no mundo onde representa
um projeto de vida personalizado para a criança que deve ter por base,
sempre que possível, um estudo da situação psicológica, social, espiritual,
clínica, cultural e legal referente ao filho e a sua família.

Sendo assim, a adoção ultrapassa os limites de um procedimento burocrático,


configurando-se como um mecanismo legal com vistas a uma ação consciente, aceita
e planejada no âmbito familiar por parte de todos os seus membros (GOMES, 2003
apud MORAIS W; 2019).

33
Diante do exposto, dos aspectos legais e subjetivos que envolvem a adoção, o
psicólogo, entre outros profissionais, é requisitado a atuar mediante interpretações,
teorias, metodologias e direcionamentos éticos e políticos em contextos institucionais,
em questões psicossociais e jurídicas a fim de reduzir possíveis danos de toda ordem
ao adotado e à nova família (GHESTI-GALVÃO, 2008 apud MORAIS W; 2019).
De acordo com Lago et al. (2009, p. 484 apud MORAIS W; 2019), “A história
da atuação de psicólogos brasileiros na área da Psicologia Jurídica tem seu início no
reconhecimento da profissão, na década de 1960 [...] de forma gradual e lenta, muitas
vezes de maneira informal, por meio de trabalhos voluntários”. Atualmente, a profissão
já possui uma consistência reconhecida, pois suas contribuições são inúmeras.

Nesse sentido, Maia (2015, p. 3 apud MORAIS W; 2019) explicita que, a


psicologia jurídica é uma área emergente da ciência psicológica, quando
comparada às áreas tradicionais de atuação da psicologia, e tem como
característica sua interface com o Direito. A psicologia e o direito possuem
um destino comum, pois ambos lidam com o comportamento humano [...].

Lago et al. (2009 apud MORAIS W; 2019) apontam que os psicólogos que
integram o processo de adoção, o fazem assessorando constantemente as famílias
antes e após a integração da criança no seio familiar. Num primeiro momento, a
equipe técnica dos Juizados da Infância e da Juventude recrutam candidatos para a
adoção e os auxiliam na aquisição da capacidade de corresponder às necessidades
do filho adotivo, garantindo que estes candidatos estejam de acordo com as
disposições legais vigentes. No segundo momento, inicia-se um programa de trabalho
com os candidatos admitidos, no sentido de assessorar, informar e avaliar os mais
aptos. “[...] Como a adoção é um vínculo irrevogável, o estudo psicossocial torna-se
primordial para garantir o cumprimento da lei, prevenindo assim a negligência, o
abuso, a rejeição ou a devolução” (LAGO et al., 2009, p. 487 apud MORAIS W; 2019).
Maia (2015 apud MORAIS W; 2019) esclarece que nos primeiros anos da
década de 1990, os psicólogos iniciaram uma batalha nos Estados e Conselhos de
Classe brasileiros solicitando a criação do cargo de psicólogo jurídico. Na atualidade,
o trabalho do psicólogo jurídico não se resume apenas à elaboração de
psicodiagnósticos e identificação de patologias, sendo assim, mediante os parâmetros
de sua especialidade, respondem às intervenções junto à justiça, desnudando a visão
errônea de que o seu exercício na referida área é rigorosamente de cunho pericial e
reafirmando que as questões humanas no contexto judiciário são complexas e

34
necessitam de outros olhares. Ressalta, ainda, que devido à carga enorme de
subjetividades no processo de adoção, o acompanhamento psicológico é
imprescindível.
Para Ghesti-Galvão (2008 apud MORAIS W; 2019), a intervenção no ato da
adoção, entendida na premissa de Medida Protetiva à criança privada de convivência
ou vínculo familiar suscita não apenas conhecimentos e procedimentos no âmbito do
Direito, sendo o Serviço Social, a Psicologia e a Pedagogia reconhecidas por suas
relevâncias pelo ECA. A complexidade de uma adoção perpassa pela mediação, que
não é somente uma técnica dotada de procedimentos, mas rica em princípios que
abordam de forma estruturada todos os envolvidos na adoção.
Além disso, deve-se considerar os aspectos empáticos, enfrentando a
problemática da lacuna de uma família, de não culpabilizar, de respeitar as razões e
emoções, de saber escutar e saber falar, de identificar as necessidades do outro e
partilhar as suas e, acima de tudo, buscar estratégias para saber perceber as minúcias
e construir, em conjunto, posturas e objetivos comuns que contribuam efetivamente
para a adoção. A autora enfatiza, ainda, que “[...] o conhecimento atual do sistema da
adoção e mesmo o papel do psicólogo no contexto judiciário, como mediador entre a
demanda afetiva e a lei é ainda embrionário [...]” (GHESTI-GALVÃO, 2008, p. 322
apud MORAIS W; 2019).
Reis, Leite e Mendanha (2017 apud MORAIS W; 2019) afirmam que alguns
casos de adoção são mais difíceis em relação às questões emocionais e, portanto,
percebe-se a necessidade de o judiciário agir em conformidade com o psicólogo e o
assistente social, multidisciplinarmente. E ressaltam que a intervenção do psicólogo
ao trazer suas percepções da realidade dos comportamentos dos atores do processo,
auxiliará o magistrado na tomada de decisão.

O psicólogo no atual contexto da psicologia jurídica assume uma função


fundamental dentro do processo de adoção. Diante do nobre caráter da
adoção, instituto de importância inquestionável nas esferas social, política e
jurídica, a atuação do psicólogo adquire um status de relevância marcante,
principalmente nesse atual contexto da disciplina psicologia jurídica, vista
como ciência auxiliar do direito (REIS; LEITE; MENDANHA, 2017, p. 38 apud
MORAIS W; 2019).

Segundo Motta (2000 apud MORAIS W; 2019), a adoção é um dos processos


que se configura de extrema relevância no interior das Varas de Infância e Juventude,
pois seu caráter irrevogável e sua conotação emocional e psicológica confere uma

35
responsabilidade enorme por parte daqueles profissionais que apresentam seus
pareceres e ao magistrado, que toma a decisão de adoção ou da não adoção.

Ghesti-Galvão (2008 apud MORAIS W; 2019) aponta que a Psicologia,


enquanto ciência e profissão, necessita legitimar-se na Psicologia Jurídica,
ultrapassando o reconhecimento da premência do conhecimento psicossocial
no âmbito da adoção, pois é uma profissão consolidada, regulamentada e
fiscalizada por entidades íntegras e sérias, mesmo sendo representada como
uma ciência relativamente jovem. Há, no entanto, de se precaver no sentido
de o Psicólogo Jurídico não basear suas considerações a meros dogmas,
cabendo-lhe a responsabilidade de opinar sobre a adoção e os sujeitos
envolvidos nesta, “[...] pois implica em lidar com a conflitualidade intrínseca
às relações entre sujeitos com interesses particulares” (GHESTI-GALVÃO,
2008, p. 46 apud MORAIS W; 2019).

Berthoud (1997 apud MORAIS W; 2019) considera que, havendo crise de


qualquer espécie no sistema familiar durante o processo de adoção, quer do adotado,
da família requerente, de familiares das mesmas ou da família biológica, há a
necessidade de um acompanhamento específico, com vistas a evitar ou amenizar
situações traumáticas, sofrimentos, rejeições ou pensamentos conflituosos. Assim, o
apoio psicológico se constitui de imprescindível importância tanto na prevenção como
no auxílio de soluções possíveis.
A autora destaca, dentre outros fatores, o tempo de espera por parte dos pais
adotivos, que pode trazer angústias e incertezas. Outro ponto importante para
Berthoud é o sigilo que envolve o processo de adoção, que pode resultar numa série
de questões problemáticas, como o fato de dizer ou não a verdade ao filho adotado;
se a decisão for por dizer, quando fazê-lo? Como fazê-lo? Que consequências esse
contar pode acarretar? Enfim, questões a serem pensadas e analisadas junto a um
profissional que poderá contribuir para uma decisão consciente, isto é, um psicólogo,
conforme MORAIS W; (2019).
Sentimentos variados bastante intensos e carregados de muitas expectativas
fazem parte do tempo de espera no processo de adoção de uma criança com relação
ao adotante. Em muitas situações e casos é bem difícil e torna-se também muito longo
o tempo de espera e preparação para que se concretize a adoção. As famílias
adotantes passam por um processo interior de mudanças marcantes, transformadoras
e com sentimentos alterados (HUBERT; SIQUEIRA, 2010 apud MORAIS W; 2019).
Assim, os pais adotivos durante o tempo de espera passam por um fato e
processo diferencial de gestação. Não se vê no corpo da mulher nenhuma mudança,
é uma gestação simbólica, por isso então surgem muitas fragilidades e algumas
36
angústias, muita ansiedade que muitas vezes não compreendida pelas pessoas de
sua convivência, conforme MORAIS W; (2019).
Este tempo de fragilidade, de angústia e ansiedade é indeterminado, pois uma
nova família irá se formar, uma família não biológica, que precisa se concretizar para
a construção da parentalidade. Os pais aqui adotantes vivenciam então um intenso
processo de construção; interiorizam a identidade que agora os torna pessoas
protegidas pelas leis exercendo o direito de viverem a paternidade, principalmente,
que aconteça o vínculo afetivo (HUBERT; SIQUEIRA, 2010 apud MORAIS W; 2019).

Assim, Reis, Leite e Mendanha (2017, p.40 apud MORAIS W; 2019)


concluem que a participação do psicólogo em processos de decisão jurídica
está marcada pelo seu caráter multidisciplinar, e é uma prática cada vez mais
reconhecida. Portanto, é necessário investir na capacitação dos profissionais
das Varas da Infância e Juventude, tornando-os cada vez mais preparados
para atuarem nesta área tão delicada: a que trata dos interesses de crianças
[...]. Com isso a adoção será cada vez mais desejada e segura, um
instrumento cada vez mais idôneo para resolver os problemas de seres
humanos marginalizados e das pessoas carentes de amor.

De acordo com Reis, Leite e Mendanha (2017 apud MORAIS W; 2019), o


adotado é repleto de subjetividades que carecem de uma atenção pormenorizada por
parte do psicólogo, que deverá analisá-las no momento anterior à adoção, durante o
processo e após o mesmo. Muitos adotados viveram situações de conflito, sofrimento
e fortes emoções de toda ordem, que precisarão ser trabalhadas nesse novo contexto
familiar.

[...] O início da convivência é o momento marcante para se concretizar essa


relação entre o adotante e o adotando, com o intuito de investigar se um pode
receber o outro em seu contexto psicossocial (REIS; LEITE; MENDANHA,
2017, p. 41 apud MORAIS W; 2019).

Weber (2008 apud MORAIS W; 2019) afirma que a complexidade do processo


de adoção diante do cenário social da atualidade fornece uma variedade considerável
de razões para se almejar alcançá-lo, sejam de caráter legal, psicológico, social etc.
Mediante este fato, o psicólogo jurídico torna-se um profissional singular para esta
demanda, pois ele é o profissional habilitado e competente para cumprir a
necessidade do prognóstico de sucesso e a prevenção de disfunções.

Durante todo o processo, fica claro que os envolvidos necessitam de um


acompanhamento psicológico como um suporte nesse evento tão marcante
em suas vidas. É importante ressaltar que o Psicólogo aqui tem um papel de
contribuir para que os pais, além de conseguirem elaborar seus medos e
angústias, consigam descobrir quais são, de fato, os verdadeiros motivos
37
para realizar a adoção e perceber se realmente são relevantes (GONDIM et
al., 2008 apud ANDRADE et al., 2016, p. 119 apud MORAIS W; 2019).

Para Ghesti-Galvão (2008 apud MORAIS W; 2019), a adoção é um ato


complexo e assim, os princípios da mediação, entendida como valiosa na abordagem
sistêmica dos atores da adoção a partir de princípios que vão além das técnicas e
transposição de procedimentos, parece ser uma importante maneira de considerar as
variantes do processo. Isto significa que é essencial perceber o outro empaticamente,
enfrentando as dificuldades em parceria, não culpabilizando ou ofendendo de alguma
forma, antes, porém, fazendo da escuta em reconhecimento de emoções e razões, de
pontuar possibilidades e caminhos, compartilhando esforços e estratégias para chegar
a um denominador comum. Estas são posturas esperadas e construídas pelos
profissionais aptos a trabalharem neste contexto, ou seja, na complexidade do
processo de adoção. “[...] considera-se que o tornar-se pai/mãe e filho (a) adotivo (a)
requer um trabalho cognitivo e emocional complexo que promove a superação da
dicotomia entre o biológico e o simbólico” [...] (GHESTI-GALVÃO, 2008, p. 61 apud
MORAIS W; 2019).
Reis, Leite e Mendanha (2017 apud MORAIS W; 2019) apontam que o enfoque
da psicologia em relação à adoção é diferente que o do Direito, por exemplo, pois este
é um ato irrevogável. Portanto, este profissional necessita entender das leis que
regem a adoção, bem como ter uma compreensão aprofundada do desenvolvimento
emocional e psíquico do ser humano desde o início de sua vida para que tenha
conhecimentos teóricos embasados e habilidade e sensibilidade satisfatórias para
contribuir no processo e após este, pois as relações são difíceis em qualquer situação
e no caso da adoção, muitas vezes são potencializadas.
As autoras destacam a admirável disposição em adotar, pois a adoção é um
instituto de relevância inestimável tanto na esfera social, como política e jurídica,
portanto, o papel do psicólogo “[...] adquire um status de relevância marcante,
principalmente nesse atual contexto da disciplina psicologia jurídica, vista como
ciência auxiliar do direito” (REIS, LEITE; MENDANHA, 2017, p. 38 apud MORAIS W;
2019).
Para as autoras, a atuação do psicólogo nos processos para decisão jurídica é
caracterizada pelo contexto multidisciplinar, sendo uma participação cada vez mais
agraciada. Por esta razão é preciso que se invista concretamente na capacitação

38
destes profissionais das Varas da Infância e Juventude, com vistas à preparação para
situações melindrosas, pois dizem respeito aos interesses e vidas de crianças e
adolescentes, sendo necessário que a adoção ocorra de maneira desejada e segura
e seja cada vez mais um instrumento transparente e justo na busca por soluções de
dificuldades das pessoas marginalizadas e carentes de cuidados e afeto, conforme
MORAIS W; (2019).

Podemos afirmar pelo contexto atual em que vivemos que a atuação do


psicólogo assume papel de relevância também por causa dos momentos que
sucedem a adoção. Não basta preparar adotante e adotando apenas na fase
judicial, porém, para o sucesso das futuras relações familiares, o
acompanhamento contínuo desse profissional é de notável importância. Nos
momentos posteriores à adoção surgem situações novas, jamais
experimentadas pelas partes, sendo recomendável a atuação de um
psicólogo para auxílio na interpretação de cada novo sentimento, dúvida ou
desejo (REIS, LEITE; MENDANHA, 2017, p. 40 apud MORAIS W; 2019).

Silva e Tokuda (2018 apud MORAIS W; 2019) apontam que a psicologia


jurídica se configura como um elo entre a psicologia e o direito, associando
conhecimentos e refletindo o comportamento das pessoas e suas relações com a
justiça. O psicólogo jurídico assessora o magistrado em suas decisões ao fazer
leituras, apresentar laudos, que se baseiam em variadas técnicas, possibilitando,
assim uma análise mais próxima possível da veracidade dos fatos em relação às
práticas judiciais. A perícia psicológica, por exemplo, é uma das maneiras de
assessoramento jurídico, sendo que se torna necessária a adequação do profissional
quanto à sua prática, métodos e técnicas por meio da construção de laudos, pareceres
e relatórios para que compactuem com essa área. Cabe salientar que o psicólogo
jurídico não tem a função nem o poder de decisão.

Reis, Leite e Mendanha (2017, p. 42 apud MORAIS W; 2019) corroboram ao


afirmarem que [...] não são os psicólogos os únicos responsáveis, porém, são
grandes responsáveis, visto que passa por eles a análise de subjetivismos
extremamente importantes para o sucesso e insucesso da adoção.

Assim, as subjetividades de cada sujeito envolvido no processo de adoção são


percebidas pelo psicólogo jurídico, fato este de fundamental importância para o
referido processo. Entende-se, dessa forma, a importância do psicólogo jurídico no
processo de adoção, contexto em que surgem questões ligadas à subjetividade
humana, suas particularidades e comportamentos, além das relações psicossociais
que estão no bojo da convivência familiar, conforme MORAIS W; (2019).

39
Ressalta-se que o caráter irrevogável da adoção nos dias atuais requer um
trabalho diferenciado, um profissional apto a lidar com o ser humano e suas
indefinições e expectativas, o psicólogo. Cabe enfatizar que esse profissional não é o
responsável pela adoção, porém seu posicionamento diante de tal processo perpassa
por sua formação e especialização no tocante aos conhecimentos, práticas e
metodologias utilizadas, que serão complementadas por sua própria definição de
família, de vida e de mundo, conforme MORAIS W; (2019).

5 BREVE HISTÓRICO DA VIOLÊNCIA SEXUAL

Fonte: paranapanema.sp.gov.br

Nas palavras de Ramos e Junior (2010 apud OLIVEIRA A; et al., 2016), as


denúncias de casos de abuso sexual no Brasil aumentaram de forma desesperadora,
aumentando assim a demanda dos profissionais do direito quando se fala do fato
acusatório e cumprimento das leis, mas a psicologia vem sendo uma grande aliada
no que abrange o fator de assistência e suporte as vítimas.
O abuso sexual abarca profundas relações culturais, estando inserida num
contexto histórico-social, sendo considerada uma das formas de violência que atinge
todas as classes sociais, independentemente da idade ou sexo (RAMOS; JUNIOR,
2010 apud OLIVEIRA A; et al., 2016).

40
No processo de organização social os seres humanos usaram de modelos
hierárquicos que foram mantidos culturalmente, assim Ribeiro, Ferriani e Reis
(2004 apud OLIVEIRA A; et al., 2016), afirmam que foram estabelecidas
regras sociais, legais e éticas no que tange o comportamento humano em
sociedade. As regras de autoridade, gênero e idade são fatores de grande
importância na análise das relações sociais e interpessoais da violência
sexual dentro do espaço doméstico ou fora do mesmo. A regra da autoridade
determina o domínio do mais forte sobre o mais fraco, enquanto que a de
gênero, regula as relações entre homens e mulheres. A regra de idade, de
um lado rege as relações entre crianças e adolescentes e, do outro, as
relações entre adultos detentores do poder e desses sobre os primeiros,
socialmente excluídos do processo decisório (RIBEIRO; FERRIANI; REIS,
2004 apud OLIVEIRA A; et al., 2016).

Em nossa sociedade os abusos sexuais assim como outras formas de violência


não são consideradas novas. Amorim (2005 apud CONSELHO FEDERAL DE
PSICOLOGIA, 2009 apud OLIVEIRA A; et al., 2016), dispõe que, há relatos bíblicos
de abuso sexual, embora essa prática de violência contra crianças e adolescentes
foram formalmente identificadas e investigadas na integra somente a partir dos anos
de 1960.
Os fatores que serviram como contribuição para que nos dias atuais a violência
sexual com crianças e adolescentes se tornasse visível a sociedade, é devido ao
desenvolvimento da consciência social sobre a importância de proteção à criança e
dos adolescentes (FERREIRA, 2002 apud OLIVEIRA A; et al., 2016), onde várias
iniciativas foram criadas com o intuito de conscientização social sobre a necessidade
e importância de proteção integral como as crianças e adolescentes.
A Constituição Federal de 1988 em seu artigo 227 dispõe o dever da família,
sociedade e do Estado em assegurar a criança e ao adolescente direito a, vida, saúde,
alimentação, liberdade, alimentação, educação e dignidade, mantendo-os salvos de
qualquer ato de violência (BRASIL, 1988 apud OLIVEIRA A; et al., 2016).
Outra contribuição foi o decreto n. 99.710 do ano de 1990 que aprovou a
Convenção sobre os direitos da criança, onde dispõe em seu Art. 2 que os Estados
Partes se comprometeram a respeitar e garantir todos os direitos das crianças sem
discriminação de raça, língua, idade, sexo, religião ou outra (BRASIL, 1990 apud
OLIVEIRA A; et al., 2016). Assim também se deu com a implantação do Estatuto da
Criança e do Adolescente – ECA, em 1990, garantindo uma nova percepção acerca
do assunto, pois crianças e adolescentes passaram a ser considerados sujeitos com
questões peculiares devido ao fato de estarem em pleno desenvolvimento (RAMIRES;
FRONER, 2008 apud OLIVEIRA A; et al., 2016). Diante dessa visibilidade

41
proporcionada pelas legislações, notou-se a necessidade de compreensão sobre a
definição e características que envolvem o abuso sexual, para garantir que as
punições sejam exercidas com responsabilidade.

5.1 Aplicação em casos de abuso sexual infantil

Quando se trata do atendimento psicológico de crianças e adolescentes,


especialmente em situação de violência sexual, o trabalho do psicólogo, obviamente,
não será tarefa simples, o lugar de onde se fala, as características do menor, e os
pressupostos teóricos e metodológicos do profissional devem ser sistematicamente
observados. (CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA, 2009 apud LIMA J; 2019).
A importância de se atentar a cada detalhe quando se trata deste assunto está
diretamente ligada a quão importante e delicado ele é. A violência sexual no Brasil
atinge índices alarmantes e tais resultados somente dizem respeito a uma pequena
parcela das vítimas, uma vez que, a maioria dos casos de abuso sexual envolvendo
crianças e adolescentes não é denunciada. (LABADESSA; ONOFRE, 2010 apud
LIMA J; 2019).

5.2 O dever do psicólogo

Quando a criança é vítima de abuso sexual no Brasil, há todo um processo,


realizado a fim de assegurar o que constituiu a Convenção Americana Sobre Direitos
Humanos ou Pacto de São José, de 1969, em seu artigo 19: “Toda criança tem direito
às medidas de proteção que a sua condição de menor requer por parte da sua família,
da sociedade e do Estado. ” (CURY, 2010, p. 18 apud LIMA J; 2019) assim, como
“assegurar as medidas apropriadas para proteger os direitos e interesses de crianças
vítimas (...) em todos os estágios do processo judicial criminal [...]” (PROTOCOLO
FACULTATIVO À CONVENÇÃO SOBRE OS DIREITOS DA CRIANÇA REFERENTE
À VENDA DE CRIANÇAS, À PROSTITUIÇÃO INFANTIL E À PORNOGRAFIA
INFANTIL apud DIGIÁCOMO; DIGIÁCOMO, 2017, p. 508 apud LIMA J; 2019).
De acordo com LIMA J; (2019), antigamente, os procedimentos ocorriam sem
muita rédea, mas graças a avanços na legislação a criança deverá receber uma

42
escuta especializada ou ser ouvida por meio de depoimento especial, conforme
estabelece a Lei 13.431/2017 que alterou o ECA (Lei 8.069/90):

DA ESCUTA ESPECIALIZADA E DO DEPOIMENTO ESPECIAL:


Art. 7o Escuta especializada é o procedimento de entrevista sobre situação
de violência com criança ou adolescente perante órgão da rede de proteção,
limitado o relato estritamente ao necessário para o cumprimento de sua
finalidade.
Art. 8o Depoimento especial é o procedimento de oitiva de criança ou
adolescente vítima ou testemunha de violência perante autoridade policial ou
judiciária.
Art. 9o A criança ou o adolescente será resguardado de qualquer contato,
ainda que visual, com o suposto autor ou acusado, ou com outra pessoa que
represente ameaça, coação ou constrangimento.
Art. 10. A escuta especializada e o depoimento especial serão realizados em
local apropriado e acolhedor, com infraestrutura e espaço físico que garantam
a privacidade da criança ou do adolescente vítima ou testemunha de
violência.
Art. 11. O depoimento especial reger-se-á por protocolos e, sempre que
possível, será realizado uma única vez, em sede de produção antecipada de
prova judicial, garantida a ampla defesa do investigado.
§ 1o O depoimento especial seguirá o rito cautelar de antecipação de prova:
I - Quando a criança ou o adolescente tiver menos de 7 (sete) anos;
II - Em caso de violência sexual.
§ 2o Não será admitida a tomada de novo depoimento especial, salvo quando
justificada a sua imprescindibilidade pela autoridade competente e houver a
concordância da vítima ou da testemunha, ou de seu representante legal.
Art. 12. O depoimento especial será colhido conforme o seguinte
procedimento:
I - Os profissionais especializados esclarecerão a criança ou o adolescente
sobre a tomada do depoimento especial, informando-lhe os seus direitos e os
procedimentos a serem adotados e planejando sua participação, sendo
vedada a leitura da denúncia ou de outras peças processuais;
II - É assegurada à criança ou ao adolescente a livre narrativa sobre a
situação de violência, podendo o profissional especializado intervir quando
necessário, utilizando técnicas que permitam a elucidação dos fatos;
III - no curso do processo judicial, o depoimento especial será transmitido em
tempo real para a sala de audiência, preservado o sigilo;
IV - Findo o procedimento previsto no inciso II deste artigo, o juiz, após
consultar o Ministério Público, o defensor e os assistentes técnicos, avaliará
a pertinência de perguntas complementares, organizadas em bloco;
V - O profissional especializado poderá adaptar as perguntas à linguagem de
melhor compreensão da criança ou do adolescente;
VI - O depoimento especial será gravado em áudio e vídeo.
§ 1o À vítima ou testemunha de violência é garantido o direito de prestar
depoimento diretamente ao juiz, se assim o entender.
§ 2o O juiz tomará todas as medidas apropriadas para a preservação da
intimidade e da privacidade da vítima ou testemunha.
§ 3o O profissional especializado comunicará ao juiz se verificar que a
presença, na sala de audiência, do autor da violência pode prejudicar o
depoimento especial ou colocar o depoente em situação de risco, caso em
que, fazendo constar em termo, será autorizado o afastamento do imputado.
§ 4o Nas hipóteses em que houver risco à vida ou à integridade física da
vítima ou testemunha, o juiz tomará as medidas de proteção cabíveis,
inclusive a restrição do disposto nos incisos III e VI deste artigo.
§ 5o As condições de preservação e de segurança da mídia relativa ao
depoimento da criança ou do adolescente serão objeto de regulamentação,

43
de forma a garantir o direito à intimidade e à privacidade da vítima ou
testemunha.
§ 6o O depoimento especial tramitará em segredo de justiça.

Em dado momento da investigação e/ou no curso do processo, portanto, a


criança ou adolescente vítima de abuso sexual, será encaminhada ao psicólogo
forense. Esse será responsável por realizar uma entrevista inicial na criança, esta será
realizada nos mesmos moldes do que determina a lei supracitada, e irá englobar
testes psicológicos, relatórios, análises, que sucederão em uma avaliação psicológica
detalhada. “A avaliação psicológica tem como objetivo compreender a situação de
violência, avaliando seus impactos sobre a criança/o adolescente e a família. ”
(CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA, 2009, p. 60 apud LIMA J; 2019).
Essa avaliação demandará muita atenção do psicólogo, visto que, após concluir
o “processo de entrevista de revelação, o psicólogo deverá elaborar parecer
psicológico sobre o caso, seguindo as normas estabelecidas pelo Conselho Federal
de Psicologia (CFP). ” (CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA, 2009, p. 65 apud
LIMA J; 2019). É de extrema importância que o profissional siga o procedimento com
conhecimento e competência, que o parecer seja embasado sob sólido instrumental
teórico e estratégias metodológicas e técnicas, pois estes pareceres poderão ser
solicitados pelo juízo a fim de corroborar com o processo judicial. (CFP, 2009 apud
LIMA J; 2019).

Nesse sentido, ORTIZ (1986, p. 3 apud LIMA J; 2019), nessas condições, os


psicodiagnósticos precários conduzirão, sem qualquer sombra de dúvida, um
trabalho pericial a conclusões errôneas. O problema agravar-se-á
consideravelmente se o instrumento utilizado for o Rorschach, por sua
complexidade e pela peculiaridade em termos de aplicação, avaliação e
riqueza diagnóstica.

O CFP (2009 apud LIMA J; 2019) adverte ainda que estes profissionais
necessitam saber lidar com o inesperado, observando atentamente e interpretando os
avaliados, para que compreendam de forma eficaz as situações apresentadas, visto
que, há casos diversos, cada caso é único e estabelecer um padrão de avaliação, pela
ótica da Psicologia, seria negligência por parte do psicólogo. Se, por exemplo, o
psicólogo, ao avaliar a vítima supõe que esta está mentindo e, sem o devido
fundamento, adverte em relatório que seu parecer final é de que a mesma está de fato
dissimulando; se a criança estiver dizendo a verdade, corre-se o risco de esta tornar

44
a sofrer abusos, ou pior, não suportar o fardo de ser desacreditada; e diante disto, o
psicólogo deverá ser responsabilizado.
De mesmo modo, se a criança estiver mentindo, e o profissional alegar que o
abuso de fato ocorreu; corroborando, assim, para que um inocente seja condenado.
Cabe salientar, que neste último caso a atenção se potencia, porque a crença na
palavra da criança é premissa básica. (CFP, 2009 apud LIMA J; 2019) “Aos psicólogos
que atuam nesse contexto, é imprescindível a apropriação acurada de parâmetros
profissionais, conforme apontam as Resoluções do CFP” (CONSELHO FEDERAL DE
PSICOLOGIA, 2009, p. 44 apud LIMA J; 2019) A Resolução CFP nº 10/2005 – Código
de Ética Profissional de Psicologia (CEPP), em seu preâmbulo, admoesta:

[...] um Código de Ética profissional, ao estabelecer padrões esperados


quanto às práticas referendadas pela respectiva categoria profissional e pela
sociedade, procura fomentar a autorreflexão exigida de cada indivíduo acerca
das suas práxis, de modo a responsabilizá-lo, pessoal e coletivamente, por
ações e suas consequências no exercício profissional. (CFP, 2005 apud CFP,
2009, p. 44 apud LIMA J; 2019).

Perceba que, muitas vezes, mesmo com fatos probatórios dos abusos, os
familiares resistem em acreditar na palavra da criança, como é o caso relatado por
Beatriz Marinho Paulo, em seu livro Psicologia na Prática Jurídica: a criança em foco
(2012, p. 185 e 186 apud LIMA J; 2019):

Uma menina que aparentava seus doze anos estava grávida de seis meses
e não sabia como aquilo poderia ter acontecido, pois não tinha namorado e a
única pessoa com quem havia se deitado, segundo suas palavras, era seu
tio, mas “o que ele fazia era apenas uma brincadeira” entre eles, “não era
sexo”. Ela me pareceu bastante surpresa ao saber que aquelas “brincadeiras”
também eram conhecidas como “jogos sexuais”, e poderiam engravidá-la.
Para ela, não havia nenhuma conotação sexual: ele era seu tio, figura
estimada em quem confiava, que respeitava e amava muito – palavras da
menina.
[...] fiquei pensando: “Estará essa menina recebendo algum suporte para a
gama de informações que está vivenciando? ”, pois tudo em que
supostamente acreditava não era real.
Alguns anos depois, soube que ela não suportou ter que retratar sua
ingenuidade. Percebendo que, por várias vezes, foi desacreditada, em um
estágio de depressão profunda não diagnosticada, fez uso do caminho que
para ela, acredito eu, acabaria com toda dor e sofrimento por que vinha
passando por não conseguir ser ouvida, e acabou com sua vida. Não posso
afirmar o que aconteceu, mas sabemos o quanto é difícil, até mesmo para um
adulto, de repente perceber que tudo em que acreditava era mentira e, ainda
pior, quando essa mentira é contada por pessoas que amamos. Não é difícil
imaginarmos o que estava passando na cabeça dessa menina e a
importância de ser escutada e encaminhada para um atendimento, conforme
LIMA J; 2019.

45
Se com provas incontestáveis como a gravidez, aquela menina foi
desacreditada, imagine então, se uma criança que não tem sinais físicos que
comprovem sua situação de abuso, uma menina que não teve o hímen rompido, tem
corroborada a seu descrédito, a avaliação de um técnico, um profissional que garante
que seu depoimento é falso; a desmoralização seria praticamente certa. Assim, como
já vislumbrado, o psicólogo não pode ser eximido da responsabilidade por suas ações
e pelas consequências destas. (CFP, 2005 apud CFP, 2009 apud LIMA J; 2019).
Observado pela ótica jurídica, a responsabilização do psicólogo, nesses casos,
pode ser aferida tanto nos âmbitos cível e penal, quanto no âmbito administrativo, se
da responsabilidade civil e penal do funcionário; da responsabilidade civil do Estado,
tomando para si a responsabilidade pelos atos de seus servidores e, ainda, se
admitindo a responsabilidade conjunta das pessoas de direito público e do funcionário
causador do dano, enquanto servidor público, este que também poderá incorrer em
responsabilidade administrativa. Tantas quantas serão abordadas uma a uma nos
capítulos seguintes, conforme LIMA J; (2019).

5.3 A psicologia a serviço do atendimento das vítimas

A busca pela proteção de crianças e adolescentes em nossa sociedade,


transformou-se em um grande desafio e de responsabilidade sociais, destas formas
profissionais de diversas áreas do conhecimento humano, vem desenvolvendo
pesquisas com o intuito de responder, questionamentos ainda não compreendidos no
que tange a maus-tratos, entendimento da negligência, abuso físicas, psicológicas e
sexuais (PADILHA, 2001 apud PADILHA; GOMIDE, 2004 apud OLIVEIRA A; et al.,
2016).
O abuso sexual, ainda segundo o autor supracitado, pode prejudicar o
desenvolvimento comportamental, emocional e cognitivo da criança ou adolescente
em essencial quando tal ato de violência é cometido por membros da família, assim
nota-se a necessidade do atendimento psicológico como forma de amenizar danos ao
desenvolvimento das vítimas, conforme OLIVEIRA A; et al., (2016).
A violência sexual envolve inúmeros fatores e desdobramentos. O mais grave
é o sofrimento psíquico tanto da vítima quanto dos familiares, que exige dos

46
profissionais responsáveis pelo atendimento cuidado redobrado (CONSELHO
FEDERAL DE PSICOLOGIA, 2009 apud OLIVEIRA A; et al., 2016).

A partir da década de 80, as transformações sociais e políticas em nosso


país, marcadas pela agenda neoliberal e pelo progressivo processo de
exclusão social desencadeado por ela, fizeram a Psicologia 30 questionar se
estava formando profissionais voltados para as reais necessidades da
sociedade brasileira. Esse questionamento, não só do ponto de vista das
demandas sociais, mas também das possibilidades de inserção dos
profissionais, cresceu no interior de organizações, movimentos sociais e
associações de psicólogos, em especial dos Conselhos de Psicologia, que
passaram a levantar a bandeira do compromisso social da Psicologia
(CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA, 2009, p. 29-30 apud OLIVEIRA
A; et al., 2016).

Assim de acordo com Habigzang (2006 apud OLIVEIRA A; et al., 2016), o


atendimento psicológico prestado às vítimas de abuso sexual em específicos as
crianças e adolescentes, exige diversas preocupações e restrições, um exemplo é a
entrevista inicial na qual estabelece o primeiro contado entre a vítima e o psicólogo. A
entrevista inicial com a vítima cujo objetivo é um relato da experiência sexual abusiva,
a mesma deve ser respaldada em cautela e ética com o intuito de desenvolver
confiança da vítima para com o profissional (HABIGZANG et al., 2008 apud OLIVEIRA
A; et al., 2016).
A entrevista inicial para Cunha (2000 apud OLIVEIRA A; et al., 2016) é vista
como um conjunto de técnicas cuja função é investigar e levantar dados sobre a vida
do sujeito ali presente, assim a entrevista inicial é fundamental para o
desenvolvimento do rapport, sentimento que ajuda o paciente a se sentir à vontade
para falar livremente de seus medos e sentimentos.
Quando o paciente é encaminhado com suspeita de abuso sexual na
percepção de Almeida (2004 apud OLIVEIRA A; et al., 2016), a entrevista inicial é
importante para o desenvolvimento da aceitabilidade e permanência do sujeito nas
sessões seguintes. Ressalta também que a qualidade e experiência do psicólogo para
administrar uma entrevista de qualidade são de suma importância, logo o terapeuta
serve como um facilitador das relações e comunicações desenvolvidas entre ambos.
Outra característica importante a ser observada é a estrutura do setting
terapêutico, o ambiente deve ser confortável fisicamente e psicologicamente, o
primeiro destina-se as; cadeiras ou poltronas adequadas, temperatura ideal, local
limpo dentre outros; já a segunda destina-se aos acessórios como objetos que

47
possam causar perturbações, aqui também envolvem as falas adequadas à faixa
etária do sujeito dentre outras, características que juntas podem ajudar ou prejudicar
o desenvolvimento terapêutico (HABIGZANG et al., 2008 apud OLIVEIRA A; et al.,
2016).
De acordo com Oliveira (2005 apud OLIVEIRA A; et al., 2016), o
comportamento específico do psicólogo como, saber ouvir, escutar de forma cordial
as revelações feitas sem emitir atitudes de julgamento e espanto frente ao que foi dito,
sempre demonstrar interesse em ajudar paciente, sempre que possível reforça
comportamentos positivos, ficar atento a linguagem não-verbal, dentre outros
comportamentos específicos do psicólogo que facilitam o atendimento a vítima.
A psicologia contribui de forma significativa no atendimento a família das
vítimas, logo a violência sexual é um fenômeno associado a moral ética do seio
familiar, assim Scaglia, Mishima e Barbieri (2011 apud OLIVEIRA A; et al., 2016), diz
que, o ato da família buscar ajuda psicológica para uma criança ou adolescente,
inicialmente é associada a ideia de incapacidade dos pais ou responsáveis, em estar
resolvendo os conflitos internos da família.
Diante dessa percepção permeada de preconceitos sobre a busca por
atendimento psicológico para as vítimas, a psicologia nos últimos anos vem
desenvolvendo atividades que resgatem e ressaltem a importância da família para o
atendimento satisfatório logo, diante de uma violência sexual, a criança e o
adolescente necessitam de atenção, respeito e dignidade (OLIVEIRA, 2005 apud
OLIVEIRA A; et al., 2016).

5.4 Responsabilidade do Psicólogo

De acordo com LIMA J; (2019), a Lei n. 8.078/90 - Código de Defesa do


Consumidor (CDC) - em seu artigo 14, § 4º, disciplina quanto à responsabilidade dos
profissionais liberais prestadores de serviço:

Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência


de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos
relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes
ou inadequadas sobre sua fruição e riscos. [...] § 4° A responsabilidade
pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de
culpa.

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Ainda de acordo com LIMA J; (2019), o Código de Ética Profissional do
Psicólogo (CEPP), bem como os Conselhos Regionais e Federal de Psicologia estão
atentos à responsabilização deste profissional. De modo que o CEPP, rege como um
de seus princípios fundamentais:
“O psicólogo atuará com responsabilidade, por meio do contínuo
aprimoramento profissional, contribuindo para o desenvolvimento da Psicologia como
campo científico de conhecimento e de prática. ” (CONSELHO FEDERAL DE
PSICOLOGIA, 2005, p. 7 apud LIMA J; 2019).
Como visto, a responsabilidade pode se dar de diversas formas. A
responsabilidade profissional existe para que eventuais danos causados a quem goza
de seus serviços sejam reparados. Para que tais danos não ocorram, é exigido pela
lei que o profissional cumpra requisitos fundamentais ao exercício de determinadas
funções, como o diploma em Instituição de Ensino Superior devidamente reconhecido
pelo MEC - Ministério da Educação - e/ou inscrição no órgão responsável.
(CAVALIERI FILHO, 2010 apud LIMA J; 2019).
O próprio Código de Ética Profissional do Psicólogo traz em sua apresentação
que a definição de qualquer profissão se dá baseada num conjunto de técnicas que
visam assistir demandas sociais, norteado por normas éticas “que garantam a
adequada relação de cada profissional com seus pares e com a sociedade como um
todo. ” (CFP, 2005, p. 5 apud LIMA J; 2019).
De acordo com LIMA J; (2019), o CEPP ainda traz um rol de artigos em que o
título diz “das responsabilidades do psicólogo” dos quais vale ressaltar os artigos 1º e
2º:

DAS RESPONSABILIDADES DO PSICÓLOGO:


Art. 1º – São deveres fundamentais dos psicólogos:
a) conhecer, divulgar, cumprir e fazer cumprir este Código;
b) assumir responsabilidades profissionais somente por atividades para as
quais esteja capacitado pessoal, teórica e tecnicamente;
c) prestar serviços psicológicos de qualidade, em condições de trabalho
dignas e apropriadas à natureza desses serviços, utilizando princípios,
conhecimentos e técnicas reconhecidamente fundamentados na ciência
psicológica, na ética e na legislação profissional;
d) Prestar serviços profissionais em situações de calamidade pública ou de
emergência, sem visar benefício pessoal;
e) Estabelecer acordos de prestação de serviços que respeitem os direitos
do usuário ou beneficiário de serviços de Psicologia;
f) Fornecer, a quem de direito, na prestação de serviços psicológicos,
informações concernentes ao trabalho a ser realizado e ao seu objetivo
profissional;

49
g) Informar, a quem de direito, os resultados decorrentes da prestação de
serviços psicológicos, transmitindo somente o que for necessário para a
tomada de decisões que afetem o usuário ou beneficiário;
h) Orientar a quem de direito sobre os encaminhamentos apropriados, a partir
da prestação de serviços psicológicos, e fornecer, sempre que solicitado, os
documentos pertinentes ao bom termo do trabalho;
i) Zelar para que a comercialização, aquisição, doação, empréstimo, guarda
e forma de divulgação do material privativo do psicólogo sejam feitas
conforme os princípios deste Código;
j) Ter, para com o trabalho dos psicólogos e de outros profissionais, respeito,
consideração e solidariedade, e, quando solicitado, colaborar com estes,
salvo impedimento por motivo relevante;
k) sugerir serviços de outros psicólogos, sempre que, por motivos
justificáveis, não puderem ser continuados pelo profissional que os assumiu
inicialmente, fornecendo ao seu substituto as informações necessárias à
continuidade do trabalho;
l) levar ao conhecimento das instâncias competentes o exercício ilegal ou
irregular da profissão, transgressões a princípios e diretrizes deste Código ou
da legislação profissional.
Art. 2º – Ao psicólogo é vedado:
a) praticar ou ser conivente com quaisquer atos que caracterizem negligência,
discriminação, exploração, violência, crueldade ou opressão;
b) Induzir a convicções políticas, filosóficas, morais, ideológicas, religiosas,
de orientação sexual ou a qualquer tipo de preconceito, quando do exercício
de suas funções profissionais;
c) utilizar ou favorecer o uso de conhecimento e a utilização de práticas
psicológicas como instrumentos de castigo, tortura ou qualquer forma de
violência;
d) acumpliciar-se com pessoas ou organizações que exerçam ou favoreçam
o exercício ilegal da profissão de psicólogo ou de qualquer outra atividade
profissional;
e) ser conivente com erros, faltas éticas, violação de direitos, crimes ou
contravenções penais praticadas por psicólogos na prestação de serviços
profissionais;
f) prestar serviços ou vincular o título de psicólogo a serviços de atendimento
psicológico cujos procedimentos, técnicas e meios não estejam
regulamentados ou reconhecidos pela profissão;
g) emitir documentos sem fundamentação e qualidade técnico científica;
h) interferir na validade e fidedignidade de instrumentos e técnicas
psicológicas, adulterar seus resultados ou fazer declarações falsas;
i) induzir qualquer pessoa ou organização a recorrer a seus serviços;
j) estabelecer com a pessoa atendida, familiar ou terceiro, que tenha vínculo
com o atendido, relação que possa interferir negativamente nos objetivos do
serviço prestado;
k) ser perito, avaliador ou parecerista em situações nas quais seus vínculos
pessoais ou profissionais, atuais ou anteriores, possam afetar a qualidade do
trabalho a ser realizado ou a fidelidade aos resultados da avaliação;
l) desviar para serviço particular ou de outra instituição, visando benefício
próprio, pessoas ou organizações atendidas por instituição com a qual
mantenha qualquer tipo de vínculo profissional;
m) prestar serviços profissionais a organizações concorrentes de modo que
possam resultar em prejuízo para as partes envolvidas, decorrentes de
informações privilegiadas;
n) prolongar, desnecessariamente, a prestação de serviços profissionais;
o) pleitear ou receber comissões, empréstimos, doações ou vantagens
outras de qualquer espécie, além dos honorários contratados, assim como
intermediar transações financeiras;
p) receber, pagar remuneração ou porcentagem por encaminhamento de
serviços;

50
q) realizar diagnósticos, divulgar procedimentos ou apresentar resultados de
serviços psicológicos em meios de comunicação, de forma a expor pessoas,
grupos ou organizações. (CFP, 2005, p. 8 - 11 apud LIMA J; 2019).

Estes artigos supracitados que trazem os deveres fundamentais e o que é


vedado ao profissional de psicologia, respectivamente, e são os que mais se fixam
nas responsabilidades e direcionam o profissional em sua atuação. As infrações a tais
responsabilidades serão tratadas, no que couber, pelo Conselho Federal de
Psicologia com aplicação de penalidades na forma de advertência; multa; censura
pública; suspensão do exercício profissional, por até 30 (trinta) dias, ad referendum
do Conselho Federal de Psicologia; e cassação do exercício profissional, ad
referendum do Conselho Federal de Psicologia. (CONSELHO FEDERAL DE
PSICOLOGIA, 2005 apud LIMA J; 2019). Competindo ao CFP, inclusive, firmar
jurisprudência na omissão, conforme artigo 23 do CEPP:

Art. 23 – Competirá ao Conselho Federal de Psicologia firmar jurisprudência


quanto aos casos omissos e fazê-la incorporar a este Código. (CONSELHO
FEDERAL DE PSICOLOGIA, 2005, p. 16 apud LIMA J; 2019).

O que não exclui a responsabilização civil, penal ou administrativa (servidor


público) por meio do Poder Judiciário e/ou sanções administrativas. Acontece, que a
Psicologia não é um estudo científico uno do comportamento humano, onde as várias
teorias se integram em uma unidade base de ontologia regional; cada abordagem
psicológica, cada constatação produzida por um psicólogo cria seu próprio sujeito-
objeto. E entre tantos quantos sujeitos diversos, na psicologia, a ética teórica e prática
é também diversa e desmesurada. (FREIRE, 2003 apud LIMA J; 2019).
É de fato preocupante que não haja uma doutrina sequer no curso de Direito
brasileiro que se direcione a analisar as características éticas e a responsabilidade
jurídica do profissional de psicologia que já se sabe é a “profissão do futuro”, ou talvez,
já a desta década - Assim como a Física dominou o século XX, a Psicologia é a ciência
que dominará o século XXI. “Hoje está nas mãos do psicólogo a solução da maior
parte dos problemas que afligem a humanidade, mas é claro que não estamos
preparados para isso” (informação verbal). De modo que nossa explanação se queda
rasa, mas não em vão, pois pode ser um passo ao aprofundamento necessário aos
futuros acadêmicos, conforme LIMA J; (2019).

51
6 A DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR

Fonte: encenasaudemental.com

O complexo de poderes e deveres exercidos pelos pais em relação aos filhos


menores pode ser extinto por uma variedade de causas, muitas delas naturais
decorrências da vida. O art. 1.635 do Código Civil elenca as hipóteses de extinção do
poder familiar, quais sejam: morte dos pais ou do filho; emancipação; maioridade;
adoção; decisão judicial de destituição do poder familiar. Além destas, pode-se
acrescentar a homologação da extinção do poder familiar em razão da entrega
voluntária de filho para adoção, de forma regular (arts. 19-A, §4º e 166, §1º, inc. II,
ECA), conforme SOUZA N; (2019).
Tanto a destituição quanto a suspensão do poder familiar podem ser
entendidas como as sanções mais graves impostas aos genitores, razão por que se
faz necessária a decretação por sentença, em procedimento judicial no qual se
assegurem contraditório e ampla defesa (MACIEL, 2017a, p.246 apud SOUZA N;
2019).
Em breves linhas, pode-se afirmar que a suspensão do poder familiar é cabível
quando se vislumbra alguma possibilidade de a criança ou adolescente retornar para
o convívio da família de origem, ao passo que a destituição é cabível quando tal
regresso é inviável (MACHADO, 2018, p.268 apud SOUZA N; 2019). Só a destituição
do poder familiar configura hipótese de extinção, já que a suspensão é meramente
52
provisória, podendo ser revista quando superados os fatores que a ensejaram (LÔBO,
2018, p.308 apud SOUZA N; 2019).
A destituição do poder familiar é bastante gravosa e, por isso, “somente deve
ser decidida quando o fato que a ensejar for de tal magnitude que ponha em perigo
permanente a segurança e dignidade do filho” (LÔBO, 2018, p.308-309 apud SOUZA
N; 2019). Se o juiz constatar que basta a suspensão ou outra medida protetiva menos
gravosa, deve evitar a destituição, sobretudo quando se constata a possibilidade de
recompor os laços de afetividade. A destituição deve ser imposta no melhor interesse
do filho e, se a sua decretação trouxer prejuízos ao mesmo, não deverá ocorrer
(LÔBO, 2018, p.309 apud SOUZA N; 2019).
Percebe-se que a destituição do poder familiar não configura apenas uma
sanção aos genitores faltosos. Trata-se, antes de tudo, de um instituto de proteção
que visa a salvaguardar os interesses da criança vitimada, a suspensão e a destituição
do poder familiar constituem sanções aplicáveis aos genitores por infração aos
deveres que lhes são inerentes, ainda que não sirvam como pena ao pai faltoso. O
intuito não é punitivo, conforme SOUZA N; (2019).
Visa muito mais a preservar o interesse dos filhos, afastando-os de influências
nocivas. Em face das sequelas que a perda do poder familiar gera, deve somente ser
decretada quando sua mantença coloca em perigo a segurança ou a dignidade do
filho. Assim, havendo possibilidade de recomposição dos laços de afetividade,
preferível somente a suspensão do poder familiar. (DIAS, 2015, p.470 apud SOUZA
N; 2019).
Trata-se de medida imperativa, e não facultativa (DIAS, 2015, p.472 apud
SOUZA N; 2019). Constatando-se que houve a injustificável violação aos deveres
inerentes ao poder familiar e que a destituição atende ao interesse do filho, deve o
magistrado aplicá-la. As hipóteses de destituição do poder familiar vêm previstas,
fundamentalmente, nos arts. 1.638 do Código Civil e 24 do ECA, aos quais acresce o
teor do art. 23, §2º, ECA.
A primeira causa de destituição do poder familiar, na literalidade do Código
Civil, é o castigo imoderado ao filho. Cumpre esclarecer que apesar do termo
“imoderado”, a doutrina mais moderna vem entendendo pela inadmissibilidade de
qualquer forma de castigo físico, considerando as normas constitucionais e legais que
garantem o respeito e a dignidade à criança, protegendo-a contra a violência. Sob

53
esta ótica, o sistema jurídico não admite mais os castigos físicos como forma de
correção, os quais podem culminar em punição aos pais (GONÇALVES, 2017, p.609
apud SOUZA N; 2019).
Apesar da inadmissibilidade do castigo moderado, este não será suficiente para
a destituição do poder familiar, podendo redundar em outras sanções previstas em lei
(sobretudo aquelas previstas no art. 18-B do ECA). O intento do legislador, no art.
1.638, inc. I, do CC, foi punir a “correção inconsequente, brutal, covarde, senão
criminosa” (MADALENO, 2017, p.705 apud SOUZA N; 2019). Ou seja, punem-se com
a destituição os castigos imoderados que vulnerem de forma mais gravosa os direitos
fundamentais do filho.
A segunda causa para a destituição do poder familiar é o abandono. Tal
abandono pode consistir na falta de assistência material, que sujeita a criança a riscos
para a sua sobrevivência, ou ainda na falta de assistência moral e intelectual
(GONÇALVES, 2017, p.610 apud SOUZA N; 2019). Sobre o tema, leciona Rolf
Madaleno:

Deixar o filho em abandono é privar a prole da convivência familiar e dos


cuidados inerentes aos pais de zelarem pela formação moral e material dos
seus dependentes. É direito fundamental da criança e do adolescente usufruir
da convivência familiar e comunitária, não merecendo ser abandonado
material, emocional e psicologicamente, podendo ser privado do poder
familiar o genitor que abandona moral e materialmente seu filho [...] têm os
pais o dever expresso e a responsabilidade de obedecerem às determinações
legais ordenadas no interesse do menor, como disso é frisante exemplo a
obrigação de manter o filho sob a efetiva convivência familiar. (2017, p.705-
706 apud SOUZA N; 2019).

A família é local privilegiado para o desenvolvimento da personalidade humana


e, portanto, para a formação de um adulto psiquicamente saudável. Os pais que
abandonam material e moralmente as proles podem ser destituídas do poder familiar,
inclusive quando o abandono se dê nas instituições de acolhimento. Ou seja, quando
após o acolhimento os pais deixam de exercer visitação ou manter contato com o filho
menor, privando-o de qualquer resquício de convivência familiar, cabível a destituição,
conforme SOUZA N; (2019).
No entanto, deve-se atentar que o art. 23 do ECA veda a destituição do poder
familiar unicamente pela falta ou carência de recursos financeiros. Se, analisando o
caso concreto, o juiz perceber que o problema familiar é unicamente a falta de
recursos, deve inserir seus integrantes em serviços e programas de proteção, apoio e

54
promoção (arts. 23, §1º, 19, §3º, 101, inc. II a VI, e 129, inc. I a V, todos do ECA),
como forma de manter ou reintegrar à criança junto à família biológica, conforme
SOUZA N; (2019).
Sobre o tema, Paulo Lôbo pontua que: “Em primeiro lugar, são os laços de
afetividade e o cumprimento dos deveres impostos aos pais que determinam a
preservação do poder familiar. Em segundo lugar, pobreza não é causa de sua perda
forçada, porque o prevalecimento das condições materiais seria atentatório da
dignidade da pessoa humana. ” (2018, p.311 apud SOUZA N; 2019).
Contudo, o art. 23 do ECA não constitui um salvo-conduto para as famílias
hipossuficientes abandonarem os filhos menores ou deixá-los em abandono. Se a
pobreza vier acompanhada de violações aos direitos fundamentais da criança ou
adolescente, expondo-os à situação de risco (art. 98, inc. II, ECA), não há óbice à
perda do poder familiar, como forma de proteger os filhos vitimados. Negar a
possibilidade de destituição, unicamente pela condição socioeconômica dos
genitores, significaria uma violação à isonomia (art. 5º, caput, CF c/c art. 3º, p. único,
ECA), aceitando que crianças pobres poderiam ser sujeitas a determinadas violações
de direitos, a que não estariam sujeitas as crianças de famílias abastadas, em total
violação da dignidade humana (art. 1º, III, CF), conforme SOUZA N; (2019).

A terceira hipótese de destituição do poder familiar, segundo o Código Civil,


é a prática de atos contrários à moral e aos bons costumes, previsão que visa
a preservar a formação psíquica da criança e do adolescente, visa o
legislador evitar que o mau exemplo dos pais prejudique a formação moral
dos infantes. O lar é uma escola onde se forma a personalidade dos filhos.
Sendo eles facilmente influenciáveis, devem os pais manter uma postura
digna e honrada, para que nela se amolde o caráter daqueles. A falta de
pudor, a libertinagem, os sexos sem recato podem ter influência maléfica
sobre o posicionamento futuro dos descendentes na sociedade, no tocante a
tais questões, sendo muitas vezes a causa que leva as filhas maiores a se
entregarem à prostituição. (GONÇALVES, 2017, p.610 apud SOUZA N;
2019).

De acordo com SOUZA N; (2019), podem incluir-se na previsão do art. 1.638,


inc. III, CC o uso imoderado de bebidas alcoólicas, de entorpecentes, os abusos
físicos e sexuais ou as agressões morais e pessoais para com os filhos, parceiros ou
cônjuge. Os atos contrários à moral e bons costumes devem ser aferidos
objetivamente, sempre tendo em mira o superior interesse da criança ou do
adolescente:

55
A moral e os bons costumes são aferidos objetivamente, segundo standards
valorativos predominantes na comunidade, no tempo e no espaço, incluindo
as condutas que o direito considera ilícitas. Não podem prevalecer os juízos
de valor subjetivos do juiz, pois consistiriam em abuso de autoridade. Em
qualquer circunstância, o supremo valor é o melhor interesse do menor, não
podendo a perda da autoridade parental orientar-se exclusivamente no
sentido de pena ao pai faltoso. (LÔBO, 2018, p.310 apud SOUZA N; 2019).

De acordo com SOUZA N; (2019), destacando a importância desta hipótese de


destituição do poder familiar, as magistrais lições de Kátia Maciel:

Não há como negar a forte influência do comportamento parental no


desenvolvimento da personalidade dos filhos e o impacto que pode causar
em sua formação moral, já que é natural que a prole se espelhe nos pais e
repita o mesmo exemplo de vida e valores. Sendo assim, a prática de atos
contrários à moral e aos bons costumes também poderá ensejar a penalidade
máxima de retirada da autoridade familiar. Deste modo, poderão ser
destituídos do poder parental os pais, por exemplo, que utilizam
entorpecentes ou ingiram bebidas alcoólicas usualmente, a ponto de
tornarem-se drogados e alcoólatras; permitem que os filhos convivam ou
sejam entregues a pessoas violentas, drogadas ou mentalmente doentes [...]
permitem que os filhos frequentem casas de jogatina, espetáculos de sexo e
prostituição, ou, ainda, que mendiguem ou sirvam a mendigo para excitar a
comiseração pública [...] entre outras situações imorais, que atentem contra
os bons costumes ou caracterizem crimes [...] é inegável que a vida
desregrada dos pais, cujos comportamentos são imorais ou criminosos, pode
expor o filho menor a situações e a ambientes promíscuos e inadequados à
sua idade ou à condição de um ser em processo de formação. Tal conduta
desrespeitosa para com o desenvolvimento biopsíquico do filho poderá
acarretar a perda da autoridade parental, que se revestirá não somente de
punição para os pais, mas servirá de medida protetiva necessária a assegurar
condições de crescimento ideais para o filho. (2017a, p.259-260 apud SOUZA
N; 2019).

Como se nota, a destituição do poder familiar dos pais que pratiquem atos
contrários à moral e aos bons costumes serve para proteger os filhos contra a
influência nociva dos pais. A criança, afinal, é um ser em desenvolvimento (art. 6º,
ECA), e a sua formação psíquica deve ocorrer num ambiente salutar. O art. 19 do
ECA consagrava expressamente o direito da criança e do adolescente de viver em
ambiente livre de pessoas dependentes de substâncias entorpecentes. A Lei nº
13.257/2016 alterou a redação do caput, passando a prever o direito do menor de
conviver num ambiente que garanta o desenvolvimento integral. Esta última redação
é mais ampla e decerto contempla o direito a não conviver com pessoas viciadas em
entorpecentes, conforme SOUZA N; (2019).
Considerando que o art. 4º, inc. II, alínea “c” da Lei nº 13.431/2017 positivou
que constitui violência psicológica contra o filho menor expô-lo a crime violento contra
membro da família ou da rede de apoio, sobretudo quando isso o converta em
56
testemunha dos fatos, parece-nos fora de dúvida que a violência doméstica praticada
contra a mãe (art. 7º, Lei nº 11.340/2006) na presença da prole também justifica a
destituição do poder familiar do agressor, sobretudo quando ocorrer de forma
reiterada. Não se pode negar que o ambiente familiar violento, que sujeita as crianças
e adolescentes a presenciar recorrentemente a utilização de força física em
detrimento da genitora, viola a moral e bons costumes, afetando a formação psíquica
das crianças, além de corporificar ambiente que não garante o desenvolvimento
integral (art. 19, caput, ECA), conforme SOUZA N; (2019).
Outrossim, o art. 1.638, inc. III, do CC engloba os abusos sexuais. O art. 227,
§4º, da Constituição determina que a lei puna severamente o abuso, a violência e a
exploração sexual de criança e adolescente. O Código Penal prevê, no art. 217-A, o
delito de estupro de vulnerável, punível com até 15 anos de reclusão, bastando a
prática de qualquer ato libidinoso com menor de 14 anos, não sendo sequer
necessária a conjunção carnal. Os arts. 218 a 218-B do CP, bem como arts. 240 a
241-D e art. 244-A do ECA, também visam a proteger a integridade sexual de crianças
e adolescentes, conforme SOUZA N; (2019).
Percebe-se, assim, um grande esforço do legislador para proteger crianças e
adolescentes contra abusos de ordem sexual. A questão não enseja punição apenas
na seara cível, mas também no campo penal, visando à proteção integral destes
vulneráveis. A quarta hipótese de destituição do poder familiar, segundo a lei cível, é
o reiterado abuso de autoridade parental, quando os pais faltam aos deveres inerentes
a tal múnus (arts. 1.637 c/c art. 1.638, IV, CC). Pune-se a repetição de condutas que
poderiam ensejar, isoladamente, a medida mais branda de suspensão do poder
familiar (GONÇALVES, 2017, p.610 apud SOUZA N; 2019). Vale recordar que a
suspensão pode ser decretada a partir de um único acontecimento, dispensando uma
causa permanente, bastando que haja um justo receio de repetição futura, a acarretar
risco para a segurança do menor (LÔBO, 2018, p.307 apud SOUZA N; 2019).
Quando se percebe que a violação aos deveres ligados ao poder familiar ocorre
de forma reiterada, nada obsta que o magistrado decrete a sua perda, como modo de
salvaguardar a prole. Cremos dispensável, assim, que primeiro tenha sido decretada
a suspensão para só depois ocorrer a destituição do poder familiar com base nesta
hipótese. Havendo riscos concretos às crianças e adolescentes em razão do
descumprimento reiterado dos deveres ligados ao poder parental, cabível a

57
destituição com vistas ao superior interesse e à proteção integral dos filhos menores,
conforme SOUZA N; (2019).
O termo “abusar de sua autoridade”, utilizado pelo legislador, deve ser lido em
consonância com o art. 187 do CC, que prevê a figura do abuso de direito como ato
ilícito sempre que o exercício do direito violar seu fim econômico ou social, a boa-fé e
os bons costumes. Destarte, mesmo que o genitor esteja exercendo algum poder-
dever previsto no art. 1.634 do CC ou no art. 22 do ECA, se tal exercício contrariar a
função social, a boa-fé e os bons costumes, surge o ato ilícito a justificar a suspensão
ou a destituição do poder familiar (conforme o caso concreto), conforme SOUZA N;
(2019).
Exemplificativamente, podemos pensar numa representação judicial (art.
1.634, inc. VII, CC) exercida em verdadeiro prejuízo da criança ou do adolescente, ou
para satisfazer sentimentos pessoais do representante legal contra aquele inserido no
polo passivo; ou ainda quando o genitor reclama a criança de guardiões de fato que
não cederam à pressão para lhe conferir vantagens financeiras (art. 1.634, inc. VIII,
CC); ou quando o genitor transforma o dever de obediência da criança em tirania,
exigindo-lhe serviços domésticos que deveriam estar sendo prestados pelo próprio
adulto (art. 1.634, inc. IX, CC), conforme SOUZA N; (2019).
A nosso ver, tratam-se de algumas hipóteses de abuso de direito ligado ao
poder familiar, em que os poderes conferidos aos pais são deturpados no caso
concreto, contrariando a sua função social, a boa-fé objetiva e os bons costumes. Em
todos esses casos, há ato ilícito que pode ser sancionado até mesmo com a
suspensão ou destituição do poder familiar, justamente porque os pais abusaram de
sua autoridade (art. 1.637, caput, CC), em prejuízo dos filhos menores, conforme
SOUZA N; (2019).
Ainda que a atitude paterna ou materna pareça se adequar ao art. 1.634 do
Código Civil, a ilicitude surge pela forma como foi exercido o poder, contrariando a
razão da autoridade parental, que deve sempre visar à proteção das crianças e
adolescentes. Qualquer desvio no exercício deste complexo de direitos e deveres
pode configurar o abuso de direito e, portanto, enquadrar-se no art. 1.637 do CC.
Havendo reiteração destes abusos, justificável a perda do poder familiar. Como
lembra Kátia Maciel, pode incorrer no art. 1.638, IV, CC o pai ou mãe que for conivente
com a violação de direitos da prole, perpetrada pelo seu cônjuge ou companheiro. O

58
silêncio proposital do corresponsável impede a cessação da violação dos direitos do
filho, a justificar a destituição do poder familiar (2017a, p.263 apud SOUZA N; 2019).
Esta inação do corresponsável não pode ser subestimada, já que, sendo
detentor do poder familiar, ele possui um dever legal de proteção dos filhos menores,
o que o coloca numa posição de garante (art. 13, §2º, alínea “a”, CP). Como lembra
Rogério Sanches da Cunha, tanto se mata uma criança por asfixia quanto por se
deixar de socorrê-la quando o omitente tinha dever jurídico de impedir o evento morte,
e em ambos os casos o crime será de homicídio (2014, p.202-204 apud SOUZA N;
2019).
Isto é, aquele pai ou mãe que se omite propositalmente quando podia e devia
agir para impedir a lesão aos direitos fundamentais do filho comete um crime omissivo
impróprio, também respondendo pelo delito perpetrado pelo corresponsável. Daí por
que não se pode minorar este comportamento omissivo do pai ou mãe conivente, a
quem se atribui um dever de agir em prol do filho menor, mesmo quando isso significa
se opor e denunciar as atitudes ao companheiro ou cônjuge), conforme SOUZA N;
(2019).
A quinta hipótese de destituição do poder familiar prevista no Código Civil foi
acrescentada pela Lei nº 13.509/2017. Trata-se da entrega de forma irregular do filho
a terceiros para fins de adoção, sem a intervenção do judiciário e sem seguir a
normatização legal para tal entrega (LÔBO, 2018, p.310 apud SOUZA N; 2019). A
norma tem evidente propósito de prestigiar o Cadastro de Adoção (art. 50, ECA) e o
procedimento de entrega voluntária fixado no art. 19-A do ECA, além de proteger o
interesse da criança ou adolescente, evitando que seja confiado a pessoas inidôneas.
Outra hipótese de destituição é a prática de crime doloso cometido contra a
pessoa do filho (art. 92, inc. II, CP e art. 23, §2º, ECA), sendo indispensável que o
juízo declare motivadamente a medida na sentença penal. O delito cometido precisa
ser gravíssimo e causar prejuízos evidentes à criança vitimada, revelando que a
condenação é incompatível com o exercício do poder familiar. Porém, a absolvição no
juízo criminal não vincula o juízo da Infância, salvo quando reconhecer inexistência do
fato ou a negativa de autoria, nos termos do art. 935, CC (MACIEL, 2017a, p.263-
264), conforme SOUZA N; (2019).

59
Como se nota, as hipóteses de destituição do poder familiar são bastante
abertas, sobretudo se considerarmos que o art. 24 do ECA a prevê quando houver
descumprimento injustificado dos deveres de sustento, guarda e educação. Existe
uma ampla margem de liberdade para o juiz identificar os fatos que levam ao
afastamento das funções parentais (DIAS, 2015, p.471 apud SOUZA N; 2019).
Com efeito, o rol de causas ensejadoras da destituição não deve ser
considerado taxativo (numerus clausus), considerando a tendência do Direito Privado
em entender as relações legais como exemplificativas (TARTUCE, 2013, p.1225-1226
apud SOUZA N; 2019). Também é este o entendimento de Maria Berenice Dias, para
quem as hipóteses de suspensão e destituição do poder familiar não são taxativas,
mas meramente exemplificativas, devendo prevalecer em cada caso o interesse dos
filhos (2015, p.472 apud SOUZA N; 2019).
A perda do poder familiar é permanente, mas isso não significa que seja
irreversível, porquanto se admite a recuperação em procedimento judicial de caráter
contencioso, desde que fique comprovado que cessaram as causas que
determinaram a destituição (GONÇALVES, 2017, p.614 apud SOUZA N; 2019). Trata-
se do restabelecimento do poder familiar, que deve contar com a inequívoca aceitação
do filho quanto ao retorno para o convívio dos pais biológicos (MACIEL, 2017a, p.267
apud SOUZA N; 2019).
Parte da doutrina entende que a perda do poder familiar abrange toda a prole,
por significar um reconhecimento judicial de que o titular do poder familiar não está
capacitado para o seu exercício (GONÇALVES, 2017, p.614; DIAS, 2015, p.474 apud
SOUZA N; 2019). Existe posicionamento divergente, no sentido de que a destituição
só afeta a relação jurídica entre o genitor e o filho vitimado (MACIEL, 2017a, p.878
apud SOUZA N; 2019), sendo esta a corrente que vem sendo aplicada pelo Judiciário,
no qual são recorrentes as ações pedindo a perda do poder familiar apenas em
relação a um ou alguns dos filhos menores dos réus.
O papel do psicólogo nesses casos é fundamental. É preciso considerar que a
decisão de separar uma criança de sua família é muito séria, pois desencadeia uma
série de acontecimentos que afetarão, em maior ou menor grau, toda a sua vida futura.
Independentemente da causa da remoção - doença, negligência, abandono, maus-
tratos, abuso sexual, ineficiência ou morte dos pais - a transferência da

60
responsabilidade para estranhos jamais deve ser feita sem muita reflexão (Cesca,
2004 apud LAGO V; et al., 2009).

7 ALIENAÇÃO PARENTAL

Fonte: psicologiasdobrasil.com.br

Considera-se ato de alienação parental a interferência na formação psicológica


da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós
ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou
vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à
manutenção de vínculos com este, conforme CHINAGLIA M; et al., (2018).
O genitor alienador, muitas vezes, não leva em conta que a todo momento, está
descumprindo com o dever constitucional e fundamental de assegurar o bem-estar e
desenvolvimento psicológico, espiritual, físico e mental do menor. Ressalta-se que a
alienação não acomete somente o genitor alienado, mas também os familiares de
ambos os lados. Os parentes do alienador chegam a contribuir na tarefa de
afastamento, uma vez que acolhem os sentimentos do guardião e acreditam que essa
é a atitude mais certa e justa, conforme CHINAGLIA M; et al., (2018).

61
Em contrapartida, os familiares do genitor alienado também são afastados da
criança, em especial, os avós que são, normalmente, os entes mais próximos dos
pais, incorrendo também o alienador em desrespeito ao direito dos idosos à
convivência familiar, consoante o que determina o art. 3º da Lei 10.741/2003, o
Estatuto do Idoso. Por fim, termina-se o relacionamento entre casais, mas não se pode
esquecer o afeto em relação aos filhos e isso deveria imperar nas atitudes dos pais
ao separarem. Imperioso frisar que a maior punição é para os filhos, conforme
CHINAGLIA M; et al., (2018).
A alienação parental configura descumprimento dos deveres inerentes à
autoridade parental e precisa ser identificada para tornar efetivo o comando
constitucional que assegura às crianças e aos adolescentes proteção integral com
absoluta prioridade. Diante das graves consequências de tais práticas para o pleno
desenvolvimento da criança e visando esclarecer o fenômeno entre as famílias, foi
lançado em 2009 o vídeo “A morte inventada”. Trata-se de um longa-metragem
elaborado sob o formato de documentário, que traz depoimentos de pais, filhos e
profissionais envolvidos com o tema, conforme CHINAGLIA M; et al., (2018).
O título faz referência a um crime intencional e a ideia é reiteradamente
mencionada ao longo do vídeo, quando os depoentes alinham o conceito de alienação
parental a “matar a imagem do outro dentro de alguém”. A denominação dada pelo
diretor tem sido considerada muito adequada, tamanha a gravidade do fenômeno,
conforme CHINAGLIA M; et al., (2018).
De acordo com CHINAGLIA M; et al., (2018), o artigo 6º da Lei 12.318/10,
institui as providências que o juiz poderá tomar após detectar a alienação parental:

Art. 6º-Caracterizados atos típicos de alienação parental ou qualquer conduta


que dificulte a convivência de criança ou adolescente com genitor, em ação
autônoma ou incidental, o juiz poderá, cumulativamente ou não, sem prejuízo
da decorrente responsabilidade civil ou criminal e da ampla utilização de
instrumentos processuais aptos a inibir ou atenuar seus efeitos, segundo a
gravidade do caso:
I - Declarar a ocorrência de alienação parental e advertir o alienador; II -
ampliar o regime de convivência familiar em favor do genitor alienado;
III - estipular multa ao alienador;
IV - Determinar acompanhamento psicológico e/ou biopsicossocial;
V - Determinar a alteração da guarda para guarda compartilhada ou sua
inversão;
VI - Determinar a fixação cautelar do domicílio da criança ou adolescente;
VII - declarar a suspensão da autoridade parental. Parágrafo único.
Caracterizado mudança abusiva de endereço, inviabilização ou obstrução à
convivência familiar, o juiz também poderá inverter a obrigação de levar para

62
ou retirar a criança ou adolescente da residência do genitor, por ocasião das
alternâncias dos períodos de convivência familiar.

7.1 O psicólogo jurídico e a alienação parental

A psicologia jurídica começou a ser praticada junto com o reconhecimento da


profissão ocorrido em 1962, através da Lei nº 4.119/1962, que dispõe sobre os cursos
de formação em psicologia e regulamenta a profissão de psicólogo. Porém, a atuação
do psicólogo jurídico iniciou-se de modo informal, com trabalhos voluntários. As
primeiras demandas voltaram-se para a elaboração de psicodiagnósticos com a
finalidade de orientar os operadores do Direito (Lago, Amato, Teixeira, Rovinski e
Bandeira, 2009 apud CHEFER B; et al., 2016).
Em relação aos locais de atuação, a jornada do psicólogo iniciou-se nas Varas
Criminais, seguidas dos sistemas de Justiça Juvenil. Segundo Lago et al. (2009, p.
485 apud CHEFER B; et al., 2016), “nos últimos dez anos a demanda pelo trabalho
do psicólogo em áreas como Direito da Família (...) vem tomando forças”. Neste
contexto, é possível constatar que a atuação do psicólogo ocorre nos assuntos
relacionados à adoção, tutela, dissolução conjugal, disputa de guarda de filhos,
regulamentação de visitas e, por fim, aos casos de alienação parental (Serafim e Saffi,
2012 apud CHEFER B; et al., 2016).
Cabe apontar que o psicólogo jurídico pode ser entendido como o profissional
que trabalha com questões relacionadas ao Sistema de Justiça, podendo ser um
profissional com vínculo empregatício nas instâncias judiciais ou que não possua
vínculo, mas que seja solicitado por juízes com a função de perito ou pelas partes,
como assistente técnico (Brito, 2012 apud CHEFER B; et al., 2016).
De acordo com a bibliografia consultada, constatou-se que a atuação do
psicólogo jurídico no contexto da alienação parental pode ocorrer de três formas:
perícia e avaliação psicológica, mediação e acompanhamento psicológico
(Brockhausen, 2012; Serafim e Saffi, 2012 apud CHEFER B; et al., 2016).

63
7.2 Perícia e Avaliação psicológica

Primeiramente, é necessário definir o conceito de avaliação psicológica.


Segundo o conselho Federal de Psicologia [CFP], em sua Resolução Nº 07/2003, que
Institui o Manual de Elaboração de Documentos Escritos produzidos pelo psicólogo,
decorrentes de avaliação psicológica, esta última pode ser “entendida como o
processo técnico-científico de coleta de dados, estudos e interpretação de
informações a respeito dos fenômenos psicológicos (…) Utilizando-se, para tanto,
estratégias psicológicas – métodos, técnicas e instrumentos” (p. 3), conforme
CHEFER B; et al., (2016).
De acordo com Raposo et al. (2011 apud CHEFER B; et al., 2016), a avaliação
psicológica está inserida no contexto da perícia psicológica. Na linguagem jurídica, a
perícia deve ser realizada por um profissional tecnicamente qualificado e nomeado
pelo juiz no sentido de analisar ou examinar a veracidade de fatos e causas que
transitam no âmbito da justiça.
Cabe ressaltar que tanto para a Lei Nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973, que
institui o Código de Processo Civil, em seu Art. 145, como para o CFP em sua
Resolução Nº 08/2010, que dispõe sobre a atuação do psicólogo como perito e
assistente técnico no Poder Judiciário, “quando a prova do fato depender de
conhecimento técnico e científico, o juiz será assistido por perito” (p. 1). De acordo
com a resolução citada no parágrafo anterior, entende-se por psicólogo perito, o
profissional designado para assessorar a Justiça no limite de suas atribuições e,
portanto, deve exercer tal função com isenção em relação às partes envolvidas e
comprometimento ético para emitir posicionamento de sua competência teórico-
técnica, a qual subsidiará a decisão judicial, conforme CHEFER B; et al., (2016).
Rovinski (2004 apud CHEFER B; et al., 2016) e Serafim e Saffi (2012 apud
CHEFER B; et al., 2016) afirmam que a perícia tem por objetivo produzir conhecimento
técnico para subsidiar e auxiliar o juiz através das respostas aos quesitos elaborados
pelos agentes jurídicos envolvidos no caso analisado. A partir da perícia ou
investigação psicológica devidamente fundamentada em métodos e técnicas
científicas, o psicólogo deverá produzir um laudo ou relatório que apresente, segundo
a Resolução Nº 08/2010 do CFP, indicativos pertinentes à sua investigação,
procurando não influenciar nas decisões do magistrado.

64
Para Serafim e Saffi (2012 apud CHEFER B; et al., 2016), o processo pericial
deve seguir cinco etapas principais. Inicia-se com o estudo dos autos do processo, ou
seja, a leitura atenta de todos os documentos relacionados ao caso a ser analisado,
incluindo os quesitos citados anteriormente. O segundo passo refere-se à entrevista
psicológica, respeitando as diretrizes estabelecidas pela profissão. Parte-se, então,
para a avaliação das funções cognitivas seguida da avaliação de personalidade, cuja
utilização dos diferentes tipos de recursos e técnicas psicológicas dependerá das
características do periciando e do profissional psicólogo. Por fim, realiza-se uma
análise dos dados levantados e elabora-se o laudo ou parecer psicológico que deverá
seguir as instruções instituídas pela Resolução Nº 07/2003 do CFP e, posteriormente,
ser entregue para o juiz.
A perícia psicológica no âmbito da alienação parental não é diferente das
demais perícias existentes no espaço judicial. Segundo a Lei Nº 12.318/2010, que
dispõe sobre o assunto, em seu Art. 5º, “havendo o indicio da prática de ato de
alienação parental, em ação autônoma ou incidental, o juiz, se necessário,
determinará perícia psicológica ou biopsicossocial”, conforme CHEFER B; et al.,
(2016).
O referido artigo somado aos conceitos e definições expostos sobre perícia e
psicólogo perito, propõe que uma das funções do psicólogo no contexto da alienação
parental refere-se à realização de avaliação e perícia psicológica no sentido de
descobrir e investigar sobre a existência da prática de alienação parental. Serafim e
Saffi (2012 apud CHEFER B; et al., 2016) afirmam, ainda, que esta forma de atuação
é de extrema importância, pois possibilita detectar falsas acusações referentes ao
tema, corriqueiras nos processos litigiosos envolvendo famílias. Porém, salienta-se
que a alienação parental é, segundo Rocha (2012, p. 67 apud CHEFER B; et al.,
2016), “um fenômeno reconhecidamente novo, a ser aceito, nomeado e estudado,
sendo em muitos dos casos, impossível a comprovação”.
Ainda, de acordo com Mello (2011 apud CHEFER B; et al., 2016) e com
Hirschheimer e Waksman (2011), tanto a avaliação quanto a constatação da
existência desta forma de violência são difíceis, inclusive a compreensão de
causalidade entre a violência vivida e o sofrimento da vítima, requerendo do
profissional aptidão, habilidade, atenção, sensibilidade e responsabilidade.

65
8 ADOLESCENTES AUTORES DE ATOS INFRACIONAIS

O Estatuto da Criança e do Adolescente prevê medidas socioeducativas que


comportam aspectos de natureza coercitiva. São medidas punitivas no sentido de que
responsabilizam socialmente os infratores, e possuem aspectos eminentemente
educativos, no sentido da proteção integral, com oportunidade de acesso à formação
e à informação. Os psicólogos que desenvolvem seu trabalho junto aos adolescentes
infratores devem lhes propiciar a superação de sua condição de exclusão, bem como
a formação de valores positivos de participação na vida social, conforme LAGO V; et
al., (2009).
Sua operacionalização deve, prioritariamente, envolver a família e a
comunidade com atividades que respeitem o princípio da não discriminação e não
estigmatização, evitando rótulos que marquem os adolescentes e os exponham a
situações vexatórias, além de impedi-los de superar as dificuldades na inclusão social,
conforme LAGO V; et al., (2009).

8.1 O Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo – SINASE

O SINASE foi elaborado por órgãos integrantes do Sistema de Garantia de


Direitos, em comemoração aos 16 anos da publicação do Estatuto da Criança e do
Adolescente e busca responder à questão central de como devem ser enfrentadas as
situações de violência que envolvem adolescentes autores de atos infracionais ou
vítimas de violação de direitos, no cumprimento de medidas socioeducativas,
conforme MONTE F; et al, (2011).
Por isso, tal documento articula-se como um “conjunto ordenado de princípios,
regras e critérios, de caráter jurídico, político, pedagógico, financeiro e administrativo,
que envolve desde o processo de apuração de ato infracional até a execução de
medida socioeducativa” (Conanda, 2006, p. 23 apud MONTE F; et al, 2011),
reiterando diretrizes referentes à garantia dos direitos fundamentais e do
desenvolvimento integral do adolescente, já propostas no ECA.
As medidas socioeducativas orientadas pelo ECA e pelo SINASE não devem
ser entendidas e aplicadas como castigos ou sanções, mas como dotadas de natureza
pedagógica. Essa substituição de paradigma operada pelo ECA, em detrimento do

66
restrito ensino coercitivo e punitivo aplicado nas FEBEMS, representou uma opção
pela inclusão social do adolescente em conflito com a lei (Conanda, 2006, p. 14 apud
MONTE F; et al, 2011). No entanto, essa inclusão social só pode se dar através da
assistência integral à criança e ao adolescente, especialmente através de políticas
públicas que atendam e garantam os direitos fundamentais previstos no ECA, tais
como saúde, educação, lazer, esporte, cultura, convívio comunitário, entre outros.
Ainda em referência às unidades de aplicação de medidas socioeducativas, o
SINASE propõe parâmetros para seleção das pessoas que trabalharão com os
adolescentes, além de tratar dos parâmetros arquitetônicos e da organização
funcional das unidades socioeducativas, da gestão e do financiamento das obras, do
monitoramento e posterior avaliação das entidades, considerando condições básicas
de salubridade, acessibilidade e conforto, conforme MONTE F; et al, (2011).

8.2 Aplicação das medidas socioeducativas: alguns achados empíricos

Apesar do ECA e do SINASE, assim como a literatura no campo da Psicologia


Moral, apontarem para a necessidade da existência das condições discutidas
anteriormente para o desenvolvimento sócio moral autônomo, a análise acerca da
realidade das instituições brasileiras de ressocialização de adolescentes autores de
atos infracionais aponta para sérios problemas estruturais e pedagógicos, conforme
MONTE F; et al, (2011).
Em 2003, uma pesquisa do Governo Federal demonstrou que a população de
adolescentes internados em instituições de ressocialização era de cerca de 10 mil
jovens distribuídos em cerca de 190 instituições responsáveis por aplicar medidas
socioeducativas em meio fechado. A maioria destas instituições sofria com problemas
de superlotação, e cerca de 70% dos locais investigados foram avaliados como tendo
estrutura física imprópria para a ressocialização, não possuindo espaço físico para a
realização de atividades esportivas, áreas de lazer ou de convivência e estando em
péssimas condições de conservação e higiene (Silva & Gueresi, 2003 apud MONTE
F; et al, 2011).
Em 1999, Oliveira e Assis demonstraram que, na cidade do Rio de Janeiro, um
entre cada três adolescentes institucionalizados era reincidente, mais de 70% não
estavam estudando no momento da internação, e que entre esses havia um alto índice

67
(cerca de 27%) de internos analfabetos. Nessa mesma direção, constata-se que
muitas instituições responsáveis pela internação de adolescentes autores de atos
infracionais mostram-se altamente ineficazes em exercer seu papel educativo (Silva
& Gueresi, 2003), não conseguem aplicar as propostas socioeducativas previstas no
ECA (Teixeira, 2005 apud MONTE F; et al, 2011) e funcionam, muitas vezes, como
verdadeiras “escolas do crime”, fomentando no adolescente aquilo que deveria ser
“desaprendido”.
Durante uma pesquisa, em uma instituição de ressocialização no interior de
Pernambuco, Monte e Sampaio (2009 apud MONTE F; et al, 2011) constataram, além
da inexistência de uma estrutura física adequada para a realização de atividades
socioeducativas, a reprodução das regras, rotinas e valores do sistema penitenciário
tradicional dentro da unidade de ressocialização pesquisada. Denominados
AGENTES (conforme grafia nos uniformes de trabalho), a função de sócio educador
nessa unidade resumia-se à manutenção da ordem, à aplicação de sanções e à
vigilância dos adolescentes, ou seja, num trabalho corretivo e coercitivo, base para
todas as ações “socioeducativas” aplicadas nessa instituição.
Os resultados encontrados por Espíndula e Santos (2004 apud MONTE F; et
al, 2011) corroboram a suposição de que as instituições de ressocialização de
adolescentes refletem a realidade carcerária do Brasil. Esses pesquisadores
entrevistaram sócio educadores em unidades de assistência a adolescentes que
cometeram ato infracional, e constataram que esses profissionais mostravam
descrédito quanto à recuperação dos adolescentes, inclusive adotando práticas que
se baseavam exclusivamente em punição e castigo. Segundo Espíndula e Santos, a
representação social do adolescente autor de ato infracional como “anormal” e
irrecuperável é alimentada pela própria instituição socioeducativa e funciona como um
empecilho à prática das mudanças propostas pelo ECA, ou seja, a prioridade do
desenvolvimento integral e ressocialização do adolescente.
Em resumo, essas pesquisas apontam para resquícios da chamada
“mentalidade menorista” do antigo Código de Menores a qual, além de primar pelo
castigo, sanções e correção, cultiva, com suas instituições falidas (FEBEMS, por
exemplo), o ideário de periculosidade e “irrecuperabilidade” dos adolescentes por elas
assistidos. Aponta-se, aqui, que embora estas pesquisas revelem uma situação
aquém da ideal, é dever das instituições que executam as medidas socioeducativas

68
fornecer todas as condições para uma boa convivência do adolescente internado ou
em regime de semiliberdade (as quais incluem, por exemplo, estrutura física,
alimentação e lazer), promovendo seu desenvolvimento pleno, conforme MONTE F;
et al, (2011).
Torna-se, portanto, urgente discutir, repensar e questionar a metodologia
pedagógica (baseada essencialmente na punição e coerção) que vem sendo
tradicionalmente utilizada em unidades que assistem aos adolescentes que cometem
ato infracional, conforme MONTE F; et al, (2011).
Sugere-se, em conformidade com o ECA, o SINASE e a literatura aqui
discutida, a adoção de práticas pedagógicas respaldada na democracia, autonomia e
participação ativa dos adolescentes nas tomadas de decisão cotidianas, uma vez que
as ações socioeducativas devem exercer uma influência sobre a vida do adolescente,
contribuindo para a formação da identidade, de modo a favorecer a elaboração de um
projeto de vida, o seu pertencimento social e o respeito às diversidades (cultural,
étnico racial, de gênero e orientação sexual), possibilitando que o jovem assuma um
papel inclusivo na dinâmica social e comunitária. Para tanto é vital a criação de
acontecimentos que fomentem o desenvolvimento da autonomia, da solidariedade e
de competências pessoais relacionais, cognitivas e produtivas. (Conanda, 2006, p. 52
apud MONTE F; et al, 2011).
Sugere-se que esse tipo de trabalho deva englobar toda a rede de assistência
a crianças e adolescentes, e envolver desde os órgãos responsáveis pelo cuidado e
promoção dos seus direitos até as instituições que cuidam da ressocialização de
adolescentes autores de atos infracionais, conforme MONTE F; et al, (2011).

8.3 Função e práticas do psicólogo na atuação com adolescentes em medida


socioeducativa de internação

Para a maioria dos psicólogos o que a sociedade demanda do profissional de


psicologia que atua neste espaço é que ele “conserte” o menino. Isto é, que consigam
moldar o menino para que ele volte “bonzinho” e “recuperado” para a sociedade. Deve
ser destacado que dois psicólogos, ao citarem esta mudança que a sociedade deseja,
apontam para o fato de que se espera que isso possa ser feito pelo psicólogo de forma
mágica ou milagrosa. Sendo assim, conforme os profissionais, as demandas da
sociedade não levam em conta que a mudança na situação dos adolescentes decorre
69
de processo complexo que demanda tempo e estrutura. Além disso, não levam em
conta a história de vida do adolescente e o fato de que também ela, a sociedade, está
envolvida nesse processo, conforme SANTOS M; et al., (2017).
Que eles estão querendo? Milagre! ”, “Que eu rache a cabeça deles! ”,
conforme SANTOS M; et al., (2017).
Outras demandas citadas foram: que o psicólogo dê garantia de que o
adolescente não cometerá nunca mais o ato infracional e que o profissional de
psicologia dê explicações sobre o comportamento desses adolescentes pela via da
patologização e da rotulação. Esta demanda está alinhada com a imagem
(representação) hegemônica da atuação do psicólogo em nossa sociedade, o modelo
clínico-médico. Tal modelo foi identificado também no estudo sobre a atuação
profissional do psicólogo no campo das políticas sociais por Seixas e Yamamoto (2012
apud SANTOS M; et al., 2017).
Essas informações descritas acima evidenciam que a sociedade, na visão
destes psicólogos, absorveu certa “psicologização” da situação do adolescente em
conflito com a lei. Segundo essa visão, o psicólogo é aquele que pode realizar “o
milagre” da mudança interior. Martins e Brito (2003 apud SANTOS M; et al., 2017)
pontuam que é de responsabilidade do próprio profissional de psicologia alterar tal
situação não aceitando “a função de ser aquele que sempre tem as respostas e os
meios para superar as dificuldades como num ‘toque de mágica’” (p. 374).
Com relação ao que o psicólogo percebe como sendo demanda do adolescente
interno, a maioria dos participantes cita aspectos ligados a uma prática clínica
tradicional, relacionada a uma escuta diferenciada deste profissional em relação aos
outros profissionais que também atuam neste espaço, e a conversa na qual o
psicólogo trabalha com a possibilidade de fazer apontamentos, direcionamentos e
reflexões, conforme SANTOS M; et al., (2017).
De acordo com SANTOS M; et al., (2017), o segundo tipo de resposta mais
comum para a questão não menciona demanda dos adolescentes, mas faz referência
ao fato de que estes muitas vezes não conhecem o profissional de psicologia e não
têm informação sobre suas especificidades. Com isso, não o diferenciam dos
profissionais do Serviço Social, conforme ilustram as falas a seguir:

70
“No início, quando o menino entra, todo mundo é Assistente Social”. “(...) agora
estão começando a fazer diferença entre assistente social e psicólogo”, “(...) eles não
compreendem muito bem esse profissional, a gente tem um trabalho imenso para eles
entenderem qual a diferença do profissional de psicologia para o assistente social”,
conforme SANTOS M; et al., (2017).
Outros dois tipos de demandas dos adolescentes internos reconhecidas pelos
profissionais foram categorizados: solicitação de prescrição de medicamento,
principalmente para dormir e lidar com a abstinência forçada, e pedido de informações
sobre seu relatório e a situação do seu processo. Como demanda da Instituição os
psicólogos relatam o mesmo conjunto de ações que reconhecem como demanda da
sociedade: seu enquadramento aos “moldes sociais” com garantia de não reincidência
e sua contenção para que seu comportamento não gere nenhum transtorno dentro da
instituição, conforme SANTOS M; et al., (2017).
Foi observado também que somente esta é uma demanda percebida de forma
mais geral pelo grupo. As demais estão pulverizadas, percebidas por um ou dois
profissionais. O que nos indica falta de clareza para os próprios profissionais do que
a instituição requer deles. “A impressão que se passa é que quando os psicólogos
chegaram, eles não sabiam exatamente o que era para gente fazer. Passaram a
sensação que eles pensaram muito a princípio no atendimento individual por menino,
clínica mesmo”, conforme SANTOS M; et al., (2017).
Ao responderem sobre quais tipos de atividades desenvolvem na instituição em
que trabalham, foi unânime a referência ao atendimento individual ao adolescente.
Diante do grande número de adolescentes a serem trabalhados por poucos
psicólogos, os profissionais tentam organizar o atendimento de forma a dar
preferência àqueles casos que, segundo seu critério, são prioritários, conforme
SANTOS M; et al., (2017).
O atendimento grupal, também citado pela maioria dos profissionais, inclui
dinâmicas e intervenções feitas em grupo. Especificamente esse tipo de atividade,
devido a limitações de segurança alegadas, não tem sido realizado ultimamente. Um
terceiro tipo de atividade também bastante realizada é a confecção de relatórios e
pareceres. Os profissionais participantes a classificam como atividade burocrática,
sendo alvo de resistência claramente expressa por parte deles. Sua realização
responde a demanda/determinação do juizado, conforme SANTOS M; et al., (2017).

71
Os psicólogos apontam que devido ao grande número de adolescentes internos
e ao pouco número de profissionais para atendê-los, a confecção dos relatórios é
realizada muitas vezes em detrimento de outras atividades que são deixadas em
segundo plano. Isso acontece por causa da prioridade dada pela própria Instituição
para o cumprimento desta atividade. Assim, grande parte do tempo é consumida desta
forma ao invés de ser aproveitado em atividades em que podem lidar diretamente com
o adolescente, conforme SANTOS M; et al., (2017).
O atendimento familiar, também realizado pela maioria dos profissionais,
compreende, entre outras coisas, receber a família do interno nos dias de visita,
normalmente nos fins de semana, feriados e datas especiais. Para isto é feito um
revezamento entre os profissionais. Quando o profissional entende que há
necessidade, a família é convocada a comparecer durante a semana na Unidade. Ao
atendimento à família foi atribuída importância pelo fato de permitir uma melhor
compreensão do contexto no qual o interno se encontrava à época da prática do ato
infracional, conforme SANTOS M; et al., (2017).
Outra atividade mencionada da parte dos psicólogos, foi o acompanhamento
do adolescente nas atividades que eles desenvolvem (oficinas, atividades
pedagógicas) e dentro do bloco, lugar onde eles dormem e passam boa parte do
tempo. Segundo sua compreensão, esse tipo de atividade permite ao profissional
estar mais próximo do adolescente e do seu cotidiano institucional, sendo inclusive
um tipo de intervenção que às vezes é solicitada pelos próprios internos, conforme
SANTOS M; et al., (2017).
De acordo com SANTOS M; et al., (2017), a visita domiciliar aparece como uma
das atividades desenvolvidas pelos psicólogos, sendo que a possibilidade de realizá-
la é entendida por estes como uma conquista, uma vez que é uma atividade tida como
característica da profissão dos assistentes sociais:
“(...) uma coisa que a equipe de psicologia tem avançado, e é uma conquista,
porque era uma coisa só do assistente social, a visita familiar traz muitos dados para
gente”, conforme SANTOS M; et al., (2017).
A estrutura física foi apontada pela maior parte dos psicólogos como um dos
fatores que mais prejudica a atuação profissional. Com relação a este aspecto, é
importante esclarecer que o que se destaca principalmente é a falta de espaço
apropriado para a realização das atividades desenvolvidas pelos psicólogos. A

72
questão da segurança do próprio profissional também foi destacada como dificuldade
para seu trabalho, pois muitas vezes gera restrição, principalmente das atividades
com grupos e de contato com os adolescentes. Ainda com relação à questão da
segurança, foi apontado pelos psicólogos que o problema está no fato da mesma ser
priorizada em detrimento das demais atividades, sendo, por exemplo, o profissional
questionado quando pede para que se retire a algema do adolescente ou quando tem
que ficar monitores por perto, de forma que acabam ouvindo o que se passa no
atendimento, conforme SANTOS M; et al., (2017).
Outra dificuldade citada foi a relação com o juizado, principalmente por
considerarem não haver uma parceria efetiva no desenvolvimento do trabalho, sendo
a postura dos juízes observada pelos psicólogos como muito impositiva. Destaca-se
que todas as respostas se referem a dificuldades físicas reais. Entretanto, não houve
qualquer autocrítica ou apontamento de crítica construtiva ao trabalho realizado pelos
próprios psicólogos considerando suas possibilidades e seus limites de atuação. Da
mesma forma que se faz ausente nos relatos qualquer consideração sobre a
insuficiência dos modelos teóricos tradicionais da Psicologia em dar conta dessa
realidade do adolescente em conflito com a lei, conforme SANTOS M; et al., (2017).
Ao serem solicitados a responder se hipoteticamente fossem responsáveis por
definir qual(is) a(s) função(ões) do profissional de psicologia em seu local de trabalho,
ou seja, qual seria o objetivo do trabalho do psicólogo, os profissionais apontaram
como funções do psicólogo atividades que foram incluídas na categoria Buscar
Potencialidades/Interesses/Outros lugares, que tem as seguintes descrições:
conhecer os interesses que o adolescente manifesta, quais suas potencialidades,
mostrar para ele que existem outras oportunidades além das que ele conhece, buscar
que o menino tenha compreensão que ele faz parte da sociedade, que ele é um sujeito
com direitos e deveres, fazer com que o adolescente ocupe outros lugares além
daquele que ele chegou assumindo na internação, conforme SANTOS M; et al.,
(2017).
Outra função do psicólogo mencionada é procurar às significações que eles
dão à sua entrada no ato infracional, a família, o lugar dele na sociedade, entre outros,
e trabalhar com a ressignificação. Foi também mencionada a promoção de saúde
mental e dos direitos humanos, e a escuta como funções do psicólogo, observaram
que não mudariam muito o objetivo do trabalho além do que já é feito, contudo

73
priorizaria o psicólogo mais nas atividades socioeducativas e menos envolvido em
questões burocráticas e aponta melhoria para formas de atendimentos e a realizações
das intervenções, incluído espaços maiores de troca de experiências, de problemas
da relação de trabalho, entre os profissionais, conforme SANTOS M; et al., (2017).
Percebe-se claramente que as funções propostas pelos profissionais estão em
conformidade com as atividades por eles já realizadas. Assim sendo, ao
desenvolverem majoritariamente práticas ligadas ao acompanhamento individual,
estes profissionais concentram seus esforços de intervenção no indivíduo. Isso ocorre
a despeito de verbalizarem, que há “conjunto de fatores” envolvidos, de tecerem
considerações a respeito do contexto social do adolescente, e de preocupações com
a interação com a comunidade e cobrança de respostas da sociedade, conforme
SANTOS M; et al., (2017).
Mesmo diante dessa situação, é possível afirmar que houve uma mudança no
que tange à função primordial da Psicologia, principalmente quando comparamos com
a época de sua inserção neste campo de atuação. Tratava-se de produzir relatórios
técnicos e estabelecer diagnósticos que determinavam o que aconteceria dali para
frente com os jovens (Brito, 2000; Martins & Brito, 2003 apud SANTOS M; et al., 2017).
Foi possível verificar práticas e preocupações diferenciadas, realizadas por um
número menor de profissionais, que se incomodam com uma prática restrita à
confecção de laudos e buscam, por exemplo: interagir mais com os adolescentes;
estar mais presente nas atividades oferecidas para eles, fazer visita domiciliar à família
do adolescente. O que vai ao encontro do que apontam Paiva e Cruz (2014 apud
SANTOS M; et al., 2017) ao afirmarem que faz muita diferença se as atividades que
o psicólogo realiza são mais tradicionais ou se procura maior proximidade com o
adolescente.
A busca por potencialidades e interesses dos adolescentes corresponde à
categoria de respostas a que mais os psicólogos fizeram menção como sendo a
função do psicólogo. Contudo, entende-se que essa busca por outras oportunidades,
por outras formas de inclusão na sociedade requer uma atuação que quebre com o
paradigma de instituição total, como previsto pelo ECA e pelo SINASE. Entretanto,
percebe-se que este direcionamento da atuação profissional é bastante dificultado
pelo próprio cotidiano institucional onde, por exemplo, o contato com este jovem é
muito restrito, conforme SANTOS M; et al., (2017).

74
A maior parte dos profissionais em destaque os psicólogos, afirmam que se
pudesse faria mudanças no atendimento oferecido aos adolescentes. Estas
mudanças envolvem a adaptação da sala onde é realizado o atendimento do
psicólogo, de forma que ela ficasse mais acolhedora e propiciasse maior privacidade.
Mudariam também a forma do atendimento. Alguns profissionais consideram
prejudicial a obrigatoriedade de ter sempre alguém escutando as conversas que
acontecem durante o atendimento individual. Nessas ocasiões, geralmente está
presente um outro adolescente como forma de respaldar aquele que está sendo
atendido, comprovando não ter ocorrido nenhum tipo de delação durante a conversa
com o profissional, conforme SANTOS M; et al., (2017).
Outras mudanças abordadas na forma do atendimento psicológico seria o
menino ser atendido sem algemas e com um tempo adequado. Também foi apontado
por um psicólogo, mudanças nas atividades pedagógicas, no sentido de eles terem
mais autonomia na sua realização, foi citado também mudanças na forma do
atendimento em grupo, no sentido de garantir que ele acontecesse de forma mais
frequente e com continuidade, conforme SANTOS M; et al., (2017).
Considerando a identidade profissional do psicólogo, foi constatada a
ignorância deste público sobre o que o psicólogo tem a oferecer, ou a respeito do que
lhe pode ser demandado, isto não é fato exclusivo deste campo de trabalho, mas é
recorrente na atuação do psicólogo nas políticas públicas. Pois, o psicólogo é
“confundido” principalmente com o Assistente Social, profissional cuja categoria é
majoritária neste setor. Mas também ocorre a identificação, às vezes, com o Médico,
quando vemos que demandam do psicólogo a prescrição de medicamentos, conforme
SANTOS M; et al., (2017).
Uma vez fora do setting clínico privado, o psicólogo fica meio “desambientado”
e com algumas dúvidas sobre suas possibilidades de atuação. Entende-se que isto
ocorre, em parte, pela hegemonia da prática tradicional do psicólogo a clínica privada.
Conforme pesquisas do CFP (1988, 1992, 1994 apud SANTOS M; et al., 2017) desde
sua regulação no Brasil a área em que a grande maioria dos psicólogos atua são os
consultórios particulares, cujo acesso, ou o conhecimento é mais propício aos
profissionais que atuam na aplicação da medida junto com os psicólogos do que para
os próprios adolescentes em medida de privação de liberdade, conforme SANTOS M;
et al., (2017).

75
A questão em discussão tem sido uma constante preocupação de diferentes
autores e leva à constatação mais imediata de que, mesmo com a abertura de novos
campos e a instituição de “práticas emergentes”, o que ainda se sobressai quanto à
atuação do psicólogo é a prática tradicional que reproduz sua formação que
permanece eminentemente clínica (Gondim, Bastos, & Peixoto, 2010 apud SANTOS
M; et al., 2017). Até mesmo nas atividades desenvolvidas pelos psicólogos neste local
de atuação percebe-se a hegemonia da intervenção dualista em detrimento da
intervenção psicossocial, que seria mais propícia para este espaço.

76
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