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Direção e Coordenação Geral Copyright © 2021 by Luciana Brites

Luciana Brites Todos os direitos desta edição são reservados


à Editora NeuroSaber.
Equipe Editorial Av. Ayrton Senna da Silva, 600, sala 903.
Ana Clara dos Reis Tomaelli Londrina, PR – 86050-460
Fabrícia Cristina Florencio Telefone: (43) 3361-6750
Julia Liranço Muniz E-mail:
Roselaine Pontes de Almeida editoraneurosaber@neurosaber.com.br

Ilustração, Iconografia
e Diagramação
Gabriela Naomi Umezu Oliveira
Luke Boaro Almeida Machado

Colaboração
Roselaine Pontes de Almeida

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Brites, Luciana
Guia TOD / Luciana Brites . 1. Ed. – Londrina, PR : Editora NeuroSaber,
2021.
ISBN nº 978-65-89959-16-8
1. Neurodesenvolvimento 2. Transtornos 3. TOD. – Londrina (PR). I. Título.
Programa de abordagem
familiar

Bem-vindo a este material!


Este e-book foi preparado com muito carinho pela Equipe NeuroSaber,
especialmente para auxiliar você!
Por isso, lembre-se de que é vedada a reprodução, total ou parcial, do conteúdo
contido neste livro digital, nos termos da Lei n° 9.610/98.

Esperamos que você faça bom uso desta obra.


Aproveite!

Um grande abraço,

Equipe NeuroSaber

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Sumário
TOD: da suspeita ao diagnóstico ......................................5
Abordagem terapeutica........................................................................20
Abordagem escolar.................................................................................30
Abordagem de manejo parental..........................................................47
Gestão de comportamento opositor................................................59
Estratégias associadas à prática.......................................................63

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TOD: da suspeita
ao diagnóstico
TOD: da suspeita ao
diagnóstico

Este módulo consiste em aprender a suspeitar de que uma criança, jovem ou


adulto tenha sintomas de Transtorno Opositivo-Desafiador (TOD). No geral, o com-
portamento de uma pessoa é avaliado quando existe a preocupação por parte de
algum membro da família, dos cuidadores ou da escola.

Existem dois grandes eixos de alterações do comportamento: os internali-


zantes e os externalizantes. Os internalizantes consistem naqueles problemas de
indivíduos que apresentam, isoladamente de outras pessoas, dores pelo corpo ao
ficar ansioso e podem levar a problemas depressivos e a transtornos de ansiedade.
O eixo externalizante é quando o indivíduo tem um problema de comportamento e
apresenta a tendência de exteriorizar atitudes agressivas com os outros ou consi-
go, praticar quebra de regras, abandono de rotina, temperamento explosivo.

O TOD faz parte do conjunto dos comportamentos externalizantes, que são


aqueles que levam a um processo de disrupção, que significa um tipo de ação no
qual ocorre um impacto súbito devido a uma situação, pessoa ou contexto. Além
disso, o TOD está intimamente ligado ao TDAH, podendo evoluir para transtornos
de conduta. Há escalas que podem ser utilizadas por qualquer pessoa e que auxi-
liam a perceber os sinais destes desvios de comportamento como forma de intervir
na doença e procurar ajuda.

Esse transtorno é caracterizado quando o in-


divíduo apresenta atitudes extremamente hostis e
altamente irritáveis, quando passa por uma situação
de frustração, quando é contrariado, quando preci-
sa esperar por algo ou alguém. O opositor apresen-
ta atitudes desafiadoras, ou seja, além de reagir de
forma irritada e agressiva, também age desafiando,
jogando objetos e fazendo ameaças.

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Programa de abordagem
familiar

Sabe-se que esse transtorno acomete aproximadamente 6% das crianças,


principalmente em famílias nas quais já existe o perfil de ser mais teimoso, em que
existem pessoas com dificuldade de receber respostas negativas etc. Antes dos 8
anos, a frequência do TOD em crianças do sexo masculino é mais comum, mas a
partir dos 9-10 anos ambos os gêneros têm a mesma probabilidade de desenvolver
o transtorno.

Ao avaliar a possibilidade de um indivíduo ter TOD, é preciso que fique claro


que todo o transtorno de comportamento é diagnosticado a partir de uma ava-
liação clínica, vendo o comportamento do indivíduo, já que não existem exames
físicos que determinam isso. Logo, a avaliação deve ser multidisciplinar e os profis-
sionais devem estar altamente aptos para conhecer muito bem os sintomas.

O perfil clínico consiste em determinar a maneira como os indivíduos pen-


sam e se comportam no dia a dia e conhecer os tipos de prejuízos (sociais, na vida
afetiva, na escola, aprendizagem, trabalho etc.) que são observados a levando em
consideração suas atitudes. O grande problema do TOD é que como a criança se
torna muito difícil de lidar, os pais acabam cedendo muito e fazendo com que os
comportamentos se agravem ainda mais. Portanto, entender o conjunto das quei-
xas que pais e professores fazem do indivíduo é essencial para realização do diag-
nóstico o mais cedo possível, para poder ser tratado com mais chances de evitar
ou amenizar, ainda, prejuízos.

Além disso, as escalas de avaliação são importantes, porque elas fornecem


uma noção mais estruturada do que o profissional precisa observar e perguntar
para verificar os sintomas, fazendo, dessa forma, uma avaliação mais objetiva.

O profissional também deve estar apto para fazer a pesquisa de comorbida-


des, visto que é muito raro o TOD vir sozinho. Estatísticas mostram que 70-80% de
quem tem TOD possui também alguma outra condição associada, sendo as mais
comuns o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), transtorno
bipolar e Transtorno do Espectro do Autismo (TEA). Portanto, de nada adianta fa-
zer o tratamento para TOD sem tratar as demais comorbidades, já que elas são as
grandes geradoras de sintomas opositivos desafiadores.

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Programa de abordagem
familiar

TOD: como pensam?


Um dos pontos-chave para levantar a suspeita de TOD e para determinar o
diagnóstico é entender como esses indivíduos pensam e agem.

Geralmente são crianças ou jovens que acreditam poder sempre derrotar


uma figura de autoridade ou que pensam que eles estão no mesmo nível
daquela outra pessoa;

São indivíduos muito otimistas e acreditam que todas suas atitudes estão
corretas, devem ser feitas da forma como eles querem. Ao mesmo tempo,
na hora de assumir responsabilidades, têm a tendência de fugir;

Fracassam em aprender por meio da experiência alheia. Um indivíduo


opositor possui o hábito de acreditar que apenas o que ele pensa é o cer-
to, não aceitando ouvir opiniões de outras pessoas. Logo, quando alguém
sugere algo, o opositor ignora e não aceita outras ideias;

Mesmo que as pessoas ao seu redor façam tudo certo, mas não da forma
como ele gostaria, acabará considerando que foi uma atitude injusta.

Costumam ter atitudes retaliativas sempre que irritados;

Precisam se sentir resistentes e ter sempre razão, por mais que eles não
sejam tão resistentes assim. Alguns jovens opositores são frágeis por
dentro, depressivos, muito dependentes afetivamente e ainda assim acre-
ditam ser necessário manter o jeito “durão”;

Aguardam um tempo para que a autoridade esqueça o motivo do conflito


para deixar de fazer o que o outro indivíduo solicitou;

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Programa de abordagem
familiar

Acham que são iguais aos seus pais e que possuem a mesma autoridade;

Tentam sempre ter ideais contrários aos de seus pais/cuidadores, emitin-


do opiniões adversas somente para causar conflitos com os demais;

Silenciam-se em situações para passar a imagem de que concordaram,


mas na realidade não concordaram.

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Programa de abordagem
familiar

Significado das siglas:

CPF = córtex pré-frontal


LTS = lobo temporal superior
C = cerebelo
P = peculio
ACC = giro cingulado anterior
E = estriado
A = amígdala cerebral

Na imagem acima, o cérebro é apresentado em 3 posições diferentes. A pri-


meira imagem, à esquerda, mostra o cérebro com uma visão lateral esquerda; a
imagem à direita mostra a parte central do cérebro e a terceira imagem mostra a
parte lateral do cérebro com os lábios do sulco lateral afastados com objetivo de
expor o que é chamado de ínsula.
Essas regiões se interconectam. Em vermelho, são as chamadas regiões
quentes; em azul, as regiões frias. Essas áreas são responsáveis pela habilidade de
autorregulação emocional e autorregulação cognitiva. O desequilíbrio de conexões
entre áreas frias e áreas quentes leva o indivíduo a ter intolerância e incapacidade
de lidar com situações sociais desagradáveis, que estão intimamente ligados ao
Transtorno Opositivo-Desafiador. É importante destacar que a busca por esses de-
sequilíbrios se dá apenas para fins de pesquisa e não para fins de diagnóstico, já
que não existe exame para detectar TOD.

Birra infantil ou TOD?


Quando a criança é bem pequena, talvez possa surgir a questão de que ela
tenha comportamento de um indivíduo com TOD, principalmente quando ela crian-
ça tem o costume de fazer birras. A birra infantil é um comportamento comum de

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Programa de abordagem
familiar

crianças entre 8-9 meses até aos 4 anos, nessa idade, a criança pode não saber
lidar com uma frustração ou outra e acaba reagindo de forma inadequada, fazendo
birra. Nesse caso, se o adulto ignorar o comportamento, a criança vai parar de agir
assim. A tabela a seguir possui todas as descrições relacionadas com birra infantil
e TOD a fim de fazer uma comparação.

Birra TOD
8 meses a 4 anos
Idade/Duração Acima dos 4 anos
de vida

Autolimitado e re- Persiste ao longo


Fatores redutores duz com ação dos da infância e ado-
pais lescência

Pode haver atrasos e


Desenvolvimento problemas de com-
Ocorre dentro do
da criança portamento/socializa-
esperado
ção

Difícil, irritadiça,
Socialização com Não apresenta com problemas de
pares e cuidadores problemas relacionamento com
outras crianças

Problemas de sono
e de comportamen- Ausentes Comuns
tos

História familiar de
transtornos de com- Ausentes Comuns
portamento

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Programa de abordagem
familiar

A birra infantil não passa de 4 anos de idade; já o TOD é uma manifestação


de criança um pouco mais velha: de 4 anos para mais. A birra começa a parar de
acontecer com o passar do tempo, mas o TOD é uma manifestação que tende a
persistir ao longo do tempo e o fator redutor consiste em fazer tratamento direcio-
nado, com especialistas.

Em relação ao desenvolvimento, quando a criança é birrenta, não se notam


problemas de desenvolvimento, ao passo que é comum encontrar crianças com
TOD com algum atraso motor, com dificuldades de interação e socialização, proble-
mas de comunicação, hiperatividade etc. Essa mesma criança tende a criar confli-
tos por conta da sua dificuldade de socialização e também apresenta problemas
de sono e comportamento. Além disso, se uma criança estiver apenas fazendo bir-
ra, não é necessário procurar por seu histórico familiar, mas, se houver suspeita de
TOD, é comum que ela tenha familiares com algum tipo de transtorno, como TDAH,
transtorno bipolar, depressão etc.
Para se pensar em TOD, existem alguns fatos que devem ser levadas em con-
sideração, como:

São crianças/jovens normalmente muito reativos, ou seja, para resolver


pequenas discussões, tendem a agir de forma bruta e exagerada. Esses
indivíduos não se preocupam se a outra pessoa vai se magoar com a
forma como ele age;

O problema de autorregulação emocional é a regra nessas crianças,


pois elas não se autocontrolam por terem um comportamento altamente
explosivo;

O humor tende a mudar de uma hora para outra, mediante uma simples
e mínima frustração;

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Programa de abordagem
familiar

É muito comum, na história desses jovens, haver a presença de familia-


res com TDAH e normalmente as famílias são disfuncionais em que não
há uma harmonia de ações dos pais em relação aos filhos;

O TOD é uma condição que tende a persistir na fase adulta.


Tipos de prejuízos observados

Nível social: tende a perder amigos, por sempre causar conflitos.

Nível afetivo: os pais acabam achando que a criança/jovem não tem sentimento,
que não se importa com carinho, o que faz com que ele tenha baixa autoestima.

Nível acadêmico: apresenta baixo rendimento na escola, principalmente quando


há a associação desse transtorno com TDAH.

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Programa de abordagem
familiar

Os passos para o diagnóstico

1. Avaliação dos sinais clínicos em casa e na escola (relatos de pais e professores);


2. Escalas de avaliação para TOD;
3. Critérios do DSM-5.

Ao avaliar clínica e comportamentalmente o perfil do jovem com TOD, é pre-


ciso utilizar as escalas de avaliação para Transtorno Opositivo Desafiador. A van-
tagem de utilizar escalas é que elas fornecem uma base mais sólida e segura para
determinar o que deve ser perguntado e investigado sobre o caso, pois a escala é
capaz de fazer o direcionamento nesse sentido.
Geralmente, essas escalas não são para profissionais, mas para os pais, pro-
fessores e outras pessoas leigas no assunto, para que estas possam buscar infor-
mações e ter o mínimo conhecimento sobre determinado transtorno. É importante
destacar que escalas de avaliação não fazem diagnóstico, mas oferecem parâme-
tros mais objetivos e facilitados para dar início a uma investigação especializada,
partindo da suspeita. Após a aplicação da escala e ao perceber que o resultado
está muito próximo do positivo para TOD, deve ser feito o encaminhamento para um
especialista. O profissional poderá fazer toda a avaliação clínica já com a escala
em mãos, o que facilita o início da investigação a partir da suspeita.
As escalas disponíveis atualmente são cinco: DISC, ODDRS, BASC-2, CBCL,
DBDPSI.

DISC (Diagnostic Interview Schedule for Children): traduzido como Es-


cala de Entrevista Diagnóstica para Crianças. É baseada nos dados no
DSM-IV e tem formato de entrevista para pais dos pacientes (quando
eles têm de 6 a 17 anos) e para os próprios pacientes (dos 9 aos 17
anos). O DISC avalia a possibilidade de o indivíduo ter transtornos de
ansiedade, de humor, TDAH, transtornos de conduta e TUSP (Transtorno
por Uso de Substâncias Psicoativas). As perguntas de avaliação são fei-
tas com base nos últimos 12 meses. Essa escala busca fornecer bases

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Programa de abordagem
familiar

para pesquisas genéticas e de risco populacional, avaliar comorbida-


des, fazer triagem escolar a nível público e avaliação evolutiva. O tempo
de aplicação é desvantajoso, por ser um tempo muito longo – de 70 até
120 minutos. O DISC é dividido em 6 módulos (A, B, C, D, E, F), sendo
que o E é específico para avaliar o TOD. Portanto, essa escala é interes-
sante, principalmente para psicólogos e profissionais de saúde e educa-
ção que querem fazer uma triagem na escola e verificar se determinado
indivíduo apresenta tendência maior para determinado transtorno.

ODDRS (Oppositional Defiant Disorder Rating Scale): é traduzida como Escala


Diagnóstica de TOD, baseada no DSM-4. Pode ser aplicada com pais,
crianças, professores, avaliando os sintomas dos últimos 6 meses para
verificar a possibilidade de a criança ter TOD. O tempo de aplicação é
de 20 minutos, sendo de fácil aplicação. São analisados 8 sintomas de
TOD em 4 níveis de intensidade, sendo que, dependendo do nível de
intensidade e da frequência, é verificada maior ou menor possibilidade
de a criança ter TOD.

BASC-2 (Behavior Assessment System for Children - 2): é um Sistema


de Avaliação de Comportamento para Crianças, não sendo específico
para TOD. Serve para entrevistar pais e professores, podendo também
ser autoaplicado por adultos. Ele avalia crianças e adultos entre 2 e 25
anos, averiguando 16 áreas do comportamento e da personalidade. O
período de avaliação varia entre 6 e 12 meses. A triagem é feita levan-
do em conta vários comportamentos, com tempo de aplicação variável,
dependendo do estilo do entrevistador e do perfil de quem está sendo
avaliado. Dentre as 16 áreas do comportamento avaliadas pela BASC-2,
o TOD é uma delas.

CBCL (Child Behaviour Checklist): essa escala é muito famosa, dividida em


2 grandes eixos: sintomas internalizantes e externalizantes. É aplicável
para pais e professores e já foi validada na língua portuguesa. É ava-

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Programa de abordagem
familiar

liada com período de observação de 6 meses, fazendo uma triagem de


sintomas internalizantes com tempo de aplicação variável.

DBDPSI (Escala de Avaliação de Transtornos de Comportamentos Disruptivos


para Pais e Professores): é uma escala de entrevista com pais para investi-
gar transtornos de comportamento disruptivos baseada no DSM. Avalia
TDAH, TOD e Transtorno de Conduta, sendo que a avaliação é realizada
de acordo com o que aconteceu nos últimos 12 meses. Faz uma triagem
de TDAH, TOD e Transtorno de Conduta com tempo de aplicação variá-
vel. Possui 45 itens de sintomas dos três transtornos, sendo que 9 deles
são itens de TOD.

Assista à aula para saber


mais detalhes sobre os testes.

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Programa de abordagem
familiar

Critérios DSM-5 (2013)


O DSM é bem sucinto e descreve os critérios para diagnosticar um indivíduo
com algum transtorno. Esses critérios são divididos em três eixos: humor raivoso/
irritável, comportamento questionador/desafiante e índole vingativa. Para ser con-
siderado TOD, é necessário que pelo menos dois itens do primeiro eixo, três do se-
gundo e um do terceiro eixo sejam positivos. A seguir, temos mais detalhadamente
esses eixos:

• Humor raivoso/irritável

- Com frequência perde a calma: indivíduo muito reativo, explosivo em sua maneira
de falar e de agir;
- Com frequência é sensível ou facilmente incomodado: se incomoda com comen-
tários simples, supervalorizando situações;
- Com frequência é raivoso e ressentido: leva tudo para o lado pessoal, tendendo a
reagir com raiva em situações com as quais não concorda.

• Comportamento questionador/desafiante

- Frequentemente questiona figuras de autoridade. Tende a não aceitar facilmente


uma suposição, conselho ou comentário de outras pessoas;
- Frequentemente desafia, de forma acintosa, ou se recusa a obedecer a regras ou
a pedidos de figuras de autoridade;
- Frequentemente incomoda deliberadamente outras pessoas quando estão colo-
cando sua opinião ou conversando. Em situações em que estão tomando uma de-
cisão, o indivíduo opositor faz comentários opostos e humilhantes com objetivo de
mostrar que é melhor que os demais;
- Frequentemente culpa outros por seus erros ou por seu mau comportamento.

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Programa de abordagem
familiar

• Índole retaliativa

A criança apresenta comportamentos retaliativos acima do esperado para o pa-


drão da idade e nível de desenvolvimento, que deve levar a significativo prejuízo
social, afetivo, acadêmico e ocupacional.

Diferenças de comportamentos entre adolescentes com e sem TOD

Sabe-se que, naturalmente, os adolescentes são mais difíceis de lidar, pois


é uma fase de vida onde a maioria quer se impor, demonstrar conhecimentos pró-
prios de tudo. Mas, entre ser um adolescente e ter TOD, existem grandes diferen-
ças.

Adolescente Adolescente com TOD

• Tende a desafiar em um primeiro • Desafia sempre e persiste na “ig-


momento; norância”;

• Ideias destoantes só para contra-


• Tem ideias destoantes de quem riar;
está amadurecendo;
• São “do contra” e ignoram o argu-
mento dos outros;
• São “do contra” para marcar po-
sição; • Conflito, brigas, xingamentos, ex-
plosões, agressividade física,
quebra de objetos, ameaça sair
• Perfil para o conflito, mas recuam de casa;
quando se convencem do inverso;
• Discurso ou ações retaliativas de
• Pedem desculpas e demonstram forma escondida;
remorso.
• Tendem à transgressão.

Visto isso, o ideal é tratar o TOD antes que ele chegue à adolescência, pois,
nessa fase, a situação tende a ficar mais crítica.

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Programa de abordagem
familiar

Adulto com TOD


Estatisticamente falando, sabe-se que 48% a 84% dos adultos com TOD tive-
ram o transtorno na infância e na adolescência, com sintomas que perduraram por
3 a 4 anos.

Infelizmente, hoje, não existem critérios de diagnóstico do DSM-5, assim como


não existem escalas muito confiáveis para avaliação de TOD em adultos. Portanto,
muitas das informações que temos sobre o TOD em adultos parte do conhecimento
prévio do que se sabe dos critérios da infância e adolescência.

Os adultos com TOD tendem a sentir raiva e mau-humor, ser intolerantes


a opiniões alheias e parar pouco para refletir. Alguns costumam ter sintomas de
TDAH, o que leva a baixos rendimentos no trabalho, além de fazer com que reajam
mal a fracassos e reveses da vida. Portanto, o que se deve fazer é buscar tratamen-
to com medicações e psicoterapia comportamental, pois, assim, é possível adquirir
resultados positivos.

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Abordagem
terapêutica
Programa de abordagem
familiar

O tratamento do TOD é sempre multidisciplinar, deve envolver a família, a


escola e a medicação. E, além disso, os envolvidos devem saber que cada caso
requer uma estratégia diferente, mesmo que seja minimamente modificada, já que
os indivíduos são diferentes entre si, assim como a família, os cuidadores etc. Por
isso, é preciso verificar se o problema já está envolvendo a escola, averiguar o per-
fil dos pais a existência de presença de outros cuidadores. Cada agravante requer
uma estratégia nova para determinar e dar início ao tratamento, para que ele seja
bem-sucedido. Além disso, é importante destacar que, quanto mais tarde a pessoa
com TOD chegar ao consultório, mais complexo será o tratamento.

A família é essencial e deve sempre ser envolvida no tratamento, visto que os


sintomas do TOD, na maior parte dos casos, começam dentro de casa. A origem
dos sintomas sempre envolve, inicialmente, o indivíduo com o transtorno e o seu
responsável. Portanto, se a família não se envolver e o tratamento for realizado so-
mente na escola, o problema não será resolvido.

O TOD é o transtorno caracterizado por sintomas opositivos, ações desafia-


doras e um perfil retaliativo. O indivíduo com TOD tende a ter pavio curto, humor
desregulado e reatividade excessiva do ponto de vista emocional quando contra-
riado. O indivíduo passa por um processo em que não tolera situações nas quais
é condicionado por terceiros, especialmente por figuras de autoridade. É dentro
dessas condições que as estratégias do tratamento devem se basear.

Durante o tratamento, o objetivo é fazer com que o opositor aprenda a me-


lhorar o humor, ser menos reativo, ser mais tolerante e ajudá-lo a entender que nem
sempre ele tem razão e que cumprir as atividades que a figura de autoridade lhe
solicita pode, muitas vezes, ser recompensador. O tratamento não faz com que o in-
divíduo se cure totalmente dos sintomas, mas ajuda a reduzi-los ao longo do tempo,
fazendo com que eles não tragam mais prejuízos para a vida do indivíduo.

Existem, basicamente, 3 eixos de modalidades de tratamento do TOD: psi-

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Programa de abordagem
familiar

coterapias comportamentais, estratégias de como lidar com o indivíduo em casa e


na escola e uso de medicações específicas para melhorar a reatividade emocional
exagerada.

As psicoterapias indicadas são baseadas em terapias cognitivo-comporta-


mentais, aplicadas dentro do consultório do psicólogo , que envolvem diretamente
orientações para a aplicação da família no dia a dia. As psicoterapias são divididas
em 3: terapia de habilidades sociais, terapia de manejo parental e terapia familiar.
Mas, antes de iniciar o tratamento dessa forma, é preciso fazer uma avaliação rápi-
da do indivíduo, verificando como funciona sua estrutura familiar, analisando como
ela é organizada e como são os perfis dos cuidadores, já que a estrutura familiar
pode influenciar o tratamento. Além disso, é preciso saber quais são os eventos
desencadeantes ou facilitadores que fazem com que os sintomas que essa criança
apresenta venham a aparecer e se há um terceiro elemento além dos pais que está
prejudicando o tratamento, como outros familiares e demais cuidadores.
O psicoterapeuta, após observar a família e saber como ela funciona, precisa
aplicar os métodos para cumprir o objetivo básico, que é mediar e direcionar novas
formas de estratégia de interação entre o jovem com TOD e seus cuidadores, pelos
seguintes caminhos:

Reforçar autoridade dos pais por meios positivos e afetivos;

Fortalecer o vínculo afetivo, já o que o indivíduo com TOD precisa ter


uma relação agradável com seus pais e cuidadores, com tratamento
cordial, vivenciando bons momentos;

22
Programa de abordagem
familiar

Permitir que os pais e filhos se conheçam melhor: muitas vezes os res-


ponsáveis são autoritários com as crianças porque não as conhecem de
maneira correta. Algumas crianças são fáceis de serem conduzidas e
outras, nem tanto;
Substituir estilos de educação punitivos, permissivos e incoerentes.

Essas estratégias tendem a resultar em pais mais competentes e confiantes


para lidar com seu filho, fazendo-os acreditarem que são capazes e protagonistas
dentro de casa de forma positiva.

Terapia de manejo parental


Dentre os diferentes tipos de terapia existentes, a de manejo parental é mais
eficaz e serve para modificar e criar mecanismos de mediação para gerar novas
práticas de educação e de condução dos pais e cuidadores em relação ao indiví-
duo com TOD. Existem várias terapias de manejo parental, sendo mais comuns as
cinco que estão elencadas no quadro a seguir.

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Programa de abordagem
familiar

PARENT-
CHILD
PARENT POSITIVE
MANAGEMENT DEFIANT PARENTING THE
INTERACTION
TRAINING TEENS (DT) PROGRAM INCREDIBLE
THERAPY
(TRIPLE P) YEARS
(PCIT)

PAIS E FILHOS PAIS E FILHOS NA 1ª FASE, PAIS ISOLA- TREINOS EM


JUNTOS EM SEPARADO OS PAIS SOZI- DAMENTE E, PEQUENOS
PARTICIPAN- NHOS; EM ALGUNS GRUPOS DE
TES NA 2ª FASE, MOMENTOS, IDADE E PER-
PAIS E ADO- JUNTO AOS FIS SIMILARES
LESCENTES FILHOS

IDADE DA
2 – 7 ANOS 3 – 13 ANOS 13 – 18 ANOS VARIÁVEL VARIÁVEL
CRIANÇA

QUANTIDADE 14 A 17 10 A 12 4 A 12 12 A 20
10 SESSÕES
DE SESSÕES SESSÕES SESSÕES SESSÕES SESSÕES

PAIS RECE- SÃO TRA- PAIS E ADO- CAPACITAR MELHORAR


BEM ORIEN- BALHADAS LESCENTES OS PAIS PARA INTERAÇÃO
TAÇÃO EM HABILIDADES SÃO TREINA- GERENCIA- AFETIVA DE
TEMPO REAL DOS PAIS POR DOS PARA REM COM- PAIS/FILHOS
DE TERAPEU- MEDIAÇÃO DE INTERAGIREM PORTAMEN- POR MEIO
TA POR MEIO TERAPEUTAS E UTILIZAREM TOS INFANTIS DE ROTINAS,
DE FONE E INTERPRE- MEIOS DE RE- INADEQUA- REGRAS E
DESCRIÇÃO DE OUVIDO, TADAS PARA SOLUÇÃO DE DOS POR LIMITES E
NUMA INTE- QUE POSSAM PROBLEMAS, MEIO DE SES- ESTRATÉGIAS
RESUMIDA
RAÇÃO REAL IMPLEMENTAR HABILIDADES SÕES COM DE MANEJO
COM SEU EM CASA. DE COMU- PSICOLÓGOS, DE COMPOR-
FILHO. NICAÇÃO E OS QUAIS TAMENTOS
CORREÇÃO VARIAM DE INADEQUA-
DE ERROS ACORDO COM DOS E AUTOR-
PARA A HAR- A GRAVIDADE REGULAÇÃO
MONIZAÇÃO. E NECESSIDA- EMOCIONAL.
DE.

Existem diferenças entre os tipos de terapias, sendo que algumas são di-
recionadas para crianças com menos idade e outras, para as com mais idade;
algumas necessitam de mais sessões que outras, com tratamentos de pais e filhos
juntos, enquanto outras necessitam de menos tempo durante a sessão, abordando
pais e filhos separadamente. A grande vantagem da terapia de manejo parental é o
índice de sucesso, que chega a 70%.

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Programa de abordagem
familiar

Terapia de habilidade social


São criadas práticas que orientam o jovem a buscar amizades positivas e
práticas construtivas. Por isso, a terapia de habilidade social tem por objetivo orien-
tá-lo a procurar pessoas que tenham perfil de uma pessoa boa.

Nelas, são trabalhadas, também, práticas e formas de ação que orientam


esses jovens para que eles tomem atitudes que trazem apenas benefícios. São
criadas estratégias de cognição social, meios e formas de resolução construtiva
de problemas, e o indivíduo é estimulado a ser assertivo, ou seja, faz com que o
indivíduo, ao falar e argumentar dentro de um momento conflituoso, use palavras
adequadas e tom de voz coerente com a situação, sem irritar e humilhar outras
pessoas.

As terapias de habilidade social também evitam que o indivíduo acabe evo-


luindo para quadros depressivos e de isolamento e que mantenha a qualidade de
vida, convivendo melhor com outras pessoas. Existem duas terapias estruturadas e
que já possuem evidência científica de eficácia, que são: THAV e PLAY. Visto isso,
percebe-se que, além de fazer o manejo parental, muitas vezes, é preciso tomar
caminhos que ajudem o indivíduo opositor a melhorar suas habilidades sociais.

Terapia familiar
A ideia central desta terapia é que se existe problema de comportamento al-
terando a dinâmica familiar, é preciso trabalhá-la para inibir o problema de compor-
tamento. Muitas vezes, uma família disfuncional precisa da alteração de dinâmica
e, para isso, é necessário que alguns meios, como os programas de enfrentamento,
sejam aplicados.
Alguns pais costumam ter o costume de discutir com o filho quando ele está
irritado, porém, isso é errado, pois é preciso dar o que é chamado de “time out”

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Programa de abordagem
familiar

(dar um tempo): deixar aquele momento passar e só depois ter uma conversa. É
muito importante a família harmonizar regras e rotinas e definir meios construtivos
para resolução de problemas, com discussões que podem levar a um avanço em
determinada situação, e não discussões que levam a brigas sem fundamento.
Sabendo os diferentes tipos de terapia que podem ser aplicadas, destaca-se
a importância de que as mesmas estratégias sejam utilizadas tanto na escola quan-
to em casa. Portanto, os profissionais da escola também precisam mudar seu jeito
de agir e de mediar ações com aluno TOD. Sendo assim, como conversar e abordar
crianças com TOD? As dicas a seguir são dadas por Lobo et al. (2011):

1. Uma boa explicação fornece para a criança uma chance de aprender


sobre as consequências de seu comportamentopara si e para outras
pessoas e a faz entender o motivo por que ela deve modificá-lo.

2. PExplique claramente sobre os tipos de consequências de suas ati-


tudes.

3. Permita uma breve reflexão, uma clara avaliação de como substituir


uma atitude opositora por outra mais adequada e que cause menos pro-
blemas.

4. Apresente pensamentos diferentes, que permitam que a criança bus-


que situações menos estressantes.

5. Use tom de voz decidido e sério para lidar com a criança, mas não
seja agressivo nem a humilhe.

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Programa de abordagem
familiar

6. Evite dar ordens em forma de perguntas ou usando palavras vagas,


pois isso permitirá que a criança ignore. Olhe a criança no olho e geren-
cie a situação.

7. Não peça coisas ou dê ordens com muita antecedência, pois a crian-


ça pode esquecer ou não valorizar a urgência do pedido.

8. Não explique muito: seja objetivo e direto.

9. Não recue nem mude suas ordens no meio do caminho: a pior coisa
que pode acontecer na relação com o opositor são divergências ou in-
decisões.

10. Dê o exemplo: se você é desorganizado, como poderá exigir que seu


filho não o seja?

Além de tudo, na escola, existem passos significativos (TEIXEIRA, 2008; PO-


LANCZIK, 2015) que devem sempre ser seguidos em direção ao tratamento do
TOD:

1. Os professores precisam ser treinados, assim como toda equipe es-


colar, para saberem como lidar com esses jovens.

2. Todo o grupo inserido no contexto escolar precisa treinar suas habi-


lidades sociais.

3. É necessário que exista prevenção e técnicas de manejo do bullying.


Atualmente, existem vários protocolos em relação a isso, afinal, o indiví-
duo com TOD pode tanto praticar quanto sofrer bullying.

27
Programa de abordagem
familiar

4. A escola precisa estar preparada para designar espaço e tempo pes-


soal para promover reforço escolar. Grande parte dos opositores preci-
sam de reforço, pois eles acabam, muitas vezes, tendo baixo rendimento
acadêmico.

5. Em alguns casos raros mais graves, pode-se acionar o apoio de aten-


dente terapêutico (AT) na escola.

Apoio medicamentoso
O uso de medicações em indivíduos com TOD é feito para controle do com-
portamento explosivo diante de situações que normalmente ele não tolera. A me-
dicação faz com que o ambiente cerebral seja melhorado e o nível de tolerância
aumente. Existem 3 tipos básicos de medicação: estabilizadores de humor, antipsi-
cóticos e antiepilépticos.

A medicação deve ser incluída no tratamento quando o quadro é extrema-


mente complexo, ou seja, quando a criança tende a quebrar objetos, machucar
pessoas e causar graves prejuízos para as pessoas a sua volta e para si. Nesses
casos, o remédio garante que o opositor não tenha atitudes tão exageradas.

70% das crianças com TOD possuem alguma outra comorbidade associada,
sendo mais comum o TDAH (50% dos casos). Portanto, é necessário tratar tanto o
TOD quanto as outras comorbidades. No caso da escola, é preciso que esteja apto
dar conceder adaptações, reforço escolar e motivação para realização das ativida-
des. Além do TDAH, existem outras comorbidades mais comuns, como: transtorno
bipolar, autismo, deficiência intelectual, distúrbios do sono, transtornos depressivos
e transtornos de ansiedade. De toda maneira, em cada um desses casos deve ser
feito o uso de diferentes medicamentos, terapias específicas e ajustes ambientais
de acordo com o diagnóstico.

28
Programa de abordagem
familiar

Portanto, quais são os objetivos do


tratamento?
- Reduzir os sintomas de TOD;

- Melhorar habilidades sociais para lidar com


contradições e conflitos;

- “Aprender a aprender” com autoridades do


cotidiano;

- Melhorar vínculo afetivo.

Sendo assim, a abordagem terapêutica serve para que a criança/jovem seja


um adulto com mais chances de sucesso na vida, no âmbito social, afetivo, finan-
ceiro, acadêmico etc., já que, com tratamento adequado, ele poderá adquirir o au-
tocontrole da sua dificuldade de lidar com frustrações.

29
Abordagem
escolar
Programa de abordagem
familiar

Primeiramente, é muito importante entender o que determina o comporta-


mento. As evidências sistemáticas e replicáveis indicam que o comportamento dos
pais/cuidadores resulta no desenvolvimento positivo ou negativo dos seus filhos.
Quando se fala em cuidadores, há também que considerar as pessoas que estão
inseridas no contexto escolar, já que, atualmente, as crianças, muitas vezes, perma-
necem mais tempo do seu dia na escola do que em casa, principalmente na primei-
ra infância. Portanto, sabe-se que a família tem um papel muito importante, mas a
escola também é essencial no processo de desenvolvimento da criança.
A escola precisa ser um espaço de discussão e de desenvolvimento das ha-
bilidades e depende de fatores como:
Formalização: a escola é um ambiente formal, onde existe uma série de
leis e de documentação legal. Essa formalidade é necessária pelo grande
número de pessoas que são atendidas na escola, de forma a manter um
ambiente organizado.

Estruturação: o sistema estruturado é aquele que procura trabalhar de uma


forma em que as questões estejam organizadas de modo que seja possível
realizar o trabalho com várias pessoas. Assim, todas as áreas que depen-
dem de outras conseguem funcionar de maneira adequada.

Sequência: a aprendizagem escolar é sequencial, ou seja, uma coisa de-


pende da outra. Por isso, o processo de aprendizagem deve começar a
partir de questões mais simples e partir para as mais complexas.

Absorção constante de conteúdos: na aprendizagem escolar, todos os


dias, a criança aprende novos conteúdos.

31
Programa de abordagem
familiar

Comportamento: é nesse quesito que a criança com TOD tem mais dificul-
dade, pois os aspectos comportamentais influenciam no rendimento esco-
lar. Esse aspecto também está relacionado a: trabalhar em grupo, conversar
com os colegas e professores etc.

Prontidão: todos os níveis de aprendizado possuem uma época ou idade


ideal para aprendizado da criança.

Motivação: é preciso de motivação para aprender e auxiliar na autorregu-


lação do comportamento.

Pré-requisitos: uma criança com 6-7 anos já deve ser capaz de ir ao banhei-
ro sozinha, por exemplo. É preciso observar se ela tem o desenvolvimento
de acordo com sua idade. A aprendizagem escolar depende de pré-requisi-
tos e, por isso, precisamos estar atentos às lacunas que a criança possa ter.

A aprendizagem escolar exige um nível alto de habilidades cognitivas traba-


lhando juntas. Então, na Educação Infantil, a criança está em um processo de matu-
ração e a forma como sua aprendizagem se deu vai resultar no comportamento, em
como vai ser o nível de leitura e escrita. Para um bom desenvolvimento, a criança
precisa ter foco para aprender, além de boa memória. É necessário que exista um
espaço e um momento específico para a aprendizagem, com conteúdos específi-
cos a serem desenvolvidos. Quando se inicia um processo de escolarização formal,
se a criança apresenta problemas de atenção e de aprendizado, é na sala de aula
que surgem os maiores problemas.

Autorregulação
Sabe-se que existe uma correlação muito grande entre TDAH e TOD, por isso,
é importante entender essa questão da autorregulação, afinal, é a partir daí que os
paradigmas que existem dentro da escola são quebrados.

32
Programa de abordagem
familiar

A autorregulação é uma habilidade de monitorar e modular a emoção, a cog-


nição e o comportamento, para atingir um objetivo e/ou adaptar as demandas cog-
nitivas e sociais para situações específicas. Portanto, a emoção se refere aos sen-
timentos; cognição é a forma como as emoções são processadas e as ações que
serão tomadas diante disso são pensadas. Assim, a autorregulação diz respeito à
capacidade que a criança tem de controlar suas atitudes e comportamentos.

Na escola, o mecanismo de autorregulação é necessário a todo momento,


principalmente quando se fala em TOD, TDAH, TEA e dislexia. No caso do TOD, se a
criança tiver a autorregulação bem trabalhada, ela ainda se comportará de manei-
ra explosiva, mas, depois, entenderá que aquele comportamento foi inadequado. O
desenvolvimento da autorregulação começa com a estimulação do meio.

A teoria do apego diz respeito à necessidade inata que a criança tem de ser
cuidada, logo, a afetividade é tão importante quanto comer e dormir. O apego afeti-
vo é extremamente importante nos primeiros meses de vida da criança. Essa teoria
mostra , ainda, que, quando uma criança chora e logo depois recebe afago, ela co-
meça a trabalhar a questão dos neurotransmissores, pois percebe que há alguém
para cuidar dela. Quando isso acontece, o cérebro desenvolve mais segurança, o
que é importante para o cérebro.

O desenvolvimento da capacidade de autorregulação é determinante, pois,


dessa forma, é estimulada a antecipação, ou seja, a capacidade da criança de en-
tender que, para cada ação, existirá uma reação. Portanto, quanto mais a criança ti-
ver a capacidade de antecipar as coisas, ela também terá a capacidade de diminuir
a ansiedade, inquietação e insegurança, conseguindo estabilizar mais facilmente
o humor. Por isso, desde quando a criança é um bebê, os pais precisam promover
uma regularidade de ações, assim como os pais também precisam deixar isso mui-
to claro.
No desenvolvimento do processo de autorregulação, existe uma convergên-
cia e integração de processos regulatórios dos seguintes tipos:

33
Programa de abordagem
familiar

1. Regulação cognitiva
2. Regulação emocional
3. Regulação comportamental

Esses 3 precisam ser entendidos para promover a adaptação dentro do con-


texto escolar.

Regulação cognitiva
Pode também ser denominada de “controle cognitivo” e consiste na habilida-
de de reter mentalmente e manipular informação (memória de trabalho) e a habili-
dade de resistir à tentação de fazer algo (controle inibitório). O funcionamento exe-
cutivo inclui o uso de reflexão, competência e independência em completar tarefas
e resolver problemas. Logo, a regulação cognitiva faz com que a pessoa seja capaz
deparar, prestar atenção, entender as coisas e refletir como determinado problema
será resolvido, ter a capacidade de se colocar no lugar do outro etc.
A regulação cognitiva envolve, portanto, relevantes mecanismos neurocogni-
tivos, como: atenção, inibição, compartilhamento de tarefas e memória de trabalho.
Quando uma pessoa está fazendo uma leitura, por exemplo, ela lê ao mesmo tempo
que as informações são processadas pelo cérebro - esse processo é chamado de
memória de trabalho – a informação não fica na memória de curto e longo prazo,
mas fica armazenada para ser usada enquanto a leitura está sendo feita.
Sendo assim, a regulação cognitiva consiste em organizar as informações e
pensar em tudo isso de forma racional. Em indivíduos com TOD, isso não aconte-
ce. Afinal, por mais que alguém explique uma determinada situação, a criança não
entende o que está acontecendo ao seu redor, pois está focado naquilo que lhe
interessa. Da mesma forma, a criança com TOD apresenta dificuldades na escola
pois esse ambiente exige regulação cognitiva.
Pesquisas mostram que crianças com níveis mais baixos de autorregulação
têm pais com menos níveis de parentalidade positiva, e podem apresentar mais
problemas de comportamento externalizantes. Por outro lado, quando há parenta-

34
Programa de abordagem
familiar

lidade positiva a tendência é que o nível dos problemas de comportamento exter-


nalizante diminuam e a autorregulação se equilibre.
Os comportamentos externalizantes consistem em xingar, gritar, bater etc., o
que ocorre com crianças que têm TOD. Portanto, não adianta falar de forma agres-
siva com a ela, pois isso fará com que as coisas piorem.

Regulação emocional
Envolve as habilidades e estratégias para manejar, modular e inibir a questão
emocional para dar suporte às questões sociais. Então, a criança pode se sentir
triste e brava, mas deve se autorregular para não reagir a isso com mau compor-
tamento. A regulação emocional consiste em tratar essas questões, para que a
criança seja capaz de se relacionar com outras pessoas de forma adequada.
Pesquisas mostram que, já no primeiro ano de idade, é possível perceber a
regulação da emoção. Com 6 meses, a criança já apresenta alegria, tristeza, raiva,
surpresa etc. O marco da autorregulação na fase pré-escolar envolve o controle do
egocentrismo, que ocorre quando a criança acredita que todas as coisas aconte-
cem em torno dela.
As crianças tendem a apresentar dificuldade de sentir empatia pelos ou-
tros, por isso, é necessário exercitar essa prática em situações vividas pela própria
criança. Por exemplo: pedir que divida brinquedos com colegas, ler histórias res-
saltando momentos de tristezas que as personagens apresentam etc.

Regulação comportamental
Caracteriza-se pelas habilidades de controlar e manejar seu próprio compor-
tamento, que é obedecer à demanda e à direção de adultos, controlar respostas
impulsivas, engajar-se em atividades específicas. No dia a dia, observa-se a regu-
lação comportamental em uma criança que precisa se sentar para ouvir histórias
de livros ou andar sem correr. Uma das maiores dificuldades para as crianças
com TOD é quando os adultos dizem alguma coisa e elas não são capazes de se

35
Programa de abordagem
familiar

antecipar, querendo fazer do jeito delas e na hora que quiserem. Elas têm muita
dificuldade em gerenciar o comportamento, as emoções, em prestar atenção e se
lembrar das coisas. A criança com TOD também tende a ter dificuldade em cumprir
demandas, ter empatia e ser resiliente.
Sendo assim, é importante destacar que todas as esferas estão juntas e aca-
bam se influenciando. Portanto, é impossível separar o cognitivo do emocional e do
comportamental, já que estamos tratando de um sujeito social.
A primeira coisa para melhorar as estratégias de abordagem comportamen-
tal é fazer com que o professor entenda que o comportamento surge a partir de
uma questão social e verificar o motivo pelo qual a criança age daquela forma, sa-
bendo que uma criança com TOD apresenta muitas alterações nesse eixo, já que
não consegue parar para pensar nas suas atitudes.
O gerenciamento de comportamento está relacionado às questões preventi-
vas, bem importantes na escola, ou às intervenções corretivas (depois que acon-
tece a ação). Na escola, o ideal é começar com o trabalho de prevenção, criando
ambientes que não sejam propícios para maus comportamentos.
As crianças com TOD têm muita dificuldade para corrigir erros e, para elas,
é um grande desafio conviver com eles. Uma estratégia preventiva, nesse caso, se-
ria a promoção de atividades em que ela tenha mais acertos do que erros, já que
acertar a deixará mais motivada para aprender. Portanto, sempre que possível, o
professor deve dar preferência à qualidade e não à quantidade de exercícios reali-
zados, de modo a evitar que o aluno erre e tenha que apagar/repetir atividades. Já
as ações corretivas estão relacionadas a comportamentos inadequados.
As pesquisas realizadas nos últimos 40 anos demonstram que os professo-
res que administram suas salas de aula efetivamente realizam mais intervenções
do que seus colegas. É importante, portanto, entender o que levou o aluno a ter
tido comportamentos explosivos, de modo a prevenir que isso se repita. Assim, os
professores pode intervir antes de surgirem maiores problemas.
O gerenciamento de comportamento pode ser considerado como um siste-
ma de engrenagens, com intervenções preventivas e corretivas. Em primeiro lugar,
devem ser realizadas as preventivas, de forma a estimular comportamentos positi-
vos, e, posteriormente, são realizadas intervenções corretivas , se algum compor-

36
Programa de abordagem
familiar

tamento inadequado existir. Esses dois tipos de gerenciamento precisam andar


juntos e na direção certa, sempre objetivando fazer com que a criança tenha um
comportamento mais adequado frente às situações.

Intervenções preventivas
Ao administrar um comportamento, os professores devem se concentrar prin-
cipalmente na questão da prevenção. Knoster (2008) discute a regra 80/20 para
ilustrar o fato de que 80% das intervenções dos professores devem ser preventivas,
enquanto 20% devem ser corretivas. Para fazer uma abordagem preventiva, os pro-
fessores devem:

1. Construir um relacionamento positivo com seus alunos: um bom relaciona-


mento consiste em estabelecer um vínculo com todos os alunos, conversar com to-
dos, ouvi-los. Por exemplo, o professor pode reservar os primeiros 5 ou 10 minutos
no início da aula para interagir e ter uma boa conversa.

2. Criar um ambiente seguro, ordenado, previsível e positivo: tanto com as
crianças com TDAH como com aquelas com TOD, os professores devem ter ex-
pectativas claras. Então, a partir do bom relacionamento, tendo uma comunicação
com os alunos de forma adequada, é possível criar padrões comportamentais para
a sala de aula e garantir o desenvolvimento de comportamentos apropriados dos
alunos.
Porém, é importante que o professor tenha em mente que, em vez de criar
uma lista com o que a criança não pode fazer, o mais adequado é dar conselhos
positivos, ou seja, com aquilo que pode ser feito. Por exemplo: trocar o “não bata
no colega” por “seja respeitoso com o colega”. Outro ponto importante é que essa
lista seja breve e tenha título agradável. Portanto, em vez de “regras de convivên-
cia, ela poderia chamar “metas de convivência”. Os comportamentos desejados
não são apenas nomeados, eles também são explicitamente ensinados por meio
de modelagem e práticas guiadas. Assim, é preciso que o professor norteie as ati-

37
Programa de abordagem
familiar

tudes para a criança com suas próprias atitudes, informando-a quando algo errado
for feito e reforçando sempre as atitudes positivas. Quanto mais o comportamento
positivo for reforçado na sala de aula, mais facilmente os alunos entenderão o que
se espera deles.

3. Treinar e supervisionar seus alunos de forma contínua: os comportamen-


tos dos alunos devem ser treinados de forma a evitar problemas de conduta na
sala de aula e na escola. É essencial mostrar o que é um bom comportamento, prin-
cipalmente para uma criança com TOD. Além do mais, é importante trabalhar de
forma antecipada, já que várias estratégias permitem que o professor crie aborda-
gens eficazes com os alunos, revisando periodicamente as regras e expectativas,
supervisionando constantemente os alunos, movimentando-se pela sala e lidando
rapidamente com problemas antes que se agravem.

4. Organizar sua sala de aula: o primeiro aspecto para manter um comporta-


mento adequado é manter organizada a sala de aula. Por isso, é importante dispor
sempre de atividades diferentes e prazerosas para a criança. Evertson et al. (2006)
propõem várias estratégias para garantir que a sala de aula esteja organizada de
forma otimizada: atribuindo assentos logo no início do ano, organizando os móveis
para que todos os alunos possam ver o professor facilmente, distribuindo e cole-
tando materiais didáticos de forma ordenada e mostrando que essa será a rotina
durante o ano. Segundo os pesquisadores, uma sala de aula organizada fornece
estrutura para todos os alunos, especialmente aqueles com dificuldades de apren-
dizagem ou com poucas habilidades organizacionais.

5. Usar estratégias de ensino eficazes: o objetivo do professor não deve se


deter em apenas criar uma sala de aula organizada e pacífica, mas também em fa-
zer com que esse seja um ambiente no qual todos possam aprender cada vez mais.
Principalmente para crianças com TOD, é preciso que estratégias sejam definidas,
de modo que ele consiga se engajar na tarefa e sinta vontade de fazer isso, reali-
zando-a de uma forma motivadora. Com alunos que têm dificuldade de aprendiza-
gem e no manejo de comportamento, é preciso priorizar o ensino explícito, falando
com a criança de forma objetiva e evitando, dessa forma, que ela fique frustrada
caso não consiga responder/fazer algo.

38
Programa de abordagem
familiar

Aliás, é possível e recomendável que não sejam solicitadas atividades que o


aluno com TOD notoriamente não gosta de fazer, como recortar. Nesse caso, uma
opção é solicitar que a criança cole, em vez de recortar, caso o objetivo seja avaliar
não a coordenação motora da criança, mas a sua capacidade de ordenação. É va-
lioso que o professor ou educador diga palavras de incentivo como “tente o melhor
que você conseguir”. Diante disso, é importante ter cuidado com as demandas,
visto que a criança pode ficar desmotivada e executar as atividades de qualquer
jeito.
Ao planejar estratégias para ensinar uma criança com TOD, é preciso levar
em conta que são necessários três componentes: modelagem da habilidade, práti-
ca guiada com a habilidade e, em seguida, oportunidade para o uso independente
da habilidade. Ou seja, esse processo consiste em incluir práticas como pegar
a mão da criança, escrever junto com ela, auxiliá-la em atividades etc. Portanto,
primeiro a criança deve receber todo tipo de orientação, para se tornar capaz de,
posteriormente, fazer sozinha.
O ensino recíproco envolve ensinar aos alunos uma habilidade ou conteúdo
e, depois, fazer com que eles ensinem outros colegas. Isso pode incluir a criação
de grupo de aprendizado, fornecer lições baseadas em habilidades, incluir instru-
ções de leitura com foco em fazer previsões, resumir ou identificar ideias-chave.
Em suma, é importante também que as atividades sejam objetivas, pois o
aluno precisa entender exatamente o que o professor está pedindo. Além disso,
depois da realização da atividade, devem haver recompensa, elogios, reforçando
as atitudes positivas.

Fazendo da sala de aula um ambiente


positivo, encorajador e solidário:
- Após a realização das atividades, é importante que o professor forneça feedba-
ck aos alunos e que eles sejam sempre mais positivos do que negativos, servindo
como uma forma de incentivo para a criança continuar.

39
Programa de abordagem
familiar

- É interessante também fornecer dicas visuais a partir da utilização de cartazes,


por exemplo, para lembrar os alunos das regras que devem ser cumpridas, com
figuras de crianças conversando ou lembretes com frases sempre positivas, como
“por favor, caminhe” em vez de “não corra”.

- Antes de iniciar a aula, o professor deve se lembrar de sempre ressaltar as regras


de convivência e de realização das atividades, não somente com falas, mas com a
utilização de brincadeiras ou jogos que sejam divertidos e tenham um engajamento
positivo.

- Os feedbacks devem sempre ser direcionados e específicos por ações. Um exem-


plo é substituir a frase “bom trabalho” por “obrigada por caminhar tranquilamente
até a porta”.

- Alunos com TDAH e TOD podem precisar rever rotinas com frequência e receber
instruções ilustradas do que faz parte do seu cotidiano ou, no caso de alunos mais
velhos, listas de checagem de ações. Por isso, é necessário que sejam criadas ro-
tinas para o desenvolvimento de tarefas em sala de aula, para pedir ajuda, solicitar
material etc.

Estratégias de gestão de comportamento


orientadas para a consequência
Depois que a criança fizer algo errado, existem muitos recursos que podem
ser utilizados e que fornecem descrições claras de técnicas de gerenciamento
comportamental orientadas para consequência.
Essas técnicas são destinadas a aumentar o bom resultado acadêmico do
aluno e prevenir ou reduzir comportamentos inadequados. Os professores devem
saber que o tempo e a frequência do feedback são importantes, pois crianças com
TOD geralmente precisam desse reforço de forma imediata e com muito mais fre-
quência.

40
Programa de abordagem
familiar

Contrato comportamental

Nesse tipo de contrato, são delineados comportamentos específicos ou obje-


tivos. O contrato deve estar dentro de um nível de instrução em que a criança seja
capaz de entender, com linguagem objetiva e clara.
É importante que sejam destacados comportamentos que podem ou não ser
realizados. Por exemplo: “nessa tarefa, você ajudará seu amigo”; “toda vez que eu
te passar uma tarefa, você vai fazê-la e, ao terminar, ajudará seu amigo”.
As etapas para a criação de um contrato comportamental são:

1. O professor e o aluno identificam o(s) comportamento(s)-alvo no contrato.


2. O programa começa com foco em um número limitado de comportamentos-alvo,
os quais devem ser específicos, observáveis e afirmados positivamente.
3. O objetivo de cada dia é fazer com que o aluno atinja um critério específico em
relação ao alvo. O critério inicialmente definido deve ser atingido pelo aluno. Por
exemplo: no início do uso de um contrato comportamental para matemática, o alu-
no pode selecionar uma recompensa de atividade ao completar 50% dos proble-
mas atribuídos.
4. O reforço deve ser dado no final da aula ou no final do dia.
5. O critério a ser atendido deve ser aumentado de forma constante.

É importante que as metas sejam realistas e passíveis de serem cumpridas.


Os reforços podem ser variados e devem ser fornecidos de acordo com as prefe-
rências da criança.

41
Programa de abordagem
familiar

Abordagem emocional

Crianças que têm dificuldades de gerenciar suas emoções podem demons-


trar isso de maneiras diferentes. Algumas podem ser incapazes de frear seus sen-
timentos quando estão zangadas ou estressadas com algo. As crianças com TOD
apresentam nível de frustração rápido, preocupam-se durante muito tempo com
a mesma coisa, têm dificuldades para se acalmar quando estão irritadas ou com
raiva, sentem-se extremamente feridas quando ouvem mínimas críticas e sentem
muita urgência em receber algo que querem.
Crianças com TDAH e TOD geralmente têm dificuldades com a memória de
trabalho, pois elas tendem a ficar limitadas a um sentimento de raiva no momento,
não conseguindo ouvir o que o adulto fala e, quando ouvem, acabam esquecendo.
Portanto, indivíduos com TOD apresentam mais possibilidade de sentir raiva. Ten-
dem a ter medo de começar tarefas e relutar a iniciar projetos e de desistir rápido
de atividades. Muitas vezes, evitam ficar interagindo com outras pessoas, podem
ser agressivos, apresentar impulsividade ao expressar sentimentos. Além disso,
são extremamente sensíveis frente a reprovações e frustrações, tudo por conta da
dificuldade de autorregulação.

Dicas práticas para abordagem emocional

O principal é não brigar e não discutir. Usar frases como “eu posso ver o
quanto você está triste por ter ficado em segundo lugar, eu entendo isso, mas você
ainda tem boas razões para se orgulhar do que fez” em vez de dizer como ele deve-
ria se sentir. Após a criança se acalmar, é importante mostrar a ela o que aconteceu
e ajudá-la a descobrir uma maneira melhor de lidar com essa emoção.

42
Programa de abordagem
familiar

Abordagem cognitiva

O Gerenciamento de Sala de Aula sem Erro (ECM) é um tipo específico de


abordagem proativa que se baseia na aprendizagem sem erro, envolvendo o au-
mento gradual das demandas dos alunos, ao mesmo tempo que diminui o apoio.
Os comportamentos difíceis são funcionais, as abordagens sem erro incluem
o ensino de comportamento pró-social, diminuindo esses comportamentos. Então,
para melhorar o ensino para alunos com TOD, é preciso trabalhar o ECM, trabalhan-
do questões sobre a amizade com o aluno, criação de vínculo, gestão antecipada,
criação de contratos etc.

Instrução explícita:
uma estratégia de ensino em leitura, escrita e matemática
para alunos com dificuldade de aprendizagem

A instrução explícita envolve o uso de etapas altamente estruturadas. Portan-


to, o educador, intencionalmente, ensina o aluno, utilizando uma série de ações que
são divididas em três etapas principais: preparação para a aula, interação com os
alunos ao longo dela e consolidação da lição ensinada.
Tudo começa com a modelagem, ou seja, mostrando para os alunos o que
está sendo feito e como deve ser feito. O professor explica o quê, porquê, como,
quando e onde eles estão fazendo. É importante que todas essas questões sejam
explicadas de forma lúdica, deixando a informação completa e palpável, explican-
do, por exemplo, que o aluno deve fazer uma conta de soma, porque esse tipo de
conta pode ser utilizado para preparar a receita de um bolo , para o qual cada in-
grediente tem uma medida certa.

43
Programa de abordagem
familiar

Além disso, outra prática importante é aplicar sempre atividades de forma


gradual, variando da mais simples até a mais difícil, para que a criança seja capaz
de aprender. O professor pode usar exemplos do que fazer e do que não fazer, para
destacar ainda mais diretamente as habilidades que estão sendo ensinadas aos
alunos, facilitando a compreensão dos objetivos de aprendizagem e, assim, melho-
rando a qualidade da modelagem.
Após a modelagem da instrução explícita, o próximo passo é a prática guia-
da. Para isso, o professor deve dar suporte, ajudando os alunos e fazendo as ati-
vidades junto com eles, até que eles sejam capazes de fazer sozinhos e tenham
sucesso ao realizá-las.
Finalmente, a prática independente consiste em permitir que os alunos se
coloquem em novas situações de aprendizagem, nas quais é possível aplicar o que
entenderam por si só. Essa etapa também ajuda a identificar os alunos que preci-
sam de algum suporte adicional antes de seguir em frente. Portanto, se a criança
chegou a essa etapa e ainda está tendo mais erros do que acertos, é sinal de que
é necessário voltar e exercitar a etapa anterior.

Método PPP de Inclusão

Esse é o método que aborda sobre como o processo de inclusão depende de


muitos fatores. Ao trabalhar com crianças com TOD, não existe um método objetivo
de inclusão, dado que essas crianças não precisam de um tutor, por exemplo. En-
tretanto, se o TOD estiver associado a TDAH ou outras comorbidades, existe uma
necessidade maior de formar estratégias de inclusão.
O método PPP envolve os Pais, Profissionais e Professores dessa criança,
trabalhando em conjunto para auxiliar esse aluno em seu desenvolvimento.

44
Programa de abordagem
familiar

Pais: são o pilar fundamental no processo de inclusão. São eles que irão
fazer a ponte de ligação do profissional e da escola. Além disso, deve-se levar em
consideração que eles também podem apresentar algum transtorno.
Profissionais: os profissionais devem fornecer relatórios (diagnósticos, in-
tervenções, comorbidades, medicações, calendário de consultas) e manter comu-
nicação regular com a escola. Além disso, devem dar orientação e respaldo legal,
colaborando com o tratamento.
Professores: devem ser capacitados junto com toda a comunidade escolar,
ter acesso a todos os dados do aluno, conhecer o transtorno, ter respaldo da famí-
lia e dos profissionais, deter um plano definido da aula, fazer adaptações curricu-
lares e manter registro constante de aspectos legais e pedagógicos.

Portanto, as funções executivas devem ser feitas com bom nível de moti-
vação. Se esse nível estiver muito baixo, o esforço e o nível de vigilância cairão e
resultarãoem baixo rendimento. Diante disso, é necessário trabalhar a motivação,
mostrando o interesse e o valor que as coisas têm, apresentando no começo da
aula o porquê do assunto e priorizar um processo de aprendizagem mais dinâmi-
co. Além disso, é importante enfatizar que uma criança com TOD nunca deve ser
deixada ociosa, pois, nesse tempo, a chance de ela apresentar uma dificuldade
comportamental é maior.
Algumas atividades para aumentar a motivação, interesse e valor são:
- Utilização de ritmos e melodias com instruções apresentadas visualmente.
- Uso de computadores e desenvolvimento de atividades de “colocar a mão
na massa”.
- Opção de cantinhos e áreas de estudo.

45
Programa de abordagem
familiar

- Exercícios de relaxamento/alongamento.
- Atividades de tarefas mais curtas.
- Apresentação de trabalhos orais.
- Desenvolvimento de habilidades de escrita no teclado.
- Atividades com tipos variados de papel.

“Nós não devemos deixar que as incapa-


cidades das pessoas nos impossibilitem de re-
conhecer as suas habilidades” (HALLAHAN e
KAUFAMN, 1994). Por isso, apesar das dificulda-
des que a criança com TOD possa apresentar,
é preciso enxergar no que ela pode contribuir e
mostrar isso a ela.

46
Abordagem
de manejo
parental
Programa de abordagem
familiar

Neste capítulo, abordaremos a importância do contexto no comportamen-


to da criança, a partir dele é possível entender melhor as especificidades deste
comportamento, determinando as melhores estratégias de intervenção. Além disso,
também falaremos sobre os estilos parentais e a influência sobre as atitudes dos
filhos e abordaremos os níveis de exigência e responsividade. Veremos os tipos de
pais, práticas parentais, os fatores que influenciam o desenvolvimento e questioná-
rios que auxiliam no entendimento sobre o comportamento dos pais e do indivíduo
com TOD.
Primeiramente, é importante entender de onde vem o comportamento e o
que leva um indivíduo a agir de determinada maneira. Existem evidências sistemá-
ticas e replicáveis indicando relações entre certos padrões comportamentais dos
pais ou cuidadores e resultados de desenvolvimento positivos ou negativos nos
filhos. Nesse contexto, fica evidente que a forma como os pais se relacionam com
os filhos influencia diretamente no comportamento que a criança vai apresentar ao
longo do tempo.

Tipologia de Baumrind (1966)

Diana Blumberg Baumrind foi uma psicóloga clínica e de desenvolvimento


conhecida por sua pesquisa sobre estilos parentais. A pesquisa buscou entender
estes estilos e sobre como estes influenciam no desenvolvimento psicossocial dos
filhos e das crianças de uma forma geral.
Na década de 1960, Baumrind notou que as crianças em idade pré-escolar
apresentavam diferentes tipos de comportamentos. Ao olhar para isso, a pesquisa-
dora também percebeu a correlação entre a personalidade do pai/mãe e a do filho.

48
Programa de abordagem
familiar

A teoria de Baumrind aborda sobre a existência de uma estreita relação entre os


estilos parentais e o comportamento das crianças, o que leva a diferentes resulta-
dos em suas vidas.
Os 4 diferentes estilos parentais que Baumrind identificou foram: autoritários,
permissivos, negligentes e autoritativos. Cada um desses estilos está correlaciona-
do com a responsividade e a forma com que esses pais cobram os filhos.
Ao abordar sobre os estilos parentais, existem 2 questões que são importan-
tes: nível de exigência e nível de responsividade. A exigência se refere ao nível de
controle que os pais têm em relação ao filho e à extensão com que os pais contro-
lam o comportamento dos seus filhos ou exigem sua maturidade; responsividade
refere-se ao grau em que os pais aceitam e são sensíveis às necessidades emocio-
nais e de desenvolvimento de seus filhos, ou seja, é o nível de empatia dos pais em
relação ao filho.

• Responsividade: é o grau de aceitação, afetividade e sensibilidade às neces-


sidades emocionais e de desenvolvimento dos filhos. Os pais ou responsáveis
responsivos tendem a ter maior taxa de afeto e forte envolvimento nas ativida-
des das crianças, mas não são intrusos. É diferente o pai querer fazer pelo filho
e ajudar o filho, entendendo a situação dele e se pondo no seu lugar. Costumam
dizer: “eu sei que você está frustrado, mas vamos resolver este problema”. Mui-
tos pais que fazem as coisas pelos filhos acabam emitindo sinais para a criança
de que ela não é capaz de fazer e que, por isso, alguém deverá fazer por ela, o
que não é adequado.

• Exigência: está relacionado com as expectativas que os pais ou responsáveis


têm em relação à criança. Inclui monitorar, supervisionar, estabelecer regras

49
Programa de abordagem
familiar

claras, coerentes e consistentes, definir valores morais adotados pela cultura e


pela família e apresentar consequências contingentes ao comportamento.
A relação entre o afeto e o controle com cada estilo parental definido por
Baumrind pode ser visualizada na figura a seguir.

e e

Portanto:
- Quanto mais afeto e mais controle: pais autoritativos
- Quanto menos controle e mais afeto: pais permissivos
- Quanto menos controle e menos afeto: pais negligentes
- Quanto menos afeto e mais controle: pais autoritários

50
Programa de abordagem
familiar

Parentalidade autoritária

As principais características da parentalidade autoritária são a alta exigência


e baixa capacidade de resposta. Os pais autoritários exigem obediência cega por
razões como “porque eu disse isso”, “porque eu mandei”, ou seja, utilizam discipli-
na severa e frequentemente empregam punição para controlar o comportamento
da criança. Por conta disso, acabam não respondendo às necessidades de seus
filhos e geralmente não são acolhedores no sentido de que não ouvem o que o filho
tem a dizer.
Esse tipo de parentalidade não é ideal para lidar com indivíduos que tenham
TOD, pois uma criança em crise tem a necessidade de falar e se expor. Se ela não
puder fazer isso, fará com que a criança queira falar ainda mais alto que seus pais.
O estilo de pai autoritário agrava ainda mais os comportamentos que crianças com
TOD apresentam, visto que a falta de argumentos e usar o lema “eu quero porque
sim” é exatamente o que o opositor pensa/faz. Então o ideal é que tudo seja ex-
plicado com firmeza, mas com argumentos objetivos e claros. O resultado de uma
parentalidade autoritária são filhos com as seguintes características:
- Tendem a ter uma disposição infeliz.
- São menos independentes, já que têm medo de levar bronca a todo momento.
- São mais inseguros.
- Possuem baixa autoestima.
- Exibem mais dificuldades comportamentais.
- Apresentam baixo desempenho acadêmico.
- Têm habilidades sociais empobrecidas.

51
Programa de abordagem
familiar

Parentalidade permissiva

A parentalidade permissiva é caracterizada pela baixa exigência e alta capa-


cidade de resposta, ou seja, para tudo os pais dizem sim. Os adultos permissivos
estabelecem poucas regras, limites e relutam em impor regras. São calorosos e
indulgentes, mas não gostam de dizer não ou decepcionar os filhos. Os filhos de
pais permissivos adquirem as seguintes características:

- Apresentam dificuldade em seguir regras.


- Baixa capacidade de se autocontrolar.
- Possuem tendência egocêntrica.
- Encontram mais problemas nos relacionamentos e interações sociais.

Parentalidade negligente

A parentalidade negligente caracteriza-se pela baixa exigência e baixa


capacidade de resposta. Pais negligentes não estabelecem limites firmes, são
indiferentes às necessidades de seus filhos e não estão envolvidos em suas
vidas, são considerados pais ausentes. Os filhos de pais negligentes:

- São mais impulsivos.


- Possuem déficit de capacidade de autorregulação emocional.

52
Programa de abordagem
familiar

Parentalidade negligente

Parentalidade autoritativa apresenta alto grau de exigência e alto grau


de responsividade. São pais que têm autoridade e grandes expectativas de
conquista e maturidade, mas também são calorosos e receptivos.
Os autoritativos estabelecem regras e impõem limites a partir de uma dis-
cussão aberta e usando o raciocínio e coerência. A coerência é importante,
principalmente, para lidar com crianças que tenham TOD, pois a rotina deve
ser previsível. Quando acontecer o “não”, este deve ser de forma firme e não
agressiva. Este estilo de parentalidade também é conhecido como estilo pa-
rental democrático. Com base na pesquisa de Baumrind, os filhos de pais au-
toritativos:

- São mais felizes e satisfeitos.


- São mais independentes.
- Alcançam maior sucesso acadêmico.
- Desenvolvem boa autoestima.
- Interagem com colegas usando habilidades sociais competentes.
- Exibem tendências menos violentas, pois sabem a importância da con
versa.

53
Programa de abordagem
familiar

As características dos pais autoritativos incluem:

- São afetuosos, sintonizados e estimulantes.


- Escutam as crianças.
- Permitem autonomia e incentivam a independência.
- Dão razão em vez de exigir obediência cega.
- Aplicam coerentemente os limites.
- Usam disciplina positiva em vez de medidas punitivas e vigorosas.

Parentalidade autoritativa x parentalidade


autoritária

Ao contrário dos pais autoritários, os pais autoritativos não exigem con-
formidade completa ou obediência cega. Ambos os estilos impõem exigên-
cias, mas a diferença é em como é feito o controle destes limites e no grau de
afetividade que os adultos têm com as crianças. Ou seja, para os pais autori-
tários os filhos devem obedecer às regras sem questionar; enquanto para os
autoritativos, é importante que exista o diálogo para a troca de ideias.

Parentalidade negligente x parentalidade


autoritativa

Pais autoritativos prestam atenção nos seus filhos, diferentemente dos


negligentes que agem com indiferença. Visto isso, percebe-se a importância

54
Programa de abordagem
familiar

em entender o estilo de parentalidade, principalmente para o tratamento de


indivíduos com TOD e a necessidade de se aproximar com as características
do estilo autoritativo. Portanto, o estilo autoritativo é o mais recomendado
para os pais e/ou responsáveis seguirem.

Exemplos de abordagem e prática


autoritativa

Estilo: alta capacidade de resposta significa acolhimento, aceitação e apoio.


Práticas: abraçar, conversar e sorrir.

Estilo: alta exigência significa altos padrões e limites.


Práticas: exigir que a criança faça as tarefas, tire boas notas e mostre boas
maneiras.

É importante destacar que, para cada criança, é necessário que as for-


mas de exigências sejam diferentes. Quando existe uma boa adaptação entre
o temperamento da criança e as personalidades, atitudes e práticas dos pais,
a criança desenvolve-se; mas quando há falta de ajuste, a criança é prejudi-
cada.

Estilo parental x prática parental: o estilo está relacionado com a abor-


dagem e com as ações específicas empregadas pelos pais. Devem adotar o
mesmo estilo autoritativo, mesmo que realizem práticas parentais diferentes
de acordo com o temperamento individual de seus filhos. Sabe-se que para

55
Programa de abordagem
familiar

ser do estilo autoritativo é preciso ter alto nível de afetividade e alto nível de
controle, mas para exercer o estilo podem ser aplicadas diferentes práticas
conforme a personalidade individual de cada um.

Tipos de práticas educativas parentais

Práticas positivas
- Monitoria positiva: conjunto de práticas parentais que envol-
vem atenção e conhecimento dos pais acerca do local onde o filho se
encontra e das atividades que são desenvolvidas por ele. Exemplo:
estabelecer regras, relacionamento estreito entre os membros da
família e com os amigos, monitoramento e estimulação de regula-
ção emocional dos filhos.
- Comportamento moral: envolvem a introdução de repertó-
rios comportamentais de seguimento de regras, valores, moralida-
de, justiça, solidariedade, empatia social, honestidade, altruísmo.
Exemplo: comportamentos morais transmitidos aos filhos pelos pais
por meio de seus próprios comportamentos; diálogos referentes a
temas como justiça, generosidade, empatia; comportamento moral
em relação a sentimento de culpa, vergonha, ações honestas e ge-
nerosas.

56
Programa de abordagem
familiar

Práticas negativas
- Negligência: ausência de supervisão e interesse dos pais em
relação à vida de seu filho. Os pais agem como espectadores e não
participantes da educação, sendo que essa situação pode se carac-
terizar por falta de atenção, descaso, omissão.
- Disciplina relaxada: não cumprimento de regras estabeleci-
das.
- Monitoria negativa: excesso de fiscalização da vida dos filhos
e grande quantidade de instruções repetitivas.
- Abuso físico: o uso da força física para corrigir ou controlar
um comportamento.

Habilidades sociais educativas:

- Comunicação: conversar, perguntar, argumentar e contextualizar situ-


ações.
- Expressão de sentimentos: tanto positivos quanto negativos, assim
como praticar demonstração de carinho, brincar etc.
- Enfrentamento e estabelecimento de limites: identificar e dar conse-
quências aos comportamentos de forma coerente e consistente, cumprir pro-
messas, identificar erros e pedir desculpas.

57
Programa de abordagem
familiar

Dentre essas habilidades sociais, é importante identificar os momentos


específicos que esses comportamentos acontecem e apresentar se esse com-
portamento irá ajudar ou não dentro do cumprimento das tarefas sociais e,
além disso, mostrar como a criança pode interagir com outras pessoas de uma
forma positiva. Os comportamentos devem sempre estar voltados de forma a
promover o desenvolvimento e aprendizagem do outro, com caráter intencio-
nal e que ofereça condições para o desenvolvimento e/ou fortalecimento de
padrões comportamentais mais efetivos.

58
Gestão de
Comportamento
Opositor
Programa de abordagem
familiar

Existem crianças extremamente opositoras, que discutem facilmente


com todos, que não assumem seus erros e acreditam que só os outros são cul-
pados. Uma criança que possui o transtorno, na escola, tende a estar sempre
se autodefendendo, não sendo capaz de assumir os seus próprios erros.
Os opositores possuem dificuldades no controle do humor e da emoção,
são crianças muito impulsivas, teimosas e desobedientes. Comumente, ficam
com raiva, guardam rancor e apresentam comportamentos retaliativos. Usam
o “não” para tudo, ou seja, primeiro eles recusam e depois é que vão checar
o que era o pedido. Não iniciam as ações solicitadas por um adulto dentro de
um período razoável, e se responderem dentro do tempo é possível que, em
seguida, abandonem a ação.
É comum pais e/ou responsáveis por essas crianças receberem críticas
por conta da educação, levando-os a buscarem ajuda profissional para auxi-
liá-los nesse processo. Então, o que se faz é recomeçar, ensinando uma outra
estratégia e novas ferramentas para lidar com aquela criança.
Em relação ao tratamento de TOD, sabe-se que é um tratamento mul-
tidisciplinar. Além disso, os pais também precisam de ajuda e precisam ser
treinados. Esse treinamento pode ser feito individualmente com o pai, com a
mãe ou o casal em conjunto. As estratégias que a família deve seguir para li-
dar com uma criança TOD consiste em:
- Estabelecer limites e regras claras: sempre cumprindo com o combi-
nado e esclarecendo para todos os familiares e pessoas que convivam com
a criança quais são essas regras. Para a criança, explicar quais são seus di-
reitos e deveres, usando as palavras “se’’ e ‘’então”, para que ela entenda que
seus atos terão consequências em algum momento.

60
Programa de abordagem
familiar

- Elogiar e valorizar o comportamento adequado e pró-social da crian-


ça, oferecendo modelos a ela: ser gentil, honesto, empático etc. Os pais devem
ser exemplos para a criança, pois as habilidades sociais se desenvolvem des-
sa maneira.
- Evitar práticas educativas punitivas físicas: existem outras maneiras
de modificação de comportamento que são muito mais adequadas.
- Promover a coerência entre os pais e a equipe de tratamento na forma
de educar e agir: a falta de coerência é uma abertura para a criança com TOD
agir com mau comportamento.
- Fazer com que a criança aprenda a lidar com frustrações: é importan-
te que a criança ouça “não” algumas vezes, para aprender a lidar com a nega-
ção e ajudá-la a perseverar frente a desafios. Por exemplo, se ela sentir medo
de andar de bicicleta, os pais devem incentivá-la a andar de bicicleta, mesmo
que em algum momento acabe caindo.
- Acabar com a birra: os pais não devem ceder, mas devem ignorar o
comportamento birrento e agir com firmeza.
- Aprender a criticar o comportamento da criança e não a criança.
- As ordens não devem ser extensas e não devem ser em formas de per-
guntas: Ao invés de perguntar, por exemplo: “Por que você tem que fazer sem-
pre essa bagunça no quarto?”, falar “Você não está cumprindo o combinado e
tem 30 minutos para arrumar essa bagunça”.
- As consequências propostas não devem ser impossíveis de se cumprir:
O castigo deve ser sempre consistente e coerente.
- Conceder reforço positivo: elogiar, ter aproximação física, dar carinho
e atenção sempre que a criança apresentar um comportamento adequado.

61
Programa de abordagem
familiar

Em alguns momentos, utiliza-se o reforço negativo, que consiste em aju-


dar a criança tirando algo de que ela não gosta.

- Não cometer infrações às regras, por menores que sejam: em hi-


pótese alguma cometer deslizes no dia a dia, como parar o carro no
lugar errado, não devolver o troco recebido a mais, mentir na frente
da criança etc.
- “Economia de fichas”: anotar em um quadro e combinar com a
criança que, após certo número de atitudes positivas, ela receberá
uma recompensa.
- Definir limites e disciplina: crianças com TOD precisam de rotina.
- Ficar atento para desencadeantes ambientais ou situacionais: se
a criança apresenta maus comportamentos ao sentir sono, os pais
devem se certificar de que ela está dormindo o suficiente a noite, por
exemplo.
- Promover situações para que a criança pratique esportes e ativi-
dades físicas.
- Dar instruções quando estiver perto da criança em vez de gritar.
- Usar comandos claros e específicos.
- Dar tempo para processar o pensamento: não usar inúmeras ins-
truções, mas falar uma vez e esperar alguns segundos, sem repetir.
Ao repetir, a criança pode começar a não prestar atenção da pri-
meira vez, pois sabe que poderá ouvir novamente.
- Não “baixar a guarda”: é realmente difícil lidar com crianças com
TOD, mas é preciso paciência e não é impossível.

62
Estratégias
associadas à
prática
Programa de abordagem
familiar

Ao falar sobre os termos de psicopatologia e transtornos emocionais,


sabe-se que esses transtornos acontecem por uma somatória de fatores. Não
é só o fato de o pai ser autoritário ou autoritativo que vai determinar como a
criança vai ser, mas sim por todo o contexto que influencia na vida dela.
Ao entender quais são os diferentes fatores que compõem o TOD, será
possível fazer o ajuste para que se promovam os comportamentos adequados
nas crianças. Devido a isso, é necessário entender sobre os manejos do com-
portamento e do processamento em que o TOD acaba implicando.
Além disso, também falaremos sobre os elementos associados à regu-
lação, tanto a autorregulação como a heterorregulação, e sobre as ações e
ideias práticas que podem ser aplicadas no dia a dia para promover ajustes
e adaptações que irão ajudar uma criança com TOD a atuar de maneira mais
eficiente.
As crianças que têm transtornos externalizantes ficam extremamen-
te estigmatizadas, então, além do peso do comportamento, também existe o
peso ambiental. Portanto, é preciso de ações e ferramentas que ajudem a me-
lhorar esses comportamentos. Ao conhecer essas ferramentas, elas poderão
ser direcionadas para auxiliar no tratamento individual de cada paciente de
acordo com as suas necessidades.

O que você espera ao estar com uma


criança com TOD?

Essa é uma questão comportamental que precisa estar alinhada, sendo


um fator determinante. Dependendo do papel em que a pessoa se encontra

64
Programa de abordagem
familiar

(pais, professores, profissionais), a expectativa é diferente, deve-se levar em


consideração a criança e o ambiente em que ela está inserida. Porém, inde-
pendentemente da situação, essas expectativas não devem ser niveladas em
um baixo nível, é preciso esperar que as coisas se transformem e se modifi-
quem, mas, é importante que sejam construídos elementos destas expectati-
vas conforme o quadro vai evoluindo e é possível perceber os resultados sendo
efetivos durante o tratamento.
Uma das coisas necessárias para trabalhar é a diminuição dos critérios
comparativos entre uma criança sem transtorno externalizante de comporta-
mento e uma criança com TOD, pois cada criança é única, assim como cada
família e o TOD é um fator que modifica completamente o limiar de expressão
de sentimentos.

Conscientização

A proposta é fazer uma ligação entre pensamentos e sentimentos. É im-


portante saber que, ao tomar consciência de um sentimento e agir de acordo,
essa ação está sendo a favor de uma assertividade e de ações que estão re-
guladas.
A regra dos 3 C’s é composta por Consciência, Coerência e Consistência.
Então, é preciso entender como as crianças com TOD estão agindo e os seus
motivos, olhando para suas necessidades e sabendo que elas precisam de ou-
tros fatores para conseguirem regular-se.
Enquanto responsáveis pela criança, estes devem se perguntar o que
determinado comportamento da criança causa em si, mas, principalmente,

65
Programa de abordagem
familiar

perguntar se estão dando conta de cumprir o papel de responsáveis. Sendo


mais conscientes, mais informados, os sentimentos e comportamentos são
menos reativos e intensos e, a partir disso, é possível ajudar a quem mais pre-
cisa: a criança que possui o transtorno. Os sistemas psicoeducativos partem
do princípio de que, ao conhecer e entender as coisas, a capacidade de fazer
algo melhor é maior.
Tendo consciência, começam a aparecer atitudes que são mais coeren-
tes, como fazer combinados que são mais possíveis de serem cumpridos e fa-
zer exigências que estão de acordo com a capacidade que a criança tem de
fornecer. Portanto, conforme isso vai sendo trabalhado, surge o terceiro C, que
é o de consistência. Não adianta ter um comportamento que ajustou de ma-
neira mais coerente, mas que não haja uma consistência para haver progres-
são.
Para ocorrer um funcionamento e equilíbrio adequado no dia a dia, é
possível fazer a analogia com um banco. Para o banco não ficar bambo e aca-
bar indo ao chão, é necessário que ele tenha apoios principais que precisam
estar regulados entre si.
Ao pensar no sistema cognitivo como um banco, sabe-se que um dos
apoios deste banco é a parte neurocognitiva, que está relacionada com a par-
te racional e regula os pensamentos entre o que é certo e errado, o que se deve
ou não deve fazer. Também existe o apoio afetivo, em que existe muita força
emocional envolvida. A força emocional diz respeito à capacidade de regular
as emoções e sentimentos. Já o terceiro suporte é o elemento da cognição so-
cial. Deste modo, ao se ter o equilíbrio entre os 3 suportes principais, é possível
fazer a tomada de decisões de forma mais adequada, coerente e consistente,

66
Programa de abordagem
familiar

por esse motivo, eles devem ser tratados como sistemas reguladores de atitu-
des.

Estratégias associadas à prática

Estudos mostram que os tratamentos mais eficazes para TOD estão as-
sociados ao treino parental, tornando-os mediadores na regulação do com-
portamento dos filhos. Por isso, os pais devem ter conhecimento sobre o trans-
torno, sobre os estilos parentais e, também, conhecer as ferramentas que são
facilitadoras no manejo do TOD, para que o tratamento seja eficaz. A atuação
dos pais servindo como modelo é uma das estratégias mais fortes existentes,
dado que a forma como a criança age é diretamente determinada por aquilo
que ela vê.
Desse modo, quanto mais cedo instrumentalizar a figura dos pais no tra-
tamento de uma criança com TOD, após a identificação de alterações de com-
portamento, a tendência é obter um melhor desenvolvimento, prognóstico e
melhores resultados de tratamento. Então, mais do que o que fazer, é preciso
saber como fazer. E este deve ser coerente e consistente, não só um repetidor
de ideias.

Regulação

Pode-se dizer que a regulação é um grande sistema de resfriamento e


a criança com TOD é um ser superaquecido nas emoções e intensidade, não

67
Programa de abordagem
familiar

percebendo que o comportamento extravasa de maneira impulsiva. Desta


forma, qual sistema de ‘’resfriamento’’ deve ser utilizado quando o meio está
superaquecido para ajustar e ter um comportamento mais adequado?
Esta ideia do sistema de resfriamento foi sugerida por um teórico da psi-
cologia chamado Walter Mischel, precursor da compreensão de estratégias
sobre tomada de decisão a partir da utilização de marshmallows. O livro deste
pesquisador aborda sobre o desenvolvimento para tomada de decisão emo-
cional e racional e sobre a utilização do sistema de resfriamento.
A tecnologia é uma ferramenta que tem sido utilizada a favor dos trata-
mentos de saúde, de uma forma geral, inclusive como ferramenta de auxílio no
manejo de tratamentos de saúde mental. Estudos recentes abordam sobre a
eficácia e o uso efetivo de aplicativos que servem como um auxílio para dire-
cionar de maneira adequada para realização de ações e tomada de decisão.
Deste modo, o aplicativo, apesar de não substituir, de forma alguma, o acom-
panhamento clínico, serve para efetivar o que está sendo aprendido na tera-
pia, com psiquiatra, psicólogo etc.

Metacognição

A metacognição é um item do tripé cognitivo que atua como uma ponte


entre elementos da cognição social e elementos do processo cognitivo racio-
nal. Ela envolve os componentes do pensar sobre a cognição, ou seja, pensar
sobre a forma como se pensa. É possível utilizar essa forma de pensar como
um “freio” quando a pessoa entra em uma situação comportamental que ex-
ternaliza algo não adequado, o que é frequente no caso do TOD.

68
Programa de abordagem
familiar

Então, ao usar a metacognição, evita-se comportamentos repetidos, por


exemplo: “A última vez que eu agi assim não foi legal, preciso fazer diferente
agora”. Por isso, é interessante que os adultos ajudem a criança a pensar no
que aconteceu, para que em uma próxima vez a mesma situação não ocorra,
ajudando-a a regular melhor o seu comportamento.

Sistema de resfriamento cognitivo

Na prática, como se faz o uso da metacognição?


- Experiência prévia: se o indivíduo já conhece, já experimentou de-
terminada situação, existe o que é chamado de repertório. Desse
modo, utilizando a metacognição, pode-se parar para pensar, lem-
brar como é e, posteriormente, atuar de uma forma mais concordan-
te.
- Utilizar o que faz sentido para as crianças e que está dentro do
contexto social e do momento que elas estão vivendo. Por isso, é im-
portante não ficar somente na conversa, dando broncas e impondo
regras, mas reforçar comportamentos positivos e trabalhar de acor-
do com estratégias de comunicação não violenta.
- Promover rotina/previsibilidade: ao atuar a favor de uma rotina
que ajuda as crianças a terem uma estrutura e uma organização
externa, isso repete positivamente na questão da previsibilidade e
organização interna. Por consequência, pode servir como um auxílio
no manejo do comportamento de crianças com TOD.
- Mentalidade de crescimento.

69
Programa de abordagem
familiar

Estratégias associadas à prática

Existem instrumentos simples que podem ser utilizados no dia a dia para
trabalhar a questão de metacognição dentro de cada um dos itens citados
anteriormente. As experiências prévias estão relacionadas com os momentos
em que a criança já presenciou ou presencia e, a partir disso, transformam-se
em elementos metacognitivos. Por isso, o primeiro ponto importante é a ques-
tão de modelos. Os pais/educadores podem usar a si próprio como modelo e
exemplo como uma estratégia de ação, explicando para a criança uma situa-
ção que ocorreu e como é possível sair dela sem maiores prejuízos. A chance
dela entender de maneira efetiva essa situação é maior quando existe um vín-
culo afetivo, já que, durante a explicação, o adulto deve explicar com calma,
com tom de voz adequado. Também podem ser aproveitados aqueles modelos
que foram observados visualmente em livros, desenhos, filmes etc.
Um dos treinos parentais que pode ser aplicado no ambiente do consul-
tório é trabalhar, durante 14 sessões, questões embasadas em um filme infan-
til, por exemplo. A estratégia baseada no filme pode ser usada para consoli-
dação do treino parental. Esse treino é conhecido como Promove, que consiste
em um manual para pais e crianças em que a ideia é trabalhar habilidades
sociais. Porém, essa ferramenta é para profissionais e, por isso, não deve ser
utilizada pelos pais.
Deste modo, ao discutir sobre o filme, quando a criança visualiza e se
identifica com algum personagem, é possível que ela consiga absorver os
comportamentos de uma maneira adequada. Esta estratégia baseia-se em
uma ideia de reflexão, conversa, argumentando sobre as causas e consequên-
cias a respeito das atitudes dos personagens.

70
Programa de abordagem
familiar

Outra estratégia associada às experiências prévias é chamada de Tes-


t-drive. Neste caso, algumas situações que sabidamente são mais sensíveis
em crianças com TOD são provocadas. Podem ser utilizados jogos de tabu-
leiros, dado que eles permitem uma interatividade e um relacionamento in-
terpessoal melhor quando comparado a jogos de videogame, por exemplo.
Além disso, sugere-se que esses jogos sejam praticados também em família,
utilizando dessa situação para compreender os sentimentos que são pro-
movidos durante o jogo.
Existem, ainda, jogos de tabuleiro que exigem ainda mais da cognição.
Mas, para iniciar, o ideal é que sejam utilizados os jogos que requeiram ha-
bilidades que o indivíduo tem desenvolvidas. Por exemplo, para uma crian-
ça com TOD que possui mais habilidades analíticas e de bom planejamento,
deverá usar jogos de tabuleiro que tenham esse tipo de facilidade. Aliás,
deve-se começar com jogos de curta duração, pois a criança conseguirá
tolerar as situações por períodos curtos para não se tornar cansativo.
Quando se trata dessas experiências prévias, não deve usar somente
as estratégias que procuram “ensinar com oserros”, mas também aprender
com os momentos que deram certo. Ocorre um desarme muito grande das
defesas, seja em adultos ao lidar com o lado opositivo, seja com crianças ao
perceberem que são capazes de ser valorizados. Por isso, o adulto pode fa-
lar: “Olha, que legal! Nessa situação aqui parece que você não se irritou tan-
to. O que você acha que te ajudou?”. Nesse sentido, fazer o uso de um jogo
que requer uma força cognitiva mais estratégica pode ajudar a criança a
perceber que existem situações mais favoráveis para o seu conforto emo-
cional, resistindo a impulsos excessivos, reações impulsivas etc., a partir do
reforço positivo dos comportamentos adequados.

71
Programa de abordagem
familiar

Tratando-se da rotina, é uma estratégia que, quando estabelecida logo


no início da infância, fornece uma facilidade maior para estabelecer um re-
lógio biológico chamado de ciclo circadiano. Ao estabelecer esse relógio bio-
lógico de forma eficiente, é possível ter um sistema que funciona a favor de
regulação, tanto de aspectos do interior do organismo (regulação de fome,
temperatura etc.), quanto aspectos associados à regulação de humor e, con-
sequentemente, regulação do comportamento.
Nesse sentido, é preciso destacar o quão importante é estabelecer a ro-
tina do sono, pois algumas variações cognitivas, como déficit de atenção e
alterações de comportamento, muitas vezes são deflagradas por uma dificul-
dade do organismo em ter uma certa rotina e previsibilidade. Se as rotinas do
dia e da noite forem de qualidade, o relógio biológico promove uma regulação
interna que facilita a regulação do humor.
Muitas vezes a rotina é pensada como algo desagradável, mas ela deve
caminhar para uma estratégia organizadora e facilitadora. Cada indivíduo
tem uma maneira de agir e, por isso, a rotina também deve ser organizada
de forma individual. Entretanto, existem alguns pontos importantes e que são
comuns a todos, por exemplo, sabe-se que a rotina do sono é induzida, pois o
comportamento de dormir é biológico, mas o relógio biológico é um compor-
tamento adquirido ao longo do tempo a partir da vivência.
Trabalhando em favor de um sono de qualidade é possível adquirir um
ganho no funcionamento diário do organismo. Além disso, é importante tam-
bém pensar sobre a rotina da manhã, pois iniciar o dia mal influencia o humor
que vai permanecer pelo resto do dia. Portanto, se existir uma rotina organi-
zada, será favorável para o funcionamento do corpo como um todo.

72
Programa de abordagem
familiar

É interessante fazer um planejamento de rotinas visuais em que as crian-


ças possam visualizar quais as etapas compõem a rotina delas, ajudando-as
a entenderem que, por exemplo, após acordar e escovar os dentes, a próxima
etapa é colocar o uniforme; após o banho, devem colocar o pijama e dormir
e assim por diante. Com isso, ela irá entender que todas as coisas são feitas
de forma sequencial, sendo uma estratégia eficiente que também trabalha a
memória.
Existe um jogo que pode ser chamado de “jogo da rotina”, que consiste
em uma rotina visual aplicável a crianças menores. Dessa forma, as crian-
ças entendem que existe uma rotina na parte da manhã, na parte da tarde e
na parte da noite, a partir de imagens representativas de algumas atividades
que devem ou podem ser desenvolvidas em cada turno. As imagens podem ser
recortadas e montadas junto com a criança de acordo com a rotina do dia.
Para determinar a melhor rotina, essa estratégia deve ser testada por alguns
dias, ajustando os pontos que forem necessários. Para ser consistente, a roti-
na que for definida deve ser sustentada por um período de aproximadamente
6 semanas, visto que esse é um período de habituação cerebral que vai levar
a um padrão de hábitos, ou seja, o comportamento definido pela rotina vai se
tornar um hábito.
Além disso, existe a técnica do Pomodoro, com eficácia já comprova-
da por estudos que ressaltam a qualidade de performance de pessoas com
Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade, comorbidade muito comum
dentro do TOD. A estratégia Pomodoro, portanto, é uma técnica de regulação
externa de tempo, ajudando o indivíduo a ter noção do tempo decorrido. Um
livro baseado em uma tese de doutorado, chamado Piafex, também aborda
sobre várias estratégias do uso de funções executivas em sala de aula.

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Programa de abordagem
familiar

O Pomodoro parte do princípio de que é preciso trabalhar de uma forma


organizada e estruturada a partir da divisão das atividades em etapas. Para
isso, o turno de trabalho é de 25 minutos e, em seguida, o indivíduo tem 5 minu-
tos de intervalo; depois mais 25 minutos de trabalho e 5 minutos de intervalo e
assim sucessivamente.
Muitas vezes, em momentos em que é necessário fazer as lições de casa,
usar a estratégia de monitoramento de controle de tempo externo é algo que
vale a pena. É interessante saber que 25 minutos é um tempo que passa rápi-
do e, por isso, conforme a criança vivencia a estratégia do Pomodoro, ela vai
conseguir perceber que, se estiver concentrada na atividade, nada será tão
importante que não possa esperar 25 minutos para ser feito. No caso de crian-
ças com TOD, é natural que seja preciso uma regulação externa mais intensa,
o adulto precisa monitorar o processo até que as crianças estejam acostuma-
das com o método e, mais tarde, possam atuar de forma mais autônoma.

Mentalidade de crescimento

A psicóloga Carol Dweck, autora do livro Mindset: A Nova Psicologia do


Sucesso, propõe que existem dois tipos de mentalidades preponderantes, as
quais são mais frequentes. Tendo uma mentalidade voltada para o resultado,
muitas vezes o indivíduo acaba se equivocando em todo o ganho que existe
durante o processo. Na maior parte, esse processo traz ganhos tão significati-
vos que fazem com que o indivíduo mude a rota dos resultados e expectativas,
ajustando-as para que permaneçam em um nível próximo à realidade, dimi-
nuindo o risco de frustrações.

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Programa de abordagem
familiar

Já o outro tipo de mentalidade é voltado para o crescimento. A psicólo-


ga aborda, nesse sentido, sobre o poder do “ainda”: “Eu ainda não consegui,
mas quais estratégias eu posso utilizar?”. Esse tipo de pergunta deve ser feito
para si ou para as crianças em momentos em que o objetivo é trabalhar em
favor de uma mentalidade de crescimento.
Outro material interessante para trabalhar especificamente com crian-
ças é uma série chamada Que monstro te mordeu?. Neste material, os mons-
tros vivenciam situações-problemas e tentam resolvê-las. Aliás, o musical Au-
tocrítica, da série, traz uma perspectiva de que se se autocriticar de forma
inadequada, o indivíduo acaba submergindo em um mundo desagradável;
mas, por outro lado, pensar dessa forma pode ajudar a levar em direção a sa-
ídas mais eficientes.

Estratégias associadas à prática

Sistema de resfriamento afetivo

O maior veículo para conseguir uma forma de regulação emocional efi-


ciente é por meio de programas de psicoterapia. O aquecimento emocional é
altamente mobilizador de toda a expressão comportamental, por essa razão,
psicoterapia ajuda a entender quais os motivos sentimentais e emocionais
que levam a agir de determinada forma.
Com a psicoterapia, o alvo a ser atingido é a regulação emocional a par-
tir do entendimento sobre as etapas que compõem esta regulação. O que na-
turalmente o ser humano entende fica um pouco mais difícil no caso de indi-

75
Programa de abordagem
familiar

víduos com TOD, pois qualquer situação diferente faz com que essas pessoas
ajam com extrema intensidade devido a um sistema emocional muito reativo.
Nem sempre é fácil buscar mecanismos de regulação, fazendo necessário a
existência de uma estratégia imediata que ajude a descarregar a tensão para
então, depois, buscar os demais mecanismos.
Existem várias propostas diferentes que auxiliam na forma de regulação
emocional, mas todas elas partem de uma ideia de 3 pontos comuns: consci-
ência, reflexão, ação.
Ter consciência é entender o que está acontecendo consigo mesmo. A
primeira descarga é fisiológica, pois a emoção não aceita disfarce. Quando
a emoção chega, existe um sistema cerebral que codifica os sentimentos e
dispara respostas coligadas com essa percepção emocional. As 5 emoções
básicas são: alegria, raiva, medo, nojo e tristeza. Cada uma dessas emoções,
ao ser percebida, acarreta uma descarga física diferente.
A partir do momento em que o indivíduo tem um desconforto, é neces-
sário que este tenha consciência disso e que exista a capacidade de entender,
nomear e refletir um pouco mais a respeito. Nesse ponto de reflexão, ao codi-
ficar o sentimento, o indivíduo deve pensar que desconforto é esse, o que está
sendo o causador e quais são as estratégias que vão ser utilizadas para lidar
com isso. Ou seja, nesse momento, o último ponto é agir. Se, no momento da
reflexão, o indivíduo elaborar um pensamento mais efetivo, possivelmente a
ação será mais preponderada no final. Se, de alguma forma, o sistema falha
no sentido da reflexão, a ação será inapropriada.
Deste modo, quando ocorre um desconforto devido a uma emoção ne-
gativa e o sistema de codificação é ativado, resulta em uma reflexão em bus-

76
Programa de abordagem
familiar

ca de modelos que representem essa emoção. A forma de pensar atua como


um sistema de resfriamento para a maneira como o indivíduo vai sentir, sendo
capaz de determinar qual será a ação final regulada.
Na literatura, o sistema de comando de funcionamento é chamado de
Top Down, que descreve o sistema cognitivo mais complexo regulando os sis-
temas mais basais no funcionamento. A emoção, que é um sistema de base,
dispara informação para o cérebro e começa a causar um desconforto preju-
dicando a qualidade mental, fazendo com que o indivíduo tenha dificuldades
de prestar atenção, pensar etc.
Existem várias propostas para entender um pouco mais de como é o
funcionamento emocional. Uma das estratégias é ter consciência se o indiví-
duo é ou não um bom leitor de emoção. Para ser, é preciso que ele saiba o que
está acontecendo com o próprio corpo e tenha consciência de que isso remete
a determinada emoção.
Por exemplo, uma criança está indo para a escola de carro com a mãe,
é o primeiro dia de aula na escola nova e de repente a criança começa a dizer
que está com dor de barriga. Se a mãe tem consciência de que existem algu-
mas emoções que trazem essa sensação de desconforto abdominal, ela vai
perceber que a dor é resultante da ansiedade, medo, por talvez ser o primeiro
dia de aula. Com isso, ela poderá usar um exemplo de modelação: “Quando
eu era criança, as vezes eu estava indo para uma situação nova, que eu não
sabia o que esperar, me dava uma sensação de dor de barriga, de medo. Você
acredita?”.
Algumas ferramentas que podem ajudar nesse sentido são o livro Emo-
cionário, o filme Divertida Mente e alguns aplicativos que também funcionam

77
Programa de abordagem
familiar

como um dicionário das emoções. Além disso, existem outros instrumentos


que podem ser utilizados enquanto pais, educadores e clínicos, um deles é Ati-
vidades - Inteligência Emocional, do Grupo de Psicopedagogia de Barcelona,
que atua muito na ideia de conscientização, elaboração e trabalho sobre as
ações emocionais de maneira regulada. Este livro é sugerido para crianças de
aproximadamente 10 anos de idade.
Outro instrumento que pode ser utilizado para crianças de aproxima-
damente 8 anos é O Baralho das Emoções, de Renato Caminha e Marina Ca-
minha, dois psicólogos cognitivos que fazem um trabalho muito rico na ins-
trumentalização emocional de uma forma geral. Eles também elaboraram o
baralho chamado ABCDE, que aborda sobre vários exercícios de reflexão que
podem ser utilizados por profissionais para treino parental em consultório.
Para treinar os “freios” da regulação emocional e antecipar o comporta-
mento, existem instrumentos que podem ser utilizados para isso. Esses instru-
mentos são utilizados como estratégias de descarga motora para lidar com
o sentimento e tensão e são muito importantes para crianças que têm TOD,
muitas vezes, elas possuem dificuldades na contenção da ação, precisando
extravasar de alguma forma. A descarga motora também é uma estratégia
para crianças que têm problema de hiperatividade motora, como TOD, TDAH,
transtornos de ansiedade etc.
Algumas estratégias de intervenção complementares aos tratamentos
clínicos consistem na ideia de meditação. Hoje, a meditação tem validade clí-
nica, tem efeito terapêutico medido e comprovado e está inserida no que é
chamado de Psicologia Positiva. No caso de crianças e adolescentes, são ne-
cessários ajustes e pessoas para fazer a meditação de forma guiada. Umas

78
Programa de abordagem
familiar

das mais ocidentalizadas técnicas de meditação é chamada de Consciência


Plena. Além de tudo, também está disponível um aplicativo chamado de Medi-
tação WeMind - vença a ansiedade, desenvolvido por profissionais da USP, no
qual são oferecidas estratégias de promoção de bem-estar e, inclusive, estra-
tégias de meditação guiada para crianças.
Outro truque que pode ser utilizado é a ideia de meditação de um mo-
mento. Nada mais é que a ideia de que podemos buscar um estado emocional
de maior conforto em um único momento, com apenas uma inspiração e expi-
ração profunda. Para isso, é disponibilizado um aplicativo chamado One-Mo-
ment Meditation, que propõe que o usuário medite durante 1 minuto. Portanto,
se não existe a possibilidade de meditar em uma parte do dia, existe a opção
de fazer diversas doses homeopáticas ao longo do dia.
O propósito da meditação, em termos de neurofisiologia, é resfriar o sis-
tema para que ele nunca chegue a um ponto alto de aquecimento e com tanta
frequência. Além disso, o indivíduo que torna a meditação um hábito ensina
ao cérebro uma rota em que, ao se aproximar de um caminho que “aqueça” o
sistema, é tida como um refúgio para resfriar. Sendo assim, o hábito fortalece
a rota cerebral para estratégias de resfriamento e de uma melhor modulação
das respostas emocionais.

Estratégias associadas à prática

Sistema de resfriamento social

Ao falarmos da questão social, algo que precisa ficar muito claro é que,
para quem tem TOD, por conta da extrema reatividade que se apresenta devi-

79
Programa de abordagem
familiar

do à dificuldade de regulação na externalização dos comportamentos, existe


uma dificuldade muito grande em fazer uma análise clara de causas e con-
sequências. O indivíduo com TOD faz com que a consequência de uma causa
que normalmente seria muito pequena seja extremamente grande, ou seja,
completamente desproporcional. Além disso, esse indivíduo pode ser um mau
leitor das consequências que o comportamento dele pode gerar. Então, é pre-
ciso que sejam trabalhadas estratégias para pensar a respeito das causas e
consequências.
Um dos aspectos embutidos nas questões que abordam causa e conse-
quência é fazer um combinado. Portanto, o adulto responsável pela criança
com TOD precisa explicar, de forma explícita, sobre as consequências que de-
terminadas atitudes irão causar. A combinação envolve um aspecto de pu-
nição, a qual tem que ser muito bem aplicada. Então, ao fazer um combina-
do consciente, coerente e cuja consistência seja possível de ser mantida pelo
adulto, há punição planejada. Portanto, essa é uma estratégia de regulação
de comportamento por meio de manejo social, o adulto está avisando o que
irá acontecer caso ocorra determinado comportamento.
Quando são feitos pré-acordos estabelecidos com uma relação de cau-
sa e consequência clara, o adulto evitará punições impulsivas. Essas punições
impulsivas são as brechas que, muitas vezes, influenciam para que todos os
envolvidos tenham comportamentos reativos e agressivos. Outro elemento
importante ao fazer o combinado é que a consequência deve ter uma relação
direta com o comportamento.
“Se você for mal-educado na escola, você vai ficar sem celular”. Será que
existe uma relação entre essas duas coisas? Parece que não. Assim, deve ser

80
Programa de abordagem
familiar

planejada uma consequência que tenha conexão com a causa da situação,


explicando para a criança qual é o, objetivo daquela punição e o que se espera
do comportamento.
As estratégias que auxiliam na conexão são de comunicações empáti-
cas, que têm uma grande força de colocação associada ao reforço positivo.
É evidente que os comportamentos que não são legais devem ser apontados,
assim como cobrar e cumprir com os combinados. Entretanto, é importante
trabalhar e reforçar positivamente os bons comportamentos e atitudes. É pre-
ciso ajudar as crianças a fortalecerem as estratégias do que dá certo: “Que
legal que você conseguiu alcançar esse resultado. O que será que você fez
que te ajudou a alcançá-lo?”. Esse comportamento do adulto serve como uma
ponte para explicitar e valorizar um feedback positivo, usando de metacogni-
ção juntamente com uma estratégia de regulação afetiva positiva e como um
mediador social.
Trabalhando a favor do reforço positivo no lugar de somente criticar,
ocorre um aumento de autoestima e auxilia no bem-estar da criança, fazen-
do-a entender as melhores ferramentas que pode utilizar para fazer as coisas
de forma correta.
Outra estratégia de comunicação empática é passar por vias de comu-
nicação, em que uma delas é a comunicação não violenta. A comunicação
não violenta passa por um viés emocional muito importante e a ideia dessa
estratégia aborda sobre tentar entender o que está acontecendo em vez de
ser reativo. É saber que a pessoa está tendo determinada atitude por conta de
determinadas características da sua personalidade ou por conta do momento
em que ela está vivendo ser sensível. Ou seja, significa entender os elementos
do contexto de outro indivíduo e do próprio contexto.

81
Programa de abordagem
familiar

Quando uma pessoa utiliza da comunicação não violenta. ela está se


colocando um passo na frente em favor da empatia. Se a pessoa for sempre
muito reativa, qualquer problema que ela encontra acaba resultando em uma
reação muito exacerbada. Mas é possível entender o quanto é difícil e o quan-
to a atitude do outro, principalmente de indivíduos com TOD, não é feita para
provocar, mas sim em função de um transtorno que pode explicar o que está
acontecendo. Sabendo isso, facilita para que o adulto consiga organizar a re-
ação de maneira mais eficiente. Assim, utilizando a comunicação não violenta
com o indivíduo que tem TOD, será mais saudável para ambos.
A comunicação não violenta é uma proposta teórica muito mais com-
plexa, em que um dos elementos envolve uma comunicação mais assertiva,
mas também passa por um nível de elaboração cognitiva, afetiva e social.
Portanto, é importante ser mais profundamente estudada, servindo como um
instrumento para “desarmar” o comportamento impactante que acompanha
os indivíduos com TOD.
Entretanto, todo mundo tem a chance da reparação. É preciso pensar:
será que, ao fazer o planejamento das estratégias, está sendo aberto um es-
paço para reparação do comportamento? Então, ao explicar para a criança
essa ideia de pedir desculpas, ela está recebendo a chance de reparação.
Muitas vezes a reparação não é dentro do ideal, mas dentro do possível,
pois existem situações frente as quais podemos nos redimir e outras situações
em que não se pode fazer a reparação. Em decorrência disso, é necessário
fortalecer o entendimento sobre o quanto se pode chegar, visto que, mais do
que esperar a ideia de que o outro aceite e perdoe, é importante valorizar a
intenção de ter tentado.

82
Programa de abordagem
familiar

Por fim, as ideias apresentadas neste módulo foram baseadas por meio
da literatura e da experiência clínica e consistem em ferramentas que se mos-
tram efetivas. Agora é preciso juntar todos essas práticas no dia a dia para
fazer o bem acontecer. Adultos nessa proposta efetiva, motivada, estruturada
e organizada são grandes meios para que as crianças possam alcançar a sua
finalidade de crescer de maneira eficiente.

83
Desafios
da família
moderna: amor
com limites é
possível?
Programa de abordagem
familiar

Desafios da família moderna:


amor com limites é possível

“Eduquem-se os meninos e não será preciso castigar os homens” (Pitágoras,


matemático e filósofo grego, 568 a.C - 470 a.C.)

Esta frase foi dita há 2 500 anos e até hoje a grande maioria das pessoas
ainda não aprendeu como fazer isso. Mas por quê? Porque educar não é fácil
e não existe receita para isso.
O que se observa é que antigamente existiam muitas brincadeiras de
rua, ao final do dia as crianças chegavam em casa e a única opção válida se-
ria escovar os dentes e dormir; hoje em dia, a oferta é maior que a demanda,
ou seja, o número de jogos disponíveis é enorme. Por isso, por mais que se sai-
ba que hoje as crianças têm muito mais coisas do que existia no passado, es-
tas mesmas crianças também deixam de ter mais coisas, apresentando mais
frustrações. Diante disso, é preciso que se estabeleçam limites e estratégias
para lidar com a grande oferta maior do que a possibilidade que se tem na
vida.
Atualmente, se criou a ideia de uma busca pelo prazer imediato e cons-
tante, causando dificuldades para aceitar limites e suportar frustrações. Não
há problema algum em chorar e sentir dor, pois esses sentimentos são nor-
mais e inerentes ao ser humano.
Uma criança só vai aprender a suportar frustrações quando houver a
imagem de um adulto que saiba fazer o mesmo. A sociedade moderna, hoje,
não suporta a dor e não ensina a lidar com a dor. Uma pesquisa (RUTGEN

85
Programa de abordagem
familiar

et al., 2015) muito interessante foi realizada para analisar pessoas e verificar
quando elas se posicionavam em situações de empatia. Os pesquisadores dis-
ponibilizaram figuras e as pessoas deveriam explicitar os sentimentos a partir
daquelas imagens.
Verificou-se que, quando as pessoas se compadecem por alguma situ-
ação, a área do cérebro é a mesma que seria ativada se aquela dor estivesse
sendo sentida pelo indivíduo. Portanto, foi concluído que as pessoas só são
capazes de sentir empatia se elas estiverem sentindo dor. Aí está o grande
perigo em “mimar” demais as crianças e fornecer reforços negativos, pois se
uma criança nunca passar por uma situação de sofrimento, provavelmente
ela jamais conseguirá ser capaz de sentir empatia por alguém que sofre.

O sistema límbico

O sistema límbico é a região onde ocorre o processamento das emoções.


Uma das emoções importantes da amígdala - esta área do sistema límbico
é tida como o cérebro primitivo por estar presente em répteis, anfíbios e em
todos os mamíferos - é o medo, pois, ao fazer análise do desenvolvimento dos
cérebros das espécies, percebe-se que absolutamente todos os animais sen-
tem medo.
O cachorro morde ao sentir medo, a cobra ataca por estar com medo
e uma criança ao se jogar no chão para fazer birra também sente medo, ou
seja, medo de perder o prazer daquele momento que está vivendo. A criança
não consegue entender que a brincadeira acabou agora e amanhã ela poderá
brincar mais, pois o amanhã parece algo muito distante para acontecer.

86
Programa de abordagem
familiar

Ao sentir uma emoção, a amígdala cerebral ativa a suprarrenal. Com


isso, a suprarrenal faz a liberação de cortisol e epinefrina, fazendo com que
neurônios do hipocampo sejam ativados e as memórias de longo prazo são
armazenadas. É por isso que as pessoas geralmente lembram o nome daque-
las professoras de que mais gostaram ou as que mais odiaram, por exemplo,
é por isso que geralmente é mais fácil gravar piadas que fazem rir. Ou seja, o
cérebro armazena aquilo que causa emoção.
O problema é em situações de estresse intenso, pois, nesse caso, a amíg-
dala ativa em excesso a suprarrenal, liberando grande quantidade de cortisol.
Esse excesso causa o bloqueio das entradas da recepção do hipocampo, e é
quando acontece, por exemplo, o famoso “branco”.
Algo que é importante entender é que a raiva é derivada do medo, a
criança que se joga no chão e grita “eu te odeio” está com medo. Se o respon-
sável não der uma resposta nesse momento, esse medo vai acabar, ao con-
trário de que se houver uma valorização daquele comportamento a criança
vai entender que conseguiu o que ela queria daquela forma e posteriormente
pode utilizar isso como uma ferramenta, pois ela entende que uma hora vai
conseguir novamente o que quer. A raiva vem do medo e da ansiedade, gera-
das pela amígdala cerebral e é uma reação de instinto importante. Ao deixar
de sentir medo, o indivíduo coloca a si próprio em perigo.
O que permite a existência de um controle das funções executivas é o
córtex orbitofrontal. A questão do juízo crítico não está relacionada com a
questão de o indivíduo saber o que é certo e o que é errado, pois isso está
guardado na memória, mas sim de fazer aquilo que é certo e errado. Apenas
ter o conhecimento é diferente de aplicá-lo na prática. Um dos processos de

87
Programa de abordagem
familiar

maturação dos neurônios é a mielinização, que consiste no recobrimento dos


axônios por uma bainha de mielina. As áreas associativas começam a se mie-
linizar entre o 3º, 4º e 5º mês de vida e esse processo termina apenas na 2ª ou
3ª década de vida. Ou seja, aproximadamente aos 25 anos de idade é que o
indivíduo terá maturidade para ter juízo crítico.
O afeto não é apenas amor, mas sim amor acompanhado do medo de
perder. Por exemplo, nos primeiros meses de namoro todas as coisas são lin-
das e existe uma paixão muito grande; após 3 meses, começa a vir o senti-
mento de afeto, ou seja, ocorre o surgimento do medo.
Ao ficar longe de uma pessoa que amamos, o sentimento mais presente
é o amor. Porém, quanto mais estamos presentes próximos à pessoa, mais as
diferenças assustam e causam medo, achando que aquilo tudo pode ser per-
dido. Quem não tem afeto, não tem medo. Com os filhos, é importante cuidar
com afetividade, ou seja, é preciso desejar o filho, suportar as frustrações e
colocar os limites com o próprio desejo, sem violência, mas com assertividade.
Mas o que é dar emoção? “Por que eu tenho que tomar banho?” “Porque
eu te amo e eu sei que isso vai ser bom pra você”. Dessa forma, a pessoa se
sente desejada e vai entender a importância de cumprir suas atividades.

Lidando com os comportamentos disruptivos nos


transtornos do desenvolvimento

Os objetivos são entender:

1. O comportamento disruptivo
2. A função do comportamento socialmente inadequado

88
Programa de abordagem
familiar

3. Estratégias de intervenção
É muito comum que os pais tenham dúvidas quanto ao modo como se
deve lidar com uma criança que está tendo comportamentos inadequados,
como quando a criança se joga no chão, se bate ou chora. A forma como a
criança está se comportando é chamada de topografia do comportamento.
Entretanto, para que se trace uma estratégia efetiva para lidar com isso é
preciso entender a função da conduta da criança. É preciso entender a dife-
rença entre o comportamento disruptivo e estratégias de chamar atenção ou
esquivar-se de determinada atividade, por exemplo.

Comportamento socialmente inadequado

Gritar é um comportamento problema? Bater é um comportamento pro-


blema?
A resposta para essas perguntas é: depende. Se a criança está na Edu-
cação Física torcendo para um determinado time, é normal que talvez ela es-
teja gritando. Além disso, às vezes, é preciso que a criança saiba se defender,
se esquivar de situação problema. Ou seja, todos esses comportamentos de-
pendem de uma situação. Ao ocorrer tais situações (gritar e bater), analisa-se
a ocasião que antecedeu o comportamento, a resposta e as consequência dos
estímulos.
Sabe-se que as consequências são responsáveis pelo aumento ou di-
minuição da frequência destas ações, ou seja, quando a criança chora para
ganhar algo e acaba ganhando, provavelmente ocorrerá o aumento da fre-
quência do choro acontecer em uma situação parecida. Além disso, as con-
sequências também selecionam as ocasiões, pois, assim como os adultos, as

89
Programa de abordagem
familiar

crianças se comportam de maneira diferente dependendo do contexto. Um


exemplo muito comum é a diferenciação do comportamento da criança na
presença dos avós e na presença dos pais, pois esta criança sabe onde ela
mais facilmente irá conseguir o que quer.
Visto isso, algo importante a ser definido é que topografia não indica
como lidar com o comportamento disruptivo que a criança apresenta. Ou seja,
descrever somente que ela está chorando não é suficiente, pois a estratégia
depende da função do comportamento e não da topografia e, por isso, é pre-
ciso analisar todo o contexto e a situação.
Iwata et al. (1994) é um autor que desenvolveu uma pesquisa clássica
da Psicologia. Participaram desta pesquisa 152 crianças que apresentavam
transtornos de desenvolvimento com objetivo de determinar as funções mais
recorrentes em um comportamento disruptivo de autoagressão. O pesquisa-
dor fez um controle experimental e verificou 3 funções:

- Atenção: a criança precisa chamar atenção de alguma forma, seja re-


cebendo carinho ou até mesmo uma bronca.
- Fuga de demanda: nesse caso o objetivo é se livrar de uma atividade
que foi demandada por alguém.
- Sensorial: quando a criança tem uma autoagressão, a sensação que
ele tem ao fazer isso faz com que ele mantenha esse comportamento.

Ao final do estudo, foram obtidos resultados que indicam que 95,4% dos
casos apresentam uma função clara, mais expressiva que outras, sendo ne-
cessário determinar uma estratégia específica para essa função. Verificou-se,

90
Programa de abordagem
familiar

ainda, que o reforço social-negativo, que é a fuga de demanda, é a função que


mais apareceu no estudo. Tendo em vista essas observações, neste momento,
será abordado com mais ênfase a função de fuga de demanda, de modo a tra-
çar estratégias para evitar este comportamento.

Função de fuga de demanda (reforçamento social negativo) - ocorre


quando um comportamento é realizado com a intenção de atrasar ou evitar
uma exigência ou tarefa requerida.
Exemplo baseado no livro Ajude-nos a aprender (LEAR, 2004): a profes-
sora pede a uma criança que aponte o Tigrão. A criança a belisca e a profes-
sora a coloca sentada em timeout. O que realmente aconteceu foi que a crian-
ça achou uma estratégia eficaz para deixar de fazer o que a professora pediu.
Na próxima vez em que a professora lhe pedir que faça algo que não quer, é
provável que ganhe um beliscão.
Recapitulando, a função de reforçamento social negativo é quando exis-
te uma situação aversiva que causa uma motivação na criança, a qual muda
o comportamento e como consequência recebe a remoção de uma tarefa.
Como estratégia de intervenção, pode-se trabalhar no contexto, na ação da
criança ou na consequência. Em sala de aula, o ideal é trabalhar no contexto,
evitando que a situação aconteça. Portanto, existem algumas estratégias que
trabalham no antecedente da situação:
1. Intervalos não-contingentes aos comportamentos-problema: sabe-se
que a criança está se comportando mal para se livrar da atividade. Para isso,
utiliza-se a estratégia de agir antes que a criança se comporte mal. Por exem-
plo, o professor tem o conhecimento de que após 1 hora de aula aquele aluno

91
Programa de abordagem
familiar

começa a mudança de comportamento, aos 50 minutos de aula o professor


pode fornecer um intervalo. De forma gradual, esse tempo poderá começar a
se elevar, aumentando o tempo de aula.
2. Tarefa gradativa: entender o motivo pelo qual a criança quer se livrar
da atividade, ou seja, porque esta atividade é tão aversiva. Dessa forma, é
preciso aumentar de forma gradual o nível de dificuldade das atividades, ve-
rificando o rendimento do aluno.
3. Momentum comportamental: saber a hora certa de falar e apresentar
as atividades de acordo com cada aluno.

Existem também as estratégias de consequências

1. Reforçador “extra”: liberar mais reforçadores durante as tarefas pode


diminuir a necessidade de escapar delas. Se a criança está recebendo uma
tarefa de forma tão aversiva, pode ser que ela não esteja se sentindo valoriza-
da de forma adequada. Portanto, após a conclusão da atividade, fornecer um
pareamento de estímulos, ou seja, junto com a atividade ela recebe algo de
que gosta muito e mais palavras de estímulo. Dessa forma, o aluno continuará
a fazer suas atividades pelo prazer do sucesso e não por obrigação.
2. Cuidados com a extinção: a criança está acostumada a sempre se
comportar mal e conseguir esquivar-se da tarefa. Eliminar completamente
isso pode se tornar perigoso na escola.
3. DRA: reforçamento de resposta alternativa. No caso de a criança que-
rer se esquivar da tarefa, a estratégia seria fornecer uma alternativa para ela
conseguir o que quer de uma outra forma, com educação.

92
Programa de abordagem
familiar

Quando as demandas aparecem dentro de casa, a principal estratégia


é a determinação de uma rotina, arranjo de contingências e a estratégia do
“braço de distância”. A rotina aumenta a probabilidade de que as atividades
sejam desenvolvidas de forma adequada; o arranjo de contingências mostra
que a criança pode ter acesso a todas as coisas de que ela gosta de fazer des-
de que as suas atividades sejam desenvolvidas conforme são demandadas;
a estratégia do “braço de distância” é evitar estresse e propor atividades em
momentos tranquilos e de contato, sem gritos.

93
Programa de abordagem
familiar

Referências

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zantes. Revista Psicologia em Pesquisa, v. 5, n. 2, 2011.

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