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AUTISMO E PSICOLOGIA CLÍNICA DE ABORDAGEM DINÂMICA NUMA SALA TEACCH 207
Resumo INTRODUÇÃO:
O presente artigo tem por objectivo Para recordar as condições de im-
apresentar uma prática de psicologia plantação do programa Teacch
clínica de inspiração psicodinâmica com
crianças autistas numa Sala Teacch No fim dos anos 60 nos Estados Uni-
cujas bases teóricas são de orientação dos, Eric Schopler insurgiu-se contra a tese
comportamentalista e cognitivista. Ten- de Bettelheim que tornava os pais respon-
tamos indicar as divergências e propo- sáveis pelo autismo das suas crianças recu-
mos alguns argumentos em favor da sando-se a qualquer colaboração com eles.
complementaridade entre as duas abor- Em ruptura com esta orientação, que se
dagens no seio duma equipa multidis- apresentava como psicanalítica, Schopler
ciplinar. A questão da inclusão é breve- põe então, como postulado, que o autismo
mente evocada. Tentamos mostrar o pa- seria um distúrbio de origem orgânica pas-
pel específico do psicólogo clínico ao lado sando a incluir activamente os pais no pro-
não só das crianças mas também das cesso terapêutico, dando-lhes um estatuto
famílias das crianças autistas. “de co-terapeutas”. Em 1972 é criada na
Palavras-chave: Autismo; Psicolo- Caroline do Norte a Divisão Teacch
gia clínica; Educação especial; Síndro- (“Treatment and education of autistic and
me autístico; Sala Teacch; Abordagem related Comunication in handicaped
dinâmica e Sala Teacch; Inclusão; Per- children”), constituindo assim um progra-
turbação global de desenvolvimento; ma educativo e de saúde que tem a seu
Alentejo. cargo não só criar serviços e formar técni-
cos, mas também fazer investigação.
O programa Teacch tem uma orienta-
ção cognitiva e comportamental. A força
deste programa vem da sua coerência, do
*
Psicóloga Clínica. Os meus agradecimentos sin-
esforço desenvolvido em proporcionar os
ceros a todas pessoas que me ajudaram na instrumentos necessários e da estratégia
redacção deste artigo e mais especificamente
à Dr.ª Carlota T. Ribeiro Ferreira que fez uma
clara com que tenta responder às necessi-
leitura minuciosa do conteúdo e da tradução dades específicas de cada criança.
do texto. (E-mail: f.debelle@megamail.pt).
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1.1 Análise das divergências e even- Uma outra diferença deve notar-se no
tuais compatibilidades entre as que diz respeito à questão dos problemas
duas abordagens de comunicação das crianças autistas. As
duas abordagens não se focalizam nos
Dum ponto de vista teórico, vamos mesmos apoios para desenvolver as suas
tentar, agora, analisar o que diferencia es- intervenções.
tas duas abordagens. O programa Teacch Com efeito, a hipótese de insuficiência
parte do princípio que a criança autista de tratamento da informação conduz a in-
tem um défice cognitivo de tratamento da tervenção comportamental a ter em conta
informação. A intervenção terá por objec- de maneira prioritária a insuficiência da re-
tivo como diz Teo Peeters “estruturar ao lação entre os canais perceptivos. Conside-
extremo o mundo externo da criança para ra que existe uma fraqueza cognitiva intra-
fazer face à ausência de estruturação in- -individual que está na origem dos proble-
terna da criança autista”5 (Constant J., mas relacionais da criança com o meio que
1996). Essa estruturação vai ter como a rodeia. A constatação da fragilidade das
base a organização do espaço/contexto da relações intersensoriais levou a uma inter-
criança e a filtragem dos inputs externos venção que privilegia a percepção visual,
para que a criança possa ir construindo minimizando a importância de outros estí-
uma percepção do mundo e de si com mulos ambientais que a criança também
mais coerência o que tornará possível o não integra satisfatoriamente.
desenvolvimento. Esta abordagem ba- Face à paragem precoce de desenvolvi-
seia-se na teoria da aprendizagem e apoia- mento da criança autista e do défice grave
-se em estratégias da teoria do comporta- de comunicação, a abordagem dinâmica
mento. privilegia a relação interpessoal na interven-
Para a abordagem psicanalítica, o ção. O suporte teórico é a modelação da
autismo é uma paragem de desenvolvi- constituição precoce do Ego [ver os autores
mento muito precoce como o recorda
Geneviève Haag com “as clivagens possí-
veis e de hiperdesenvolvimento de um
sector ou hipodesenvolvimento de ou-
tros”6 (Haag G., 1991). Constata-se um
isolamento social e afectivo e a interven-
5 Constant Jacques (1996) Réflexion critique
ção visa uma reactivação dos processos sur la méthode Teacch à partir de cinq ans
psíquicos da criança através da relação te- d’expérience en Hôpital de jour public..In:
Handicap et inadaptation, les cahiers du
rapêutica. Jacques Constant constata que CTNETRHI, nº69-70.
"a hipótese psicodinâmica, intervém ao
6 Haag Geneviève. (1991) Les points de vue
nível da génese simbólica entre o agido e éducatifs et psychothérapeutique concernant
o representado enquanto que nos méto- l’autisme infantile éléments d’espoir pour leur
rencontre et leur meilleure coordination. In:
dos comportamentais, é a função de re- Cahiers de l’Education. Pédagogies- informa-
paração directa (actual) que é privilegia- tique, nº7, Janvier-Mars 1991, pp.10-14.
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seguintes: Geneviève Haag8 (1991), Didier vo, considerado por D. Meltzer como o
Houzel9 (1985), Donald Meltzer10 (1975), sistema defensivo fundamental do
Frances Tustin11 (1990)]. O terapeuta pro- autismo. Para este mesmo autor, "o pen-
curará, dentro dum quadro terapêutico samento se constrói sobre a experiência
estruturado, a comunicação e a relação emocional ...” 12 (Haag G., 1990).
com a criança. A observação fina dos Apesar de tudo, eleger o tipo de co-
comportamentos, a análise da contra- municação em que se vai apoiar a inter-
transferência, o recurso à atenção flutu- venção ou escolher “alvos” preferenciais
ante, para usar a noção de Freud, serão para intervir junto da criança não signifi-
alguns instrumentos que permitirão ao cam, em caso algum, que uma abordagem
terapeuta restituir à criança o que ele exclua a outra, pois sabemos que ao nível
compreende dos seus estados psíquicos no do desenvolvimento, a relação consigo
decorrer das sessões. próprio e a relação com o mundo se en-
Dito duma outra forma, o modelo edu- trelaçam não se podendo pensar em afec-
cacional preocupar-se-á, na sua interven- to e em cognição como factores autóno-
ção, em promover uma melhor autonomia mos e independentes.
pessoal e em desenvolver na criança uma Refiro-me novamente a Geneviève
comunicação funcional no dia-a-dia (SPC Haag13 (1990) que traduz perfeitamente o
ou Makaton), enquanto o psicoterapeuta que a prática me ensinou, trabalhando com
dinâmico visará a comunicação relacional e os docentes e as crianças autistas: " …Os psi-
afectiva com o outro com o objectivo de re- canalistas nem sempre se preocupam em
organizar os processos psíquicos. encontrar – ou nem sempre encontram –
Geneviève Haag analisa esta divergên- um meio psicopedagógico que esteja ele
cia entre as duas abordagens pelo facto de mesmo em busca e adaptado ao momento
hipóteses de base radicalmente inversas: de desbloqueio de algumas capacidades in-
“Para os adeptos da teoria cognitivista, os telectuais, desbloqueio bem identificável
distúrbios da cognição (percepção, aten-
ção, memória, julgamento, pensamento),
instaurados precocemente, fazem obstá-
culo à empatia, à identificação e ao reco-
8
nhecimento das emoções de outrem. Os Haag G. (1991). “Nature de quelques identi-
fications dans l’image du corps”. In: Journal
psicanalistas na esteira de M.Klein, vêem de la psychanalyse de l’enfant, 10, 73-92.
as coisas completamente no outro senti- 9
Houzel D. (1985). “Le monde tourbillonnaire
do: por exemplo para D. Meltzer e W. de l’autisme”. In: Lieux de l’enfance, 3, 1985.
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embora as professoras assegurassem uma taram vir com a esposa tiveram a possibi-
presença atenta aos pais, depressa se aper- lidade de exprimir na presença da mulher
ceberam que as dificuldades emocionais a sua ferida, proporcionando aos dois uma
dos últimos ultrapassavam as suas com- melhor compreensão do sentir do outro.
petências educativas e pedagógicas. Consoante as necessidades das famí-
lias, instaura-se um apoio psicopedagógi-
3.1. Avaliar com instrumentos adap- co, ou uma psicoterapia quando esta é pe-
tados dida ou sentida como necessária para o
equilíbrio do casal e da família. Neste
Uma das áreas da intervenção psicoló- apoio psicológico é abordada a questão do
gica refere-se à avaliação. De facto, para de- equilíbrio familiar com os irmãos e/ou ir-
finir a intervenção educativa, as professo- mãs da criança autista, que podem, espe-
ras têm necessidade de conhecer as capaci- cialmente, quando chega o período da
dades das crianças. A equipa de Schopler adolescência, mostrar grandes dificulda-
desenvolveu instrumentos psicométricos des relacionais e emocionais, aumentan-
específicos para as crianças autistas que do do lado parental o sentimento de não
permitem, por exemplo, avaliar os níveis serem “bons pais...”. O psicólogo clínico
de desenvolvimento das crianças ou dos tem aqui um papel de suporte a diversos
adolescentes para domínios dados (a imi- níveis. A escuta clínica permite acolher a
tação, a percepção, a motricidade fina e raiva, o desespero, a incompreensão, a
global, a coordenação oculo-manual, a ver- negação, sem julgar. O psicólogo ajuda,
balização, a autonomia, a socialização). Em em articulação com a equipa, na procura
função dos resultados obtidos pela criança de soluções para o dia a dia, mas também
em cada domínio, a equipa de Schopler pro- apoia no sentido de diminuir sentimentos
pôs uma série de actividades educativas de culpa dos pais que, às vezes, deixam
adaptadas ao nível do desenvolvimento da não só de sair com a criança – tanto o
criança. O psicólogo pode, ainda, sentir ne- olhar social é insuportável – mas também
cessidade de utilizar outros testes, não es- deixam de conviver como casal fora da
pecíficos ao autismo, para obter uma com- casa, pois a ideia da criança ficar com a
preensão mais ampla do funcionamento ama ou com os avós é, muitas vezes, im-
da criança. pensável...
gressões eventuais. Uma das riquezas des- tanto, o recurso a um profissional expe-
tes encontros é que permitem uma trans- riente e/ou a um psicanalista é-lhe útil
missão de vivência entre os pais. Por para um trabalho reflexivo e de supervi-
exemplo, o impacto do testemunho de são sobre a sua prática terapêutica junto
uma mãe foi insubstituível para fazer das crianças.
compreender a outra a importância que Privilegiando a relação no âmbito tera-
teve a utilização das imagens SPC (cartões pêutico, as sessões como diz J. Hochmann,
de comunicação alternativa) para comu- “visam abrir a criança à relação com os ou-
nicar com a criança no dia-a-dia. As dis- tros e consigo mesma, para, progressiva-
cussões às vezes são vivas e permitem mente, ir criando capacidade de represen-
uma troca intensa ao nível emocional. tação e tornar-se capaz de reinvestir o seu
Este tempo reservado aos pais faz emergir aparelho psíquico ”15 (Hochmann J, 1997).
perguntas, dúvidas, revoltas, mas também Quais são os instrumentos do terapeuta?
esperanças. Como já o assinalei, principalmente a ob-
O grupo quebra o isolamento de al- servação da criança e a análise da contra-
guns e permite encontrar soluções práti- transferência perante a “ausência” da cri-
cas como, por exemplo, preparar as férias ança. Note-se que, mesmo que estas crian-
escolares de verão – terrivelmente longas ças a maior parte do tempo não falem, elas
para estas crianças. têm, em maior ou menor grau, acesso à
Este espaço de diálogo permitiu-nos, compreensão da língua e, por conseguin-
igualmente, introduzir a questão da se- te, às palavras do terapeuta. É a partir da
xualidade, que “coloca problemas” na nossa compreensão do funcionamento psí-
medida em que as crianças autistas têm, quico precoce que o trabalho terapêutico
muitas vezes, gestos ou comportamentos vai realizar-se e que o terapeuta tentará tra-
sexuais que são socialmente inadaptados. duzir os comportamentos observados (an-
Se esta questão da sexualidade pode ser gústia, “autosensorialidade”, penetração
evocada durante os encontros de casal, do olhar ou, o inverso, fuga do olhar,
discuti-la em grupo é construtivo para os medo, apreensão, etc.)16 (Haag G, 1991).
pais que, em comum, reflectem e discu- A análise da contratransferência é es-
tem o problema e apontam estratégias. sencial para poder traduzir em palavras os
movimentos, os olhares, os picos de an-
3.3. Psicoterapia para as crianças au- gústia, para tentar conter as angústias ar-
tistas caicas destas crianças e para trabalhar os
processos de diferenciação dentro/fora,
Uma outra competência que o psicólo- ou ainda bom/mau. É evidente que a in-
go clínico de abordagem dinâmica pode tervenção é difícil, delicada e fastidiosa
pôr ao serviço das crianças autistas é o tra- porque visa “um emparelhamento psíqui-
balho psicoterapêutico. É de recordar que
o psicólogo clínico de abordagem dinâmi-
ca pode fazer uso do modelo freudiano do 15
Hochmann Jacques (1997) Pour soigner
l’enfant autiste. Paris, Odile Jacob.
funcionamento psíquico do ser humano
16
Haag Geneviève (1991) Ibid.
sem, no entanto, ser psicanalista. No en-
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co” com a criança, que esta procurará des- criança portadora duma deficiência pro-
truir sistematicamente17 (Debelle dos San- funda (o que é verdade quer se trate de
tos F., 1999). Retorno às numerosas pu- uma criança autista, psicótica ou atingida
blicações da Dr.ª Geneviève Haag, psi- por uma paralisia cerebral severa).
quiatra e psicanalista, que me foram es- Nestas condições, era difícil insistir – e
senciais para tentar abordar o funciona- às vezes mal percepcionado também por-
mento psíquico destas crianças e poder que em contradição com as ideias estabe-
iniciar terapias com eles. Sem podermos lecidas – no facto que a inclusão destas
entrar nos pormenores sublinharemos crianças não devia significar necessaria-
que a especificidade da psicoterapia de mente a sua presença física e a tempo in-
abordagem dinâmica é de propor à crian- teiro numa turma do ensino regular. Com
ça “uma mente para poder pensar” reto- efeito, incluir as crianças com autismo se-
mando a formulação de W. Bion. vero não acarreta que se deva levá-las a
Enfim, pensamos que seria mais ade- viver na fusão e na indiferenciação numa
quado realizar uma intervenção psicote- sala do ensino regular, por receio da dis-
rapêutica fora do quadro escolar e educa- criminação. A inclusão será, pois, constru-
tivo. Mas não existem, ao que parece, em tiva se houver uma capacidade dos docen-
Portugal, ao contrário do que acontece tes para identificar as diferenças e as ne-
noutros país da Europa, infra-estruturas cessidades de cada aluno e para poder dar-
públicas de Saúde que proponham esta -lhes uma resposta adaptada. Nos casos
orientação terapêutica. em que o “handicap” é profundo e seve-
ro, pode revelar-se indispensável criar es-
paços específicos para responder às suas
4. DISCUSSÃO necessidades próprias. A criação de uma
sala Teacch só faz sentido quando pensa-
4.1. Criar uma sala Teacch prejudica da deste modo.
à inclusão da criança autista? Tendo em conta as dificuldades de so-
cialização e de interacção que caracteri-
Uma das principais reticências com zam o autismo, é óbvio que elas exigem
que se deparava o projecto da sala Teacch adaptações, tanto técnicas como organi-
relacionava-se com a questão da inclusão zacionais, que envolvem o conjunto do
das crianças. E sabemos que a Declaração estabelecimento e dos actores. Será por
de Salamanca em 1994 estipula que “to- exemplo, necessário criar um espaço que
dos os alunos aprendam juntos sempre lhes seja reservado, na cantina para o al-
que possível, independentemente das di- moço ou então durante os recreios, susci-
ficuldades que apresentam”.
Na prática, contudo, muitos professo-
17
Foi o que me motivou para orientar a minha
res de apoio que encontrávamos na APPC tese de Mestrado: Debelle dos Santos
concordavam em reconhecer grandes di- Françoise. (1999) Si ça le touche: à la
recherche d’une assise sensorielle chez
ficuldades para estabelecer uma rotina e
l’enfant autiste, DEA de Philosophie, Option
um programa fortemente estruturado no Etudes psychanalytiques, Université Paul
meio duma turma do regular, com uma Valéry, Montpellier.
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tar os encontros e as interacções entre to- Em suma, é o olhar que dirigimos para
dos alunos da escola, aceitar as idas e vin- a criança autista que determinará, no fi-
das dos alunos entre a sala Teacch e as sa- nal de contas, que uma inclusão seja ou
las do regular. Considerando as caracte- não bem sucedida Para poder olhar sem
rísticas do autismo, é obvio que tanto “a mal-estar sem indiferença, sem piedade,
logística” como o funcionamento global temos de aceitar em nós a “estranheza in-
da escola têm que dar provas de flexibili- quietante” que estas crianças gerem. É só
dade e de criatividade para permitir que com esta aceitação que poderá emergir
as crianças autistas possam estabelecer um sentimento de respeito em face da
uma interacção com o meio que seja es- particularidade e do enigma dos compor-
truturante e não fonte de angústia suple- tamentos autisticos; (a etimologia latina
mentar. de respeitar significa “a acção de olhar
Se todas estas adaptações forem imple- para trás”)19 (Kristeva J., 1985). A criação
mentadas no seio da escola, por que razão de espaços sociais susceptíveis de instau-
deveria a criança autista integrada numa rar relações fundadas no respeito supõe,
sala Teacch sofrer de exclusão? Na práti- por conseguinte um trabalho reflexivo de
ca, se o sucesso da inclusão depende em cada um de nós, mas também um traba-
parte dos meios mobilizados pelas insti- lho colectivo, o que permite avaliar a pro-
tuições educativas, temos de constatar fundidade das mudanças de mentalidades
que depende também da capacidade para que exigem estas perspectivas, e também
defrontar questões mais abrangentes, que o tempo necessário para atingir tais objec-
são de ordem filosófica e ética, tanto ao tivos.
nível dos indivíduos como ao nível colec-
tivo.
CONCLUSÃO
4.2. “Uma estranheza inquietante”
O psicólogo clínico de abordagem di-
O que é que, em definitivo, a criança nâmica tem competência para intervir
autista vem pôr em questão, com a sua junto das famílias e das crianças autistas.
diferença? Por que razões tenderá a sua Contribui, na abordagem educativa da
presença a suscitar mal-estar? De facto o Equipa, avaliando as crianças com instru-
portador de autismo activa uma zona de mentos adaptados e propondo sugestões
sombra, uma parte de nós próprios que de actividades de acordo com o modelo
permanece alheia ao controlo e enigmáti- de Schopler.
ca, região psíquica que temos dificuldade
em pensar, em simbolizar e é, portanto,
difícil de reconhecer e aceitar enquanto 18
Freud Sigmund (1919). “L’inquiétante étran-
tal. O autismo suscita, para utilizar a ex- geté et autres essais”. Paris: Gallimard, 1985,
p.215.
pressão de Freud, “uma estranheza inqui-
19
O livro de Julia Kristeva “Etrangers à nous-
etante” 18 (Freud, 1919), que cada um de
-mêmes », Paris Fayard, 1988 é uma referên-
nós tenta gerir em função da sua história cia importante para pensar a diferença, qual-
e da sua vivência pessoal. quer que seja.
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Abstract
This articles aims to present a
practice of clinical psychologist of
psychoanalytical inspiration, near
autistic children in a Teacch room,
whose theoretical bases are behaviorist
orientation. We try to release the
divergences between the behavior
approach and psychoanalytical and we
try to explain the complementarity
between these two types of approach
within a multidisciplinary team. We
refer then what makes the specificity of
our approach and in what it optimizes
the educational objectives to reach with
the autistic children in a Teacch room.
Key-words: Autistic syndrome;
Teacch; Clinical psychologist; Special
education; Autism; Inclusion.
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