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NASCIMENTO

ARTIGOCOSTA
DE AC CT
REVISÃO

A
PSICOPEDAGOGIA NO CONTEXTO
PSICOPEDA
HOSPITAL
HOSPITAL AR: QU
ALAR ANDO, COMO, POR QUÊ?
QUANDO

Cláudia Terra do Nascimento

RESUMO - Este artigo pretende trazer algumas reflexões sobre a


Psicopedagogia voltada à saúde, especificamente àquela inserida em
contextos hospitalares, centrando tal reflexão em uma possível identidade
do psicopedagogo hospitalar, considerando tanto a prática em ambulatórios
gerais, quanto a especializada – Ambulatório de Psicopedagogia. Procura
mostrar a atuação e o papel do psicopedagogo inserido em hospitais, a partir
de experiências brasileiras atuais. Para tanto, no primeiro tópico, a autora
traz um breve resgate da Psicopedagogia no Brasil. No segundo e terceiro
tópicos, acende reflexões acerca da psicopedagogia hospitalar, sua identidade
e características de atuação em diferentes contextos, bem como analisa os
possíveis papéis do psicopedagogo inserido em tais contextos.

UNITERMOS: Psicopedagogia hospitalar. Hospitalização. Aprendizagem.


Desenvolvimento infantil.

PREFÁCIO criança e do adolescente. Isso porque o ingresso


“Direi isso com um suspiro, num lugar e num no hospital pode se tornar uma experiência
momento perdidos no futuro: dois caminhos extremamente complicada e difícil, já que pode
bifurcavam no bosque; e eu, bem, eu escolhi o ser visto como um lugar gerador de medo, dor e
menos percorrido, e isso fez toda a diferença.” sofrimento1.
(Robert Frost) Mesmo assim, para muitos jovens, princi-
palmente aqueles com diagnóstico de patologias
INTRODUÇÃO crônicas, o hospital passa a ser, por muito tempo,
A hospitalização infanto-juvenil tem sido tema o seu principal contexto de convívio, de
de constante interesse entre profissionais da desenvolvimento e de aprendizagem. Este é um
saúde e da educação, ambos preocupados com ambiente que possui características muito
os possíveis efeitos da mesma sobre os processos peculiares. Todos que estão inseridos em seu seio
de desenvolvimento e de aprendizagem da ou são profissionais ou são pacientes, que

Cláudia Terra do Nascimento - Especialista e Mestre em Correspondência


Desenvolvimento Humano pela UFSM; atual aluna do Rua 24 de Fevereiro, 370 A - Apto. 104 F
Curso de Especialização em Psicopedagogia abordagem Santa Maria - RS - Brasil - 97060-580
institucional e clínica pela UNIFRA. Professora substituta Tel: (55) 9103 0511 - Fax: (55) 222-7191
no Departamento de Psicologia da Educação (Centro e-mail: claudia@proativaweb.com.br.
de Educação) e no Curso de Medicina, na UFSM.

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encontram-se em tratamento por algum problema multifatoriais de cada doença, pelo fato das mes-
com a própria saúde. mas constituírem-se em patologias crônicas, de
Estes últimos, alheios a este novo contexto, etiologias e terapêuticas variadas, permitindo um
necessitam de novos conhecimentos, sejam eles modelo de investigação multidisciplinar, como
a respeito da própria doença, do ambiente coloca Kahtalian4.
hospitalar em si, bem como desse novo ‘eu’, agora Da necessidade anteriormente relatada, muitos
portador de uma patologia. De acordo com psicopedagogos vêm se inserindo em instituições
Chiapeta2, todo o cotidiano da criança muda, hospitalares brasileiras, em ambulatórios
sendo substituído pelo tratamento clínico, entrada pediátricos gerais. Inseridos nestes contextos,
na enfermaria, confinamento no leito e muitas vezes adversos e conflitantes, como
medicações. Segundo a referida autora, a concretiza-se a sua prática? Como acontece o
hospitalização para jovens, física e emocio- trabalho em equipes de saúde? Qual é o papel
nalmente agredidos pela enfermidade, representa do psicopedagogo junto a estas equipes?
o afastamento do ambiente no qual vinha Nesse sentido, levando-se em consideração a
ocorrendo o desenvolvimento de seu repertório dificuldade de definição do papel e da identidade
social, afetivo, cognitivo e motor. do psicopedagogo hospitalar em nosso país, este
Trabalhar com os processos de aprendizagem artigo buscou refletir acerca da Psicopedagogia
e desenvolvimento da criança e/ou adolescente, voltada à saúde, especificamente àquela inserida
em tratamento no contexto hospitalar, significa no contexto e trabalho hospitalares, visando a
tratá-lo diante do impacto que a descoberta da construção de uma identidade do psicopedagogo
doença traz a sua vida, tendo em vista as inúmeras hospitalar, considerando tanto a prática
mudanças que tal fato promove ao seu desen- Ambulatorial Geral, quanto a especializada
volvimento. Löhr3 coloca que, em virtude da (Serviço de Psicopedagogia Hospitalar).
presença de uma doença grave, toda a rotina
infantil sofre alteração em razão das idas ao hos- 1. A PSICOPEDAGOGIA NO BRASIL:
pital, internações, processos terapêuticos UM BREVE RESGATE
dolorosos, que o tratamento pode implicar. Nesse Profissionalmente, a Psicopedagogia se
mesmo sentido, principalmente os elementos apresenta como um campo extremamente vasto,
relacionados ao desenvolvimento e aprendizagem tornando-se uma tarefa imensa e complexa, uma
são ‘quebrados’ pela descoberta da doença e seu encruzilhada de incontáveis caminhos. Assumir
posterior tratamento. tal caminho exige compromisso e discernimento,
Em países como Argentina, Estados Unidos e ambos construídos a partir de uma base teórico-
Canadá, dentre outros, já é de praxe oferecer prática que deve ser ao mesmo tempo lúcida e
atendimento psicopedagógico a este tipo de sóbria.
paciente, conjuntamente com o atendimento No Brasil, o caminho da Psicopedagogia,
médico-terapêutico tradicional. Tal fato deve-se segundo Bossa5, é árduo. O psicopedagogo,
à importância já conhecida que o trabalho profissional pós-graduado, precisa ser um multi-
psicopedagógico pode promover à criança/ especialista em aprendizagem humana,
adolescente hospitalizado. No entanto, não basta congregando conhecimentos de diversas áreas,
que se ofereça um atendimento desconectado do com o objetivo de intervir nesse processo, tanto
resto do tratamento. O trabalho interdisciplinar, com o intuito de potencializá-lo, quanto de tratar
realizado em equipe, aonde atuam juntos dificuldades, utilizando instrumentos próprios
médicos, psicológos, psicopedagogos e enfer- para este fim.
meiros, torna-se muito importante. Com um só A Psicopedagogia surgiu, então, das
objetivo, são profissionais que concentram suas necessidades de atendimento a crianças com
forças no sentido de abarcar os processos ‘distúrbios de aprendizagem’, consideradas

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inaptas dentro do sistema educacional especificidades do contexto hospitalar para


convencional, bem como de explicação ao fracasso melhor compreender estas questões.
escolar. Ao longo de sua jovem história, torna-se
a norteadora dos procedimentos necessários ao 2. O PSICOPEDAGOGO HOSPITALAR:
trabalho com crianças que apresentam barreiras EM BUSCA DE UMA IDENTIDADE
à sua aprendizagem, objetivando o reconhe- Além da clínica, escolas e empresas, a
cimento das capacidades pessoais, bem como a Psicopedagogia pode ser também desenvolvida
exclusão do obstáculo que a impede de aprender. em hospitais, tanto em serviços psicológicos,
Dado que seu quadro teórico é vastíssimo, a psiquiátricos e neurológicos, quanto em serviços
Psicopedagogia apresenta fundamentação em hospitalares gerais. A prática psicopedagógica
estudos nas áreas da psicanálise, psicologia hospitalar já é bastante comum em alguns países,
social e epistemologia genética, dentre outras. tais como Argentina, Estados Unidos e Canadá.
Ainda assim, possui a sua especificidade, tanto Aqui no Brasil, porém, esta é uma modalidade
quanto área de estudo, como especificidade de muito pouco desenvolvida. Tem-se o conhe-
seu objeto de estudo, constituindo uma nova área cimento de algumas experiências isoladas,
com corpo teórico próprio. situação bem diferente da nossa vizinha
Seu objeto de estudo, segundo Bossa5, é o Argentina, onde a psicopedagogia hospitalar data
próprio processo de aprendizagem e seu já de longo tempo.
desenvolvimento normal e patológico em Nesse contexto, tentar traçar uma linha
contexto (realidades interna e externa), sem histórica de tal prática fica praticamente impos-
deixar de lado os aspectos cognitivos, afetivos e sível. O que se sabe é que a mesma pode con-
sociais implícitos em tal processo. Esse objeto cretizar-se duas formas basicamente: a primeira
deve ser entendido a partir de dois enfoques: o refere-se ao trabalho psicopedagógico em um
preventivo, que é o ser humano em desen- Ambulatório de Psicopedagogia, inserido no
volvimento e as alterações desse processo contexto hospital; e segunda refere-se ao trabalho
podendo esclarecer sobre as características das psicopedagógico inserido no hospital geral, ou
diferentes etapas do desenvolvimento; e o seja, em outros ambulatórios, quais quer que
enfoque terapêutico, que é a identificação, sejam. Vamos a elas!
análise, elaboração de uma metodologia de Uma modalidade de atuação do psicope-
diagnóstico e tratamento das dificuldades de dagogo no hospital, então, dá-se através de
aprendizagem. implementação de um Serviço/Ambulatório de
Embora seja ainda um campo jovem de Psicopedagogia. Nesse caso, segundo Silva &
atuação no Brasil, a Psicopedagogia parece já Alfonsin7, os objetivos do trabalho referem-se à
possuir sua identidade, como um todo. Como promoção de avaliação e atendimento psico-
fala-nos Scoz6, a identidade do psicopedagogo, pedagógico a crianças e adolescentes de baixa
muito atrelada à sua atuação, remete-se ora à renda, ao aprofundamento e sistematização das
identidade clínica, ora à institucional, ambas teorias que norteiam a prática psicopedagógica,
vinculadas ao processo de aprendizagem. Nesse e, por fim, ao assessoramento dos profissionais
sentido, o psicopedagogo é o profissional ligado das áreas de saúde e educação.
historicamente à Educação, segundo Moojen Em Porto Alegre, a sete anos, no Hospital de
apud Bossa5, que trabalha com os fenômenos da Clínicas, existe o Serviço Psicopedagógico, junto
aprendizagem humana. à Equipe de Psiquiatria da Infância e Adoles-
Mas quem é o psicopedagogo hospitalar? cência, o qual atende moradores da periferia e
Para responder a essa pergunta é preciso da região metropolitana de Porto Alegre, com
entender o que é a psicopedagogia hospitalar poucos recursos financeiros, alunos de escolas
e como ocorre a sua praxis. Vamos, então, às públicas, em atendimento psiquiátrico e/ou

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neurológico no referido hospital. Este é um serviço (ambulatórios de pediatria, hemato-oncologia,


de Psicopedagogia clínica, que realiza diagnós- nefrologia, unidades neonatais, etc)? Qual é sua
tico e tratamento psicopedagógico a jovens que função na equipe? Será que ele trabalha com a
possuem algum problema escolar, defasagem aprendizagem e suas eventuais dificuldades da
idade/série, abandono da escola, dificuldades mesma forma que em um serviço específico de
específicas ou queixa familiar em relação a escola7. atendimento psicopedagógico? Nesses casos,
Outro caso semelhante ocorre em São Paulo, quem responde pelas questões psicomotoras,
junto à UNICAMP, no Ambulatório de Distúrbios desenvolvimentistas do paciente, o médico, o
de Aprendizagem, vinculado ao Departamento psicopedagogo ou ambos?
de Neurologia. Crianças e adolescentes com Em primeiro lugar é preciso entender o
dificuldades de aprendizagem são encaminhados hospital geral, as suas características e as
ao hospital com o objetivo de solucionar seus peculiaridades dos pacientes lá atendidos, para
problemas. Junto a uma equipe composta de depois conseguir ‘ver’ o psicopedagogo e suas
neurologistas, psiquiatras, encontra-se o psico- atribuições nesse contexto. Então, quem são os
pedagogo, que atua no sentido de diagnosticar pacientes, quando o ambulatório não é o
e, quando necessário, tratar desses problemas8. psicopedagógico? Quem é essa instituição, o
Também Fenelon 9 relata sua prática de hospital? Como o psicopedagogo encontra seus
psicopedagoga junto ao Hospital das Clínicas da pacientes diante da hospitalização? Vamos às
UFG, em um núcleo de estudo de dificuldades questões...
escolares na adolescência. Relata a pesquisadora De maneira geral, a hospitalização por
que a função do psicopedagogo, quando um patologias agudas e crônicas na infância e
paciente com queixa de dificuldade de apren- adolescência acontece de forma rápida e
dizagem é encaminhado do Ambulatório de imprevisível, não havendo tempo para que o
Pediatria, é realizar o diagnóstico dessa sujeito se prepare para a mesma. Miranda &
dificuldade (feita em equipe com pediatra, neuro- Alves10 colocam que a maioria das patologias,
logista, psicólogo, etc), o que se dá em dois crônicas ou agudas, fica como um trauma na vida
momentos, a triagem e o diagnóstico familiar de de crianças e adolescentes, sendo que quanto
aprendizagem. Após o diagnóstico, são feitos os mais jovem, pior são as seqüelas. Dizem as
encaminhamentos, já que o núcleo ainda não autoras: “uma pessoa que em um momento está
concretizou o tratamento psicopedagógico junto em perfeito funcionamento físico e mental, se vê
ao hospital. repentinamente enfrentando a hospitalização, a
Observa-se que em todos os exemplos citados, dor e o comprometimento de suas funções
a psicopedagogia inserida em serviço espe- vitais”(p. 37).
cializado (Ambulatório Psicopedagógico) Se o jovem foi acometido por uma patologia
responde à prática psicopedagógica clínica, já aguda, possivelmente seu tratamento será mais
amplamente conhecida. O psicopedagogo, nesse brando e rápido, já que a cura existe. Mas se a
contexto, não deixa de ser um clínico, que realiza patologia for crônica, seu início é geralmente
diagnósticos e tratamentos, com instrumentos e insidioso, com duração longa e indefinida,
técnicas usadas na psicopedagogia clínica. A perdurando por tempo indeterminado, às vezes
única diferença é que a ‘clínica’ está dentro de por toda a vida, apresentando características que
um hospital, e então, jovens sem condições impõem limitações às capacidades funcionais do
financeiras podem ser atendidos, junto a uma indivíduo. Mesmo os tratamentos para patologias
equipe multiprofissional (neurologistas, que não exigem internações hospitalares
psicólogos, psiquiatras, pediatras ...). prolongadas, fazem do convívio com o hospital
Mas, e quando o psicopedagogo está inserido uma constante na vida de milhares de jovens
em um ambulatório de serviço geral do hospital brasileiros11,12.

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Nesse sentido, a criança e o adolescente dificuldades na aprendizagem, verificar as causas


acometido por uma doença precisam dedicar específicas que determinam uma dificuldade ou
algum tempo de sua vida ao hospital, que passa um distúrbio de aprendizagem. Segundo ela,
a ser seu mais novo contexto de desenvolvimento outra grande colaboração da psicopedagogia em
e, porque não, de aprendizagem. Para os saúde é fomentar no paciente a adesão ao
internados, este tempo é significativamente maior. tratamento clínico. Afirma Souza13: “Vejo a adesão
Segundo Miranda & Alves10, o hospital é vivido a um tratamento como aprendizagem, um
como um desconhecido, o que gera insegurança compromisso pessoal para o restabelecimento da
e estresse, “podendo ocasionar-lhe traumas, às própria saúde, que é o desenvolvimento de sua
vezes profundos, dependendo da intensidade autonomia pelo auto-conhecimento e eman-
e da estrutura de sua personalidade” (p. 36). cipação de sua identidade”(p. 37).
Outras ansiedades, tais como a impotência, a Já Guimarães14 coloca que o psicopedagogo
dependência, a mudança da imagem corporal deve voltar sua atenção ao contexto psicossocial
(dependendo da doença) e o medo da morte, de seus pacientes, ao tipo de influência que essas
compõem as dificuldades da criança e do condições possam exercer sobre o desenvolvi-
adolescente hospitalizado. Assim, para o jovem mento como um todo dos mesmos e o tipo de
hospitalizado, o afastamento da família, dos procedimento psicopedagógico mais adequado
amigos e de seu habitat (casa, escola, etc) pode para se obter o controle das variáveis circuns-
causar-lhe profundas reações, tanto a nível tânciais. O psicopedagogo deve, então, auxiliar o
cognitivo quanto psicossocial. paciente a se acomodar à nova situação, opor-
Assim, encontram-se os pacientes que chegam tunizando-lhe a expressão de seus sentimentos
ao psicopedagogo que trabalha em serviços (raiva, medo...), oferecendo esclarecimentos e apoio.
gerais do hospital: assustados, inseguros, A forma mais habitual de interação psico-
agressivos, com medo de morrer ou de ficar com pedagógica no hospital dá-se através do brincar.
limitações. A separação da família e dos amigos, O brincar é por si mesmo uma terapia, segundo
bem como dos ambientes de convívio, também Miranda & Alves10, psicopedagogas que atuam
auxilia no surgimento da ansiedade e do estresse, junto à Unidade de Queimados da Unidade de
muitas vezes, sendo a geradora da chamada Emergência do Hospital das Clínicas da USP, em
‘síndrome do hospitalismo1. Ribeirão Preto. Para elas, ao brincar a criança
Nesse tipo de serviço hospitalar, o psico- vence realidades dolorosas e domina seus medos,
pedagogo, segundo Souza13, é o profissional projetando-os para fora, nos brinquedos, via
responsável pela classe hospitalar, principalmente simbolização, além de amenizar a frieza com o
para aqueles pacientes que vão ficar muito tempo qual o hospital e o tratamento físico se apre-
afastados da escola (internados). O psico- sentam. “Fica evidente a necessidade de instituir-
pedagogo deve, então, entrar em contato com a se nestes ambientes programas de recreação e
escola, fomentando o vínculo escola-hospital, apoio emocional que auxiliem o paciente na
auxiliando o paciente no seu processo de apren- superação de sua angústia e depressão, de modo
dizagem escolar, inclusive depois da alta, a otimizar a resposta ao tratamento”(p. 37)10.
realizando o trabalho de inclusão escolar de crian- Também Ferraz12 tece algumas considerações
ças pós-hospitalizadas. a respeito do papel do psicopedagogo no hospital
A autora anteriormente mencionada também geral. Dizem eles que educar o paciente ao
coloca que, quando inserido em Ambulatórios de convívio com a sua nova realidade, muitas vezes
Pediatria, o psicopedagogo deve se ocupar do limitante às atividades da vida diária, responde
desenvolvimento infantil como um todo, verificar a um trabalho de cunho psicopedagógico. Para
o que as doenças interferem no fazer escolar, o sucesso da educação dos pacientes, colocam
verificar como os problemas de saúde levam a que é imprescindível considerar os aspectos

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motivacionais para o autocuidado, a participação hospitalar, as quais parecem depender muito da


da família e o estabelecimento de vínculos com a serviço aonde estão inseridos. As atribuições
equipe multiprofissional. Ao psicopedagogo mais citadas correspondem a dois serviços
caberia, então, “desenvolver um programa de amplamente diferenciados: o serviço especia-
atendimento integrado à saúde dos pacientes e lizado em psicopedagogia e os serviços hospi-
familiares, que vise assegurar que os indivíduos talares gerais9-12. No primeiro caso, a prática
tenham condições de adquirir conhecimentos e psicopedagógica parece com a clínica, onde as
aptidões, via educação, que lhes permitam e os principais atribuições do profissional respondem
habilitem a exercer o autocuidado com sua doença ao diagnóstico e tratamento ou encaminha-
crônica”(p. 171)12. mento, quando necessário. No segundo caso, a
Torrano-Masetti 15, que trabalha em uma prática psicopedagógica responde ora a clínica,
equipe multiprofissional junto à Unidade de ora a institucional e ora a pesquisa.
Transplante de Medula Óssea, do Hospital das Poderá ser clínica quando objetiva verificar o
Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, afirma que e como os problemas de saúde levam a
que o psicopedagogo é o profissional responsável dificuldades na aprendizagem; quando auxilia o
pelo conjunto de estratégias para a abordagem paciente a se acomodar a nova situação,
do paciente e de seus familiares, tais como o oportunizando-lhe a expressão de seus sen-
esclarecimento e orientação da patologia e timentos e oferecendo-lhe apoio; quando realiza
tratamento, intervenções psicossociais aos intervenções psicossociais aos internados e à
internados e à equipe, participação em grupos equipe, via participação em grupos de apoio.
de apoio, atividades ocupacionais, produção de Poderá ser pesquisa quando busca quais são
material educativo, discussão dos casos clínicos as causas específicas que determinam uma
com a equipe. dificuldade ou um distúrbio de aprendizagem,
Já Muñiz16, uma psicopedagoga argentina bem como a produção de material educativo. E
que atua junto ao Serviço de Pediatria Geral no institucional quando se ocupa das questões
Hospital de Pediatria Juan P. Garraham, diz que inerentes ao contexto hospitalar que não sejam
a parceria pediatria – psicopedagogia no hospital dificuldades de aprendizagem propriamente
permite a abordagem integral das problemáticas ditas, tais como a classe hospitalar; o trabalho de
desenvolvimentistas próprias da fase escolar. Diz inclusão escolar de crianças pós-hospitalizadas;
ela que o pediatra controla o desenvolvimento a observação do desenvolvimento infantil como
de forma longitudinal, enquanto o psicopedagogo um todo; o fomento no paciente à adesão ao
faz um corte transversal nesse desenvolvimento, tratamento clínico; a participação em programas
oferecendo um panorama atual dos níveis e de atendimento integral à saúde, visando
qualidade alcançados nesse desenvolvimento. assegurar a aquisição de conhecimentos e
Uma atuação conjunta do pediatra, o psico- aptidões, via educação (esclarecimento e
pedagogo e outros especialistas, na assistência orientação da patologia e tratamento), para o
ambulatorial pediátrica, reduz riscos e multiplica exercício do autocuidado; atividades ocupa-
a atenção sobre sinais no desenvolvimento que cionais; a discussão dos casos clínicos com a
podem ameaçar a evolução posterior. Trocas nas equipe.
rotinas de higiene, alimentação, estimulação e
uma precoce intervenção orientadora do vínculo 3. PSICOPEDAGOGIA HOSPITALAR:
mãe-filho pode prevenir dificuldades futuras, UMA IDENTIDADE ‘DE’ E ‘PARA’ O
constituindo-se em ações preventivas do desen- FUTURO
volvimento cognitivo infantil (p.31)16. A partir dos achados na literatura, pode-se
De maneira geral, então, observam-se observar que a Psicopedagogia hospitalar está
inúmeras funções atribuídas ao psicopedagogo começando a ser reconhecida, enquanto parte da

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atuação profissional do psicopedagogo. Apesar so de hospitalização, instrumentalizando o


de ainda estar ‘engatinhando’ no Brasil, tanto a paciente a aprender sobre si mesmo, sobre como
prática em serviço especializado quanto aquela ajudar-se em sua cura, como e porque aceitar e
exercida em serviços gerais começam a ser fazer uso das medicações, bem como atua com o
reconhecidas por muitos profissionais da saúde, desenvolvimento integral desse paciente e com
dentre eles principalmente os pediatras e a manutenção de sua aprendizagem que possi-
neurologistas. bilitará sua reinserção na vida escolar, após o seu
Nesse sentido, parece que a intervenção processo de alta. Seu papel é também o de locutor
psicopedagógica em serviços gerais do hospital nas relações interpessoais da escuta à criança e
adquire uma característica peculiar, requerendo à sua família, bem como aos profissionais da equi-
uma postura clínica diferenciada daquela que se pe, através de uma atuação que favoreça o aten-
costuma praticar em um Ambulatório de dimento em uma visão integrada biopsicossocial
Psicopedagogia. No consultório, normalmente, se em saúde.
trata com um cliente saudável do ponto de vista Para que essa identidade se perpetue, é
físico, necessitado de um suporte em uma preciso que também o seu papel e a sua atuação
dificuldade que surgiu no decorrer de um se tornem mais bem compreendidas, tanto no
determinado tempo. O paciente hospitalizado meio científico, quanto no social. Pode-se dizer,
(internado ou não) precisa de um apoio dife- então, que a identidade do psicopedagogo
renciado, referindo mais a um suporte afetivo e hospitalar será uma realidade:
cognitivo a respeito de sua doença e tratamento, √ Quando estiver concretizada a partir das
bem como ao seu desenvolvimento como um todo, necessidades humanizadoras, sentidas por
durante todo o seu curso no hospital. aqueles acometidos por patologias graves,
No entanto, se por um lado o psicopedagogo hospitalizados por longos períodos de tempo,
localizado em serviço especializado possui a sua necessitando de alguém que auxilie na
prática profissional razoavelmente definida, continuidade de seus processos de desen-
parece não existir um consenso a respeito das volvimento e aprendizagem;
atribuições do psicopedagogo localizado em √ Porque nascerá das exigências científicas, bem
serviços hospitalares gerais. Algumas práticas, como das demandas sociais;
no entanto, evidenciam-se comuns entre aqueles √ A partir de uma sólida formação teórico-prática
que trabalham em ambulatórios gerais. em contextos hospitalares (Como).
A Psicopedagogia se integra na saúde, nas Pode-se afirmar, assim, que tal identidade é
equipes multiprofissionais, então, não somente De Futuro porque é um trabalho de humanização
em serviços especializados, mas também em hospitalar imprescindível, ao mesmo tempo que é
serviços gerais. É preciso que se pense na atuação Para o Futuro, porque, seu arcabouço teórico sólido,
psicopedagógica que põe o sujeito responsável potencializador de força na classe profissional, já
pela sua saúde e pela sua doença em uma está, hoje, sendo construído, nas conquistas do
dimensão de conhecimento e de aprendizagem, nosso dia-a-dia. Para finalizar, é preciso que se
enquanto agente de sua recuperação. Olhar o saliente que a simples presença do psicopedagogo
trabalho psicopedagógico na saúde é poder vê- nas equipes de saúde já é um ganho, constituindo-
lo nos ambulatórios, nos hospitais gerais, nos se no primeiro passo para que um atendimento
postos de saúde, enquanto parte das equipes de realmente interdisciplinar se efetive, concretizando
saúde que buscam a atenção integral à criança a possibilidade do paciente obter um profissional
hospitalizada. que se responsabilize por seus processos desen-
O psicopedagogo hospitalar é aquele volvimentistas e de aprendizagem, através de
profissional que, com conhecimento na área da momentos mais humanos e menos traumatizantes,
aprendizagem e da saúde, atua em todo o proces- enquanto estiver hospitalizado.

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SUMMARY
The Psychopedagogy in the Hospitable Context: When, How, Why?

This article intends to bring some reflections on Psychopedagogy geared


to the health, specifically to that inserted in hospitable contexts, centering
such reflection in a possible identity of counselor of learning (psicopedagogo)
hospitable, considering so much the practice in general ambulatories,
regarding specialized’s – Psychopedagogic Outpatient Clinic. Search show
the performance and the role of counselor of learning (psicopedagogo) inserted
in hospitals, starting from current Brazilian experiences. For so much, in the
first topic, the author brings a brief ransom from Psychopedagogy in Brazil.
In the second and third topics, it lights reflections concerning psychopedagogy
hospitable, your identity and characteristics of performance in different
contexts, as well as it analyzes the possible roles of counselor of learning
(psicopedagogo) inserted in such contexts.

KEY WORDS: Psychopedagogy hospitable. Hospitalization. Learning.


Child development.

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Rev Psicologia: Teoria e Pesquisa 1988; 4: 16. Muñiz AMR. Pediatria e psicopedagogia –
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Trabalho realizado HUSM/UFSM - Hospital Artigo recebido: 08/09/2003


Universitário de Santa Maria e UNIFRA. Aprovado: 20/11/2003

Rev. Psicopedagogia 2004; 21(64): 48-56

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