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238 Boletim Academia Paulista de Psicologia, São Paulo, Brasil - V. 38, nº95, p.

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Vínculo afetivo de crianças autistas


na equoterapia: uma contribuição de
Winnicott
Affective bonding of children with autism in hippotherapy: a Winnicott’s contribution
Vínculo afectivo de niños autistas en la equinoterapia: una contribuición de Winnicott

Aline Soares Mazzeu da Silva1


Fabiane Petean Soares de Lima2
Rodrigo Jorge Salles3
Universidade São Judas Tadeu (USJT), São Paulo – SP

Resumo: O indivíduo com Transtorno do Espectro Autista (TEA) pode apresentar uma dificuldade na interação social e interesses
restritos/repetitivos. Sobre o tratamento, a literatura menciona algumas terapêuticas alternativas, como a equoterapia, que utiliza
o cavalo como mediador, promovendo grande variedade de estímulos sensoriais e possibilitando uma relação de troca e formação
de vínculo entre praticante, cavalo, equoterapeuta e condutor. Com isso, a partir de um estudo teórico, esta pesquisa objetivou
compreender como a prática da equoterapia pode influenciar no estabelecimento dos vínculos afetivos da criança com autismo,
adotando como referencial teórico a teoria de Winnicott. O percurso metodológico adotado envolveu a caracterização do TEA e da
equoterapia, além da exposição dos principais conceitos da teoria de Winnicott, para assim poder discutir todos os pontos apresen-
tados, fazendo a utilização de vinhetas clínicas. Foi enfatizado que o cavalo, condutor, equipe e o setting podem exercer a função de
holding, handling e permitir uma experiência de transicionalidade, possibilitando que a criança possa ter uma experiência regres-
siva. Desta forma, ela pode reviver etapas que ocorreram falhas, e, assim, permitir uma retomada do amadurecimento emocional.

Palavras-chave: Transtorno do Espectro Autista; Infância; Objetos Transicionais; Psicanálise; Terapia Assistida por animais.

Abstract: A person with Autism Spectrum Disorder (ASD) may present a difficulty in social interaction and restricted/repeti-
tive interests. Regarding the treatment, the literature mentions some alternative therapies, like the hippotherapy, which uses
the horse as the mediator, promoting a great variety of sensorial stimuli and allowing a relationship of exchange and bonding
between practitioner, horse, equine therapist and conductor. With this, based on a theoretical study, this research aims to
understand how the practice of hippotherapy can influence the establishment of emotional bonds of the child with autism,
adopting Winnicott’s theory as a theoretical reference. The methodological approach adopted involved the characterization
of ASD and hippotherapy, as well as the presentation of the main concepts of Winnicott’s theory, in order to discuss all of the
points presented, using clinical vignettes. It was emphasized that the horse, conductor, team and the setting can perform the
function of holding, handling and allow a transitional experience, allowing the child to have a regressive experience. In this
way, he or she can revive stages that have failed and, therefore, allow a resumption of emotional maturing.

Keywords: Autism Spectrum Disorder; Childhood; Transitional Objects; Psychoanalysis; Animal Assisted Therapy.

Resumen: La persona con Trastorno Del Espectro Autista puede presentar una dificultad en la interacción social e inte-
reses restringidos/repetitivos. Sobre el tratamiento, la literatura menciona algunas terapias alternativas, como la equi-
noterapia, que usa el caballo como mediador, promoviendo grande variedad de estímulos sensoriales y permitiendo una
relación de cambio y formación de vínculo entre practicante, caballo, equinoterapeuta y conductor. Con eso, a partir de
un estudio teorético, esta investigación tuvo el objetivo de comprender como la práctica de la equinoterapia puede influir
en el estabelecimiento de vínculos afectivos del niño con autismo, utilizando como referencial teórico la teoría de Winni-
cott. La metodología utilizada involucró la caracterización del TEA y de la equinoterapia, además de la exposición de los
principales conceptos de la teoría de Winnicott, para así poder discutir todo los puntos presentados, haciendo una utili-
zación de las viñetas clínicas. Se ha enfatizado que el caballo, el equipo y el setting pueden ejercer la función de holding,
handling y permitir una experiencia de transicionalidad, posibilitando que el niño pueda tener una experiencia regresiva.
Así, El puede revivir etapas en las que ocurrieron fallas, y poder permitir una reanudada de la maduración emocional.

Palabras clave: Trastorno Del Espectro Autista; Infancia, Objeto transicional; Psicoanálisis; Terapia Asistida por animales.

1
Psicóloga graduada pela Universidade São Judas Tadeu (USJT). e-mail: alinesmazzeu@hotmail.com .
2
Psicóloga graduada pela Universidade São Judas Tadeu (USJT) e Especialista em Psicoterapia Psicanalítica pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP).
e-mail: fabiane.petean@gmail.com .
3
Mestre e Doutorando em Psicologia Clínica pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (IP/USP). Docente do curso de Psicologia da Universidade São
Judas Tadeu (USJT). e-mail: rodrigojsalles@hotmail.com. Endereço: Rua Taquari, 546 – Mooca, São Paulo – SP.
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Introdução O referido manual teve recentemente uma atua-


lização, na qual os diversos quadros de autismo fo-
O objetivo desta pesquisa é compreender, a partir ram englobados no Transtorno do Espectro Autista
de um estudo teórico, como a prática da equotera- (TEA), alocado no eixo de Transtornos do Neurode-
pia pode auxiliar no estabelecimento dos vínculos senvolvimento (Associação Americana de Psiquia-
afetivos, e no tratamento do autismo, tendo como tria, 2014). Também foram incorporados ao TEA, o
referência a teoria de Winnicott. A escolha do autor “(...) autismo infantil precoce, autismo infantil, au-
se deu devido seu enfoque na relação ambiente-indi- tismo de Kanner, autismo de alto funcionamento,
víduo que permeia todos os processos do desenvol- autismo atípico, transtorno global do desenvolvi-
vimento emocional primitivo da criança, inclusive o mento sem outra especificação, transtorno desinte-
aparecimento das doenças psíquicas. grativo da infância e transtorno de Asperger.” (Asso-
O percurso metodológico, adotado para abordar ciação Americana de Psiquiatria, 2014, p.53).
este tema, envolverá a descrição do autismo, na vi- Segundo a última edição do DSM, o TEA tem
são da psiquiatria, para no item seguinte descrever maior incidência na população do gênero masculino,
a prática da equoterapia, e neste tópico serão citadas e pode ser identificado entre o primeiro e o segundo
informações introdutórias sobre o que consiste esta ano de vida (Associação Americana de Psiquiatria,
terapêutica. Os pressupostos básicos de Winnicott 2014). Entretanto, em casos mais graves, pode ser
serão explanados no terceiro tópico, descrevendo as percebido antes mesmo dos dozes meses, ou em ca-
principais características de cada estágio do desen- sos mais leves, após os dois anos de idade. Os três
volvimento infantil. sintomas principais destacados pelo manual são: dé-
Ao final, o tópico: “Vínculo afetivo de crianças ficits na reciprocidade socioemocional; déficits nos
autistas na equoterapia: contribuições da teoria de comportamentos comunicativos não verbais usa-
Winnicott”, reunirá a visão deste teórico sobre o au- dos na interação social; e déficits para desenvolver,
tismo com os pontos discutidos ao longo do traba- manter e compreender relacionamentos (Associação
lho, apresentando algumas hipóteses sobre como a Americana de Psiquiatria, 2014). Além disso, o TEA
prática da equoterapia pode influenciar no estabe- apresenta níveis de gravidade, variando entre o ní-
lecimento dos vínculos afetivos da criança e no tra- vel três (mais grave) ao nível um (menos grave), po-
tamento do TEA. Para melhor ilustrar os conceitos, dendo haver variação destes com o passar do tempo,
será utilizado o recurso de vinhetas clínicas, tendo ou até mesmo de acordo com o contexto no qual o
como referência a experiência das autoras em uma indivíduo está inserido (Associação Americana de
instituição de equoterapia. Psiquiatria, 2014). No nível três, há uma deficiência
grave para se comunicar e são utilizadas poucas pa-
O transtorno do espectro autista lavras na interação com terceiros; já no nível dois, há
O termo autismo foi utilizado pela primeira vez por também uma dificuldade na comunicação, porém o
Bleuler em 1911, para descrever sintomas da esquizo- indivíduo consegue, mesmo que de forma peculiar,
frenia adulta (Campello, 2002), como também foi ge- articular frases simples; e no nível um, o indivíduo
neralizado a quadros de demência infantil, conhecida apresenta dificuldade para iniciar uma conversa,
como uma esquizofrenia infantil (Marfinati & Abrão, mas já consegue desenvolver um diálogo (Associação
2014). Para o psiquiatra Leo Kanner, que utilizou o Americana de Psiquiatria, 2014).
termo em 1940, o autismo era inato, caracterizado Além dos níveis de gravidade, a nova edição do DSM
por uma dificuldade na linguagem e uma persistência traz os especificadores deste transtorno, substituindo
pela rotina (Marfinati & Abrão, 2014). Na atualidade, as classificações de autismo presentes nas edições ante-
estes sinais e sintomas descritos por Kanner ainda riores. Esses especificadores podem ser: a) com ou sem
são encontrados nos manuais diagnósticos de trans- comprometimento intelectual; b) com ou sem compro-
tornos mentais. Observa-se no DSM - V (Associação metimento da linguagem; c) com catatonia; d) associa-
Americana de Psiquiatria, 2014), que o indivíduo com do a outro transtorno, seja do neurodesenvolvimento,
Transtorno do Espectro Autista (TEA) pode apresen- mental e/ou comportamental; e/ou e) associado a algu-
tar uma dificuldade na interação e comunicação social ma condição médica, genética ou fator ambiental (As-
(como estabelecer diálogo com outra pessoa), e apre- sociação Americana de Psiquiatria, 2014).
sentar comportamento/interesse restritos e repetiti- Em relação à epidemiologia, o primeiro levanta-
vos (fala estereotipada e rotinas ritualizadas). mento sobre autismo, segundo Klin (2006), foi feito
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em 1966, o qual apresentou um índice de prevalência Communication System); e ABA (Applied Behavior
de 4,5 em 10.000 crianças na população de um con- Analysis). Já em relação à medicação, segundo o mes-
dado no noroeste de Londres. Já os estudos atuais, mo autor, ainda não há um fármaco que seja especí-
segundo o mesmo autor, apresentam um índice de fico para quadros de autismo.
uma criança com autismo (prototípico) em cada Desde a década de setenta há uma predominância
1.000 nascimentos, e cerca de mais quatro crianças de intervenções com foco psico-educacional, basea-
com TEA a cada 1.000 nascimentos (o estudo em das nas diversas teorias da aprendizagem (Pereira,
questão apresenta a prevalência discriminando os 1996), mas profissionais e pais acreditam que algu-
quadros de autismo prototípico, do TEA). Alguns es- mas terapêuticas secundárias também promovem
tudos também apontam, corroborando com o que o bom desenvolvimento nas habilidades de comunica-
DSM, e apresenta que há maior incidência de autis- ção e a redução de sintomas associados ao autismo.
mo em meninos (Ajuriaguerra e Marcelli, 1986; Jr Essas terapêuticas complementares podem envolver
e Pimentel, 2000; Klin, 2006; Associação Americana a utilização da música, arte ou terapia com animais
de Psiquiatria, 2014). (Aarons & Gittens, 1992), sendo esta última o foco
Contudo, independentemente de sua epidemio- deste estudo. No entanto, em contraponto com o
logia, a etiologia do autismo ainda é uma incógni- que esses autores chamam de terapias secundárias e/
ta, podendo ser influenciado por fatores genéticos ou complementares, pode-se pensar que a partir do
ou alterações neurobiológicas (Carvalheira, Vergani momento que uma terapêutica é colocada em práti-
& Brunoni, 2004). Dumas (2011) menciona, além ca, esta deixa de ser algo alternativo, passando a ser
da genética e da neurobiologia, que já foi cogitada de fato uma modalidade de terapia.
uma relação entre o autismo e reações às vacinas que
as crianças tomam quando pequenas para prevenir Equoterapia
doenças, como rubéola e sarampo, associações que
Uma das terapêuticas que pode beneficiar os indi-
já foram descartadas pela medicina moderna. Esse
víduos que possuem o TEA é a Terapia Assistida por
mesmo autor cita que também poderia existir uma
Animais (TAA). Dentre as modalidades de TAA, res-
relação entre o autismo e uma propensão para ad-
salta-se a equoterapia, a qual vem sendo muito uti-
quirir doenças em geral, e levanta a hipótese de que
lizada no Brasil, em função dos resultados positivos
isso causaria ou intensificaria o quadro. Já o DSM –
que vem proporcionando a quem a pratica (Caetano,
V (Associação Americana de Psiquiatria, 2014) inclui 2010). O termo Equoterapia foi cunhado pela Asso-
como fatores que predispõem ao aparecimento de ciação Nacional de Equoterapia (ANDE), e sua etimo-
um quadro de autismo a influência do ambiente, em logia é composta do termo em latim equus: equídeos,
que a idade avançada dos progenitores; baixo peso que são grupos de animais mamíferos, como o cavalo,
do recém-nascido; e contato com ácido valpróico, po- e do termo em grego therapeia: terapia. Este tipo de
deriam contribuir para o desenvolvimento do TEA. terapia engloba todas as atividades e técnicas que uti-
Da mesma forma que a etiologia do TEA ainda é lizam o cavalo como mediador, visando educar ou rea-
incerta, a sua cura também o é. Gomes (2014) men- bilitar indivíduos que apresentam algum tipo de defi-
ciona que faltam estudos que tratem sobre a cura do ciência, seja física e/ou psíquica (Associação Nacional
autismo, devido à crença dos profissionais sobre sua de Equoterapia [ANDE], 2016). Usa-se o cavalo, pois
irreversibilidade, uma vez que a concepção de cura é um animal inteligente, que possui boa memória,
estaria associada à remissão completa dos sintomas conseguindo memorizar os lugares, objetos, aconteci-
apresentados. Enquanto a causa e cura são incertas, mentos e pessoas, podendo, inclusive, refletir a ma-
portadores do TEA contam com diversas medidas neira como determinada pessoa o trata (Freire, 1999).
de intervenções, disponíveis em modalidades tera- Na antiguidade, Hipócrates (458-370 a.C.) já reco-
pêuticas variadas, que não almejam a cura no sen- mendava equitação para casos de insônia e para rege-
tido literal, mas que permitem o desenvolvimento neração da saúde em todos os seus aspectos (Freire,
de um comportamento funcional desse indivíduo, o 1999). Samuel T. Quelmalz fez a primeira referência
tornando mais independente e diminuindo seu des- literária ao movimento tridimensional do cavalo em
gaste físico e emocional. Segundo Amorim (2011), as 1747, que inclui deslocamentos para cima, para bai-
intervenções mais conhecidas são: TEACCH (Treat- xo e para os lados, bem como para frente e para trás.
ment and Education of Autistic and Related Communi- São movimentos que promovem grande variedade
cation Handcapped Children); PECS (Picture Exchange de estímulos sensoriais, através dos sentidos como a
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visão, tato, olfato e audição, favorecendo a conscien- 2005). A fase de aproximação é o primeiro contato
tização corporal, desenvolvimento da força muscular, da criança com o animal, e isso pode gerar diversos
aprimoramento da coordenação motora, bem como o tipos de reações, desde sair de perto de seu respon-
equilíbrio, (Cristina, 2005; Santos & Sousa, 2005). sável e correr na direção do cavalo, como gritar ou
Para Uzun (2005), a duração da sessão de equo- mostrar receio quando estiver perto do animal. De-
terapia tem um tempo médio que varia de 30 a 40 pois de trabalhada a aproximação, segue a fase da
minutos. Vale ressaltar que não é uma terapêutica descoberta, que é quando a criança supera o receio
que tem como característica apenas a montaria, mas ou indiferença em relação ao animal. Esse momento
também envolve “a condução do animal, o preparo pode ocorrer tanto em solo, como na montaria pa-
de alimentos, o banho, a escovação e o encilhamento rada. Em solo, a criança vai acariciá-lo, limpá-lo, es-
do cavalo” (Uzun, 2005, p.45), atividades estas que cová-lo, entre outros contatos físicos, e na montaria
tem como foco a aproximação e vinculação entre parada é quando a criança, em cima do cavalo, deita-
criança e animal. se no dorso do animal, sendo muito importante que
Na equoterapia, a relação com o cavalo promove o terapeuta verbalize e a encoraje nesses momentos.
ganhos psicológicos e físicos, e o equoterapeuta facili- Na fase educativa, o cavalo já estará em movimento,
ta as atividades, potencializando a autoestima e con- realizando os passos, estimulando assim a criança.
fiança do paciente (Uzun, 2005). O equoterapeuta é Por fim, na fase de ruptura, que ocorre ao final da
o profissional da psicologia, da fisioterapia ou outras sessão, a criança irá acompanhar ou levar seu cavalo
áreas, que acompanha os pacientes, que nesses con- até a baia, ocorrendo a separação com o animal.
textos são chamados de praticantes. Este profissio- Além da ruptura, que ocorre no final da sessão,
nal, além de estimular e desenvolver atividades com a devemos mencionar sobre a outra interrupção, que é
criança na montaria, cuida da segurança do pratican- a alta do praticante. Segundo Peranzoni, Costa, Viei-
te, o acompanhando, geralmente, na lateral esquerda ra e Antunes (2013), isso ocorre quando o médico
do animal (Cirillo, 2001). Além do cavalo e do equo- que trabalha no próprio centro de equoterapia, a par-
terapeuta, nesse cenário há também a presença e tir de sua avaliação, indica se determinado pratican-
atuação do condutor/auxiliar-guia, que é responsável te permanece em tratamento ou se já pode ter alta.
em conduzir o animal e controlar os passos de acordo No entanto, esta é uma ideia muito vaga, pois não se
com o plano terapêutico (Colamarino, s. n.). sabe quais são os critérios utilizados para determi-
Resultados das pesquisas de Freire (1999) mos- nar o fim do tratamento. Faltam estudos que abor-
tram que as crianças autistas, ao serem submetidas dem esse assunto, sendo que, a principal motivação
à equoterapia, em sua maioria não apresentam aver- para alta pode estar mais próxima de regras institu-
são ao animal, aceitando-o, o que acaba favorecendo cionais do que das reais necessidades do paciente.
o contato social com os demais indivíduos da equipe, Santos e Sousa (2005) também chamam a atenção
permitindo um contato afetivo e uma melhora nas para o fato de que esta terapêutica carece de centros
relações sociais de forma geral. Isso ocorre, pois, a e profissionais especializados, tendo, portanto, um
confiança estabelecida com o cavalo permite que o longo caminho a percorrer.
indivíduo tenha mais clareza quanto a sua própria
identidade, já que a experiência interfere no corpo Os pressupostos básicos da teo-
como um todo, desde a musculatura até o psiquismo ria de Donald Woods Winnicott
(Uzun, 2005). Essa mesma autora faz uma analogia
mencionando que o praticante ao segurar as rédeas Um dos pontos importantes da teoria de Donald
do cavalo, é como se ele estivesse segurando em suas W. Winnicott é a ênfase que o autor atribui à relação
mãos as rédeas de sua própria vida, permitindo auto- indivíduo-ambiente em todos os processos do de-
confiança e confiança em seu ambiente. senvolvimento emocional primitivo da criança, bem
Da mesma maneira que outras terapias mais con- como sua influência na gênese dos transtornos men-
vencionais, a equoterapia precisa de um setting ade- tais. Para Winnicott, a gênese dessas doenças remete
quado, e por isso nesta modalidade terapêutica com as relações iniciais do indivíduo e às falhas ambientais
crianças autistas, as sessões seguem algumas fases ocorridas durante seu processo de desenvolvimento.
(Freire, 1999): a fase da aproximação, da descoberta, O diagnóstico de transtornos emocionais, para esse
educativa e da ruptura, as quais o terapeuta segue autor, envolve a identificação do estágio do desenvol-
acompanhando o praticante ao lado do cavalo (Uzun, vimento emocional em que se encontrava o paciente
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no momento em que a falha ambiental ocorreu. Em plena às necessidades do lactante só pode acontecer
virtude desse pressuposto básico, é pertinente tomar se a genitora se dedicar por completo, ainda que tem-
a teoria de Winnicott como referencial para o estudo porariamente, aos cuidados de seu bebê (Winnicott,
proposto, pois como já citado nos parágrafos intro- 1970/2002). Segundo o mesmo autor, tal tratativa
dutórios, pretende-se explorar a tríade: equoterapia, não requer esforços deliberados ou estudos intensifi-
vínculo afetivo e autismo, ou seja, como estímulos do cados, e sim um estado especial que se identifica nas
ambiente (prática da equoterapia) podem auxiliar no mulheres, no final da gravidez. A esta configuração,
tratamento do TEA, e o quanto este processo pode Winnicott chamou de preocupação materna primá-
facilitar o estabelecimento do vínculo afetivo. ria, a qual permite uma identificação da mãe com o
O vínculo afetivo é um ponto central para o desen- filho, que lhe permite atender às necessidades do seu
volvimento humano, principalmente quando se pen- bebê. A partir disso, essa mãe age como um Eu au-
sa sob a ótica de uma teoria psicanalítica relacional, xiliar da criança, acolhendo e atendendo às suas ne-
como a teoria de Winnicott. Esta traz importantes cessidades e possibilitando ao bebê a vivência de um
contribuições para a compreensão do quadro de autis- estado de onipotência, ou seja, a vivência do bebê é a
mo, uma vez que nestes casos, existe um comprome- de que o ambiente é uma extensão de si.
timento profundo na interação e comunicação social. Nesse estágio, a mãe exerce o holding, uma das
Winnicott enfatiza o papel das experiências ini- tarefas da preocupação materna primária (Winni-
ciais para a configuração e estabelecimento dos vín- cott, 1967/1975). As necessidades atendidas nesse
culos afetivos futuros, sendo que o protótipo de toda momento são simples, como por exemplo, segurar o
configuração vincular é o vínculo mãe-bebê. Ou seja, bebê no colo, permitindo que ele ouça os batimentos
a qualidade das relações posteriores dependerá dire- cardíacos da mãe, ou até mesmo, sentir os movimen-
tamente das experiências vivenciadas por esta díade tos respiratórios dela (Winnicott, 1970/2002). Isso
durante o desenvolvimento infantil inicial (Winnico- mostra ao bebê a vida que há no seu entorno. No en-
tt, 1970/2002). tanto, Winnicott (1963/1983) afirma que “Ninguém
Segundo a teoria do desenvolvimento de Winni- pode segurar um bebê a menos que seja capaz de se
cott, inicialmente o indivíduo passa por um estado de identificar com ele” (p. 82).
não integração, mas possui uma tendência inata para Além disso, a mãe, ao segurar o bebê e olhá-lo,
o amadurecimento, e precisará então de um ambien- devolve para o filho o seu próprio “Eu”. Não se pode
te suficientemente bom para que o desenvolvimen- dizer que é um olhar no espelho, no sentindo mais
to ocorra (Winnicott, 1990). Para Araújo (2003a), estrito da palavra, pois se a criança lança agressivi-
neste primeiro momento, o ambiente é a mãe, que dade para essa mãe, ela não deverá refletir esse es-
ao se identificar com seu bebê, o auxilia em sua in- tado da mesma maneira, mas sim permitir que essa
tegração. O bebê, em seu desenvolvimento emocio- criança se relacione com ela mesma através dessa ex-
nal primitivo, possui algumas tarefas que o levam ao periência de olhares. Contudo, a figura materna, ao
amadurecimento: a integração no tempo e espaço; o desenvolver essa experiência com o seu filho, vai no-
estabelecimento de uma unidade corpo e psique (per- meando e dando significado para essas experiências
sonalização), e o início das relações objetais. do bebê (Winnicott, 1967/1975). Colocado desta
Para entender o desenvolvimento emocional primi- forma, o que Winnicott nomeia como holding é mais
tivo da criança, Winnicott descreve estágios com tarefas que uma atitude de sustentação e cuidado físico, en-
e aquisições específicas, que, para o seu sucesso, depen- volvendo um conjunto de experiências afetivas que
dem diretamente da posição adotada pelo ambiente. se dão entre mãe e filho.
Tais estágios serão apresentados de forma sucinta para Além do holding, existem outras tarefas básicas
melhor entendimento da discussão aqui proposta, de desempenhadas simultaneamente pela mãe du-
forma que a maior atenção será dada ao estágio de rante o estado de preocupação materna primária,
dependência absoluta, devida a própria discussão de como o handling (manipular) e a apresentação do
Winnicott sobre a relação entre falhas ambientais em objeto (Winnicott, 1964/2002). A mãe ao manejar
estágios precoces e a etiologia de quadros graves, como a criança (agasalhar, higienizar, etc), permite que o
o que se identifica nos quadros de autismo. psiquismo se aloje no corpo, através das sensações
Nos estágios precoces, a dependência do ambiente corpóreas, uma vez que a criança é estimulada em
é absoluta, e o bebê é apenas uma parte do conjunto diversas áreas do corpo, e isso faz com que ela co-
ambiente-indivíduo (Winnicott, 1990). A adaptação mece a senti-lo. Já a apresentação do objeto (seio)
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possibilitará, posteriormente, a sensação de sacieda- agora, estas falhas favorecem o amadurecimento,


de, ou seja, após algumas mamadas, o bebê terá a pri- pois a criança terá mais condições egóicas, e até
meira sensação mais integrada. Segundo Winnicott neurofisiológicas, para entender a separação e ter a
(1967/2002), quando isto acontece, não é apenas a vivência de que ela e o mundo são coisas distintas.
alimentação que se inicia, mas também é o começo É neste período que o objeto transicional é funda-
da relação com o objeto. mental. Segundo Winnicott (1958a/1975), a falha
Na primeira mamada teórica, que é a soma das gradual da mãe faz com que a criança eleja um objeto
experiências de muitas mamadas iniciais, o bebê tem para suprir essa falta.
condições de criar o objeto, e a genitora possibilita O ponto mais relevante dessa discussão, para
a ilusão para o lactante que o seio e seu significado Winnicott (1958a/1975), é a experiência de eleição
foram criados pelo seu próprio impulso a partir de de um objeto denominado pelo autor de objeto tran-
suas necessidades (Winnicott, 1990). Inicialmente a sicional. Este objeto é vivenciado como algo que não
adaptação quase absoluta da mãe à necessidade da faz parte do corpo do bebê, mas que também ainda
criança possibilita a ilusão de que o bebê criou obje- não é percebido como algo pertencente à realidade
tos externos, sendo que “o cuidado físico, é o único externa, ocupando uma terceira área de realidade,
tipo de expressão de amor que o bebê pode reconhe- que se situa entre o subjetivo e o objetivo.
cer no princípio” (Winnicott, 1990, p. 122). Assim Para a criança, o objeto transicional é importan-
sendo, o lactante tem a ilusão de ter uma força cria- te, pois funciona como uma defesa contra a angústia
tiva mágica, e a onipotência acontece como um fato depressiva (Winnicott, 1958a/1975), uma vez que
a partir da adaptação da genitora. Esta experiência é suaviza a passagem de uma percepção onipotente
fundamental, pois possibilita que a criança coloque de mundo (um sentido de realidade subjetiva) para
em trânsito a sua capacidade criativa e dê início à ex- um sentido de realidade externa ao Eu (realidade ob-
pressão do seu self. Representa também a primeira jetiva). O que se constrói é uma área intermediária
relação com um objeto, objeto este que é percebido de realidade, que serve para amenizar a angústia de
como uma extensão de si. desilusão progressiva, devido à separação emergida
A mãe que não permite essa vivência faz com que pelo desmame, já que nesse estágio a mãe come-
a criança tenha que lidar com um dado da realida- ça a deixar de ser uma extensão do Eu da criança,
de para a qual ainda não está preparada. Segundo o que acaba incorrendo em uma dissolução do esta-
Winnicott (1970/2002), bebês que passam por fa- do de fusão estabelecido anteriormente (Winnico-
lhas do ambiente, quando a dependência é um fato tt, 1958a/1975; Winnicott, 1962/1983). Por isso, é
concreto, em graus diferentes, podem sofrer um pre- muito comum o uso do objeto transicional em mo-
juízo também concreto, muito difícil de ser reparado. mentos que os bebês estão sozinhos, como na hora
Mas se a mãe obtém sucesso nesta tarefa, vai dando de dormir (Winnicott, 1958a/1975).
segurança progressiva para a criança, auxiliando na Além disso, o objeto transicional é a primeira
consolidação do self verdadeiro. Pode-se dizer tam- posse da criança de um objeto não-Eu, e com isso
bém que experiências satisfatórias neste período fa- se faz necessário que os pais não modifiquem esse
vorecem a capacidade de confiar no ambiente e de se objeto, o deixando aos cuidados da própria criança,
vincular a ele. A criança precisa ser onipotente neste evitando-se limpá-lo frequentemente (Winnicott,
momento, precisa criar objetos e gestos, o que lhe 1958a/1975). Ao contrário do seio, que frustra por
permite confiar em si e gradualmente possa confiar não estar disponível a todo o momento, principal-
também no ambiente. Portanto, a experiência de ilu- mente durante o desmame, o objeto transicional está
são é fundamental na dependência absoluta. disponível para ser utilizado no momento em que a
No estágio seguinte, da dependência relativa, criança necessitar, sendo que as experiências que ela
o lactente começa a se “desfusionar” do ambiente, tem com ele são fundamentais para o contato gradual
saindo gradativamente do estado de onipotência com a realidade. Com isso, pode-se dizer que, neste
característico da dependência absoluta. Nesse novo estágio, essa “falha” materna faz com o bebê possa ter
estágio a mãe passa a apresentar uma desadaptação outros modos para lidar com esta mudança.
gradativa em relação às necessidades de seu bebê, Esse objeto tem que ser para o bebê algo que te-
uma vez que surgem falhas naturais que permitem nha textura, que seja possível manusear e que lhe dê
o desenvolvimento do bebê e o contato progressivo calor. Cabe destacar ainda que, segundo Winnicott
com a realidade externa (Winnicott, 1990). Porém (1958a/1975), essa área transicional perdura durante
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toda a vida, sendo importante para o indivíduo no estamos perante as questões referentes à trajetória
desenvolvimento da atividade criativa, permitindo do desenvolvimento humano e da constituição do
vivências religiosas, artísticas, filosóficas, ou em ou- seu psiquismo. Tais concepções desconstroem a no-
tras áreas. No final deste estágio a figura do pai apa- ção de autismo e as classificações psicopatológicas
rece para o filho, para dar suporte tanto para esposa descritivas tradicionais, que priorizam a observação
e também para ser um substituto da mãe quando ne- e tratamento de sinais e sintomas objetivos (Caval-
cessário (Winnicott, 1963/1983). canti & Rocha, 2002).
Em sequência aos acontecimentos anteriores, a Segundo Winnicott (1966/2005), a etiologia
criança poderá caminhar ao estágio “rumo à indepen- do autismo se dá quando a mãe falha em alguma fun-
dência”, desenvolvendo uma independência verdadeira, ção de cuidado com o seu filho, no início do desenvol-
na qual torna-se capaz de vivenciar uma existência pes- vimento do bebê, já que é um período que requer, a
soal (Winnicott, 1963/1983). Por fim, o estágio da “inde- sua total atenção. Porém, o autor ressalta que alguns
pendência relativa” acompanha o ser humano até a velhi- bebês, mesmo tendo um cuidado materno que deixa a
ce. O termo “relativo” é utilizado, pois as pessoas sempre desejar, conseguem se desenvolver emocionalmente,
dependerão, em alguma intensidade, do ambiente. En- já que as tendências que são herdadas podem influen-
tretanto, se elas encontrarem um lugar na sociedade, no ciar positivamente o desenvolvimento emocional, da
qual as conquistas adquiridas ao longo de seu desenvol- mesma maneira que danos cerebrais, durante gesta-
vimento possam se manifestar, pode-se considerar que ção ou nascimento, podem influenciar negativamen-
se iniciou a vida adulta (Winnicott, 1963/1983). te o desenvolvimento emocional dessa criança. Ou
Portanto, o amadurecimento só é possível na medi- seja, não é regra que falhas maternas resultarão em
da em que a dependência caminha para a independên- um filho autista, ou com outro tipo de patologia.
cia, cercada do amor representado por um ambiente Além das falhas maternas, Araújo (2003b) e
factível e humano (Winnicott, 1970/2002). Cada está- Winnicott (1966/2005) mencionam sobre o papel
gio delimita atividades e conquistas, e conforme o in- da figura paterna nesse período, auxiliando a espo-
divíduo avança, as tarefas se tornam mais complexas. sa, pois a mãe por estar identificada com o seu filho,
Diante do enfoque dado por Winnicott à influên- apresenta maior vulnerabilidade, que deve ser sus-
cia do ambiente no desenvolvimento humano, princi- tentada pelo marido, e quando ele não se faz pre-
palmente a partir das contribuições oferecidas para o sente e este apoio necessário não ocorre, a mãe pode
estudo do vínculo entre mãe-bebê, este autor traz im- falhar com o filho. É claro que Winnicott foi bem en-
portantes contribuições para pensar o autismo e suas fático em suas obras, dizendo que ele não objetivava
terapêuticas. A seguir será discutido como a equotera- culpabilizar ou responsabilizar os pais, mas mostrar
pia pode favorecer o estabelecimento de tais vínculos como certas atitudes podem trazer consequências
afetivos, a fim de atenuar sintomas característicos do desagradáveis ao desenvolvimento emocional da
quadro autista. criança (Winnicott, 1966/2005).
Por isso, considerando que o autismo, para
Vínculo afetivo de crianças au- Winnicott, remete a falhas no estágio de dependên-
tistas na equoterapia: contri- cia absoluta (estágio de holding), momento em que a
buições da teoria de Winnicott criança ainda não conquistou tarefas básicas como
a integração, personalização, e início das relações
As teorias psicanalíticas sobre a etiologia do TEA com objetos externos, ela acaba utilizando as defe-
inferem que o autismo pode estar relacionado a fa- sas autísticas como manobras defensivas para lidar
lhas primitivas na tarefa de cuidado materno, fazen- com suas angústias. Isso ocorre justamente pela não
do com que o bebê sinta agonias impensáveis e lance integração, e com isso, não há outras defesas mais
mão de defesas primitivas como a despersonalização, maduras para lidar com as falhas ambientais, tendo
a desintegração e o isolamento autista (Ajuriaguerra no momento, o isolamento do Eu, como principal
& Marcelli, 1986). Ou seja, as falhas do ambiente fa- recurso defensivo. Nesta perspectiva, todas as este-
vorável resultam em falhas no desenvolvimento da reotipias características do quadro de autismo (repe-
personalidade do indivíduo e no estabelecimento do tições, adesão a rotinas, movimento estereotipados,
self (Winnicott, 1959/1983). ensimesmamento), seriam formas de se defender de
Diante disso, Winnicott (1966/2005) ratifica que, repetições dessa falha inicial, em um momento que
no autismo, antes de encontrarmos uma patologia, o sujeito não tinha a sua disposição recursos mais
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maduros para integrar as falhas ambientais. Além Experiências regressivas podem auxiliar em
disso, esta falha sinaliza também uma ruptura pre- uma retomada do amadurecimento emocional, e as
coce no vínculo mãe-bebê, que irá se expandir para atividades corporais são importantes, pois são in-
o ambiente a partir de uma atitude de desconfiança tervenções de natureza “pré-verbal”, que vão a um
contínua em relação aos objetos externos. nível mais primitivo e atendem a essas necessida-
Já o tratamento consiste em possibilitar que a des. Assim, não são as interpretações que permitirão
criança tenha uma experiência regressiva, reviven- evolução nos casos, mas sim o manejo desse setting.
do etapas que ocorreram falhas no desenvolvimento A equoterapia se enquadraria nesta categoria, sendo
inicial, em que, ações como o toque físico, por exem- interessante também pelo próprio apresso da criança
plo, são mais importantes do que uma interpretação autista à sensorialidade (a linguagem pré-verbal), em
(Winnicott, 1966/2005). E é nesse cuidado restituí- que o contato com o cavalo se torna uma experiência
do que permite que a criança dê lugar à sua irritação sensorial primitiva. Portanto, neste setting, o holding é
em relação ao fracasso ocorrido, para depois desco- fornecido pela tríade cavalo-equoterapeuta-condutor.
brir novamente que é uma pessoa capaz de amar e Bueno e Monteiro (2011) destacam as represen-
confiar no ambiente (Winnicott, 1966/2005). É nes- tações do cavalo nas diversas teorias psicodinâmicas,
te ponto que se pode pensar em como a equoterapia partindo de Freud, para quem: “os movimentos do
pode auxiliar na reparação da falha inicial, possibi- cavalo se assemelham ao movimento do útero ma-
litando o indivíduo reviver de forma satisfatória, o terno” (p. 173), enquanto que para Jung “o arqué-
que não foi possível ser vivido nos estágios iniciais tipo do cavalo representa a psique não humana”
do desenvolvimento. (p.173), remetendo ao cavaleiro um sentimento de
É consenso que a clínica com crianças autistas de- domínio. Já para Winnicott, o cavalo é “como um
manda uma posição diferente por parte do terapeuta objeto transicional, facilitador de novas condições e
(Laznik-Penot, 1997). A clássica interpretação trans- experiências, além de possibilitador de uma relação
ferencial sede lugar ao holding, possibilitando o es- de troca, formando vínculo afetivo” (p.173). Porém,
tabelecimento de uma aliança terapêutica. A clínica é possível estabelecer um contraponto com a afir-
com crianças que possuem comprometimentos tão mação das autoras, já que, para Winnicott, como
severos necessita de outro tipo de cuidado, pois elas exposto anteriormente, a gênese do autismo remete
possuem formas diferentes de se relacionar e estabe- a experiências anteriores a transicionalidade. A rela-
lecer uma relação transferencial. Para isso, também ção entre criança e cavalo se torna importante nesse
é importante que o profissional aprenda a lidar com setting, pois, é permitido a criança encontrar no ca-
determinados comportamentos que são caracterís- valo um ambiente facilitador, por sua característica
ticos desta patologia, como o não olhar da criança dócil, acolhedora e desprendida de preconceitos ou
para o terapeuta, para que haja um respeito com este dificuldades em lidar com as diferenças, aceitando
indivíduo (Marques & Arruda, 2007). a criança na sua forma e ritmo. O cavalo seria por
Transportando os princípios da técnica psicanalí- si mesmo, um ambiente facilitador, que propicia o
tica proposta por Winnicott para o setting da equote- estabelecimento gradativo da confiança, condição
rapia, a partir da própria associação das autoras des- fundamental para a conquista da retomada do ama-
te presente estudo, não é só o terapeuta quem exerce durecimento emocional.
o holding, mas é como se o cavalo também realizasse Com isso, hipotetiza-se que, com as falhas da
essa função. O contato físico, o toque da criança na mãe, cria-se a necessidade de prover uma experiên-
pelagem do animal, o andar que remete ao colo da cia que foi impedida anteriormente. Elege-se assim,
mãe, faz com que o autista possa se sentir cuidado. um objeto que é real e que dê suporte a experiência
O terapeuta deverá utilizar recursos que promo- que não ocorreu de forma adequada nas etapas do
vam à criança uma experiência regressiva, em que desenvolvimento emocional primitivo. Na equote-
possa revivenciar etapas primitivas do seu desenvol- rapia, o cavalo, o equoterapeuta e o condutor, bem
vimento emocional, nas quais ocorreram falhas, que como todo o setting que os rodeia, devem estar adap-
poderão ser revividas no setting. Defende-se a ideia tados para atender as necessidades do paciente, de
de que na equoterapia o terapeuta será um mediador acordo com seu momento de amadurecimento. O
deste processo, tendo em vista que a relação esta- espaço terapêutico se configura como um espaço da
belecida entre a criança e o cavalo poderá promover potencialidade e do brincar, possibilitando a crian-
esse tipo de regressão. ça transitar por uma região intermediária entre o
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pessoal e o externo. Da mesma forma que o bebê está deduz-se que o contato com o cavalo, juntamente
fusionado a mãe no início de seu desenvolvimento, com o terapeuta e condutor que dirigem a atividade,
ele, talvez, poderá se fusionar ao cavalo, terapeuta e/ remete muito a experiência da criança ser cuidada.
ou condutor, ocorrendo projeções, já que o cuidado Por ser um momento que permite esta regressão, as
do terapeuta e condutor, juntamente com o andar do lacunas oriundas da falha materna podem ser com-
cavalo, acalentam de forma semelhante ao momento pletadas, para, a partir disso, favorecer o processo
em que a mãe segura o seu bebê no colo (Bueno & de integração do Eu. Por isso, faz-se a analogia de as
Monteiro, 2011). rédeas do cavalo serem as rédeas da vida, pois per-
Bueno e Monteiro (2011) compreendem que, do mite o ganho da independência pessoal. Ou seja, a
ponto de vista da criança, o cavalo poderá ocupar tríade (cavalo, terapeuta e condutor) gradativamen-
o espaço transicional, sendo, portanto, um objeto te permite a transição do mundo subjetivo da criança
transicional. Entretanto, é importante considerar para o mundo externo, objetivo. Além disso, permi-
que as experiências proporcionadas no setting de te que a criança saia de um fechamento em si para
equoterapia só são possíveis em um campo relacio- uma aproximação gradual com objetos externos ao
nal humano. Ou seja, devido ao isolamento do Eu, a Eu. Neste movimento, a criança pode reestabelecer
criança autista não consegue por si só eleger este ob- a confiança no ambiente, perdida devido a experiên-
jeto transicional, precisando, portanto, que terapeu- cias de frustrações precoces.
ta e condutor a auxiliem na apresentação desse obje- Porém, as autoras alertam para não incorrer na
to, já que ela não se aproximaria do cavalo se este não compreensão equivocada de que a experiência com
fosse apresentado por um “outro” que é humano. o cavalo poderá substituir a experiência humana. A
Partindo desta perspectiva, as autoras desta pes- aproximação com o “objeto cavalo” só é possível gra-
quisa também acreditam que o cavalo preenche as ças ao contato com o terapeuta e condutor, os quais
características de um objeto transicional, pois pode deverão estar sempre acompanhando o seu pratican-
ocupar o espaço transicional, permitindo a passagem te, o encorajando, mas, principalmente, respeitando
de um sentido de realidade subjetiva para a realidade o ritmo da criança. Por isso, se enfatiza a importân-
objetiva, como se fosse uma ponte entre o Eu e o ou- cia de que no estabelecimento do contrato, a institui-
tro, entre o interno e o externo. A pelagem do cavalo ção de equoterapia não determine o limite de tempo
tem uma textura relativamente macia, e a criança con- para a intervenção, pois é de extrema importância
segue manuseá-lo, seja conduzindo as rédeas ou o es- que essa criança tenha o seu ritmo respeitado, a fim
covando, além do próprio calor do equídeo que trans- de não vivenciar novas falhas ambientais.
mite para quem o manuseia. Ele estimula a criança Como apontado, a equipe e o animal em questão
constantemente enquanto ela está montada, ou quan- exercem o papel de intercessores entre mundo in-
do está zelando por ele (escovando ou o alimentando). terno e mundo externo da criança, principalmente
Paralelamente, as autoras associaram que a expe- em crianças autistas, para quem o isolamento do Eu
riência sensorial fornecida pode relacionar-se com o é tão intenso. Foi visto que a primeira fase numa
handling, de maneira que, no contato com o animal sessão com crianças autistas na equoterapia é a de
apresentado pelo equoterapeuta, a criança pode co- aproximação, e esse momento remeteria a uma an-
nhecer também o seu próprio corpo, suas funções gústia de separação, pois o praticante sairá de per-
e limitações, desenvolvendo contornos para o Eu e to de seus responsáveis ou das pessoas que conhece
auxiliando no seu processo de personalização. Ela para experenciar uma situação nova. Algumas crian-
também tem a experiência de troca: ela é cuidada ças choram nesse momento, mas outras correm na
pela equipe e pelo cavalo, e pode agora cuidar, prin- direção do cavalo. Para ilustrar essa primeira fase,
cipalmente deste último, garantindo uma relação de a partir da experiência clínica das autoras na área,
reciprocidade, que é uma característica importante cita-se o exemplo de uma criança que, em seus pri-
dos vínculos afetivos autênticos. meiros atendimentos, chorava muito ao se separar
Devido às crianças autistas terem uma experiên- de sua mãe e de seu avô para se aproximar do cavalo,
cia de ruptura precoce no vínculo, em função de fa- e permanecia chorando durante a montaria, mesmo
lhas ambientais, isso acarreta uma dificuldade em com o terapeuta e condutor conversando com ela, a
confiar no outro, permanecendo em um eixo narcí- estimulando, que acariciasse o animal.
sico em que é impossível por si só estabelecer uma Com isso, independentemente da reação, o te-
relação com um objeto externo ao Eu. Com isso, rapeuta trabalhará a aproximação tanto da criança
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com o cavalo, como o oposto, respeitando o tempo de realmente ela não ficou com este papel, pegando o pa-
cada um, para que depois o praticante possa avançar pel de vilão, e brincou normalmente, dando dicas ain-
para a fase da descoberta. Nesse ponto, o cavalo não da para a estagiária de como deveria ser feito o outro
será mais algo que suscita medo ou indiferença, pois personagem. Isto expõe como o vínculo com o animal
a partir de suas experiências de acariciá-lo, limpá-lo, vai se estendendo para outros indivíduos, como te-
escová-lo, entre outros contatos físicos, o animal rapeuta, estagiários, etc. A experiência de confiança
poderá tornar-se importante para a criança e esta vai sendo retomada gradativamente, tanto em obje-
poderá elegê-lo como objeto transicional. A mesma tos externos (pessoas), como em si mesma, pois ela
criança mencionada, após alguns atendimentos, pas- compreende que pode interpretar outros papéis sem
sou a chorar na recepção, quando chegava adiantada modificar seu self, mostrando, portanto, que os cui-
e precisava aguardar para poder montar em seu ca- dados já foram internalizados de forma satisfatória.
valo. Esse tipo de reação pode indicar que, para ela, o Além disso, essa criança se mostrava criativa em
cavalo já se tornou algo primordial, quando o vê, mas suas interações e principalmente quando dizia que
ainda não pode montar, pois ainda não está no seu quando crescesse iria programar jogos eletrônicos,
horário de atendimento, ela pode se sentir ansiosa para os quais já tinha criado personagens e cenários.
por estar separada de seu objeto. Nessa situação fica Isto ilustra a área transicional dela que perdurará du-
claro também a importância do terapeuta e condu- rante toda a vida, no quesito de atividade criativa,
tor, que apresentaram e desenvolveram a aproxima- permitindo a vivência com algumas áreas, como com
ção dessa criança com o animal. jogos, artes etc.
Outro caso que pode ser exemplificado é o de uma As experiências na equoterapia podem fazer com
criança, também autista, que quando zelava pelo seu que as crianças autistas saiam do seu próprio mundo
animal, na maioria das vezes optava por lavar as pa- para começar a olhar o seu entorno, e quando isso
tas do cavalo. Pensando num simbolismo para essa ocorre, é porque existe algum tipo confiança no seu
criança, ela cuidava justamente da parte que permite ambiente. E se há confiança, há o desenvolvimento
que o animal fique em pé, ou seja, é como se ela cui- do vínculo afetivo. Para isso, da mesma maneira que
dasse da base da estrutura do seu objeto, a base da o setting na clínica não deve sofrer modificações, o
sua ponte entre mundo interno e externo, para po- setting no picadeiro também não. Isto envolve inclu-
der continuar alcançando o seu mundo objetivo e se sive o cavalo, pois se esse animal é visto como um
manter numa relação com o outro. Além disso, talvez objeto transicional, a criança deverá, até conseguir
esta atitude também possa mostrar que ela já com- desenvolver certa autonomia psíquica, manter o
preende o objeto como externo e real, e ao lavar as contato sempre com o mesmo cavalo, bem como com
patas do animal, demonstra uma atitude de cuidado o equoterapeuta, condutor do cavalo, entre outros. É
com um outro externo ao Eu, pois conforme a criança claro que imprevistos acontecem, mas é importante
vai alcançando confiança no ambiente, o objeto tran- manter uma estabilidade neste setting no início do
sicional, em alguns momentos, pode ser visto como tratamento dessas crianças. Depois que as crianças
objeto real, que deve ser zelado. Era uma criança que ganham certa autonomia, o animal poderá ser troca-
estava há vários anos sendo atendida nessa moda- do, visando à quebra da rotina dessa criança.
lidade terapêutica, mas também era acompanhada Na experiência das autoras, observou-se que quan-
por outros especialistas, e ela já se relacionava bem do houve a troca de cavalo da última criança men-
com as pessoas da instituição, interagindo através da cionada acima, ela não mostrou nenhum incômodo,
fala ou de brincadeiras. o que é muito positivo, demonstrando a quebra nas
Uma de suas brincadeiras mais frequentes antes condutas estereotipadas. Quando a rotina é rompida
da montaria4 era interpretar personagens de uma sem gerar angústia de separação para essa criança,
série televisiva. Ela sempre insistia em repetir essa isso ilustra que a experiência com o ambiente foi in-
brincadeira, e após várias sessões sendo determina- ternalizada de forma satisfatória, e ao se afastar do
do personagem, o terapeuta propôs fazer um sorteio objeto/rotina, a criança já entende que não irá perder
com papéis para ver qual personagem cada um deve- esta experiência, pois esta está retida em seu mundo
ria interpretar. Inicialmente ela não queria o sorteio, interno, demonstrado, portanto, que já há uma cons-
pois havia a probabilidade de que não lhe coubesse o tância objetal. No entanto, em algumas sessões an-
papel de seu personagem preferido. Após sorteado, teriores a troca do animal, havia ocorrido a troca de
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A sessão era dividida em 25 minutos de atividade e 25 minutos de montaria.
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condutor, e no primeiro dia dessa mudança, a criança que a criança possa ter uma experiência regressiva,
mostrou uma pequena dificuldade e dispersão na con- revivendo as etapas em que as falhas primitivas fize-
dução, porém nos encontros posteriores ela voltou a ram-se presentes. A partir disso poderá ocorrer uma
apresentar o mesmo desempenho. Ou seja, a criança retomada do amadurecimento emocional, uma vez
adquire gradualmente uma confiança que permite su- que o cavalo e a equipe (equoterapeuta e condutor)
portar a desilusão e o contato com o mundo objetivo, podem assumir o papel de holding e handling.
porque as experiências subjetivas, e posteriormente No setting da equoterapia, o conjunto de expe-
a transicionalidade, permitiram a constituição de um riências com o animal, proporcionadas pelo contato
Eu pessoal capaz de dar conta das experiências desse físico, o toque da criança na pelagem do animal, o
contato com o mundo externo e suas modificações, in- andar do cavalo que remete ao colo da mãe, media-
cluindo eventualmente um novo cavalo, um novo con- dos pelos cuidados do terapeuta e condutor, possi-
dutor e equoterapeuta. Diante do exposto, enfatiza-se bilitam uma experiência de cuidado que remete as
novamente que não é recomendado que se faça isso etapas primitivas do desenvolvimento infantil. Pa-
no início do tratamento, só apenas depois da criança ralelamente, a experiência sensorial vivenciada pode
ter estabelecido certa autonomia psíquica e física, a relacionar-se com o handling, de maneira que, no
exemplo do caso ilustrado. contato com o cavalo, terapeuta e condutor, a criança
pode experienciar também o seu próprio corpo, suas
Considerações finais funções e limitações, desenvolvendo contornos para
o Eu, podendo ser cuidada e também cuidar, garan-
O autismo é uma patologia que pode gerar muitas tindo uma relação de reciprocidade e vínculo.
dúvidas dada a ausência de uma definição única sobre Além disso, o animal, que é apresentado pela
a sua etiologia. De forma geral, sabe-se que indivíduos equipe, pode ser mencionado como uma parte da
portadores deste transtorno apresentam dificuldades experiência transicional. A equipe desenvolve, de
na interação com o seu meio, dentre outros sintomas, forma cuidadosa, respeitando o ritmo da criança, a
que podem manter o interesse restrito e repetitivo. aproximação desta última com o cavalo, permitin-
Diante deste cenário, estes pacientes podem contar do a passagem de um sentido de realidade subjetiva
com terapias alternativas que visam amenizar alguns para a realidade objetiva, estabelecendo uma ponte
sintomas característicos, auxiliando na manutenção entre o Eu e o outro.
de sua funcionalidade e autonomia. Dentre as moda- Diante do exposto, o cavalo é apresentado para a
lidades terapêuticas indicadas para o tratamento do criança pela equipe, de forma que ela poderá viver uma
autismo, buscou-se ressaltar e detalhar com maior experiência com este “objeto” que ocupa o espaço tran-
profundidade a equoterapia, prática ainda pouco co- sicional. Na medida em que a experiência regressiva
nhecida, sobretudo no meio acadêmico e científico. vai sendo bem-sucedida, devido ao holding promovido
A equoterapia utiliza o cavalo como facilitador, pela tríade cavalo, equoterapeuta e condutor, ela pode
visando educar, habilitar e reabilitar indivíduos gradativamente ir confiando no ambiente e também,
com disfunções socioemocionais. Tendo em vista a em alguns momentos, ir percebendo o cavalo como
carência de estudos que abordem a equoterapia, a um objeto externo ao Eu. Conforme visto em uma das
presente pesquisa buscou realizar uma aproximação vinhetas clínicas, são nestes momentos que ela pode
teórica entre esta prática clínica e o pensamento de cuidar do animal, pois o concebe como um objeto real e
Winnicott. Este autor destaca o quão importante é a confiável, que deve ser preservado. Se ela adquire con-
relação ambiente-indivíduo nos primórdios da vida, fiança, ela pode lidar com rupturas do vínculo, como a
teorizando que o desenvolvimento de condições gra- troca do cavalo, sem experienciar a angústia de separa-
ves, como o autismo, podem ocorrer, devido a falhas ção de forma tão intensa como antes, pois adquiriu a
ambientais que impossibilitaram o processo de inte- capacidade de cuidar por ter conquistado confiança no
gração do bebê. Em decorrência destas falhas, defe- ambiente que mantém seu cuidado e existência, isto é,
sas arcaicas são mobilizadas visando o isolamento do sobrevive à sua forma de ser e de se apresentar no mun-
Eu para lidar com o conjunto de angústias impensá- do. Sendo assim, esse ambiente propicia a conquista
veis experimentadas nos estágios primitivos da vida. do Eu Sou, que dá base para essas novas possibilidades,
O desenvolvimento teórico deste artigo trouxe a entendendo que a mudança no setting não acarretará
proposição de que o cavalo, o terapeuta, o condutor uma mudança no seu self. Isso implica resultados po-
e o setting, representado pelo picadeiro, permitem sitivos em relação aos sintomas característicos, como
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isolamento do self, adoção de condutas estereotipa- olhar no seu entorno, podendo reestabelecer a con-
das, pois essas estereotipias são parte da experiência fiança no ambiente, confiança que foi perdida devido
de não confiar em um ambiente que já falhou antes e às experiências de frustrações precoces. Quando isso
que pode vir a falhar novamente. Assim a criança pode se inicia, é porque existe algum tipo confiança no seu
passar a confiar no ambiente a ponto de permitir que ambiente. E se há confiança, há o desenvolvimento
pequenas mudanças na sua rotina ocorram. da capacidade de relacionamento consigo mesmo e
Portanto, o contato com a tríade (cavalo, tera- com o ambiente externo.
peuta e condutor), gradativamente, permite que a Por fim, evidencia-se quão importante é a equotera-
criança saia de um fechamento em si para uma apro- pia na intervenção no quadro de autismo. Desta forma,
ximação gradual com objetos externos ao Eu. Essas esse trabalho não visa esgotar o assunto, mas almeja
experiências tendem a fazer com que as crianças au- servir de base para futuras pesquisas e possibilitar um
tistas saiam do seu próprio mundo para começar a maior conhecimento e aplicação sobre esta prática.

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Recebido: 27.03.18 / Corrigido: 13.07.18 / Aprovado: 23.07.18

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