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Data: 29/06/2022
( X ) Aprovado
( ) Reprovado
AVALIADOR
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Prof. Dr. Flávio Lúcio Almeida Lima
(Orientador - UFCG)
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RESUMO
Graduada em Psicologia pela URCAMP-RS. Pós-graduanda em Psicologia Humanista e Abordagem Centrada
na Pessoa pela UNIPÊ-PB. Atua como Psicóloga Clínica. Email: angelabelem.psi@hotmail.com
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ABSTRACT
This article aimed to analyze the application of Child-Centered Play Therapy in the psychotherapeutic
follow-up of children diagnosed with Autism Spectrum Disorder (ASD). As it normally appears in
childhood, play therapy, imbued with the principles of the Person-Centered Approach (PCA) –
unconditional acceptance, congruence and empathy –, provides the therapist with an excellent tool
to establish a bond with the child, so that he can, through ludotherapy resources, express their
feelings and emotions. Therefore, the present work had as main objective to discuss Child-Centered
Play Therapy (LCC) as a psychotherapeutic proposal that promotes the emotional growth of children
with ASD. In order to answer the problem about the way in which the person-centered
psychotherapy contributes to the construction of the subjectivity of autistic children, the present
work adopted the heuristic method, characterized as an experience report, as it described the follow-
up of three children diagnosed with ASD in the context of psychotherapy developed in the office. The
children, through their experiences, were able to release feelings and emotions that would be
difficult to express with words, such as hugs at the end of the sessions, decreased aggression,
decreased echolalia, improved interaction with adults and school performance.
INTRODUÇÃO
METODOLOGIA
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Tal concepção deixa implícita a ideia de que o autismo pudesse ter como
causa fatores etiológicos. O grande representante dessa vertente foi o psiquiatra
Peter Hobson.
A Teoria da Mente, conforme delineada por David Premack e G. Woodruff
(1978), define a capacidade para atribuir estados mentais a outras pessoas e,
partindo dessas atribuições, predizer o comportamento alheio. Segundo Harris
(1994) e Wellman (1994), por volta dos três anos a criança já possui condições de
distinguir estados mentais de físicos, bem como aparência de realidade; faria
comentários a respeito de seus estados mentais para depois comentar o de outras
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No que tange às crianças, tomando por base sua experiência clínica, Carl
Ransom Rogers e Godelieve Marian Kinget (1977) esboçaram uma teoria de
personalidade centrada na pessoa na qual a criança percebe a sua experiência
como sendo a realidade; estas possuem a tendência ao desenvolvimento pleno de
suas potencialidades, comportam-se sempre satisfazendo suas necessidades em
direção à atualização. Eles perceberam que nelas existe uma avaliação organísmica
que atribui valor positivo às vivências favoráveis à preservação, e negativas às
contrárias ao seu bem-estar. Buscam vivenciar experiências que interpretam como
positivas e evitam as negativas. Dessa forma, a constituição do self é marcada pela
existência de um aspecto da tendência atualizante à diferenciação, desenvolvendo a
consciência de existir. E através da interação da criança com o seu meio
sociofamiliar, organizar-se-á progressivamente a sua noção do eu.
Embora essa interação inicial da criança ocorra, via de regra, com os pais
(ou algum parente próximo), nem sempre essa experiência resulta satisfatória. De
fato, Rogers já apontava que uma interação positiva com as pessoas-referência era
vital para o desenvolvimento saudável da criança; contudo, ainda que isso ocorresse
de forma diversa, sempre haveria a oportunidade de se relacionar positivamente no
futuro com outras pessoas e receber delas a aceitação e consideração
indispensáveis à sua atualização (ROGERS; KINGET, 1977).
Dessa maneira, postula-se que mesmo em crianças que estejam
vivenciando processos de adoecimento ou sofrimentos severos, ou que possuam
dificuldades em se expressar e interagir – a exemplo das crianças com TEA –,
existem nelas recursos internos que poderão ser acionados e que as levará à
reconstrução dos processos de saúde e bem-estar. Isso decorre, segundo Rogers,
do fato do ser humano possuir naturalmente a tendência a crescer e se atualizar.
Mesmo sob a interferência de diversos fatores externos que possam atrasar tal
movimento, “a tendência fundamental é em direção ao crescimento, ao seu próprio
preenchimento ou satisfação.” (ROGERS Apud FADDA, 2013)
Exemplo claro da aplicação dessa ideia pode-se verificar nas intervenções
que o terapeuta faz no sentido de chamar a atenção do cliente para os sentimentos
expressados por vezes de forma inconsciente, tanto em palavras como por atitudes,
e que são denominadas respostas-reflexo (ROGERS; KINGET, 1977).
Dos três tipos de respostas-reflexo – a reiteração ou reflexo simples, o
reflexo de sentimentos ou reflexo propriamente dito e a elucidação –, a mais
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saudável. Colocar-se no lugar do outro, ver o mundo como o outro vê e aceitar isso
incondicionalmente são as bases para o sucesso da terapia (DORFMAN, 1992).
Mas como acessar o “eu” da criança com TEA? Como se colocar no lugar de
alguém que não consegue interagir? Como ver o mundo como a criança que não
comunica sua forma de vê-lo? Se na maior parte dos casos uma criança já tem a
dificuldade natural de expressar sentimentos, a criança com TEA apresenta uma
extra: ela apresenta dificuldades em interagir e, na maioria dos casos, em se
comunicar. Na verdade, não significa que ela não o faça, apenas externa isso de
maneira diferente; e é nesse momento que a Ludoterapia Centrada na Criança
mostra toda sua potencialidade, pois coloca à disposição da criança diversos
instrumentos por meio dos quais ela pode se expressar e comunicar seus
sentimentos (DORFMAN, 1992).
A Ludoterapia Não-Diretiva ou Centrada na Criança é uma proposta
psicoterápica que tem como objetivo promover o crescimento emocional das
crianças, libertando-as dos conflitos existenciais através de atividades lúdicas
(FADDA, 2013). Nela, uma variável de extrema importância para o desenvolvimento
do processo psicoterápico é justamente a relação terapeuta-cliente (AMATUZZI,
2012). Entende-se que os recursos verbais, os jogos e os brinquedos são
facilitadores, mas o essencial é vivenciar as atitudes facilitadoras da compreensão
empática, atitude positiva incondicional, autenticidade ou congruência na relação
terapêutica (AXLINE, 1984).
Ao longo de dois anos tive a oportunidade de acompanhar três crianças com
TEA, sendo todas do sexo masculino e com idade variando entre quatro e sete anos.
Essas crianças já chegaram ao serviço com o diagnóstico prévio de TEA, realizado
pelo psiquiatra e/ou neurologista infantil. As sessões tiveram início há um ano e meio
para duas das crianças, e há dois anos para a outra.
O PRIMEIRO CONTATO
Ao olharmos para uma criança, facilmente somos conduzidos a ter
pensamentos bons – principalmente se tivermos filhos –, e muito provavelmente não
vamos imaginar problemas rondando aquela vida. Por isso, uma criança que chega
a um consultório de psicologia de imediato nos leva a refletir: o que será que a
trouxe aqui?
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“O que eu sou e aquilo que sinto pode perfeitamente servir de base para a
terapia, se eu pudesse ser transparente o que sou e o que sinto nas minhas
relações com ele. Então talvez ele possa ser aquilo que é, abertamente e
sem receio.”
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Também conhecida por geleca ou Slime,, é um brinquedo em forma de massa gelatinosa. Ele tem a possibilidade de formar
bolha, esticar, enrolar, enfim, ter várias formas, e isso o torna um brinquedo muito atrativo e relaxante
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normalmente uma figura, e repetisse o que era. Isso fazia com que ela sorrisse
muito. Depois de fazer, ela me abraçava, indicando que se sentia aceita,
compreendida e respeitada. Posteriormente, ela pedia para dançar e fazia alguns
passos com os pés em cima dos meus, como se fosse uma valsa, conduzia assim
tanto a dança quanto a própria terapia. Como resultado de tudo isso, observou-se a
significativa diminuição dos movimentos estereotipados e a redução da ecolalia.
Por sua vez, a CRIANÇA 3 apresentava problemas de linguagem muito
acentuados e só balbuciava alguns sons. Logo no início, não olhava para mim e nem
interagia de forma alguma: foram limites iniciais bem rigorosos. Nesse período, a
família relatou que ele andava muito em círculo e apresentava um prejuízo muito
acentuado na interação. Ultrapassar esse tipo de resistência é algo que deve ser
feito de forma bastante sutil, devendo o terapeuta se valer dos mais variados
recursos à disposição para a criança, sem impor nada, a fim de conquistar sua
confiança. Dentre os diversos materiais disponíveis, ela tinha predileção pelos
brinquedos, e em particular pelo pião, por ser colorido e possuir luz. A escolha do
pião como objeto lúdico foi o ponto de inflexão que viabilizou a interação com ele,
pois por várias vezes ela não conseguia colocar o pião para girar, até que em um
dado momento começou a colocar o pião na minha mão, e eu agradecia a ela pelo
brinquedo, colocando-o para funcionar.
Ela também gostava muito de escutar músicas e as ouvia algumas vezes:
essa foi a forma e o ritmo indicados pela criança para que a terapia se
desenvolvesse. Nesses momentos, ela ficava bem tranquila, diminuindo os
movimentos estereotipados, e depois buscava brincar com a casinha. Em várias
ocasiões, preparei previamente para os encontros papel picado bem colorido e papel
inteiro para que ela pudesse picar e trabalhar o sensorial, que era muito aguçado.
Isso também a fazia sorrir muito e me abraçar, reconhecendo e refletindo seus
sentimentos. Outra observação importante foi o fato dela ter dificuldade para segurar
o lápis. Sugeri aos pais utilizarem um lápis triangular para facilitar esse momento, o
que se mostrou bastante eficaz. Assim, aos poucos ela começou a interagir comigo,
o que também se refletiu na escola, pois começou a interagir com alguns
coleguinhas. Importante destacar que o vínculo estabelecido foi tão forte que ela
passou a não querer sair da sala ao final da sessão, e tivemos que trabalhar uma
música que marcasse o final do encontro: quando estava chegando a hora eu
começava a cantar e ela ia guardando comigo os brinquedos.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Falar sobre o autismo ainda não é algo simples. E talvez nunca venha a ser.
Não se sabe. O certo é que, da mesma forma que um indivíduo não é igual a
nenhum outro, não existe “autismo” como algo uniforme. Nos dizeres de Fadda
(2013, p. 17), “não existem duas pessoas diagnosticadas com autismo que sejam
iguais. Não existe um tipo de autismo. Há vários autismos visto que não há dois
cérebros iguais no mundo”.
A Psicologia Humanista, na sua busca pela compreensão do “ser integral”,
nos coloca diante dessa premissa. Sendo assim, no seu labor diário, o psicólogo que
trabalha com os princípios da Abordagem Centrada na Pessoa no acompanhamento
de crianças com TEA deve ter sempre em mente que todo ser humano, ali em seu
consultório, é único, e o caminho até aquela individualidade passará,
necessariamente, pela aceitação incondicional, pela congruência e pela empatia.
A ludoterapia, por si só, já tem o poder de libertar sentimentos e emoções
que com palavras seriam difíceis de externar; quando a isso se soma a não-
diretividade e a criança como centro das atenções, tal como ocorre na Ludoterapia
Centrada na Criança, com a liberdade e a aceitação do outro em sua plenitude, esse
poder se potencializa de tal forma que mesmo uma criança com problemas de
interação – a exemplo dos autistas – consegue encontrar o seu caminho para liberar
suas emoções, revelar-se ao mundo como é e com isso fluir sua tendência
atualizante.
E nesse processo, o terapeuta não é um mero observador: é antes um
facilitador, mas que acompanha o processo junto com a criança. Ele observa,
acolhe, aceita sem julgamentos, respeita o tempo da criança, seus gostos, seus
limites e convicções. Em outras palavras, ele contempla o ser integral, espera,
respeita, pois o encontro com o outro só é possível quando o aceitamos
incondicionalmente.
Por ter se tratado de um relato de experiência, e considerando o escopo do
presente trabalho, bem como o universo relatado (apenas três casos), não se pode,
ainda, estabelecer bases para uma teoria que indique a Ludoterapia Centrada na
Criança como a melhor ferramenta para se trabalhar com crianças com TEA.
Estudos mais aprofundados, com amostras mais significativas, certamente podem
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apontar rumos mais precisos nessa jornada que é o acesso ao ser integral de uma
criança autista.
Além disso, falar sobre crianças com TEA implica, necessariamente, em
abordar o principal coadjuvante nesse processo, e que muitas vezes não é levado
em conta: os pais, em especial as mães. Por questões de delimitação metodológica,
não se pôde aprofundar mais na questão do papel das mães no acompanhamento
dos seus filhos autistas, embora tenha se evidenciado que essas cuidadoras
necessitam também vivenciar a experiência de serem cuidadas com a mesma
aceitação incondicional, congruência e empatia.
REFERÊNCIAS
BOWLBY, John. Formação e rompimento dos laços afetivos. São Paulo: Martins
Fontes, 2006 a.
ROGERS, Carl Ransom. Tornar-se Pessoa. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes,
1961/1999.
SALES, Yuri de Nóbrega; SOUSA, André Feitosa de; JUNIOR, Francisco Silva
Cavalcante. Ciência e pesquisa centradas na pessoa: três modelos e seus efeitos
na condução da investigação acadêmica. Rev. NUFEN, vol. 4, n. 2. São Paulo, dez.
2012. Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?
script=sci_arttext&pid=S2175-25912012000200010>. Acesso em 11 mai. 2018.
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