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Comunidade
Terapêutica *
ROBERTO ALEXANDRE QUILELLI CORRÊA **
e colaboradores
.. 1. Movimento da Comunidade
Terapêu~ica.
2. A Experiência do Hospital Pinel.
Bibliografia
Arq. bras. Psic. apl., Rio de Janeiro, 22(2) :69-83, abr./jun. 1970
goria de cidadão que o louco enjaulado, colecionado em zoológicos
especiais que indignamente ousavam chamar de hospitais, pôde ser
elevado ao nível de doente, de enfêrmo. Não foi apenas com a ati-
tude emotiva e sujeita a interpretações românticas de romper com
os grilhões que sujeitavam os pacientes, que PINEL revolucionou. O
importante é que isso resultou de fato básico, do desejo maduro de
estudar, de fazer ciência, de não acomodar-se à ignorância e às
fórmulas arcaicas. PINEL estudou seus pacientes, individualizou-os, e
deve, portanto, ser co.nsiderado o verdadeiro fundador da psiquiatria,
ao publicar em 1798 sua Nosographie Philosophique e seu Traité
Médico-philosophique de la Manie, em 1801. Formamos ao lado de
LUIZ CERQUE IRA quando êle nos diz a respeito de PINEL, em seu livro
Pela Reabilitação em Psiquiatria: "Estávamos na primeira revolução
psiquiátrica, e praxiterápica, conseqüentemente. Mais porque lança-
va as bases de uma nova assistência do que mesmo por sua frase ...
O trabalho constante modifica a cadeia de pensamentos mórbidos,
fixa as faculdades do entendimento, dando-lhes exercícios e, por si
só, mantém a ordem num grupamento de alienados. Foi um marco
significativo. Mas, nem por isso, ainda hoje, deixa de haver doentes
pràticamente enjaulados, vegetando ociosamente".
Foram necessários mais de cem anos para que surgisse outra
figura do nível de PINEL. Somente após a primeira guerra mundial
ouviu-se falar de SIMON, HERMANN SIMON, homem simples que se
dizia um psiquiatra prático, interessado apenas em ajudar seus doen-
tes e não em buscas e elucubrações intelectuais. Estava com 56 anos,
fôra a uma reunião da Associação de Diretores de Manicômios
Alemães, em rena, em 1923, e, irritado com os conceitos e afirma-
ções emitidas por seus colegas, defendendo velhos preconceitos e
exibindo enfàticamente suas taxas de clinoterapia (naquela época
os hospitais psiquiátricos disputavam ardentemente uma partida em
que ganhava aquêle que mais pacientes conseguisse reter no leito),
SIMON protestou e foi convidado a relatar e defender suas expe-
riências, utilizando o trabalho físico, manual, como fórmula tera-
pêutica. Daí a publicação em 1929 de seu livro Tratamento Ocupa-
cional dos Enfermos Mentais.
E aí nos diz êle: "É necessário que o médico não veja imica-
mente o patológico, mas também, e antes de tudo, a parte da perso-
nalidade ainda sadia e utilizável, as fôrças positivas restantes da
vida corporal e anímica. E sua missão terapêutica consistirá em
opor-se ao desenvolvimento do patológico, valendo-se de todos os
recursos de que disponha (não só o trabalho) fomentando por outra
parte tôdas as manifestações vitais sadias. Tôda atividade terapêu-
tica se desenvolve no cérebro do médico, não nos músculos do doen-
te que trabalha e muito menos nos punhos do enfermeiro". Parece-
nos que SIMON avançou muito além da terapêutica ocupacional, pois
era um psiquiatra social, quando dizia: "O indivíduo em face das
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exigências da vida em comunidade responde segundo sua consti-
tuição e suas fôrças ou adaptando-se e integrando-se socialmente, ou
resistindo e lutando, isto é, comportando-se anti-socialmente ...
Diante dessas condutas divergentes, a sociedade responde, ou me-
lhor, tem que responder ... O doente mental é conduzido ao ambien-
te fechado quando, por causa de sua enfermidade já não seja possí-
vel estabelecer um equilíbrio entre êle e a sociedade normal. A mis-
são do estabelecimento psiquiátrico seria de proporcionar ao doente
condições de vida tais que, mediante elas, se restabelecesse o equi-
líbrio com a sociedade normal".
Acho que não estamos exagerando ao considerar esta última frase
uma definição absolutamente atual da comunidade terapêutica, nem
ao querermos ver SIMON como um homem de seu tempo, um homem
absolutamente inserido dentro da realidade de sua época, pois, por
curiosa coincidência, também em 1923, FREUD, publicava seu traba-
lho O Ego e o Id em que postulava e discutia a arquitetura do psí-
quico. Quando SIMON fala em "parte da personalidade ainda sadia
é utilizável" está evidentemente se apercebendo de algo que existe
no interior de seus pacientes, e que, por qualquer razão momentânea,
não esteja sendo exteriorizado; e, preconiza, como FREUD o faria de
forma absolutamente definitiva e genial, a aplicação de técnicas que
permitam essa exteriorização. Seria êste o momento de falarmos de
FREUD, de seu papel fundamental na eclosão de tudo o que se pro-
cura fazer atualmente com o doente mental, ou, melhor dizendo,
com o ser humano. Mas acreditamos que a melhor forma de home-
nageá-lo seja justamente falarmos pouco sôbre êle, considerá-lo in-
discutível, e continuarmos a utilizar e a tentar ampliar o que nos
deixou. Cremos que é oportuno entrarmos agora no assunto que
nos trouxe aqui.
Utilizaremos alguns textos dos trabalhos apresentados por nos-
sa equipe no Hospital Pinel, ao IX Congresso de Neurologia, Psiquia-
tria e Higiene Mental.
E. PORTELLA NUNES
MOISÉS GROISMAN
E. PORTELLA NUNES
ROBERTO A. QUILELLI CORRÊA
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grande maioria dêles, se recolhidos a outras instituições que se en-
carregam de pacientes crônicos entre nós, estariam vegetando nos
pâtios que todos conhecemos. Através dêsse trabalho não só podiam
se sentir úteis, como receber algum dinheiro com que satisfaziam
a pequenas necessidades. Ainda hoje vemos em funcionamento em
todos os setores do hospital, alguns dêsses doentes.
Ao assumirmos a direção da Enfermaria A, decidimos estimu-
lar um clima de maior entendimento entre os diferentes grupos que
nela passaram a trabalhar. Desejâvamos que isso se fizesse sem es-
quemas prévios, evitando cópias de modelos que não se ajustassem
à nossa realidade. Inspiravam-nos alguns princípios que podem ser
assim expressos:
1. Transformar tôda a enfermaria em ambiente terapêutico.
2. Acentuar, desde o início, o carâter transitório da passagem
do paciente pelo hospital, procurando diminuir ao mâximo
o período de internação.
3. Apêlo à parte sã do enfêrmo, expresso não em palavras mas
na atribuição de responsabilidades, em certos aspectos admi-
nistrativos.
4. Facilitar o intercâmbio da família com os pacientes e dêstes
entre si, favorecendo a criação de um clima de maior acei-
tação uns dos outros.
5. Reuniões da Equipe Técnica com as famílias dos enfermos
em que se prestasse informação sôbre a natureza das enfer-
midades mentais, objetivando desfazer velhos preconceitos
e encarecendo a necessidade da maior aceitação da alta.
6. Enfase na assistência extra-hospitalar sem a qual resulta de
pouca valia qualquer ambiente hospitalar.
7. Necessidade da delegação de tarefas que os médicos não po-
dem realizar a outros técnicos igualmente capazes.
8. Evitar tanto quanto possível a idealização dos novos méto-
dos, acentuando as dificuldades e o carâter não messiânico
das reformas.
9. Fazer, em cada momento, apenas o trabalho que pudesse ser
continuado a longo prazo.
10. Manter a terapêutica farmacológica.
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Bibliografia
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