Você está na página 1de 34

Psicologia Hospitalar

Profa. CÁSSIA BRITO


Psicóloga Clínica

Mestre em saúde mental – Upe – Universidade de


Pernambuco.
Especialista em Psicodiagnóstico .
MBA em Gestão de Pessoas.
Especialista em Clínica do Trabalho.
MINIMIZANDO O SOFRIMENTO PROVOCADO PELA
HOSPITALIZAÇÃO
Introdução

 Os notáveis avanços da Medicina e demais ciências da


saúde nas últimas décadas e nestes primeiros anos do
século XXI, marcados pela alta sofisticação das técnicas
de diagnóstico e tratamento, possibilitaram uma inegável
melhoria na qualidade de vida de pessoas doentes.
 Apesar disso, o hospital ainda é uma instituição marcada
por situações extremas, sofrimento, dor e luta constante
entre vida e morte.
Breve história
 Foi no término da segunda guerra mundial que a
psicologia hospitalar se fez necessária e isso se iniciou nos
Estados Unidos por necessidade de um suporte psicológico
aos militares com sua atuação durante a guerra. (Castro,
2004)
 A construção do profissional da psicologia hospitalar no
Brasil cresce paralela à necessidade que esta se faz na
prática.
 Desde a década de 20, inúmeros profissionais de
Psicologia já atuavam no Brasil, sendo especificamente na
área de ortopedia e reabilitação, porém, somente nos
anos 50 se iniciaram movimentos consistentes a fim de
oficializar a Psicologia como profissão.
 Sabe-se que a presença efetiva do psicólogo no hospital se
deu em 1954, no instituto de traumatologia (IOT) da
Universidade de São Paulo.

 Foi Regulamentada em 1964.

 Em 1976 a psicologia adentrou no Instituto Central do HC.

 Em 1983 é lançado o primeiro livro sobre o assunto – Psicologia


Hospitalar: atuação do psicólogo no contexto hospitalar.
 Iniciou-se de modo a ajudar na preservação da
singularidade das pessoas no âmbito hospitalar
(ANGERAMI, 2011).
 Na medida em que foi sendo inserida no atendimento
hospitalar, a psicologia foi, de um lado, construindo
compreensões teóricas e metodologias de intervenção
para a realidade hospitalar como um todo, e de outra
parte, identificando as especificidades de cada espaço da
instituição e das especialidades médicas.
Psicologia Hospitalar

 A Psicologia Hospitalar é o campo de entendimento e


tratamento dos aspectos psicológicos em torno do
adoecimento.
 O adoecimento se dá quando o sujeito humano, carregado
de subjetividade, esbarra em um real de natureza
patológica, denominado “doença”. A doença, presente em
seu próprio corpo, produzindo uma infinidade de aspectos
psicológicos que podem se evidenciar no paciente, na
família ou na equipe de profissionais.
CONCEITO
 A psicologia hospitalar é uma área do conhecimento que visa
fornecer suporte ao sujeito em adoecimento, com o intuito
de que este possa atravessar essa fase com maior resiliência.
 É um campo de entendimento e tratamento dos aspectos
biológicos e psicológicos em torno do adoecimento e não
somente doenças psicossomáticas.
 Alguns autores acreditam que o profissional da psicologia
inserido no contexto hospitalar não tem consciência de quais
sejam suas tarefas e seu papel dentro das instituições, ao
mesmo tempo em que o hospital também tem dúvidas
quanto ao que esperar desse profissional.
Saúde x Doença

 É preciso distinguir, em primeiro lugar, o que é


considerado saúde e o que é patológico.
 Freud enfatizou que a saúde dos indivíduos e
consequentemente das sociedades está na capacidade
de amar e trabalhar.
Saúde
 Saúde como “completo
bem-estar físico, mental
e social” (WHO, 1946).
 Conceito amplo e
impreciso.
 Esse “completo” é
bastante utópico.
 A Psicologia Hospitalar é um conjunto de
contribuições cientificas, educativas e
profissionais, que as várias correntes da
psicologia oferecem para prestar uma
assistência de maior qualidade aos pacientes
hospitalizados.
 A Psicologia Hospitalar não trata apenas das doenças
psicossomáticas, mas sim dos aspectos psicológicos de
toda e qualquer doença.
 Toda doença apresenta aspectos psicológicos, toda doença
encontra-se repleta de subjetividade e por isso mesmo
pode se beneficiar do trabalho da psicologia hospitalar.
 A Psicologia Hospitalar é o campo de entendimento e
tratamento dos aspectos psicológicos em torno do
adoecimento.

 Aspectos Psicológicos é o nome que damos para as


manifestações da subjetividade humana diante da doença,
tais como: sentimentos, desejos, a fala, os pensamentos e
comportamentos, as fantasias e lembranças, as crenças, os
sonhos, os conflitos, os estilos de vida e o estilo de
adoecer.
 Estes aspectos estão por todas as partes, como uma atmosfera a
envolver a doença, como desencadeador do processo
patogênico, como fator de manutenção do adoecimento, ou
ainda, como consequência desse adoecimento.
 Neste sentido, toda doença é psicossomática, ou seja, envolve o
corpo e a alma.
 Psíquico: Relativo à alma.
 Somático”: Relativo ao corpo.
Aspectos Psicológicos do Adoecimento

 Hoje, tanto a medicina quanto a psicologia concordam que


a doença é uma fenômeno bastante complexo,
comportando várias dimensões: biológica, psicológica e
cultural.
 A Psicologia Hospitalar enfatiza a parte psíquica, mas não
diz que a outra parte não é importante. Pelo contrário,
perguntará sempre qual a reação psíquica do sujeito diante
desse “real” da doença, fazendo disso seu material de
trabalho.
Perdas
 O adoecimento é antes de tudo uma situação de
perdas:
 perde-se saúde,
 perde-se dinheiro,
 perde-se autonomia,
 perde-se tempo,
 perde-se, muitas vezes, a própria vida
 perde-se a própria imagem (no caso das doenças
desfigurantes).
Ganhos
 Um olhar mais atento mostra que o adoecimento
algumas vezes envolve também alguns ganhos:
 ganha-se a atenção das pessoas,
 ganha-se o cuidado das pessoas,
 ganha-se o direito de não trabalhar,
 ganha-se autocomiseração,
 ganha-se desculpas genuínas para explicar dificuldades
existenciais, profissionais e amorosas.
 Adoecer é como entrar em órbita.
 A doença é um evento que se instala de forma tão central na vida
da pessoa que tudo mais perde importância, ou então passa a
girar em torno dela, numa espécie de órbita que apresenta
quatro posições principais:
 negação,
 revolta,
 depressão,
 Enfrentamento.
 Os aspectos psicológicos estão:
 na dor do paciente,
 na angustia declarada pela família,
 naangustia geralmente negada ou
disfarçada pela equipe/médicos.
A Filosofia da Psicologia Hospitalar:
A escuta como essência do fazer
clínico
 Na Grécia antiga havia dois tipos de médicos, os que cuidavam dos cidadãos
gregos e os que cuidavam dos escravos.
 Como os escravos eram oriundos de outras nações, não falavam o idioma grego,
os médicos que cuidavam deles foram perdendo o hábito de conversar com
esses pacientes.
 Não adiantaria mesmo e, não sendo possível a comunicação, apenas os
examinavam e os medicavam.
 Já os médicos que cuidavam de seus compatriotas gregos costumavam conversar
muito com eles e, como para conversar com as pessoas doentes é preciso se inclinar
um pouco sobre o leito, eles começaram a ser conhecidos como os médicos que se
inclinavam, do grego, inclinare, e disso nasceu o termo atual “clínica”.

 Desde então, a atitude de escuta está associada à essência do fazer clinico, seja dos
médicos, dos psicólogos ou dos enfermeiros.
 A Psicologia Hospitalar vem se desenvolvendo no âmbito de um novo paradigma
epistemológico.
 Busca uma visão mais ampla do ser humano e privilegia a articulação entre diferentes
formas de conhecimento.
 A consequência clínica mais importante dessa visão é de que “em vez de doenças,
existem doentes” (Perestello, 1989).
 Hoje em dia, o que mais se espera da medicina e da ciência, não é o desenvolvimento
tecnológico, pois nesse campo, felizmente, estamos bem avançados. O que mais se
quer é a humanização da medicina.
 A contribuição mais importante da psicologia para a humanização do hospital
é que ela abre espaço para a subjetividade do paciente.
 Lembrando que, embora o psicólogo seja um especialista na subjetividade
humana, cuidar dos aspectos subjetivos do adoecimento do paciente não é
uma tarefa exclusiva deste profissional.
 Sigmund Freud, por exemplo, costumava definir “cuidados psicológicos” como
o cuidado que qualquer indivíduo presta ao outro a partir de sua simples
presença como pessoa.
 Nesse sentido, para cuidar de uma pessoa, basta apenas ser outra pessoa.
 No terreno da subjetividade, a relação entre Psicologia e Medicina é
radical: enquanto uma faz da subjetividade o seu foco, a segunda, a
medicina científica, exclui a subjetividade de seu campo epistêmico de
uma forma sistemática, tendo como ideal uma suposta visão objetiva do
adoecimento.
 Acaba por excluir a subjetividade tanto do paciente como do médico.
 O problema dessa visão objetiva, é que o excluído na teoria sempre retorna
com toda a força na prática da clínica médica.
 “Onde assistimos, na relação concreta, médico-paciente, uma verdadeira
enxurrada de emoções, sentimentos, fantasias e desejos – de ambos que,
por não terem amparo teórico, são negados e velados, mas nem por isso
deixam de influir”(Moretto, 2001).
 Agir como se a subjetividade não existisse, não a faz desaparecer.
 A Psicologia Hospitalar está interessada mesmo em dar voz à subjetividade do
paciente, restituindo-lhe o lugar de sujeito que a medicina lhe afasta (Moretto,
2001).
 É importante lembrar que a psicologia não estabelece uma meta ideal para o
paciente alcançar, mas apenas aciona o processo de elaboração simbólica do
adoecimento.
 Ela se propõe a ajudar o paciente a fazer o processo de elaboração simbólica do
adoecimento.
 Ela se propõe a ajudar o paciente a fazer a travessia da experiência do adoecimento,
mas não diz onde essa travessia vai dar, e não diz porque não pode, não diz porque
não sabe. O destino do sintoma depende de muitas variáveis, do real biológico, do
inconsciente, das circunstâncias, etc.
 O Psicólogo Hospitalar (ou outros profissionais cuidadores) devem participar dessa
travessia como ouvintes privilegiados, não como guias.
Psicólogo Hospitalar

 É o profissional que detém esses saberes e técnicas para aplicá-los de forma


sistemática e coordenada, sempre com o intuito de melhorar a assistência integral do
sujeito hospitalizado.
 O Psicólogo hospitalar é especificamente direcionado ao restabelecimento do estado
de saúde do doente, ou ao controle dos sintomas que comprometem o bem-estar do
paciente.
 Minimizar o sofrimento provocado pela hospitalização.
 Amenizar a despersonalização sofrida pelo paciente onde, ele “perde
temporariamente” sua identidade e passa a ser uma parte da instituição – sendo
tocado e observado por diversos profissionais.
 No hospital não há privacidade.
 Pode haver a interrupção a qualquer momento.
 Na maioria das vezes é feito contato terapêutico (não é sequencial, continuo, mas sim
uma situação de acolhimento momentâneo).
 “O psicólogo cuida – não cura”.
Ajuda o paciente a fazer a travessia da experiência
de adoecimento.
 A medicina tentou por muitos séculos esvaziar o paciente de sua subjetividade, e a psicologia se especializou
em mergulhar nessa mesma subjetividade, acreditando que “mais fácil do que secar o mar, é aprender a
navegar”.
 A Psicologia não se interessa pelo real da doença, disso se ocupam os médicos. A Psicologia se interessa pelo
significado que o paciente confere à doença, pelo sentido e pelo impacto que essa doença traz à sua vida
como um todo.
 Suprimidos os sintomas e eliminadas as causas da doença, ainda permanecem a angústia, o trauma, as
desilusões os medos, as consequências reais e imaginárias, ou seja, as marcas da doença.
 Mesmo no trabalho bem sucedido de cura, muitas coisas ficam, resistem, tanto no curado como no doente. A
Psicologia hospitalar quer tratar destas marcas.
 O psicólogo trabalha apenas com a palavra, mas ocorre que a “conversa” oferecida pelo psicólogo não é um
“só isso”. Pelo contrário, é muito “mais que isso”, ela aponta para um “além disso” embutido nas palavras.
 Paciente e Psicólogo conversam e essa tal conversa é a porta de entrada para um mundo de significados e
sentidos. O que interessa o psicólogo não é a doença em si, mas a relação que o doente tem com seu
sintoma, o que o paciente faz com a sua doença, o significado que ele confere a doença, e a isso, só se
chega pela linguagem, pelas palavras.
 Mesmo quando o paciente encontra-se impossibilitado de falar, existem signos não verbais com valor de
palavra, como gestos, olhares, a escrita, e mesmo o silêncio. E quem não fala é falado.
 No hospital, geralmente há muita gente querendo dizer ao paciente o que ele deve fazer, querendo
estimulá-lo, aconselhá-lo, mas não há ninguém querendo escutá-lo.
 Ocorre que é muito angustiante ouvir o que uma pessoa doente tem a dizer: são temores, dores, revoltas,
fantasias, expectativas que mobilizam muitas emoções no ouvinte.
 Diante disso, a maioria dos profissionais, a família e os amigos, por não suportarem ver o paciente
angustiado, não conseguem lhes prestar esse serviço e querem logo apagar, negar, destruir, ou mesmo
encobrir a angústia.
 Mas a angústia não se resolve, ela se dissolve em palavras.
Escutatória – Rubens Alves

 Todo mundo quer aprender a falar. Ninguém quer aprender a ouvir. Pensei em oferecer um
curso de escutatória. Mas acho que ninguém vai se matricular. Escutar é complicado e sutil…
 Parafraseio o Alberto Caeiro: “Não é bastante ter ouvidos para ouvir o que é dito; é preciso
também que haja silêncio dentro da alma”. Daí a dificuldade: a gente não aguenta ouvir o
que o outro diz sem logo dar um palpite melhor, sem misturar o que ele diz com aquilo que a
gente tem a dizer…
 Nossa incapacidade de ouvir é a manifestação mais constante e sutil de nossa arrogância e
vaidade: no fundo, somos os mais bonitos…
 Tenho um velho amigo, Jovelino, que se mudou para os Estados Unidos estimulado pela
revolução de 64. Contou-me de sua experiência com os índios. Reunidos os participantes,
ninguém fala. Há um longo, longo silêncio. (Os pianistas, antes de iniciar o concerto, diante
do piano, ficam assentados em silêncio, abrindo vazios de silêncio, expulsando todas as
ideias estranhas). Todos em silêncio, à espera do pensamento essencial.
 Não basta o silêncio de fora. É preciso silêncio dentro. Ausência de pensamentos. E aí, quando se faz o
silêncio dentro, a gente começa a ouvir coisas que não ouvia. Eu comecei a ouvir.
Fernando Pessoa conhecia a experiência, e se referia a algo que se ouve nos interstícios das palavras, no
lugar onde não há palavras. A música acontece no silêncio. A alma é uma catedral submersa. No fundo do
mar – quem faz mergulho sabe – a boca fica fechada. Somos todos olhos e ouvidos. Aí, livres dos ruídos do
falatório e dos saberes da filosofia, ouvimos a melodia que não havia, que de tão linda nos faz chorar.
 Para mim, Deus é isto: a beleza que se ouve no silêncio. Daí a importância de saber ouvir os outros: a beleza
mora lá também. Comunhão é quando a beleza do outro e a beleza da gente se juntam num contraponto.
Ouçamos os clamores dos famintos e dos despossuídos de humanidade que teimamos a não ver nem ouvir. É
tempo de renovar, se mais não fosse, a nós mesmos e assim nos tornarmos seres humanos melhores, para o
bem de cada um de nós.
 É chegado o momento, não temos mais o que esperar. Ouçamos o humano que habita em cada um de nós e
clama pela nossa humanidade, pela nossa solidariedade, que teima em nos falar e nos fazer ver o outro que
dá sentido e é a razão do nosso existir, sem o qual não somos e jamais seremos humanos na expressão da
palavra.

Você também pode gostar