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SAÚDE E DOENÇA COMO PROBLEMA DE INVESTIGAÇÃO EM

PSICOLOGIA E MEDICINA.

Francisca Pereira de Sousa / Francisca Rodrigues de Souza Rego

RESUMO

O presente trabalho busca enfocar a evolução dos conceitos de saúde/doença


enfatizando a dicotomia mente/corpo através de uma breve revisão histórica.
Abordando conceito mágico de doença passando pela evolução desses construtos
com raízes na psicanálise.

Palavra-chave: medicina psicossomática, mente e corpo saúde/doença.

ABSTRACT

This study aims to focus on the changing concepts of health / disease emphasizing
the dichotomy between mind and body through a brief historical review. Addressing
magical concept of disease through the development of these constructs with roots in
psychoanalysis.

Keyword: Psychosomatic Medicine medicine, mind and body health/disease.

INTRODUÇÃO

Do ponto de vista geral, as doenças psicossomáticas são resultantes do


acúmulo e da má administração do estresse e de suas conseqüências. Atualmente
as pessoas sofrem diariamente uma pressão considerável, que aos poucos
aprendem a suportar e a conviver, buscando qualidade de vida. Fato este que pode
tanto impulsionar para realizar tarefas e cumprir metas, como também poderá gerar
desconforto e uma série de reações orgânicas. Assim a doença psicossomática
pode ser entendida como a resposta da insatisfação do indivíduo em relação ao
próprio estilo de vida.
Fernandes (2003), salienta que o corpo representa o lugar onde acontece
um complexo jogo entre o psíquico e o somático. É o lugar de realizações de
desejos inconscientes, que quando recalcado origina um sintoma corporal.
Fadden (2000), infere que, só a partir do saber psiquiátrico atribuído a
Felipe Pinel, se descobre a importância de fatores psicológicos e sociais envolvidos
no processo de adoecimento. De modo que, a ‘’educação moral’’ iniciada na clínica
psiquiátrica é que se dá inicio a psicoterapia na medicina. Assim, a medicina
organicista domina o pensamento médico da época. “Esse domínio sobre o corpo
permite tanto a eliminação do sintoma como a domesticação do comportamento. O
psiquiatra passa a dispor de um controle sobre a mente e sobre o corpo do doente’’
(ROZA, 2004, p.33).
Fadden (2000), posteriormente a Breuer e Freud, postula que os sintomas
são frutos da inconsciência e do pensamento, oriundos de traumas psicológicos que
ficavam aparentemente “esquecidos” (inconscientes) sem descarga e acabavam
deslocados para a soma, gerando os sintomas. Estes sintomas tinham o objetivo de
evitar a angústia que seria a defesa do eu para não sofrer.
Freud descobre que o trauma era de natureza sexual, ocorrendo na
infância em situação de sedução da criança por adulto ou por crianças ou, ainda, por
violação, ou por contato com cenas de natureza sexual (ROZA, 2004).
Assim nasce a psicologia dinâmica, a psicologia evolutiva, a psicanálise e
a medicina psicossomática. A psicologia dinâmica atribuindo os fenômenos
psíquicos e o comportamento das idéias carregadas de energia reforçadora e
inibidora de impulsos. A psicologia evolutiva estudando a evolução dos instintos e de
seus conflitos com a cultura ao longo da vida. Neste contexto, a psicossomática
junto à psicanálise nasce dentro da atividade médica com o intuito de explicar
neurose e psicoses psicogênicas e, também, buscando um melhor relacionamento
com o doente, com a doença e com a morte, e a obtenção de melhores condições
de êxito no exercício profissional (FADDEN, 2000).
Camon (2002, p.183) acrescenta que:

“Atualmente a chamada medicina psicossomática representa um foco dentro


da sociedade cientifica que, intencionalmente ou não, acaba trabalhando
com vistas a um resgate desta visão holística hipocrática, sem abandonar
ou ignorar todo o avanço tecnológico da medicina moderna e suas
especializações. Em nenhum momento faz parte da medicina
psicossomática o discurso de menosprezar a importância da tecnologia
médica. A medicina psicossomática trabalha na integração do que há de
mais hi-tech com o que há de mais humano nas profissões da saúde.”

Para Winter (2003), a resposta psicossomática é um fenômeno que pode


afetar qualquer pessoa, visto que é um responder a uma situação que exige um
trabalho de simbolização. No entanto, há indivíduos que não apresentam outro modo
de resposta e vivem permanentemente em surto psicossomático.
As pesquisas psicológicas referentes à saúde humana têm mostrado que
a manifestação somática é altamente sensível às mudanças emocionais do
indivíduo, e que tensão negativa aparece associada a transformações do sistema
imunológico, desempenhando um importante papel na etiologia das doenças (REY,
2004).

DOENÇA PSICOSSOMÁTICA: UMA FUNDAMENTAÇÃO

Desde o surgimento da vida humana na Terra, que o homem tem


buscado o conhecimento sobre si mesmo e a natureza. Pode-se dizer que a busca
pelo conhecimento passa pelo combate da vida e da morte, oscilando entre o
processo saúde e doença (Volich, 2000). Na antiguidade, a concepção de saúde e
doença é totalmente voltada para a manifestação de forças naturais, onde a cura era
encontrada nos rituais religiosos (ROZA, 2004).

“Gradualmente surge a idéia de que o homem seria de um substrato


material, o corpo e suas funções, mas também de essência imaterial
vinculada aos sentimentos e atividade do pensamento da alma (VOLICH,
2000, p.23).”

Assim, tem-se até o século XIX uma medicina eminentemente biológica


presa a uma relação de causa e efeito comprovada e explicada como fenômenos
normais e patológicos. As doenças eram explicadas como sendo resultante das
disfunções bioquímicas, físicas e lesões tissulares, que prejudicavam a atividades
dos órgãos. Quando não se encontrava uma causa biológica para as perturbações,
atribuía-se a causa à hereditariedade. O corpo representava o lugar onde acontece
um complexo jogo entre o psíquico e o somático. É o lugar de realização de desejos
inconscientes, que, quando recalcado, origina um sintoma corporal (Fernandes,
2003). O corpo fala e expressa através do sintoma.
George Groddeck (1926), pai da psicossomática, foi o primeiro que
introduziu o conceito do inconsciente no tratamento dos pacientes somáticos. Para
ele, toda doença física é igualmente psíquica e toda doença psíquica é também
física. Entendia a doença como um compromisso, uma solução para a ambivalência
do ser humano, diante do psicossocial e do representável. A doença não é tão
ocasional, mas um sinal da relação do paciente com o mundo e consigo mesmo. É
uma solução, embora problemática, para os conflitos que pontuam a existência.
Ao fazer estudo sobre a histeria, Breuer e Freud (1845), ressaltaram que
os conflitos inconscientes podem ser expressos simbolicamente em sintomas
sensório-motores, através da conversão. Posteriormente, Freud (1910), sugeriu
haver outros mecanismos, além da conversão, através dos quais atitudes
inconscientes poderiam alterar funções fisiológicas, sem ter qualquer significado
psíquico definido. Como resultado destas formulações, várias teorias etiológicas de
doenças psicossomáticas foram desenvolvidas, surgindo, então, divergências
quanto à teorização da formação dos sintomas e dos mecanismos psicossomáticos.
Nesse estudo da Medicina Psicossomática (uma das pioneiras), a
psicanalista Flanders Dunbar (1950), diz que a maioria dos sintomas
psicossomáticos advém da descarga da energia instintiva dentro do sistema
vegetativo. Seu objetivo era descobrir meios para um tratamento efetivo e não
apenas uma busca teórica das causas das doenças. Seus trabalhos foram muito
criticados por não oferecerem explicações sobre os traços de personalidade
descritos e por não explicarem os mecanismos pelos quais eles iniciavam e
mantinham a doença.
A psicossomática vem se desenvolvendo como uma área de pesquisa e
assistência clínica, paralelamente integrada à medicina. Sua concepção sempre
enfatizou o estudo das relações mente/corpo e a importância dos componentes
emocionais das doenças orgânicas, tendo partido inicialmente de uma posição
unidirecional (psique/soma) para outra que se propõe a compreender os complexos
fenômenos envolvidos no adoecer (MELLO FILHO, 1994).
Ao longo da história da psicologia, questões como cognição e afetividade
têm sido tradicionalmente estudadas de forma separada e fragmentada. Esse fato
tem prejudicado o avanço da psicologia e da medicina na teoria e na prática,
especialmente na compreensão dos processos de adoecimento crônico. A doença é
vista como resultado de um fator único, de um segmento doente do corpo e não
como um evento multicausal e interdisciplinar. Tal concepção originou-se no século
XIX com Claude Bernard, prevalecendo sobre a de Comte, filosófica, especulativa e
conceitual. Nas palavras de Luz (1988, p.98), “doença não é mais um ser, mas um
estado”. Ocorre, então, o desenvolvimento da fisiologia que no século XX separa
órgãos e tecidos e define os desvios; desaparece a entidade doença e “... tudo é
potencialmente patologia, pois muito tênues são as bordas do normal e do
patológico”. (LUZ, 1988, p.110).
Em decorrência da ênfase à concepção científica racional e experimental
que segmenta, que divide o objeto de estudo em partes, perdeu-se a unidade do
todo como um sistema articulado e dinâmico. No contexto da racionalidade médica é
enfatizado o desvio, perdendo-se neste universo o conceito de saúde. Dentro deste
paradigma, passaram a ser realizados no desenvolvimento da medicina, da biologia,
da psicologia e de outras ciências, estudos com enfoque científico racional,
experimental, positivista, muitas vezes com utilização de progressos e princípios
teóricos de uma disciplina para outra. (LUZ, 1988).
A prática médica muitas vezes se reduz à doença, a fatores
epistemológicos, perdendo a possibilidade de contato com a história pessoal da
pessoa doente e dos significados desta história. Ela... “dessubjetiva a queixa do
paciente,... retira a queixa do paciente do campo, da fala e da linguagem...”,
perdendo assim sua função ética (Del Volgo,1998, p.33). E a eterna questão da
dicotomia mente/corpo, própria do modelo cartesiano, permanece aberta. Conforme
Luz (1988), dentro desse paradigma, os sintomas e doenças são classificados com
base em métodos de observação “sistemática, ordenatória, empírica e dentro de um
reducionismo que concebe o ser humano como peças em movimento articulado, que
utiliza o método empírico-analítico, com ênfase aos aspectos experimentais,
comparativos e quantitativos”.

“A idéia de cientificidade é associada ao experimentalismo, ao


quantitativismo, como forma de estabelecimento do conceito científico,
contrariamente ao filosófico, que permanece qualitativo, portanto impreciso”.
(LUZ, 1988, p.100).

Conforme Del Volgo (1998), a medicina científica com seu método


anatomopatológico, estabeleceu um “corte epistemológico em seu discurso e um
deslocamento de sua prática das questões subjetivas e de determinação simbólica
da doença.” (p.32). Para ela, as patologias crônicas, ou naquelas em que a etiologia
não é precisa, onde os tratamentos se mostram ineficazes, volta-se a ouvir o
paciente. As demandas do doente em ser ouvido, a longa duração de alguns
tratamentos e as dificuldades encontradas nos casos de doenças crônicas,
tornaram-se questões que exigiram mais atenção e impulsionaram estudos no
campo da psicossomática.
Silva (1997), fala que a demora de organizar um diagnóstico preciso
sobre determinadas doenças, o tratamento torna-se de alto custo e que as mesmas
não se beneficiam com o tratamento apenas dos sintomas físicos. A busca de
integrar o físico ao psíquico – embora não tenha recebido a merecida atenção na
prática clínica e não seja até hoje realmente coerente com o paradigma científico-
experimentalista, objetivo, cartesiano – tem sido valorizada por algumas áreas da
saúde. Esta valorização dos aspectos psicossociais do paciente tem ocorrido
especialmente no tratamento de doenças crônicas, devido à constatação cada vez
maior pelos sistemas de saúde, de sua importância frente à multiplicidade de fatores
que a constituem.
De acordo com Volich (1998), as ciências humanas afastaram-se da
subjetividade ao valorizar a objetividade, e que os paradigmas científicos, como os
da psicologia, são questionados por terem se afastado das questões subjetivas em
suas pesquisas. Surge, então, a psicossomática dentro do paradigma psique/soma,
na década de 1940, como um novo campo da medicina, postulando a unidade
básica do ser humano, onde considera a patologia como desviante, porém a
conceitua como uma tentativa de equilíbrio do organismo, carente de recursos mais
evoluídos, para enfrentá-las. A partir desta década intensificam-se as pesquisas
sobre os correlatos psíquicos das doenças orgânicas, tendo a disciplina
psicossomática distinta da medicina e da psicanálise, fornecendo atualmente uma
concepção coerente dos mecanismos de somatização. (MARTY, 1993).
Segundo Alexander (1952; 1977), um dos primeiros estudiosos da
psicossomática, elaborou a teoria segundo a qual a doença psicossomática resulta
de reações emocionais negativas e conflitos que geram tensão crônica e se tornam
patogênicas devido a exageradas excitações viscerais, criando o “círculo vicioso
psicossomático”. Esta teoria, apesar de importante, permaneceu dualista, sem
abordar de forma integrativa a relação entre doença somática e conflito emocional,
de acordo com Marly (1994, p.6). Alexander enfatizou uma visão multifatorial do
sistema psicossomático, integrando fundamentos da medicina experimental, da
fisiologia e das cognitivas, criando, conforme Del Volgo (1998), “o mito de uma
conceitualização psicossomática unificada sobre a base da biologia”. (p.110).
Utilizando a teoria da psicanálise, o novo campo de pesquisa – a
psicossomática –, busca explicar como os conflitos emocionais influenciam as
funções orgânicas e o surgimento de doenças. O estudo de pacientes fisicamente
doentes, tratados psicanaliticamente, mesmo proporcionando avanços na
compreensão do psiquismo sobre a vulnerabilidade das doenças, enfraqueceu o
modelo teórico baseado em conflitos intrapsíquicos como fatores geradores de
doenças físicas. Os resultados tiveram como base as doenças físicas heterogêneas
e a eficácia do tratamento psicanalítico, e algumas patologias orgânicas que, além
de não serem confirmadas, mostraram-se prejudiciais aos pacientes com egos
regredidos e dificuldades na expressão verbal das emoções. O modelo baseado no
conflito intrapsíquico, como elemento etiológico patogênico das doenças físicas, não
se confirmou.

DESENVOLVIMENTO DO CONCEITO DE SAÚDE E DOENÇA

O percurso da medicina é marcado por duas concepções, Meyers e


Benson (1992): a fisiologia, iniciada por Hipócrates, explica as doenças a partir de
um desequilíbrio entre as forças da natureza que estão dentro e fora da pessoa.
Esta é centrada no paciente como um todo e no seu ambiente, evitando ligar a
doença a perturbações de órgãos corporais particulares; e a antologia, defende que
as doenças são “entidades” exteriores ao organismo, que o invadem para se
localizarem em várias das suas partes. Na medicina da Mesopotâmia e do Egito
Antigo eram conotadas como processos médicos-religiosos ou como castigos
resultantes de pecados cometidos pelos pacientes (Dubos, 1980). Na medicina
moderna, como vírus (ibidem).
Além das concepções anteriores, Ribeiro (1993) informa que, para
descrever a evolução dos conceitos de saúde e de doença, podem ser considerados
quatro grandes períodos ao longo do percurso da história da humanidade: pré-
cartesiano (... século XVII); científico ou do desenvolvimento do modelo biomédico e
com a revolução industrial; a primeira revolução da saúde com o desenvolvimento
da saúde pública (séc.XIX); e a segunda revolução da saúde, iniciada na década de
1970.
Aproximadamente 400 anos a.C. na Grécia Antiga, através dos estudos
do médico grego Hipócrates, inicia-se a libertação da medicina das suas influências
mágico-religiosas, defendendo um conjunto de princípios teóricos e metodológicos,
que por estes feitos ele foi chamado de “pai da medicina”. Acompanhando o
racionalismo e o naturalismo dos filósofos da época, Hipócrates defendeu que as
doenças não são causadas por demônios ou por deuses, mas por causas naturais
que obedecem as leis naturais, propondo que os procedimentos terapêuticos
tivessem uma base racional, com o objetivo de corrigir os efeitos nocivos das forças
naturais, afastando a medicina do misticismo e do endeusamento, e tomou como
base na observação objetiva e no raciocínio dedutivo. Para “o pai da medicina”, a
saúde era a expressão de um equilíbrio entre os humores corporais, representados
pelo sangue, pela biles negra e amarela e pela linfa ou fleuma, os quais eram
renovados pela ingestão alimentar e que a doença podia resultar de um
desequilíbrio destes humores, devido à influência de forças exteriores: o ambiente e
o estilo de vida da pessoa influenciavam o seu estado de saúde (RIBEIRO, 1993).
A saúde significa mente sã em corpo são e só podia ser mantida se a
pessoa seguisse um estilo de vida consoante com as leis naturais. Somente dessa
maneira seria possível assegurar um equilíbrio entre as forças do organismo e as do
seu ambiente. Estas asserções representam um princípio básico da medicina
hipocrática: a natureza tem um papel formativo, construtivo e curativo. (Nulande,
1988). O corpo humano tende a curar-se a si próprio. Apenas sobre circunstâncias
muito especiais as causas mórbidas podem sobrepor-se à tendência natural de
restabelecer os ritmos e o equilíbrio próprio da saúde (Noach, 1987). Assim, no
tratamento das doenças, o médico devia respeitar um princípio fundamental e
imperativo: primum non nocere, isto é, primeiro não fazer mal. Hipócrates, além do
cuidado com o paciente e seu ambiente, também realçou a relação médico/doente e
as suas conseqüências sobre o bem estar deste.
O segundo modelo – biomédico, neste Descartes concebeu o corpo
humano como uma máquina, comparando o homem doente a um relógio avariado e
um saudável, a um relógio bom funcionando. Galileu, Newton e Descartes
enunciaram os princípios básicos da ciência-modelo Cartesiano ou Mecanicista
(Engel, 1997), que defendia que o universo inteiro (incluindo o homem) era uma
máquina que funcionava como um relógio, de acordo com as leis matemáticas. O
modelo biomédico tradicional baseia-se, em grande parte, numa visão cartesiana do
mundo e considera que a doença consiste numa avaria temporária ou permanente
do funcionamento de um componente ou da relação entre componentes. Curar a
doença equivalia, nesta perspectiva, a reparação da máquina. (ENGEL, 1997,
NOACK, 1987).
Postulando que um organismo patogênico (germe) específico estava
associado a uma doença específica, o modelo biomédico respondeu a grandes
questões de saúde, fornecendo bases conceptivas para combater epidemias.
Ribeiro (1993), contribuiu para o progresso na teoria e na investigação, orientando a
prática e a investigação médica com base em três critérios: a ênfase anterior, no
princípio de que todos os sistemas corporais funcionavam como um todo, foi
substituída pela tendência a reduzir os sistemas a pequenas partes, podendo cada
uma delas ser considerada separadamente; simultaneamente, o indivíduo, com suas
características particulares e idiossincráticas, deixou de ser o centro de atenção
médica, sendo substituído pelas características universais de cada doença; e,
finalmente, um forte materialismo substituiu a tendência anterior de considerar
significativos os fatores não ambientais (morais, sociais, comportamentais).
Finais do século XVIII, com início da revolução industrial, ocorrem fatos
causando grandes problemas para a saúde: os desequilíbrios ecológicos, com
grandes epidemias decorrentes das mudanças sociais e das alterações do sistema
de produção; e a migração, que aumentou, levando os povos a aglomerarem-se nas
grandes cidades. Fatores essenciais, como a salubridade e moradia, eram escassas
e precárias, proporcionando a proliferação de microorganismos causadores de
grande morbidade e mortalidade. Neste período a tuberculose foi uma das doenças
que mais vítimas causou, seguida de outras doenças infecciosas: a pneumonia, o
sarampo, a gripe, a escarlatina, a difteria, a varíola, entre outras. Esta primeira
revolução da saúde foi um dos ramos do modelo biomédico que conduziu ao
desenvolvimento das modernas medidas de saúde pública. (BOLANDER, 1998).
Segundo Ribeiro (1997), o modelo biomédico aplicado à saúde pública,
desenvolveu-se pelo conhecimento de que: as doenças infecciosas eram difíceis de
curar, e, quando instaladas no adulto, o tratamento e a cura eram dispendiosos; as
pessoas contraiam as doenças (agente patogênico) devido ao contato com o meio
ambiente físico e social. As doenças infecciosas eram contraídas quando o
organismo hospedeiro era favorável ao desenvolvimento do agente infeccioso. Para
prevenir e controlar os agentes infecciosos construiu-se sistemas de esgoto e de
distribuição de água potável, como também a clarificação das águas de consumo e
depois a produção de vacinas.
Inicialmente o modelo biomédico (teoria do germe) referia-se apenas ao
microorganismo, para depois estudar as toxinas, o neoplasma, a desregulação
endócrina, a deficiência nutricional, etc., por considerar a existência de uma relação
causal linear entre uma causa simples e uma doença (Noack, 1987), evoluindo para
uma concepção mais atual e aceitando que a etiologia da doença é multicausal.
A primeira revolução da saúde não resolveu os problemas de saúde,
razão disto é que no início do século XX surge uma nova epidemia: uma epidemia
comportamental (Mclntyre, 1994). Nos países desenvolvidos as doenças que mais
contribuíram para a mortalidade eram doenças com etiologia comportamental.
Partindo dessa evidência, a segunda revolução da saúde desenvolve-se
concentrada numa nova concepção, em novos princípios: devido às novas
epidemias não terem origem em organismos patogênicos, a teoria do germe deixou
de ser aplicável. O equivalente ao germe, nesta epidemia, é o comportamento
individual (Ribeiro, 1993). Isto chama a atenção dos profissionais de saúde e da
doença para as mudanças do estilo de vida da população ou de alguns
comportamentos, tais como: deixar de fumar, cuidar da alimentação, controlar o
stress, praticar exercícios, verificar periodicamente a saúde, os quais podem
contribuir para a redução da mortalidade.
Os conceitos foram divulgados e implementados universalmente no
documento “Metas da Saúde para Todos”, com edição original de 1984 e tradução
portuguesa do Ministério da Saúde de 1986. Neste período já eram percebidos os
benefícios da primeira revolução da saúde. O novo modelo estabelece uma ruptura
com o modelo anterior e apresenta dois conceitos centrais, específicos e inovadores:
“promoção da saúde” e “estilo de vida”. Estes conceitos encerram implicitamente, na
sua definição, todos os princípios da segunda revolução da saúde.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O processo saúde/doença tem sido objeto de estudo de diversas ciências,


no entanto, apesar da evolução e do progresso na genética, física, biologia,
neurociências, as pesquisas em saúde vêm evidenciando uma nova visão de
mundo, ampliando, de certo modo, uma interdependência mente/corpo, o que tem
conduzido o pensamento científico moderno a propor uma força psíquica maior que
qualquer evento neurobiológico.
Assim, pode-se afirmar que a psicossomática vai estar sempre se
referindo a inseparabilidade e interdependência entre aspectos psicológicos,
biológicos e sociais, voltada para o holístico, haja vista que existe a tendência de
considerar todas as doenças como sendo psicossomáticas.
Neste sentido, o avanço dos estudos da psicossomática sobre
saúde/doença vem comprovando que o corpo somatiza os fenômenos da vida e que
cabe ao organismo buscar a superação do desequilíbrio orgânico e emocional. Para
isto o indivíduo precisa mudar seu estilo de vida e certos comportamentos que
possam influenciar no surgimento de doenças psicossomáticas e a redução da
mortalidade.

REFERÊNCIAS

ALBUQUERQUE, Carlos Manuel de Sousa; OLIVEIRA, Cristina Paula Ferreira de.


Saúde e Doença: Significações e Perspectivas em Mudança. Disponível em:
<www.ipv.pt/millenium/millenium25/25_27.htm>. Acesso em: 08fev. 2010.

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FADDEN, M. A. J. M. Psicanálise e Psicossomática.São Paulo: Alíneo, 2000.

FERNANDES, Maria Helena. Corpo. São Paulo, Casa do Psicólogo, 2003.

GARCIA, Roza L. A. Freud e o inconsciente. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Ed.,


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WINTER, T. R. O enigma da doença. Uma conversa à luz da psicossomática


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