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A FORÇA VITAL
FONTE DA AUTORREGULAÇÃO, DO AMOR E DO VÍNCULO
O NASCIMENTO DA FORÇA
Após o Big Bang nascem os planetas. Dentre eles, o planeta Terra se constitui há 4,6 milhões de
anos. Poeira de estrelas, ela guarda para sempre o traço, essa composição físico-química, que é
lembrada em nosso organismo: minerais provindos de material terrestre constituinte do universo,
gazes de todo tipo (inclusive oxigênio) provenientes da atmosfera, proteínas, glucídios e lipídios
provenientes dos frutos da natureza que se desenvolveu sobre a terra. Nossa fisiologia tubular
(tubo respiratório, digestivo, neural, sanguíneo) é uma arborescência fractal sem fim lembrando a
dos rios, das árvores, das folhas, das raízes telúricas. Nossa anatomia é concebida como uma
bomba que pulsa, à imagem do universo em expansão. Nossa psicologia cria nosso quotidiano
real, assim como o universo criou a Terra ; ela cria fantasmas, como as miragens fotônicas do
deserto ; ela cria as angústias profundas, sem fundo mesmo, como buracos negros galácticos que
absorvem energia e matéria.
O acaso e a contingência podem modificar violentamente o destino dos planetas. Assim foi há 65
milhões de anos, quando um bólido de pedra se chocou com a terra, provocando o
desaparecimento dos dinossauros, favorecendo a aparição dos mamíferos, em seguida a
emergência da humanidade, e, com o homo sapiens há 200.000 anos, a emergência do espírito e
da cultura. A natureza havia encontrado recursos em si mesma para renascer de suas cinzas e da
obscuridade na qual mergulhara. Ela foi capaz, por meio da « emergência » e « auto-organização
» de recriar a aparição do Belo e da Felicidade sobre a terra. Esta natureza carrega em si a Vida,
a inteligência e o poder de auto cura, para si mesma e para as criaturas que ela engendra. A Força
anima o universo, a terra, a natureza, o vivo.
A Força anima o humano. A força vital é seu princípio emergente, irredutível a uma montagem
de átomos de carbono, oxigênio e hidrogênio. Ela permanece um mistério ao nível do explicável,
mas ela é uma realidade ao nível da experiência íntima. Estas experiências íntimas, subjetivas,
intersubjetivas, estão na própria fundamentação de nossa abordagem bioenergética: nós sentimos
a força, o élan vital e seus fluxos energéticos a animar o Vivo em nós. O Belo se impõe por si
mesmo, em seu estado original : energético.
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Um olhar lançado sobre os últimos 4 milhões de anos nos confirma que a Força, o élan vital, tem
necessidade de ser regulados para gerar evolução. Somente um processo energético,
bioenergético, regulado, pode gerar a formidável complexificação do vivo, da bactéria ao
homem.
As bactérias, que apareceram há 4 milhões de anos, são as mais antigas formas de vida biológica
terrestre. Seu corpo é composto apenas de uma célula mas elas desenvolvem uma dinâmica
social complexa no seio da qual elas cooperam entre si, enfrentam outros grupos para adquirir
território e recursos, guerreiam para defender seus territórios.
Após 100 milhões de anos, os insetos invertebrados como as formigas, as abelhas e os cupins
desenvolvem rotinas sociais complexas, repartem as tarefas inteligentemente a fim de encontrar
recursos vitais, a fim de transformá-los e compartilhá-los dentro da colônia. Em seus ninhos cuja
arquitetura é complexa, as vias de circulação são traçadas, os sistemas de ventilação são
previstos assim como um sistema de remoção dos resíduos. Em torno da rainha, se desenvolve
um sistema de governança e se pratica uma economia organizada.
O vivente, movido pela força vital, nunca cessou de se complexificar. Isto no entanto só pode se
produzir graças a um princípio regulador da força vital: « a homeostase » (Damasio, 20171 ). A
homeostase é um sistema de regulação da força vital que trabalha dentro do organismo:
regulação da circulação dos fluidos, regulação da pressão no interior do organismo, regulação do
grau de tensão dos tecidos, regulação do ritmo dos sistemas evoluídos, como os sistemas
cardíaco e respiratório, etc. A homeostase conecta o comportamento das bactérias à emergência
do comportamento humano.
É como se existisse uma « intenção » no seio de cada célula, e do organismo como um todo, de
alcançar um estado de vida autorregulada. O vivo se comporta como se fosse movido pelo
desejo, não um desejo fruto da reflexão, mas involuntário de mover-se para o futuro. É este
desejo que a homeostase sustenta ao coordenar o conjunto dos processos que mantém a ordem no
interior da célula, mantendo a coerência de suas estruturas e de suas funções, apesar das ameaças
ocasionais. A homeostase no entanto jamais visou um estado econômico perfeitamente estável
entre receitas e gastos energéticos. Ela tem favorecido um estado de superávit energético, este
desequilíbrio positivo permitindo agir, criar e fazer avançar a vida.
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Esta força regulada anima o organismo humano composto de milhões e milhões de células,
anima seu cérebro composto de milhões de neurônios, anima o espírito que nasce da interação
entre esses milhões de células e esses milhões de neurônios, anima as comunidades de
organismos humanos que constroem a cultura.
Uma dinâmica metabólica regulada, guiada pela homeostase, seria o fator essencial
caracterizando a origem da vida, o processo essencial da manutenção da vida e o princípio
gerador de sua dimensão criativa.
O terapeuta bioenergético tem então esta primeira função essencial : ajudar seus pacientes a
renovar sem cessar sua vitalidade, animada pela força bioenergética. Porque A. Lowen nos
transmitiu o seguinte paradigma : a complexidade humana não é vívida, amorosa e criativa, a
menos que saiba preservar seu potencial energético, a menos que saiba regenerar esta força vital
que a leva a agir e a interagir.
O terapeuta bioenergético utiliza assim uma variedade de exercícios e de situações de trabalho
«energético » capazes de provocar inveja em outras Escolas.
1- A função de expansão-contração
Os fluxos energéticos são funcionalmente orientados do centro do organismo em direção à
periferia, ou então, de dentro para fora, criando uma expansão e em seguida a ação adaptativa
ou o ato da comunicação. Isto é verdadeiro ao nível da célula (desde seu núcleo até sua
membrana), isto é verdadeiro ao nível da globalidade do organismo (de seu interior para o
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exterior) (Reich, 19403). Mas a contração muscular pode interromper este fluxo, impedi-lo
de atingir a periferia e inibir a expressividade e a motricidade. A contração muscular crônica
fixa a expressão e a ação.
O TERAPEUTA :
CO-REGULADOR DA FORÇA E DO SI MESMO
O terapeuta bioenergético tem esta segunda função essencial : ajudar seus pacientes a encontrar
ou reencontrar o sentido da autorregulação homeostática. Como?
O TERAPEUTA :
É QUEM TRANSMITE AS PROPRIEDADES REGULADORAS DA RELAÇÃO
O Si Mesmo humano teve igualmente que desenvolver um sistema de relações sociais regulado.
Nós, analistas bioenergéticos, compreendemos que estas propriedades e estes valores foram
inicialmente inscritos, ao longo de milhões de anos, nas modalidades corporais e interacionais,
assistidas pela complexificação progressiva do cérebro. (Damasio, 2017 13). Nosso sistema
límbico carrega o imprinting do instinto de apego, da tendência de confortar e consolar; a
empatia está inscrita nas estruturas nervosas cerebrais, notadamente nos neurônios espelho.
O terapeuta bioenergético tem esta terceira função essencial : ajudar seus pacientes a
descobrir, redescobrir ou desenvolver as seis propriedades da relação de apego, organizadoras e
reguladoras de todas as futuras relações sociais (Tonella, 201414) :
10
LOWEN A., 1958, Le Langage du Corps, opus cité.
11
LOWEN A., 1958, Le langage du corps, ¨Paris : Tchou, pp. 80-87.
12
LOWEN A., ver bibliografia final
13
DAMASIO A., 2017, L’ordre étrange des choses. La vie, les sentiments et la fabrique de la culture, Paris :
Odile Jacob.
14
TONELLA G., As propiedades reguladoras da relaçao interpessoal, Revista Latino-Americana de
Psicologia Corporal, Vol. 2, n° 1, 8-21.
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Estas propriedades carregam, em germe, valores sociais tais como a justiça, a ética e a paz,
que se encarnam nas manifestações culturais, artísticas, esportivas, científicas. Esta
Conferência Internacional é um exemplo. Diversos exercícios interativos foram criados
(Tonella, 201429) permitindo descobrir / desenvolver cada uma destas seis propriedades.
O TERAPEUTA :
TRANSMISSOR DA NATUREZA E DA CULTURA
Para manter sua homeostase, o organismo vivo deve se inscrever em uma relação estreita com
seu ambiente natural. É a natureza da qual ele se diferenciou e é dela que ele foi feito. Ele
pertence a ela. Ele a consome mas deve restaurá-la. A homeostase de natureza biológica é
intrinsecamente ligada à homeostase da natureza ecológica. É destas regulações bem sucedidas
que a vida emergiu e se complexificou. Da natureza nasceu o humano e depois a cultura.
Nós somos com certeza a única espécie que desenvolveu uma dimensão cultural repousando
sobre processos de simbolização utilizando signos, imagens ou palavras. Mas devemos
reconhecer que as espécies que nos precederam na evolução nos prepararam para desenvolver
estes processos e estes comportamentos que promovem a cultura enquanto cimento da
humanidade (Damasio, 201730).
Nós somos então, mais uma vez, terapeutas bioenergéticos passistas e coreógrafos de uma dança
vital onde se misturam instintos herdados de uma necessidade de adaptação constante ao meio
natural, e desejos de pertencimento a uma cultura que nos modelou desde nosso berço e continua
a estimular nossos desejos. Adultos, reencontramos em nós, ao menos, um estado de harmonia
entre necessidade de natureza e desejo de cultura, por vezes contradições e conflitos resultantes
de rupturas entre instinto e desejos, entre natureza e cultura.
O terapeuta bioenergético tem esta quarta função igualmente essencial : nós somos os
reparadores dos vínculos natureza-cultura, porque trabalhando com os corpos nós desenterramos
os instintos ou as sensações milenares perdidas ou adormecidas, inibidas pela tensão cotidiana, o
stress, a busca de performance ou de imagem social do Eu. Em terapia, despertamos as
constelações sensório-emocionais que, pela respiração, lembram a dança do vento, e que, pelo
movimento, evocam a dança dentro do vento. A análise bioenergética age dentro de uma
dialética constante entre fluxos corporais imemoriais e modelos culturais emergentes. Não
esqueçamos jamais estes princípios e estas técnicas ensinadas por Alexander Lowen desde os
anos 1960, fundadoras de uma prática de inteligência corporal milenar.
26
TRONICK E. Z., 1989, “Emotions and emotional communication in infants”, American Psychologists, 44, 112-
119.
27
SCHORE ALLAN, 2003, La régulation affective et la réparation du Soi, éd. du CIG, Montréal, 2008.
28
DEMOS V., 1991, Resiliency in infancy, T.F. Dugan et R. Coles (Eds.), The child in our times: Studies in
the development of resiliency, New York: Brunner/Mazel, 3-22.
29
TONELLA G., As propiedades reguladoras da relaçao interpessoal, Revista Latino-Americana de
Psicologia Corporal, Vol. 2, n° 1, 8-21.
30
DAMASIO A., 2017, L’ordre étrange des choses. La vie, les sentiments et la fabrique de la culture, Paris :
Odile Jacob.
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É assim que o trabaho bioenergético nos faz oscilar entre a ancoragem à terra firma (o
« grounding » de Lowen, 195831) e o “sentimento oceânico” de pertencimento ao universo
inteiro. Nós somos pedra e nós somos vento. Nós somos matéria atômica e nós somos espírito
errante. A experiência bioenergética tece esse contínuum entre o átomo e o espírito, esta
complexidade vertiginosa donde emergem a renovação, a criação, o amor e o belo. Ela tem esse
poder extraordinário de fazer viver a união entre o infinitamente pequeno e o infinitamente
grande, entre o sentimento de humildade e o sentimento de exaltação.
Se nossa própria terapia bioenergética foi bem sucedida em fazer germinar em nós estes diversos
níveis de consciência, nós os transmitiremos por nossa vez a nossos pacientes. Nós
transmitiremos estes vínculos de apego que nos unem tanto à humanidade quanto à natureza :
estes vínculos são de natureza sensório-afetiva e são intrinsecamente inteligentes e
profundamente reguladores.
O TERAPEUTA,
PROMOTOR DE FORÇA VITAL, DE AMOR E DE VÍNCULO
O terapeuta bioenergético tem, por fim, esta quinta função imprescritível : a de trabalhar
dentro da dimensão da dignidade humana e de promovê-la. Procuramos semear o amor no
coração de nossos pacientes feridos, mal amados, maltratados, abusados : o amor de si e o amor
pelo outro. « Sem amor ... não somos nada » cantava Edith Piaf. O amor produz o belo e a
clarividência : a beleza das flores, do céu estrelado, o som das ondas, o farfalhar das folhas das
árvores. O amor cuida : de si, dos outros, da natureza.
Eu acredito que o amor, como a empatia, como o tomar conta do outro e da natureza, não é mais
que uma construção psíquica ou uma consciência mental. É antes de mais nada um estado de ser,
sensorial, emocional, que nos habita ao mais profundo e nos é transmitido via os processos de
apego por nossa mãe : nossa mãe biológica e mãe-Natureza. Desta conjunção maternal nasce em
nos uma multitude de constelações sensorio-emocionais sem idade, nascidas poeira de estrelas
que se tornaram átomos, células, coração, ventre, cérebro, memória implícita, braços estendidos
para o outro.
O terapeuta bioenergético, por sua humanidade e sua presença universal, recorda à consciência
física de seus pacientes estes estados de ser sensoriais e emocionais matrizes de vida. Quando o
organismo pulsa, vibra, recupera sua luminosidade, são milhares de fótons que dele são expulsos
e iluminam, por sua vez, os outros atravessando camadas concêntricas, desde a mais próxima na
qual residem os seus, até as mais distantes onde residem os ausentes.
Nós não somos, analistas bioenergéticos, que « transmissores », em múltiplos níveis. Nós somos
transmissores entre o macrosistema que cria o sentimento universal da beleza infinita e o
microssistema que cria a sensação íntima de pulsação celular. Nós somos os transmissores entre
o átomo e o espírito, entre realidade celular e consciência de si. Nós podemos ser também, nestes
tempos de tormenta, os regeneradores de consciência individual e coletiva.
Nós somos a energia das estrelas que se tornou matéria humana e inteligência do corpo. Nós
somos o espirito do universo depositado pelo vento em uma dança, uma poesia, um cando.
Escutem este canto como é bonito (« Casta Diva » tirado de Norma, de Vincenzo Bellini,
cantado por Filippa Giordano).
Esta voz nos convida à espiritualidade, não é? Mas onde está o espírito? A física quântica nos
ensina que ele habita cada um de nossos átomos e cada um dos átomos do universo; ele está fora
do tempo e da espaço, simultaneamente e por toda parte. O espírito não é localizável. Ele é
quanta, ele é propriedade deste vasto sistema ecológico que é o universo ao qual pertencemos. O
espírito é estrela, homem, vento.
Eu agradeço.