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ASSOCIAÇÃO TERESINENSE DE ENSINO - ATE

FACULDADE SANTO AGOSTINHO – FSA


CURSO – ESPECIALIZAÇÃO EM PSICOLOGIA CLÍNICA
DISCIPLINA – ENFOQUE PSICOSSOMÁTICO DO PROCESSO
TERAPÊUTICO
PROFESSOR – PÉRISSON DANTAS DO NASCIMENTO

RESILIÊNCIA E A SOMATIZAÇÃO DOS FATORES DE


RISCO

Patrícia Pereira de Sá
Thalita Alexandrino Freitas

Teresina
Fevereiro / 2010.
RESILIÊNCIA E A SOMATIZAÇÃO DOS FATORES DE
RISCO

Um pouco sobre Resiliência

Compreende-se resiliência como o conjunto de processos sociais e


intrapsíquicos que possibilitam o desenvolvimento de uma vida sadia, mesmo
vivendo em um ambiente não sadio. Este processo resulta da combinação
entre os atributos da criança ou jovem e seu ambiente familiar, social e cultural.
Deste modo, a resiliência não pode ser pensada como um atributo que nasce
com o sujeito, nem que ele adquire durante seu desenvolvimento.
Resiliência é a capacidade do sujeito de, em determinados momentos e
de acordo com as circunstâncias, lidar com a adversidade não sucumbindo a
ela, alertando para a necessidade de relativizar, em função do indivíduo e do
contexto, o aspecto de “superação” de eventos potencialmente estressores
apontado em algumas definições de resiliência. Esse termo resiliência traduz
conceitualmente a possibilidade de superação num sentido dialético, o que
representa não uma eliminação, mas uma re-significação do problema.
A noção de resiliência foi criada pelas ciências exatas, veio da física que
conceitua como a energia de deformação máxima que um material é capaz de
armazenar sem sofrer alterações permanentes. Nesse contexto vários
materiais apresentam modos de resiliência. Diferente das ciências exatas as
ciências humanas e a medicina têm discutido o conceito de resiliência e
reúnem várias incertezas.
O conceito de resiliência vem evoluindo ao longo das décadas, desde o
final da década de 1970, o conceito de resiliência vem sendo estudado pela
psicologia e a psiquiatria, que é a capacidade de um ser humano resistir a
adversidades, mesmo após a sua exposição a riscos. Passou a significar a
habilidade de se acomodar e de se reequilibrar constantemente frente às
adversidades. Segundo (Tavares, 2001), na medicina, o termo representa a
capacidade de uma pessoa resistir a doenças, infecções ou internações, com
ou sem a ajuda de medicamentos. Há alguns anos o conceito foi assimilado a
saúde publica, na promoção de saúde, do bem-estar e da qualidade de vida.
O ser humano enfrenta situações adversas mesmo antes de nascer e
defende-se ao longo de toda sua vida, sendo transformada constantemente
durante sua existência, dependente de sua capacidade de elaborar e superar
problemas e reformular-se cotidianamente, atributos que compõem as raízes
da resiliência. A forma de reagir aos estresses é configurada pelo ser humano
desde o período intra-uterino e desenvolve-se até sua morte. Ainda embrião, o
ser humano já está exposto a adversidades mais ou menos severas. A
compreensão maior dos nove meses de existência intra-uterina deixa cada vez
mais claro que há uma continuidade no processo de formação do ser humano,
pois, em sua historicidade, será sempre capaz de se modificar e estará em
permanente construção.
Segundo, (Cyrulnik, 2004)
A história da mãe, suas relações atuais ou passadas, participam
assim da construção dos traços de temperamento da criança que
está por nascer ou que acabou de nascer. Antes do primeiro olhar,
antes do primeiro sopro, o recém-nascido humano é apanhado por
um mundo em que a sensorialidade já está historizada. É nesse
mundo que ele terá que se desenvolver.
Outros acontecimentos difíceis de serem enfrentados pelas crianças,
mesmo quando fazem parte de seu cotidiano, são os abusos físicos,
psicológicos e sexuais, a negligência, a ocorrência de doenças e mortes na
família, os conflitos e a separação dos pais, a perda de cuidadores ou pessoas
significativas, as separações prolongadas de mãe, a sua própria hospitalização,
a ausência do pai e a convivência com a pobreza, associada à instabilidade da
moradia e ao desemprego do principal provedor da casa (Trombeta e Guzzo,
2002). Já para os adolescentes existem outros eventos de vida que são
significativos: transformações hormonais e na puberdade, namoro, mudanças
de escola e vizinhança, rupturas familiares, vitima de violência, decorrente de
trafego de drogas e violência urbana. Nem toda adversidade é um estresse
para o individuo, só é um estressor quando acarreta mudanças internas na
pessoa, alterando seu componente de afeto sobrecarregando seus recursos
adaptativos (neuroquímicos, psicológicos e sociais).
A avaliação de que eventos de vida adversos podem afetivamente se
constituir em risco para determinado individuo dependerá de uma série de
fatores, quantitativos e qualitativos, internos e externos, além dos mecanismos
pelos quais os processos de risco operam na subjetividade da criança. Quanto
mais uma pessoa desenvolver seu potencial de resiliência, mais poderá
minimizar o prejuízo dos eventos difíceis na vida interior e nas relações macro
e microssociais. Alguns autores comentam que sofrer mais de quatro eventos
estressantes na vida eleva a condição de risco (Sameroff 1993; Célia e Sousa,
1999). A cada etapa do desenvolvimento humano episódios similares terão
efeitos diferentes: “só podemos ser tocados pelos objetos aos quais nosso
desenvolvimento e a nossa história nos tornam sensíveis, pois lhes atribuímos
um significado particular”(Cynulnik, 2004, p.125). Algumas pessoas podem ser
afetadas por eventos pouco significativos; outras, por eventos de maior
magnitude; algumas, quando a exposição ao evento é prolongada e outras
alcançam seu limite de tolerância apenas com o acúmulo de pequenos eventos
estressantes do dia-a-dia (Savoia, 1999).
As relações familiares difíceis põem em sério risco o
desenvolvimento da criança ou do adolescente. Na dinâmica familiar, pai e mãe
exercem papéis fundamentais para o desenvolvimento saudável da criança e
do adolescente, mas seus efeitos socializadores são distintos. O pai pode ser
considerado como “a plataforma de lançamento”, o responsável por uma
espécie de aprendizagem para correr riscos e adaptar-se à novidade. A mãe,
normalmente, mais risonha e afetuosa, incita o afeto (Cyrulnik, 2004). No caso
da separação dos pais, a falta de um deles não se configura sempre como um
estressor em potencial. As relações familiares posteriores ao divórcio, entre os
pais e entre cada cuidador e a criança, é que determinam as conseqüências
desse evento para a formação infantil. Parte das conseqüências das
separações conjugais sobre os filhos provém da instabilidade que ocorre na
capacidade de supervisiona-los, já que os pais perdem tempo criticando as
ações e as omissões um do outro, além de se sentirem inseguros quanto `Pa
divisão do amor filial diante da nova conjuntura familiar.
Jamais conseguimos liquidar nossos problemas, sempre resta deles
algum vestígio, mas podemos dar-lhes uma outra vida, mais suportável e, ás
vezes, até bonita e com sentido. (Cyrulnik, 2004, P. 12). A capacidade de
resiliência implica encontrar forças para transformar intempéries em
perspectivas. As adversidades é um fator necessário para se tecer o
amadurecimento do caráter e a resiliência, mas isoladamente são insuficientes
para promove-la. Existem pessoas resiliêntes que ao narrarem suas histórias
de vida que muitas vezes são problemas graves encaram as dificuldades como
algo natural e inerente à vida. Já os menos resiliêntes sua narrativa das
experiências negativas é penosa, alguns nem passam por problemas tão
graves como os indivíduos resiliêntes, mas suas vivências negativas ganham
notoriedades quando são relatadas por eles.
Existe uma grande habilidade dos mais resiliêntes, em encontrar uma
significação para as adversidades e em obter apoio da família e dos amigos
para a superação dos problemas. Histórias de incentivo, apoio e carinho das
pessoas que os cercam se sobressai na narrativa do enfrentamento das
dificuldades. Os menos resiliêntes têm dificuldades em elaborar e atribuir
sentido mais produtivo às adversidades, quando relatam suas dificuldades, fala
pouco ou nenhum apoio que receberam, seja por não conseguir solicitá-lo, ou
por não terem uma rede de proteção.
A resiliência é considerada como o resultado final de processos de
proteção que não eliminam os riscos eliminados, mas encorajam o individuo a
lidar efetivamente com a situação e a sair fortalecido da mesma. Os processos
de proteção têm quatro funções principais: reduzir o impacto dos riscos,
alterando a exposição da pessoa à situação adversa; reduzir as reações
negativas em cadeia que seguem a exposição do indivíduo à situação de risco;
estabelecer e manter a auto-estima e a auto-eficácia, através do
estabelecimento de relações de apego seguras, e o cumprimento de tarefas
com sucesso; criar oportunidades para reverter os efeitos do estresse (Rutter,
1987).
Segundo (Cyrulnik, 2004, p. 208) falar em resiliência em termos
individuais constitui um erro fundamental. Não somos mais resiliêntes ou
menos, como se tivéssemos um catálogo de qualidade: a inteligência inata, a
resistência ao mal ou a molécula do humor. A resiliência é um processo, uma
transformação da criança que, de ato em ato e de palavras em palavras,
inscreve seu desenvolvimento num meio e escreve sua história numa cultura.
Portanto, quem é resiliênte é menos a criança e mais sua evolução e sua
historização.

Somatização dos fatores de risco

A preocupação com a internalização dos nossos problemas,


colocando-os como fatores que potencializam um aparecimento de algumas
doenças é algo que remonta a anitiguidade, tomando grande importância nos
círculos médicos até 1900, a partir de onde foi atenuado em razão do
desenvolvimento de certos antibióticos, vacinas, anestesias, raios-x. Nesse
momento o foco passou a ser apenas a doença, fato que embora tenha
contribuído para o desenvolvimento de recurso, influenciou gravemente a
relação emocional entre médico e paciente. Porém, vários estudos realizados
durante a década de 50 permitiu a compreensão de que a história de vida
emocional desempenha, em grande parte, um papel importante na
determinação e evolução de doenças como o câncer.
Nesse sentido compreende-se que a doença não é só física, mas
também diz respeito a pessoa como um todo, levando em consideração corpo,
emoção e mente, sendo que o estado emocional está fortemente relacionado a
determinadas doenças e influencia na sua recuperação atuando no sistema
imunológico que é a defesa natural do nosso organismo, podendo haver uma
somatização dos fatores de risco. Tal somatização depende de uma série de
fatores relacionadas ao individuo e a forma como lida com seus traumas,
conduzindo sua vida segundo uma experiência negativa ou positiva.
O radioterapeuta americano Carl Simonton, ao observar pacientes,
que apesar de terem um mesmo diagnóstico e prognóstico médicos, evoluiu de
forma diferente, onde uns viviam mais que os outros. Diante dessa questão,
percebeu que os doentes que evoluíam melhor tinham em comum um desejo
de não morrer em razão de terem objetivos traçados a serem acabados, fato
que os prendia à vida. Já os pacientes que apresentavam-se deprimidos e com
grande apatia, evoluíram de forma pior.
Aqueles que pertenciam ao grupo que melhor evoluíam em razão
das circunstâncias motivadoras de viver, possuíam uma atitude ativa diante de
sua doença, achando-se capazes de influenciá-la, não enxergando o processo
de cura como algo que o indivíduo se submeta passivamente.

Foi observando essa atitude ativa em relação à doença, que


Simonton pensou numa forma de estimulá-la naqueles em que se
comportavam de forma contrária, ou seja, pensou em motivar a vontade de
viver naqueles que se comportavam passivamente.
Além de Simonton, outros pesquisadores como Baltrusch (1988),
destacam-se nesse contexto de interação mente/corpo, entendendo que os
recursos dos quais o individuo dispõe para lidar com situações estressantes,
são de grande importância para a adequação às diversas situações da vida.
Dentre esses recursos, destacou uma boa dose de auto-estima e atitude
vigorosa diante da vida.
Tais recursos destacados por Baltrusch, assim como a observação
de pessoas passivas e ativas diante de fatores de risco feita por Simonton, nos
permite colocar a importância da experiência pessoal, colocando-a como um
processo evolutivo onde alguns indivíduos, em razão da anterior exposição a
fatores de risco estejam mais “preparados” para lidar com certas situações. A
partir daí é que entendemos que um mesmo fator de risco pode refletir de
forma diversa em diferentes indivíduos, influenciando na internalização e
conseqüente possível somatização desses fatores em nosso organismo.
Essas situações são importantes para nos mostrar a importância da
resiliência no processo de somatização dos fatores de risco, uma vez que
aquela, ao ofertar uma re-significação de determinada situação estressante,
permite que a pessoa lide de forma mais saudável com a situação,
potencializando assim os recursos de auto-estima e atitude vigorosa da vida.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ASSIS, Simone Gonçalves de. Resiliência: enfatizando a proteção dos


adolescentes / Simone Gonçalves de Assis, Renata Pires Pesce, Joviana
Quintes Avanci. – Porto Alegre: Artmed, 2006. 144p.

CARVALHO, Maria Margarida M. J. Introdução à Psiconcologia. Campinas –


SP. Ed. Livro Pleno, 2003. 285p.

PAPALIA, D.E. & Olds, S. W. Desenvolvimento Humano. Porto Alegre: Artes


Médicas, 2000. 7ª ed.

PERES. Julio F.P. ; MERCANTE. Juliane P.P.; NASELLO. Antonia G.


Promovendo Resiliência em Vítimas de Trauma Psicológico. Disponível
em: www.google.com.br / Acessado em: 05/02/2010.

PESCE. Renata P.; ASSIS. Simone G.; SANTOS. Nilton; OLIVEIRA. Raquel de
V. C. Risco e Proteção: Em Busca de Um Equilíbrio Promotor de
Resiliência. Disponível em www.google.com.br / Acessado em: 05/02/2010.

SAPIENZA. Graziela; PEDROMÔNICO. Márcia R. M. Risco, Proteção e


Resiliência no Desenvolvimento da Criança e do Adolescente. Disponível
em: www.google.com.br / Acessado em: 05/02/2010.

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