Resiliência: Fator de Transformação no Indivíduo e no
Ambiente
Iêda Maria Pereira de Sousa
Resumo
Neste texto será trabalhado o tema resiliência, abordado como a
capacidade que os humanos apresentam de responder positivamente às experiências que apresentam elevado potencial de risco para sua saúde e desenvolvimento. Embora se trate de um termo de fácil compreensão, mas de difícil conceituação de um termo de difícil conceituação. A resiliência è um fator importante para o enfrentamento das adversidades com que tem se deparado o homem na contemporaneidade, envolvendo a dimensão individual, ambiental e e fatores protetivos. Destacando-se a necessidade de um alargamento quanto a conceituação do tema, destacando seu caráter criativo e transformador.
Na contemporaneidade assistimos ao exacerbamento da
ocorrência de situações e adversas, que colocam o humano diante de uma série de fatores, desfavoráveis, tais como: pobreza, violência, doenças, desastre naturais, deixando-o em estado de vulnerabilidade. Vulnerabilidade entendida como respostas inadaptadas que levam a conseqüências psico- sociais negativas para a vida do indivíduo e da comunidade na qual se insere. Diante de tal panorama, tem se percebido a trajetória de indivíduos que a despeito das condições adversas conseguem se desenvolver e crescer satisfatoriamente, transpondo limites e contrariando as expeditivas preditivas concernentes à situações de risco, ao passo que outros sucumbem, desenvolvem patologias ou se vitimizam. (Barlach, 2005).
No campo de Psicologia, vários autores tem se dedicado ao estudo
das condições que levam determinados indivíduos à superação de adversidades nos mais variados contextos, no intuito de tentar compreender os mecanismos e processos envolvidos no enfrentamento saudável das crises.
Abordagem do Tema Resiliência
O termo resiliência foi tomado emprestado da física e refere-se à
capacidade de um material absorver energia sem sofrer deformação plástica ou permanente. Diferentes materiais apresentam diferentes módulos de resiliência, os quais podem ser obtidos, em laboratório, por meio de medições sucessivas ou da utilização de uma fórmula matemática. (Yunes, 2003).
Para a psicologia, compreende-se resiliência como o conjunto de
processos sociais e intrapsíquicos que viabilizam o desenvolvimento de uma vida saudável, mesmo vivendo em um ambiente não sadio. Este processo é resultante da combinação entre os atributos do indivíduo e seu ambiente familiar, social e cultural. Assim, a resiliência não pode ser pensada como um atributo inato ou que ele adquire durante seu desenvolvimento. Trata-se de um processo interativo entre a pessoa e seu meio, entendido como uma variação individual em resposta ao risco, sendo que os mesmos fatores causadores de desequilíbrio podem ser experenciados de formas diferentes por pessoas diferentes, não sendo a resiliência um atributo fixo do indivíduo (Rutter, 1987. In: Pesce et All, 2004). Para a Psicanálise, o indivíduo se depara constantemente com situações múltiplas de conflitos e frustrações que provocam rupturas no estado de equilíbrio psíquico e produzem ansiedade. A natureza e o grau de conflito variam de um indivíduo para outro, bem como de uma ocasião para outra e conforme o nível de desenvolvimento psicológico. O estado de ansiedade funciona como sinal de alerta da eminente situação de perigo ou de ameaça de quebra do equilíbrio entre forças internas ou entre o organismo e o ambiente. A fonte das sensações ameaçadoras remonta às situações de perigo e de culpa fantasiadas na infância. (Dewald,1989).
O estado de saúde mental do indivíduo, continua o autor, está
diretamente ligado a capacidade e habilidade do ego em manter ou restabelecer o equilíbrio interno e externo do organismo. Quanto maior a tolerância ao stress e à frustração; quanto mais realistas forem os objetos de descarga dos impulsos sexuais; quanto maior autonomia na regulação moral do comportamento; e quanto mais sofisticados forem os mecanismos de defesas utilizados, maior a maturidade emocional e a saúde mental do indivíduo.
Dificuldade de Conceituar Resiliência
O conceito de resiliência tem sido fundamental no campo do
desenvolvimento e da saúde humana e implica na maneira particular de cada um administrar as adversidades, reconhecendo seu potencial de risco, mas sem perder a capacidade de mobilizar os recursos pessoais e ambientais para enfrentar essas situações (Noronha et all, 2009).
No entanto, há unanimidade entre os estudiosos do tema quanto
à dificuldade conceitual do termo resiliência, se por um lado trata-se de um termo de fácil compreensão, o mesmo não ocorre quanto ao seu conceito. Yunes destaca que a aptidão a superar obstáculos foi definida como invulnerabilidade, termo introduzido na literatura psicopatológica pelo psiquiatra E. J. Anthony, em 1974, para designar crianças, que apesar de longos períodos submetidas a situações adversas e de stress, contrário às expectativas, conseguiam se manter emocionalmente saudáveis e apresentavam alta competência.
Yunes chama a atenção para a inadequação do termo
invulnerabilidade, uma vez que passa a idéia de que o indivíduo estaria naturalmente e de forma imutável blindado a qualquer tipo de situação adversa. A habilidade de superar dificuldades não torna o indivíduo ileso a toda e qualquer situação como sugere o termo.
Souza e Serveny (2006), ao descrever a trajetória das pesquisas
na ceara da resiliência, destacam três perspectivas vigentes a cerca do tema resiliência. A primeira, focada no indivíduo e ligado à psicopatologia, considera a resiliência como um conjunto de traços de personalidade e habilidades, que tornam o individuo resistentes a experiências traumáticas e às doenças. A segunda passa a atribuir grande importância as figuras de apego na infância para o desenvolvimento da resiliência. Por último, passou-se a ter uma visão mais sistêmica e ecológica, atribuindo à família e á rede de suporte social, bem como ás crenças construídas socialmente papel preponderante para o desenvolvimento da resiliência.
Novas Abordagens do Tema Resiliência
No intuito de colaborar com essa discussão, Barlach, em sua
dissertação sobre a construção conceitual do termo resiliência, sustentada em Waller (2001), enfatiza que visão individualista está em baixa, sobressaindo-se a visão dinâmica, multidimensional e ecossistêmica (interação indivíduo/meio) para explicação do fenômeno.
Ainda, citando Waller, chama a atenção para a associação
equivocada que os autores costumam fazer entre competência e resiliência, posto que aquela por si só não garante a resiliência, sendo este um fenômeno que surge em função da adversidade e que qualquer indivíduo, potencialmente, pode vir a desenvolve resiliência. Mesmo havendo uma rede protetiva - características de personalidade, coesão familiar e suporte externo -, diante da emergência de fatores de risco, não há como se afirmar com segurança que ocorrerá uma adaptação positiva. Trata-se de dois fatores interligados e que dependem da significação atribuída por quem vivencia a situação de risco, já que o fato que se apresenta como situação de risco para uma pessoa, pode não ter a mesma conotação para outra.
Analogamente, o modelo ecológico de Brofenbrenner (1996),
sobre o desenvolvimento humano dá ênfase as interações entre o indivíduo e o meio, de maneira que tudo depende de como o indivíduo interpreta a realidade objetiva. Assim, uma pessoa resiliente depende das relações que tenha estabelecido na sua interação com o ambiente e das diferenças individuais na percepção da situação causadora de stress (Pinheiro, 2004).
Barlach, baseada nos estudos sobre o assunto, aponta como
qualidades encontradas em crianças resilientes: boa capacidade intelectual, disposição para a sociabilidade, auto-eficácia, auto-estima, talentos individuais e fé. No toante aos recursos familiares destaca relação com uma boa figura parental, vantagens econômicas e uma rede familiar ampla. Além do estabelecimento de laços com pessoas que são bons modelos, contato com organizações sociais e frequentar a escola.
Resiliência tem sido definida como a capacidade de adaptação
positiva diante de situações adversas. Contudo, não se deve entender aqui, adaptação como sinônimo de conformismo, mas de transformação interna e do ambiente. Somente diante da adversidade são mobilizados recursos, os quais o indivíduo nem sabia possuir, fomentadores de crescimento e enriquecimento pessoal. (Barlach, 2005).
Desta feita, prossegue a autora, sendo a adversidade condição
indispensável para o processo de desenvolvimento da resiliência, os modelos que propunham a simples diminuição dos fatores de risco, não estariam colaborando em nada com o fortalecimento do indivíduo para o enfrentamento das crises. E propõe a substituição da idéia de adaptação positiva, pela idéia de adaptação criativa. Assim, resiliência seria entendida de forma processual e dinâmica, levando-se em conta o indivíduo, sua subjetividade, refletida em sua maneira de dar significado às experiências externas, provocando transformações no ambiente e internamente (Barlach, 2005).
Então a autora apresenta uma re-definição do conceito de
resiliência:
“A resiliência é a reconfiguração interna, pelo sujeito, de sua própria
percepção e de sua atitude diante da vivência da condição da adversidade ou trauma, constituindo esta, a partir de então, fator de crescimento ou desenvolvimento pessoal. A resiliência é uma condição interna (não observável, a não ser em seus efeitos) constatada numa demanda de adaptação do indivíduo frente a uma situação excepcionalmente adversa, ou mesmo traumática, caracterizada por alto potencial destrutivo ou desintegrador das estruturas e recursos pessoais, da qual resulta o fortalecimento dessas estruturas, o crescimento pessoal, a confirmação de sua identidade, o desenvolvimento de novos recursos pessoais, constituindo-se numa reação que transcende os limites de um mero
processo de adaptação”. Grifo da autora, (Barlach, 2005,
grifo da autora).
Esta re-definição aponta para o enriquecimento interno do
sujeito, a partir do enfrentamento de situações adversas, que levam a descoberta e utilização de recursos, às vezes, ainda desconhecidos e soluções criativas que venham a proporcionar não apenas uma simples acomodação, mas transformações internas e no seu ambiente.
Considerações finais
No contexto em as adversidades estão cada dia mais freqüentes
e diversificadas, que provocam rupturas no estado de equilíbrio bio-socio- psíquico levando a situações de extremo sofrimento, o estudo da resiliência, entendida como a capacidade que o indivíduo apresenta de enfrentar positivamente situações adversas.
Destaca-se nesse trabalho, o valor da adversidade para a
descoberta e promoção de recursos internos, que o indivíduo desconhece totalmente e que aflora, somente, diante da necessidade de enfrentamento de condições adversas. Além disso, amplia-se a visão do tema resiliência, a partir da perspectiva não apenas adaptativa, mas de uma visão criativa que pressupões uma reconfiguração e crescimento interno, mas também, uma ação transformadora no ambiente.
Referências
BARLACH, L. (2005). O que é resiliência humana? Uma contribuição para a
construção do conceito. Dissertação de Mestrado, Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, São Paulo.
DEWALD, Paul. Psicoterapia uma Abordagem Dinâmica. 5. ed. Porto Alegre:
Artmed,1989.
Yunes, M. A. L. (2003). Psicologia positiva e resiliência: o foco no indivíduo e
na família. Psicologia em Estudo, 8(N. especial), 75-84.
NORONHA, Maria Glícia Rocha da Costa e Silva Et All . Resiliência: nova
perspectiva na promoção da saúde da família? Ver. Ciência e Saúde Coletiva vol.14 no.2 Rio de Janeiro Mar./Apr. 2009. Disponível em:http://www.scielosp.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413- 81232009000200018 – Acesso em 10 fev. 2010.
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