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Universidade Mussa Bin Bique

Disciplina: Psicossomática & Saúde


Psicologia Clínica - 3º Ano, 2023

PSICOSSOMÁTICA & SAÚDE 11 & 12.03.2023

AULA II: PERSPECTIVAS HISTÓRICAS DA PSICOSSOMÁTICA

Na Antiguidade o adoecer era considerado uma manifestação de forças sobrenaturais, sendo a


cura buscada em rituais religiosos. As práticas terapêuticas e as concepções de vida, de saúde e
de morte eram intimamente ligadas a essas crenças.

Na civilização assírio-babilônica (III milênio a.C.) curas rituais e mágicas coexistiam com
tentativas de estabelecer procedimentos por analogia, com referencia à mitologia, à metafísica
e à astronomia. No Egito Antigo, junto as crenças religiosas emergiram princípios de um
raciocínio analógico na compreensão dos sintomas e na escolha terapêutica. Datado de cerca de
1500 a.C., o papiro Ebers já esboçava uma descrição do corpo humano, de suas doenças e de
quadros clínicos detalhados, acompanhados de procedimentos terapêuticos e de prognósticos.
No século V a.C, Heródoto assinalava a divisão em especialidades na medicina egípcia.
O Antigo Testamento preconizava medidas de profilaxia e de higiene pessoal e colectiva por
intermédio de regras alimentares e de organização social.

No século VI a.C., os filósofos pré-socráticos, buscavam um princípio que explicasse a unidade


da natureza, tentando situar o corpo e suas doenças das forças do Universo. Tales de Mileto
questionou a origem divina dos fenômenos da natureza. Aleméon, de Cretone, sustentava que
a saúde era expressão do equilíbrio do Homem com o Universo. Empédocles, de Agrigento,
sustentava que o corpo era formado por quatro elementos, fontes dos “humores”. Estes estariam
subordinados à luta permanente entre o amor (fonte de integração) e o ódio (fonte de
desintegração).

Segundo Volich (2000), a partir de Sócrates, gradualmente surgiu à idéia de que o homem
seria constituído não apenas por um substrato material, mas também de uma essência imaterial,
vinculada aos sentimentos e à actividade do pensamento, a alma. No âmbito da medicina, essa
discussão determinou diferentes vertentes na compreensão da doença, da natureza humana e da
função terapêutica.

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Por: Rosário Martinho Sunde
(Psicólogo Clínico e Escolar)
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Hipócrates, nascido na Ilha de Cós, por volta de 460 a.C. construiu uma medicina naturalista,
baseada em uma metodologia e deontologia específicas. Para ele o corpo humano era um todo
cujas partes se interpenetram. Ele tenta explicar os estados de saúde e doença pela existência
de quatro humores principais do corpo: bile amarela, bile negra, fleuma e sangue. A saúde seria
o equilíbrio entre esses elementos. Hipócrates entendia a enfermidade como uma
desorganização desse estado e dizia que os asmáticos deviam se resguardar da raiva. Hipócrates
introduziu a idéia de unidade funcional do corpo, onde a alma exerce uma função reguladora.
O homem era uma unidade organizada, que poderia desorganizar-se, o que propiciaria a
emergência de uma doença.

Para Aristóteles a “psique” e o corpo reagiam complementarmente um com o outro. Galeno


(200 d.C.) entendia a causa da doença como endógena, ou seja, estaria dentro do próprio
homem, em sua constituição física ou em hábitos de vida que levassem ao desequilíbrio. Ainda,
Galeno afirmava que mulheres “melancólicas” são mais suscetíveis ao desenvolvimento de
neoplasias mamárias que mulheres “sanguíneas”. Para Paracelso, as doenças eram provocadas
por agentes externos ao organismo. Na modernidade surge Descartes e a teoria da separação
completa entre mente e corpo, alicerçando o discurso dualista cartesiano que influenciou o
desenvolvimento do pensamento médico. Esse pensamento foi ainda reforçado no século XX
com as descobertas de Pasteur e Virchow, onde se desenvolveu uma visão reducionista sobre a
etiologia das doenças.

O termo “psicossomático” foi utilizado pela primeira vez em 1818 por Heinroth, psiquiatra
alemão, ao fazer referência a insônia e a influência das paixões na tuberculose, epilepsia e
cancro. No século seguinte as descobertas de Freud permitiram uma melhor compreensão
desses fenômenos. Em 1922 Deutsch reintroduziu esse termo em Viena.

As afecções psicossomáticas estão mais para o final do século XX, assim como as histerias
estiveram para o final do século XIX. Destacam-se nesse período as contribuições de Franz
Alexander e seus colaboradores da Escola de Chicago, e os trabalhos de Spitz e da Escola
Psicossomática de Paris. Franz Alexander e seus colaboradores desenvolveram uma teoria que
buscava as relações entre emoções reprimidas e sua repercussão no plano físico, levando aos
sintomas. A partir de 1950, com os trabalhos de Spitz observou-se a decisiva influência que a

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ausência da figura materna exerce no plano da psicopatologia, e constatou-se que essa ou outras
ausências no psiquismo aumentavam a disposição à doença.

Em 1962 surge a Escola Psicossomática de Paris, representada por Pierre Marty, Chistian
David, Michel Fain e Michel M’Uzan; e em 1972 foi criado o Instituto de Psicossomática, sob
a direcção de Pierre Marty, com a finalidade de formar psicossomaticistas, para promover a
pesquisa e fornecer atendimento clínico.

Volich (1998) destaca que desde sua origem a psicossomática foi marcada pelas descobertas de
freudianas, durante toda a sua obra Freud apresenta uma reflexão entre o psíquico e
o somático. O modelo etiológico da histeria e da neurose actual constituem as primeiras
referências da psicanálise para pensar a relação entre factores psíquicos e doenças orgânicas.
Todos os pioneiros da psicossomática tiveram contacto com as formulações freudianas,
reconhecendo as contribuições desta para as suas teorias.

Em 1917, o psicanalista Grodeeck publica a obra Determinação psíquica e tratamento


psicanalítico das afecções orgânicas, que foi considerada um marco na psicossomática. Nesta
obra, ele propõe que o mecanismo psicológico da conversão histérica poderia ser generalizado
para outras doenças somáticas, como uma expressão simbólica de desejos inconscientes
manifestados no corpo do paciente. Grodeeck considerava que toda doença tem um sentido e
não é fruto do acaso, sendo que a saúde seria responsabilidade de cada um e ao médico
competiria não curar, mas tratá-la, criando, em colaboração com o paciente, condições
adequadas de saúde.

A Escola de Chicago

Nos Estados Unidos o interesse pela psicossomática surge por volta dos anos 30, consolidando-
se em meados deste século com Alexander e Dunbar da Escola de Chicago. Esses dois autores
dirigiam seus trabalhos no sentido de buscar estabelecer relações entre conflitos emocionais
específicos e estruturas da personalidade com alguns tipos de doenças somáticas, como úlceras,
enxaquecas, alergias, asma e distúrbios digestivos. Eles consideram que os transtornos
psicossomáticos seriam “conseqüência de estados de tensão crônica, relativa à expressão
inadequada de determinadas vivências, que seriam derivadas para o corpo”.

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Instituto de Psicossomática de Paris

Na França, a partir dos anos 50 um grupo de psicanalistas, liderados por Pierre Marty, ampliou
de maneira significativa a teoria e a clínica psicossomática, introduzindo uma continuidade
conceitual e clínica entre a abordagem médica e psicanalítica da sintomatologia, tanto psíquica
quanto somática. O objectivo inicial desses teóricos era melhor compreender as patologias
somáticas cuja dinâmica não correspondiam ao modelo da conversão histérica, utilizando o
conceito psicanalítico de neurose atual.

Volich (1998) diz que gradualmente foi se desenvolvendo um corpo clínico e teórico que
considera a sintomatologia a partir de uma concepção essencialmente metapsicológica e,
sobretudo, econômica. É uma tentativa de compreender os destinos da excitação pulsional no
organismo e sua possibilidades de descarga.

Segundo Marty (1994) a patologia somática não conversiva é o resultado da impossibilidade de


elaboração da excitação através dos recursos psíquicos do indivíduo, em função de uma
estruturação deficiente, no plano representativo e emocional, do aparelho mental. O autor
acredita que em grande número de pacientes que apresentam uma sintomatologia somática não
conversiva é possível constatar um empobrecimento da capacidade de simbolização das
demandas pulsionais e de sua elaboração através da fantasia.

O modelo proposto por Marty ressalta a idéia de que um menor grau de actividade mental,
corresponde a uma maior vulnerabilidade somática. Diante de um traumatismo, um indivíduo
com uma actividade mental pouco desenvolvida não teria recursos mentais suficientes para lidar
com o excesso de estimulação, e esta desorganização passaria a atingir as funções somáticas,
menos evoluídas.

Neves (1998) demonstra que Michel Fain traz uma abordagem complementar a de Marty. Esse
autor defende a idéia de que uma sobrecarga de excitação que ultrapassa os limites do ego para
responder, quer por imaturidade, no caso do bebê, quer por um desenvolvimento precário, no
adulto.

Escola de Boston e Conceito de Alexitimia

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Durante a década de 1970, dois analistas americanos, Jonhn Nemiah e Peter Sifneos, se
propuseram a realizar pesquisas sobre a forma diferenciada de se comunicar dos pacientes
psicossomáticos, através de um estudo com análise de entrevistas psiquiátricas, gravadas com
pacientes que apresentavam alguma doença psicossomática clássica; constataram que alguns
desses pacientes demonstraram uma impressionante dificuldade de expressar ou descrever suas
emoções através da palavra, assim como uma acentuada diminuição dos pensamentos
fantasmáticos.

Através de outras observações estes autores concluíram que os pacientes com doenças
psicossomáticas clássicas, apresentavam frequentemente uma desordem específica nas suas
funções afectivas e simbólicas, acarretando uma forma de se comunicar confusa e improdutiva.
Esta maneira peculiar de se comunicar desses pacientes, foi denominada alexitimia, que
significa falta de palavras para as emoções.

Cerchiari (2000) diz que apesar desses estudos actuais demonstrarem que essa maneira peculiar
de se comunicar não é específica dos pacientes com doenças psicossomáticas clássicas, a
contribuição de Nemiah e Sifneos é de importância fundamental, pois chamaram a atenção para
um aspecto do funcionamento psíquico e apontaram, uma direcção a tomar sobre a exploração
da vida intra-psíquica via estudo da comunicação entre paciente e analista.

Perspectiva evolucionista

De acordo com essas teorias o aparelho psíquico não é um acessório de luxo do


desenvolvimento humano, mas ele exerce uma função essencial de assimilação e elaboração
dos estímulos provenientes da realidade externa e do meio interior. Se o curso normal do
desenvolvimento humano aponta para a formação de estruturas, de dinâmicas e de funções cada
vez mais complexas, é necessário considerar que o objectivo desse desenvolvimento é
sobretudo assegurar o equilíbrio de um organismo permanentemente solicitado por estímulos
externos e internos. Mas para atingir esse equilíbrio, algumas vezes o organismo responde a
essas solicitações através de respostas anacrônicas, primitivas, menos elaboradas do que é ou
já foi capaz. O ser vivo não é capaz apenas de organizações, hierarquizações e de associações,
mas também objecto de movimentos regressivos e destruição e desorganização. A patologia

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também faz parte dos meios do individuo para regular sua homeostase, ou suas relações com o
meio.

Neves (1998) destaca que além dessas perspectivas, deve-se destacar um outro enfoque que,
partindo da noção de vazio representacional e da dificuldade em utilizar recursos mentais para
lidar com sobrecargas de estimulação, vai em outra direcção: Christophe Dejours, por exemplo,
trabalha com a importância das relações intersubjectivas e com a noção de intencionalidade do
sintoma, conceito fenomenológico diferente de intenção.

Tarefa

1- Apresente principais doenças psicossomáticas. A origem de cada uma delas, como se


manisfestam e como evitá-las.

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