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A CLÍNICA PSICOSSOMÁTICA E AS DOENÇAS

SOMÁTICAS
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SUMÁRIO

A CLÍNICA PSICOSSOMÁTICA E AS DOENÇAS SOMÁTICAS ............ 0

FACUMINAS ............................................................................................ 2

Introdução ................................................................................................ 3

Teorias Psicossomáticas ......................................................................... 8

Abordagem Psicossomática ............................................................... 10


A Explicação Biológica e Neurofisiológica em Psicossomática .......... 12
Clínica Psicossomática .......................................................................... 14

As Concepções Acerca do Conceito de Somatização ....................... 18


A Formação de Sintomas no Sujeito Biopsicossocial ........................ 21
Sintomas Psicossomáticos Mais Comuns ............................................. 28

Cefaleia .............................................................................................. 29
Dor no Peito ....................................................................................... 29
Dor Abdominal ................................................................................... 30
Fadiga Crônica ................................................................................... 30
REFERÊNCIAS ..................................................................................... 31
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FACUMINAS

A história do Instituto Facuminas, inicia com a realização do sonho de um


grupo de empresários, em atender à crescente demanda de alunos para cursos
de Graduação e Pós-Graduação. Com isso foi criado a Facuminas, como
entidade oferecendo serviços educacionais em nível superior.

A Facuminas tem por objetivo formar diplomados nas diferentes áreas de


conhecimento, aptos para a inserção em setores profissionais e para a
participação no desenvolvimento da sociedade brasileira, e colaborar na sua
formação contínua. Além de promover a divulgação de conhecimentos culturais,
científicos e técnicos que constituem patrimônio da humanidade e comunicar o
saber através do ensino, de publicação ou outras normas de comunicação.

A nossa missão é oferecer qualidade em conhecimento e cultura de forma


confiável e eficiente para que o aluno tenha oportunidade de construir uma base
profissional e ética. Dessa forma, conquistando o espaço de uma das instituições
modelo no país na oferta de cursos, primando sempre pela inovação tecnológica,
excelência no atendimento e valor do serviço oferecido.
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Introdução

As chamadas doenças psicossomáticas, de acordo com os psicólogos e


psicoterapeutas, são aquelas patologias que possuem características e origem
comum: a mente. Psicossomatizar é um termo muito comum usado nos
consultórios de psicologia para definir sintomas físicos que surgem nos
pacientes, causados por situações emocionais que o paciente vive/ convive.

A psicossomática é a ciência que estuda as doenças orgânicas com


descarga no corpo, isto é, uma lesão de órgão ou sistema provocado por alguma
disfunção do sistema nervoso. Na psicossomática, pensa-se a realidade na sua
unidade, considerando os aspetos biológicos e psicológicos. Interessa-se pelos
aspetos de interação causa e efeito, a pessoa como um todo na sua perspectiva
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biológica e relacional, isto é, pensar a realidade na sua totalidade: a entidade


biológica e a entidade psicológica.’

As doenças psicossomáticas são difíceis de ser detectadas, pois causam


sintomas físicos, porém sem causas orgânicas, se constituindo por causas
emocionais, onde uma angustia (de base psíquica), por exemplo, geraria um mal
estar tão grande que o corpo físico "falasse" para o psíquico "vamos dividir essa
angustia". No entanto, muitos profissionais de saúde descartam a possibilidade
de uma pessoa estar com uma doença psicossomática, pois acreditam somente
em doenças que tenham causa orgânica, porém quando pedem para seus
pacientes realizarem exames clínicos, seus resultados não apresentam
nenhuma alteração orgânica de base para a patologia.

O termo psicossomático, após séculos de estruturação, surgiu no século


passado, através de Heinroth, com a criação das expressões psicossomática
(1918) e somatopsíquica (1928). (Mello Filho, 1992).

No entanto, o movimento consolidou-se somente em meados deste


século, através das contribuições pioneiras de Franz Alexander e da Escola de
Chicago. Contudo, as dúvidas referentes à relação mente corpo continuam
expressas na própria denominação “psicossomática” e ainda continua a ser
usada por muitos estudiosos destes fenômenos.

Para Alexander, o termo psicossomático “deve ser usado apenas para


indicar um método de abordagem, tanto em pesquisa quanto em terapia, ou seja,
o uso simultâneo e coordenado de métodos e conceitos somáticos - de um lado
e métodos e conceitos psicológicos por outro lado”. (Alexander, 1989, p.42).

A. Dias (1992, p.31), refletindo a relação entre sujeito e linguagem,


começa por criticar o termo psicossomático. Afirma que é um termo gasto, pois
entrou no domínio do psiquiátrico e da medicina com uma tal amplitude que, se
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bem que criando um novo espaço de investigação, também o diluiu noutros


espaços afins”. Propõe ainda que, “a partir de algumas indicações deixadas por
Bion”, há necessidade de se interrogar quanto à inespecificidade do termo
psicossomático e sua pertinência.

O termo psicossomático, na expressão mais comum, pode reportar-se


tanto ao quesito da origem psicológica de determinadas doenças orgânicas,
quanto às “repercussões afetivas do estado de doença física no indivíduo, como
até confundir-se com simulação e hipocondria, onde toma um sentido negativo”.
(Cardoso, 1995, p.5).

No sentido mais preciso, o termo circunscreve áreas específicas,


sobreponíveis ou não, quando se refere à medicina psicossomática, doenças
psicossomáticas ou psicossomática.

A denominação de medicina psicossomática, de acordo com seu campo


epistemológico, “é um estudo das relações mente corpo com ênfase na
explicação da patologia somática, uma proposta de assistência integral e uma
transcrição para a linguagem psicológica dos sintomas corporais”. (Ekstermam,
1992, p.77).

Sami-Ali (1992, p.159) ao refletir sobre a ligação entre o orgânico e o


relacional começa por distinguir medicina psicossomática e psicossomática.
Assim, a medicina psicossomática é “uma maneira de introduzir variáveis
psicológicas num domínio que se define como orgânico, adicionando variáveis
psíquicas às variáveis orgânicas”.

A Psicossomática proposta por ele, no entanto, é um modelo teórico e


uma metodologia específica, onde o somático é percebido em sua complexidade
e não na falha psíquica. Desta forma, Sami-Ali inspira-se na psicanálise, mas a
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utiliza somente como ponto de partida “para a elaboração de outros conceitos”


(Sami-Ali, loc. cit.), afastando-se, desta forma, dos modelos freudianos.

O conceito de doença psicossomática, sua classificação e diagnóstico, é


outra questão polêmica. Halliday (1943,1945,1946,1948, cit. Alexander, 1989,
p.43) propõe que a úlcera péptica, a artrite reumatoide, a hipertensão, o
hipertireoidismo essencial e outras estariam inclusos nas doenças
psicossomáticas. O ponto de partida deste autor firma-se na hipótese de que o
fator etiológico proeminente nestas doenças é o fator psicológico.

No entanto, Alexander (1989) diz que, teoricamente, “cada doença é


psicossomática, uma vez que fatores emocionais influenciam todos os processos
do corpo, através das vias nervosas humorais e que os fenômenos somáticos e
psicológicos ocorrem no mesmo organismo e são apenas dois aspectos do
mesmo processo”.

Portanto, a designação de psicossomática, devido a “seu esforço de


delimitação e rigor no seu objeto e métodos”, foi distanciando-se cada vez mais
da Medicina Psicossomática. No entanto, “isso não significa que se caminhe no
sentido da síntese de um modelo psicossomático”, contudo situa-se numa
perspectiva específica no modo de encarar os fenômenos de doença”. E
tampouco significa que se tenha resolvido antigas questões do impasse das
teorias monistas e dualistas da relação corpo-espírito (Cardoso, 1995, p.5).

Ao se atender um paciente, deve-se compreender o possível significado


do sintoma exposto. A doença não acontece por acaso nem é um fato isolado na
vida do indivíduo. Ela ocorre no momento em que o organismo está vulnerável,
em função da história pessoal, da bagagem genética, da situação social. O
organismo sofre agressões dos meios interno e externo que perturbam a sua
homeostase, gerando então a doença
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A abordagem psicossomática privilegia o doente, e não a doença, e tenta


compreender seu significado. Relacionar um sintoma físico a um problema
emocional requer cuidado, paciência e raramente se consegue numa primeira
consulta. Para isso é necessário recolher uma história minuciosa, focalizando a
investigação no paciente, e não em seus sintomas, e dar-lhe chance de expor
seus sentimentos. A doença muitas vezes é uma escapatória de uma situação
de conflito ou aparece pela necessidade de atenção e carinho, necessidade de
ser cuidado. Alguns profissionais de saúde, quando identificam que a origem dos
sintomas do paciente não está numa patologia orgânica, tendem a classificar a
doença como psicológica e desvalorizá-la, não dando a devida atenção ao
sofrimento do paciente. Deve-se lembrar de que, mesmo não tendo um substrato
anatômico que justifique o sintoma, o paciente o sente e precisa, da mesma
forma, de ajuda para se livrar dele.

A abordagem psicossomática diminui o tempo de tratamento, evita


exames complementares desnecessários e abrevia o sofrimento do paciente.
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Teorias Psicossomáticas

Diversas teorias tentam explicar a relação existente entre as


manifestações biológicas e psicológicas. Didaticamente podemos dizer que duas
correntes se destacam. A primeira delas se baseia no efeito que as emoções
provocam no organismo através do sistema nervoso e seus neurotransmissores
(psicofisiologia). A segunda corrente fundamenta- se na teoria psicanalítica, que
tenta esclarecer alguns mecanismos psicológicos envolvidos na gênese das
doenças.

Em relação à psicofisiologia, a literatura médica relata várias pesquisas.


Alguns trabalhos clássicos, como o de Cannon, comprovam as modificações
fisiológicas nos estados de fome, raiva e medo que acontecem por influência do
sistema nervoso vegetativo. Outra teoria, a de McLean, descreve como unidade
funcional básica o arco reflexo, que capta os estímulos do mundo exterior pela
via aferente ou sensorial, assim como do mundo interior, e através do centro
nervoso, que se distribui ao longo do neuroeixo, alcança a via eferente ou
efetora, a qual transmite os impulsos para vísceras, aparelho locomotor e outras
regiões. A esse conjunto de estruturas deu-se o nome de sistema límbico, que
compreende o córtex cerebral (lobo temporal e zonas inferiores do lobo frontal),
a área septal, o complexo amigdaloide, o hipocampo e o hipotálamo. O sistema
límbico, ao receber os estímulos internos ou externos, transforma-os numa
atividade somática ou física (um grito, uma expressão facial, um movimento
súbito do corpo, uma alteração circulatória, digestiva, etc.). A percepção do
sistema límbico não é intelectual. É o substrato anatômico que estabelece a
ligação entre o afeto, o pensamento e o sistema visceral.
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Na teoria do desenvolvimento, segundo a psicanálise, o indivíduo no


primeiro ano de vida só reage aos estímulos externos através do sistema
nervoso vegetativo. Ele ainda não tem capacidade de verbalizar ou de se
expressar por gestos, pois não dispõe de coordenação motora para isso.
Portanto, nessa fase, a comunicação é pré-verbal e as funções vegetativas são
de grande ajuda na compreensão dos processos psicossomáticos. A
possibilidade de somatizar é um mecanismo de defesa fixado na fase oral do
desenvolvimento. Sempre que a relação mãe/filho não estiver boa, o bebê
reagirá fisicamente. Essa fase inicial do desenvolvimento do ser humano, em
que a relação mãe/filho é fundamental, deixa marcas para o resto da vida.
Quando o indivíduo enfrentar momentos de crise, poderá reagir reativando
processos psicossomáticos com os quais resolverá seus problemas passados.
Spitz, em seu trabalho de observação de bebês no primeiro ano de vida, chamou
a atenção para as reações psicossomáticas dos bebês que não recebiam os
cuidados adequados nesta fase. O eczema infantil aparece como reação a um
tratamento materno hostil e ansioso, sendo a depressão analítica e o marasmo
consequências da privação materna parcial ou total. O autor conclui que os
distúrbios na formação das primeiras relações objetais do bebê resultam
provavelmente em grave prejuízo às relações futuras do ser na adolescência e
idade adulta.

Winnicott, com sua larga experiência clínica e pesquisas científicas,


ressalta a importância dos primeiros cuidados do bebê em sua vida futura. Ele
ressalta que um desenvolvimento saudável da psique humana favorece a
evolução física e que dificuldades emocionais podem gerar situações somáticas
graves. Segundo a teoria psicossomática de Pierre Marty, o indivíduo reage a
traumas conforme sua organização evolutiva mental. Cada pessoa tem uma
forma peculiar de reagir e de somatizar os traumas, dependendo de sua história
de vida e da bagagem genética. O ser humano é um sistema complexo de
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interações que pode estar em equilíbrio ou não. Um trauma externo pode ser
mais desordenador para uns do que para outros, dependendo da organização
interna de cada um. Quando uma pessoa sofre um trauma, há um movimento de
desorganização interna que atinge primeiro as estruturas mais evoluídas,
recentemente adquiridas durante o desenvolvimento. Conhecendo-se a
economia psicossomática de uma pessoa, podemos prever seu modo de reação
mais provável diante dos traumas e como se organiza posteriormente.

Abordagem Psicossomática

A frequência em serviços de saúde de pacientes com sintomas


denominados psicossomáticos é grande. Segundo Smith, a incidência de
problemas psicológicos entre adolescentes americanos chega a
aproximadamente 25% (ansiedade, depressão, desordens alimentares e
somatizaçoes). No Brasil, Crespin (1986), em levantamento com 630
adolescentes de consultório particular sobre os motivos das consultas, constatou
que as queixas sociopsicossomáticas foram as mais numerosas, representando
32,69% do total.

Entretanto, mesmo os sintomas que não são denominados


psicossomáticos têm um conteúdo psicológico latente que quase nunca é
exteriorizado e cuja compreensão é desejável para a melhora da doença. Na
abordagem psicossomática busca-se dar ênfase não só aos sintomas que
levaram o paciente ao serviço de saúde como à compreensão do seu conteúdo
latente.

Quando se identifica um componente psicológico importante que agrava


a doença, o profissional de saúde encaminha o paciente a um psiquiatra ou
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psicólogo. Frequentemente, entretanto, a pessoa não aceita ou finge aceitar tal


orientação e não procura o psicoterapeuta. Quando o profissional de saúde dá
ouvidos às questões emocionais, identifica algumas causas e permite ao
paciente compreender que há sentimentos vinculados a seus sintomas, essa
atitude torna mais provável a aceitação da necessidade de se submeter à
psicoterapia. Esse comportamento do profissional de saúde já caracteriza a
psicoterapêutica. Balint, em seu livro O Médico, Seu Paciente e a Doença,
analisa a relação médico/paciente e constata que o remédio mais usado em
medicina é o próprio médico, o qual também precisa ser conhecido em sua
posologia, reações colaterais e toxicidade.

A anamnese da consulta clínica com abordagem psicossomática objetiva


conhecer o máximo a respeito do paciente, da sua doença e também do
ambiente em que vive. As vezes o paciente faz relatos que, aparentemente, não
têm relação com a doença, porém mais tarde se revelam extremamente
importantes na compreensão de seu quadro clínico. Alguns dados que
normalmente não são privilegiados na anamnese clínica tradicional devem ser
valorizados na abordagem psicossomática, como os listados a seguir:

 perguntar ao paciente o que ele acha que tem, qual a possível


causa de sua doença;
 o que ele acha que faz melhorar os seus problemas;
 que consequências em sua vida pessoal a doença tem causado;
 investigar os vínculos mais significativos do paciente: mãe, pai,
irmãos, amigos, namoradas(os);
 perguntar sobre o cotidiano em família, na escola e comunidade
em que vive;
 investigar os modelos de somatização e de desordem orgânica
familiar.
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A coleta desses dados e a anamnese tradicional ajudam a contextualizar


melhor a doença. O paciente se torna corresponsável pelo tratamento, deixando
sua postura passiva para agir ativamente na sua melhora e proporcionar um
menor custo da terapia, com menos medicamentos e exames complementares.

A Explicação Biológica e Neurofisiológica em


Psicossomática

Chrousos e Gold (1993) definem estresse “como um estado de


desarmonia ou de homeostase ameaçada”. (Chrousos e Gold, 1993, p. 479).
Para estes autores, Heracleitus foi o primeiro a sugerir que um “estado estático,
sem alteração, não era condição natural” (Chrousos e Gold, 1993, op. cit.) dos
organismos vivos, mas sim a capacidade, de se submeterem a alterações
constantes. Empédocles, logo após esta ideia, propõe que a condição
necessária para a sobrevivência dos seres vivos consiste no equilíbrio e
harmonia dos elementos em oposição dinâmica.

Partindo desta concepção, Hipócrates, cem anos depois, define saúde


como sendo um equilíbrio harmonioso dos “elementos e das qualidades de vida”
(Chrousos e Gold, 1993, p.480) e doença como “desarmonia sistemática destes
elementos”. (Chrousos e Gold, 1993, loc. cit.). Hipócrates sugere ainda que as
forças que provocam a desarmonia - a doença - têm sua origem nas “fontes
naturais e não de fontes sobrenaturais e que as forças de contra equilíbrio ou
adaptativas eram também de origem natural” (Chrousos e Gold, 1993, loc. cit.).

Thomas Sydenham, no período da Renascença, amplia o conceito de


doença de Hipócrates quando a define como “uma desarmonia sistemática
trazida à tona devido às forças perturbadoras” (Chrousos e Gold, 1993, loc. cit.),
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sugerindo que uma resposta adaptativa a estas forças poderia acarretar


alterações patológicas.

No século XIX, ao tornar mais ampla a noção de harmonia ou de estado


de estabilidade, Claude Bernard, introduz o conceito do “milieu interieu, ou o
princípio de um equilíbrio fisiológico interno dinâmico” (Chrousos e Gold, 1993,
loc. cit.).

Posteriormente, Walter Cannon, fisiologista notável criou o termo


homeostase, ampliando-o tanto a parâmetros emocionais quanto a físicos.
Através de suas pesquisas com animais percebeu que, quando estes eram
submetidos a estímulos desequilibradores de sua homeostase, se preparavam
para “a luta ou fuga”, apresentando alterações somáticas12 e que estas
alterações eram desencadeadas “por descargas adrenérgicas da medula da
suprarrenal e de noradrenalina em fibras pós-ganglionares” (Rodrigues e
Gasparini, 1992, p.99).

Partindo destas descobertas, Cannon “teorizou em 1934 a relação entre


emoções e alterações fisiológicas e hormonais, enquanto função adaptativa do
organismo às solicitações ou agressões externas” (Luban-Plozza, 1979, cit.
Cardoso, 1995, p.15).

Na década de 30, Hans Selye, endocrinologista, radicado no Canadá,


“pegou emprestado o termo ‘estresse’ da física e o utilizou para significar as
ações mútuas de forças que têm lugar através de qualquer seção do corpo”.
(Chrousos e Gold, 1993, p.480). Através de seus estudos, demonstrou que um
organismo, quando exposto a um esforço provocado por um estímulo que
ameace sua homeostase, reage com o corpo todo e de “forma uniforme e
inespecífica” (Rodrigues e Gasparini, 1992, loc. cit.). A esta forma de reagir,
Selye denominou de Síndrome Geral de Adaptação, “chegando assim a noção
de stress” (Cardoso, 1995, loc. cit.). Portanto, “stress”, para ele, é uma resposta
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inespecífica que o organismo “desenvolve ao ser submetido a uma situação que


exige esforço para a adaptação” (Rodrigues e Gasparini, 1992, op. cit.).

Esta síndrome, de acordo com este autor, consiste em três fases: a de


alarme, a de resistência e a fase de exaustão, sucessivamente. No entanto, para
que haja o stress, não é necessário que a fase se desenvolva até o final e, se a
“reação ao agressor for muito intensa ou se o agente do estresse for muito
potente e/ou prolongado, poderá haver, como consequência, doença ou maior
predisposição ao desenvolvimento da doença” (Rodrigues e Gasparini, 1992,
p.99).

Holmes et Rahe, (1967, cit. Cardoso, 1995), partindo da noção de stress


e interessados em investigá-los, elaboraram um instrumento para medi-lo.
Desenvolveram, desta forma, uma Escala onde os “life events” são pontuados
em função do esforço adaptativo que exigem (Life Change Units ou LCU)
(Cardoso, 1995, op. cit.), “onde haveria limites a partir dos quais se constituiriam
níveis de risco para o aparecimento de doenças, dado que o esforço de
adaptação em causa teria um efeito cumulativo nos sujeitos, em relação a sua
capacidade de resposta. Daí que a pontuação obtida constituiria um bom
indicador preditivo de um adoecer psicossomático” (Villemain, 1989, cit Cardoso,
op. cit.).

Convém acrescentar que o stress é uma resposta radicalmente


inespecífica e apenas descreve o nível orgânico da coisa. Não ajuda
compreender psicologicamente o adoecer psicossomático.

Clínica Psicossomática
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“A psicossomática caracteriza-se como uma atitude na promoção de


saúde, postulando uma visão integrada, na sua unidade irredutível corpo-mente”,
com essa definição, Campos e Rodrigues (2005, p. 299) apresentam uma visão
atual em psicossomática e na maneira de se enxergar o ser humano, visto que
corpo e mente representam um contínuo e são inseparáveis anatômica e
funcionalmente.

Ainda que realmente algumas doenças apresentem correlações com


aspectos emocionais e situações de vida, as escolas psicossomaticistas não
mais se referem às expressões “doenças psicossomáticas”, como eram
encaradas a úlcera péptica, a retocolite ulcerativa, a asma brônquica, a
hipertensão arterial, entre outras (CAMPOS; RODRIGUES, 2005). Seja qual for
o fator etiológico (de causa) preponderante na doença, ela acontece em um ser
humano detentor de vida mental, social e biológica, portanto, passa a ser um
fenômeno psicossomático, ou seja, segundo a compreensão atual na área, toda
doença é psicossomática. Como apontam Campos e Rodrigues (2005, p. 301):

A Escola de Psicossomática de Paris, que tem como principal autor Pierre


Marty e tem como base a teoria psicanalítica, entende que os seres humanos se
confrontam a todo momento com um afluxo de excitações, pensamentos,
desejos, necessidades e conflitos e que temos a possibilidade de descarregá-los
por três possíveis vias: a orgânica (somática), a ação (comportamento) e o
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pensamento (psiquismo, representações psíquicas, fantasias etc.) (VOLICH,


2010).

Uma pessoa que entra em conflito com outra por alguma desavença, por
exemplo, pode conseguir lidar emocionalmente com a situação de briga, elaborar
um diálogo conciliador ou explicar o motivo de estar raivosa (saída pelo
pensamento), ou então agredir fisicamente o outro (ação), entretanto, a
experiência de raiva pode propiciar um aumento momentâneo dos batimentos
cardíacos, da pressão arterial, vermelhidão nas faces, tremor ou até mesmo uma
dor de cabeça posteriormente (descarga pela via somática).

A saída mais complexa e adaptada, pela via do pensamento, envolve o


processo definido como mentalização, explicado por Volich (2010, p. 203) como
um “conjunto de operações de representação e simbolização por meio das quais
o aparelho psíquico busca regular as energias instintivas e pulsionais, libidinais
e agressivas”.

Entretanto, falhas no desenvolvimento psíquico ou experiências


perturbadoras (traumáticas) podem comprometer o funcionamento mais
evoluído, temporária ou cronicamente, e essas descargas restam a ocorrer,
então, pela via da ação ou por reações orgânicas, incluídas aqui desordens
funcionais de órgãos, desorganizações psicossomáticas progressivas com
adoecimentos recorrentes e potencialmente graves ou até mesmo o que se
compreende pelas reações fisiológicas da ansiedade/pânico. Essa compreensão
é similar à de McDougall, psicanalista estudiosa do fenômeno psicossomático e
relações corpo-mente, que entende “a somatização como resposta, tanto aos
conflitos internos como às catástrofes externas” (MCDOUGALL, 1991, p. 135
apud CAMPOS; RODRIGUES, 2005).

O foco da clínica psicossomática recai sobre esses momentos em que o


sujeito “não encontra palavras” para descrever suas vivências. A não existência
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ou a impossibilidade momentânea de se trabalhar com palavras, componentes


afetivos, metafóricos acerca do que se está vivendo acaba por comprometer
esse funcionamento e deixa o sujeito à mercê de descargas pelo comportamento
ou quadros de somatização. É função do psicólogo “fazer falar” (no sentido de
propiciar a fala), estimular no individuo qualquer manifestação subjetiva de
maneira a integrar na sua história – com palavras – o que pode facilmente ser
vivido como traumático ou intolerável.

A psicossomática, como um campo de compreensão, busca um


entendimento na relação mente-corpo e dos processos de adoecimento,
partindo, principalmente, da observação dos distúrbios físicos nos quais
processos emocionais desempenham um papel ou de situações observadas nas
diversas clínicas (hospitalar, psicológica, médica etc.), nas quais uma
perturbação psicológica (estresse, como comumente apontado) aumenta o risco
de se desenvolver ou agravar doenças físicas (CAPITÃO; CARVALHO, 2006).
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As Concepções Acerca do Conceito de Somatização

A somatização constitui-se não como o único, mas como um dos objetos


de estudo da Psicossomática, pois as concepções atuais definem essa área de
conhecimento como o campo de estudo que tem como objeto os mecanismos
de integração entre as dimensões mental, corporal e social, ou seja, trata da
integração biopsicossocial (RIECHELMANN, 2009). Nessa perspectiva,
Rodrigues, Campos e Pardini (2010) afirmam que a Psicossomática diz respeito
ao:

A evolução da concepção desse campo deu-se em três fases: a inicial, ou


psicanalítica, marcada pelos estudos sobre a gênese inconsciente das
enfermidades, sobre as teorias da regressão e sobre os benefícios secundários
do adoecer; a intermediária, ou behaviorista, fase em que predominou o estímulo
à pesquisa em homens e animais, buscando enquadrar os achados aos
parâmetros das ciências exatas, e dando um grande estímulo aos estudos sobre
o estresse; a atual ou interdisciplinar, em que se põe em destaque a importância
do social e da interdisciplinaridade (MELLO-FILHO, 2010).

A origem do termo somatização, segundo Fortes, Tófoli e Baptista (2010),


remonta à primeira metade do século passado. Como atestam esses autores, o
mencionado termo foi cunhado por Stekel e “[...] tem sido usado de forma muito
variada e imprecisa, um dos principais motivos de existirem tantas formas
diferentes de entender esse processo” (FORTES; TÓFOLI; BAPTISTA, 2010, p.
546).
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Em determinados momentos históricos, verifica-se certa ausência de


delimitação entre os conceitos de somatização e doenças psicossomáticas, já
que estas eram associadas a sintomas físicos cuja gênese estaria nos fatores
emocionais, coincidindo, assim, com a ideia que se tinha de somatização.

Como afirmam Fortes, Tófoli e Baptista (2010, p. 547) “a somatização foi,


originalmente, e para muitos ainda o é, considerada um mecanismo de
interferência da mente sobre o corpo [...]”. Desse modo, os conceitos de
“somatização” e “doenças psicossomáticas” se confundiam. Os atuais estudos
concernentes aos fenômenos psicossomáticos, segundo Fortes, Tófoli e Baptista
(2010), construíram um novo modelo de compreensão do processo saúde-
doença-cuidado, superando as teorias etiológicas lineares, unicausais e
cartesianas.

Dessa forma, contribuíram para a redefinição do conceito de “doenças


psicossomáticas” e, consequentemente, do conceito de “somatização”. De
acordo com esse novo modelo:

Desse modo, os mencionados autores entendem que toda doença é


psicossomática. Essa visão contribuiu para que se instalassem os modelos
multicausais e integrais, que imperam na fase atual dos estudos
psicossomáticos.

A partir dessa mudança de modelo, “[...] o termo somatização perde seu


caráter genérico de ‘influência da mente sobre o corpo’, e adquire uma
especificidade. Passamos então a falar de sintomas físicos onde não se
verificam mecanismos anatomopatológicos que os justifiquem adequadamente”
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(FORTES; TÓFOLI; BAPTISTA, 2010, p. 547), também chamados de “sintomas


sem explicação médica (SEM)”. Entretanto, é importante pontuar que esse atual
conceito de somatização causa controvérsias:

Parafraseando Mello-Filho (2002), compactua-se com a ideia de que essa


definição reflete a dificuldade do modelo biomédico em transitar entre o somático
e o psíquico, buscando dar conta apenas dos aspectos anatomopatológicos,
descartando do processo saúde-doença-cuidado os aspectos psíquicos e
sociais, que interagem contínua e simultaneamente com o corpo.

Considere-se também que a expressão “sem explicação médica”(SEM)


pode significar um exame mal feito, uma inadequada relação entre médico e
paciente, ou, ainda, formas patológicas cuja evolução científica ainda não
permitiu conhecê-las adequadamente (FORTES; TÓFOLI; BAPTISTA, 2010).

Desse modo, entende-se que o conceito de somatização que tem como


núcleo central “sintomas sem explicação médica” apenas nega a existência de
alterações anatômicas que justifiquem adequadamente os sintomas
apresentados, mas não põe em foco os aspectos psíquicos e sociais implicados
no processo. Com a ratificação dos autores mencionados anteriormente (idem),
considera-se que as representações e os significados que o paciente atribui a
sua sintomatologia somática, bem como suas implicações nos aspectos
funcionais e sociais deveriam ser reconhecidos como núcleo central do conceito
de somatização.
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Nesse sentido, a somatização seria entendida como uma forma de illness,


ou seja, como “[...] experiência subjetiva da doença e suas repercussões nas
relações sociais” (ibidem, p. 548). Trata-se, pois, do sentir-se doente, do
acreditar estar doente, aderindo excessivamente ao papel de doente,
valorizando as sensações somáticas anormais e manifestando excessiva
preocupação com queixas físicas. Desse modo, os supracitados autores afirmam
textualmente:

A partir disso, entende-se que a ausência de alterações


anatomopatológicas consiste numa evidência clínica importante para o
diagnóstico diferencial da somatização, mas os demais aspectos inerentes a
esse processo, tais como a excessiva preocupação com os sintomas físicos, a
busca por cuidados médicos, o padrão de atribuição adotado pelo paciente,
enfim, a sua experiência subjetiva frente às sensações somáticas são fatores
fundamentais nesse contexto.

Dessa forma, “[...] essas queixas somáticas [ditas] inexplicáveis estão


muito mais relacionadas à forma como o paciente apresenta seu sofrimento para
o profissional, do que se constituem como doença específica” (FORTES;
TÓFOLI; BAPTISTA, 2010, p. 548). Assim, pode-se afirmar que o padrão
explicativo que o paciente adota para apresentar seu sofrimento ao profissional
é determinante na configuração do quadro de somatização.

A Formação de Sintomas no Sujeito Biopsicossocial


2
2

A atual fase da Psicossomática compreende o processo de adoecer como


um fenômeno contextualizado, que aponta para a realidade e o modo de ser e
existir de cada sujeito. Nessa perspectiva, a formação de sintomas, sobretudo
nos casos de somatização, é compreendida sob o viés da multicausalidade e
integralidade, levando em consideração o contexto biopsicossocial em que o
sujeito está inserido.

Rodrigues, Campos e Pardini (2010) apontam para a importância de


visualizar o paciente em seu contexto, considerando que suas dificuldades em
se ajustar às mudanças do ambiente interno e/ou externo, de modo que o
adoecer não deve ser visto como um evento casual, mas como uma resposta do
sujeito que é parte ativa de uma microestrutura familiar e de uma macroestrutura
social e cultural.

Desse modo, compreende-se que o ser humano está inserido numa rede
muito complexa de relações, que envolve processos de subjetivação
constituídos a partir da confluência de múltiplos fatores, tais como os filosóficos,
políticos, teológicos, biológicos, psicológicos e relacionais como um todo.

As inúmeras interações do sujeito nesse contexto são perpassadas,


naturalmente, pelo conflito. Este é entendido não como um fenômeno de origem
e curso exclusivos da vida psíquica, como se ela fosse algo isolado das outras
dimensões humanas; compreende-se que as demandas orgânicas, sociais e
psíquicas estão em constante e recíproca interação, de modo que, nesse
processo, coexistem sentimentos antagônicos ou forças opostas tais como um
determinado desejo e as prescrições morais que o coíbem.

A esse respeito, Rodrigues, Campos e Pardini (2010) ressaltam que,


quanto mais intoleráveis ou indesejáveis em função das interdições morais são
os sentimentos e/ou desejos, tanto maior é o conflito e o estado de tensão dele
decorrente. Entretanto, é possível ocorrer uma adequada canalização desses
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sentimentos e/ou desejos para outros objetos substitutivos, obtendo, assim,


soluções conciliatórias ou de sublimação, conferindo, desse modo, um destino
saudável ou mais adaptativo aos investimentos afetivos.

Homem como ser Biopsicossocial


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Porém, quando esses mecanismos ou recursos psicológicos estão


ausentes ou são insuficientes, estão postas as condições para o acirramento do
conflito e da tensão psicológica resultantes. Embora não faça uma clara distinção
entre os conceitos “somatização” e “doença psicossomática”, é bastante
significativo destacar as considerações de Galdi e Campos (2017).

Esses autores fazem uma diferenciação entre a Escola francesa, ligada à


perspectiva lacaniana, e a Escola Psicossomática de Chicago e autores
franceses não lacanianos. Esta, relaciona a formação de sintomas
psicossomáticos a conflitos inconscientes, que são simbolizados na doença,
porém, de forma mais precária que na histeria. Por outro lado, a Escola francesa
afirma que os sintomas psicossomáticos não se constituem em um
deslocamento representacional, mas traduzem uma falha nos processos de
simbolização.

Os mesmos autores (idem) apontam como direção do tratamento, a


definição de um sentido para o sintoma. Estudos evidenciam elevada relação
entre somatização e procura de cuidados médicos primários. Apontam também
correlação entre somatização e traços de personalidade como a
conscienciosidade, obsessão, sensibilidade, insegurança, ansiedade, alexitimia,
baixa autoestima, vulnerabilidade ao estresse, hostilidade e supervalorização do
tipo físico e da atividade (perfis atléticos). Indicam, ainda, o abuso sexual como
um dos fatores de risco para o desenvolvimento de somatização, e a
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“necessidade de estar doente” como fator de manutenção do quadro somático


(FERREIRA; MARTINS; MONTEIRO; PEREIRA, 2014).

Depreende-se disso que os mecanismos de formação de sintomas


somáticos no sujeito biopsicossocial perpassam todo o seu contexto existencial,
revelando, assim, o caráter multifatorial da causalidade do processo de
adoecimento, já atestada por Bécache (2006). Embora não enfatize o aspecto
recíproco das influências entre os diversos fatores implicados no surgimento dos
sintomas, o mencionado autor explica, sinteticamente:

Nessa perspectiva, entende-se que a tensão psíquica tende a escoar por


via emocional ou somática. Sabe-se que as queixas físicas recebem maior
reconhecimento, sendo mais legitimadas tanto no contexto social quanto familiar;
as queixas psicológicas não gozam do mesmo grau de aceitação (FORTES;
TÓFOLI; BAPTISTA, 2010).

Assim, já que, ao apresentar queixas somáticas, o sujeito tente a receber


mais atenção, o comportamento somatizador passa a ser uma forte alternativa
de comunicação do sofrimento e da reivindicação de cuidado. Considera-se que
os sintomas corporais apontam para conflitos psíquicos, que permeiam a
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existência humana e que são inerentes às relações que o homem estabelece


com o meio social, cultural, espiritual e com suas instâncias psíquicas. Cada
indivíduo, de acordo com as representações que faz dessa experiência conflitual
e conforme seus repertórios biológico, social e cultural, apresenta um modo
específico de lidar com esses conflitos, elaborando diferentes soluções para os
mesmos. Esse modo particular de encarar a experiência conflitual determina o
bem-estar ou o adoecer.

O mesmo autor afirma que “é a partir dessa compreensão que podemos


também entender as circunstâncias que culminam com a cristalização do
sofrimento do sujeito em uma manifestação psíquica ou somática” (VOLICH,
2000, p. 65). Essas considerações pressupõem que, não obstante as nuances
ou a volubilidade da experiência humana, o indivíduo tende a repetir certos
modos de representar e lidar com os conflitos, podendo ou não sedimentar um
estado patológico de sofrimento.

Contribuindo com essa discussão, Rodrigues, Campos e Pardini (2010)


sinalizam que o conflito, a tensão e o estado emocional como um todo
influenciam no surgimento de alterações fisiológicas, ao mesmo tempo em que
são por elas influenciados. As alterações fisiológicas, por sua vez, podem
resultar em tensões motoras e do sistema de irrigação, acarretando quebra da
homeostase orgânica, desencadeando, possivelmente, sintomas somáticos.

Dependendo da intensidade e da frequência desses processos, podem


emergir patologias como as cardiopatias. Quanto à intensidade do conflito, da
tensão e do estado emocional como um todo, está diretamente relacionada à
constituição social e cultural do sujeito, e repercute na totalidade humana.

Entende-se, pois, que o mal-estar ou o adoecer percorrem o homem como


um todo. Uma vez que uma vivência conflituosa é capaz de desencadear
emoções no ser humano, que, por sua vez, podem provocar transtornos
2
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funcionais e culminar com alterações orgânicas (resguardado o caráter recíproco


desse processo), não se pode falar de adoecimento humano em uma dimensão
isolada de sua vida.

Assim, considera-se que o homem adoece por inteiro, em outras palavras,


esse processo pressupõe alterações psicoemocionais, sociais, bioquímicas,
endócrinas, neurológicas, imunológicas e somáticas. Assim, reafirma-se que:

A partir dessas considerações, depreende-se: uma vez que, não existindo


o conflito, a emoção ou a tensão, não ocorreriam transtornos funcionais,
alterações da vida celular e processo patológico, entende-se que aqueles fatores
são parte essencial do processo de adoecimento, e, desse modo, tanto quanto
a lesão anatomopatológica devem ser considerados objeto de cuidado.

Considerando essa multiplicidade de fatores e a complexidade das


relações que eles estabelecem entre si, das quais depende a configuração de
diferentes formas clínicas, depreende-se que se faz necessário um olhar
interdisciplinar sobre o processo saúde-doença-cuidado, a fim de que se possa
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8

prestar um atendimento mais adequado às demandas do sujeito, cuja


complexidade nenhuma teoria, isoladamente, comporta.

Sintomas Psicossomáticos Mais Comuns

Na adolescência, os sintomas psicossomáticos frequentemente têm


relação com o estágio de desenvolvimento. Na fase precoce (11 a 14 anos), as
mudanças do corpo, a masturbação, a definição da identidade sexual são os
principais fatores estressantes. Na adolescência média (14 a 17 anos), os
conflitos que aparecem são de tentativa de independência da família e em
relação ao início dos relacionamentos amorosos. Na fase tardia (17 a 20 anos),
os principais problemas são relativos a início profissional, preocupações com o
futuro, questões espirituais e filosóficas.

Os sintomas psicossomáticos mais comuns na adolescência são cefaleia,


dor no peito, dor abdominal e fadiga persistente.
2
9

Cefaleia

A investigação clínica habitual deve ser feita afastando-se alguma doença


de base, como as de causa neurológica, oftalmológica, otorrinolaringológica, etc.
A cefaleia sem causa orgânica bem definida geralmente é de intensidade leve
ou moderada, não impedindo o adolescente de continuar exercendo as
atividades normais do seu dia-a-dia. Frequentemente é difusa, crônica,
intermitente e acontece no decorrer ou final do dia. Raramente o paciente acorda
com dor pela manha ou no meio da noite. É comum o adolescente relacionar a
dor a cansaço, estresse ou preocupação. Na investigação diagnóstica, o
profissional de saúde deve averiguar a presença de algo que esteja provocando
estresse nos ambientes em que o adolescente vive: lar, escola, trabalho. Outro
dado comum é a presença de cefaleia em membros da família.

A consulta clínica com abordagem psicossomática favorece a


compreensão, pelo paciente, da origem dos sintomas, sendo um momento em
que ele tem a oportunidade de expor seus temores. Isso provoca um alívio de
sua ansiedade, pois muitas vezes o adolescente pensa ter um problema grave
como um tumor cerebral. O tratamento também pode ser feito com o controle do
estresse e com a administração de medicamentos analgésicos, vasoconstritores
e antidepressivos.

Dor no Peito
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0

Comum em pacientes ansiosos e deprimidos, geralmente não tem relação


com esforço físico nem com outros sintomas cardíacos ou respiratórios
associados. O exame físico é normal. Deve ser observada com atenção a dor
acompanhada de palpitações, que podem indicar a presença de uma arritmia
cardíaca. Quando não se encontram outros fatores orgânicos que justifiquem a
dor, devem-se aprofundar as questões relacionadas a determinados tipos de
estresse que não são regularmente relatados, como abuso sexual, medo de
gravidez, etc. As vezes a dor é similar a problemas cardíacos ocorridos em
familiares próximos. O tratamento inclui orientação do paciente sobre a possível
origem dos sintomas, intervenção no meio ambiente com afastamento dos
possíveis fatores estressantes, relaxamento, psicoterapia e medicamentos
ansiolíticos ou antidepressivos nos casos mais graves.

Dor Abdominal

É uma dor geralmente mal definida, de localização imprecisa, sem relação


com a ingestão de alimentos ou com o funcionamento intestinal. É crônica, de
pequena ou moderada intensidade, às vezes acompanhada de palidez e dor de
cabeça. A dor costuma melhorar com repouso adequado, alimentação saudável,
orientação sobre a abolição do uso do fumo e controle do uso de chicletes,
refrigerantes e bebidas alcoólicas.

Fadiga Crônica

Os pais se queixam muito do cansaço e da sonolência excessiva dos


filhos adolescentes. Nesses casos deve ser investigada a associação com
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1

problemas infecciosos, imunológicos e alérgicos crônicos. A etiologia, porém,


permanece mal definida, e alguns autores atribuem tal cansaço crônico a um
quadro depressivo latente. A melhora dos sintomas se dá com orientação sobre
mudança de hábitos de vida, retomada de atividades físicas prazerosas e o uso
de antidepressivos em situações mais incapacitantes.

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