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CARLOS ALBERTO POLETI

TEORIA DOS COMPLEXOS E A PSICOSSOMÁTICA


A DOENÇA AUTOIMUNE COMO RENASCIMENTO. VIVENCIANDO O
MITO DA FÊNIX

Monografia apresentada ao IJEP


como requisito parcial para
obtenção do título de especialista
em Psicossomática

RIO DE JANEIRO
2020
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Coisa pequenina, Centelha


divina, Renascer das cinzas,
Onde foi ruína, Pássaro ferido,
Hoje é paraíso, Luz da minha
vida, Pedra de alquimia, Tudo
que eu queria, Renascer das
cinzas
Flávio Venturini
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AGRADECIMENTOS

A minha esposa Roseana Mendes Marques, grande incentivadora que


reconheceu em mim o potencial para a conclusão de mais esta etapa de
crescimento.

A todos os facilitadores, especialistas, mestres, doutores e colegas de


turma que contribuíram com a transmissão de seu conhecimento e experiência.

“O objetivo mais nobre da psicoterapia


não é colocar o paciente num estado
impossível de felicidade, mas sim
possibilitar que adquira firmeza e
paciência filosóficas para suportar o
sofrimento. Sofrer não é doença, mas o
polo oposto, normal da felicidade. Um
complexo só se torna patológico, quando
achamos que não o temos.”
Carl Gustav Jung
(2013,§185,§179)
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RESUMO

Este trabalho se propõe a avaliar a manifestação, efeitos e formas de


tratamento da doença autoimune sob a perspectiva da psicossomática.
Considerando que esta área da medicina possui uma estreita relação com a
abordagem da psicologia analítica proposta por Carl Gustav Jung, é de significativa
importância que este assunto seja conduzido com o apoio da concepção proposta
pela teoria por ele desenvolvida, bem como com todo arcabouço conceitual
relacionado, para que se possa então estabelecer a compreensão da influência de
todo esse conteúdo científico para a adequada avaliação das alternativas mais
prováveis que busquem a remissão ou a provável cura desse tipo de patologia que
tem se apresentado cada vez mais frequente nos relatos de queixas de sintomas
nos ambientes médicos. As doenças autoimunes se caracterizam por uma disfunção
do sistema imunológico, onde os anticorpos combatem tecidos saudáveis do próprio
organismo como se fossem corpos estranhos, provocando destruição de um ou mais
tecidos do corpo, desenvolvimento anormal de um órgão ou alteração das funções
normais do órgão afetado, entre outros efeitos. Apesar do aprofundamento nos
estudos para a descoberta da causa e adequada prevenção da manifestação desse
desequilíbrio, considera-se que seja desconhecido ainda um fator específico que
possa ser desencadeante desse processo, fato determinante para o
desenvolvimento deste estudo, no sentido de apresentar uma visão alternativa para
orientar diagnósticos, tratamentos e formas de acompanhamento dos pacientes
acometidos desse tipo de patologia. Uma linha de pesquisa que considera a total
integração de um sistema psiconeuroendocrinoimunologico, apresenta uma forte
tendência de que as doenças autoimunes sejam derivadas de estados emocionais,
admitindo serem elas patologias psicossomáticas. Este estudo, tendo como base a
teoria dos complexos desenvolvida por Carl Gustav Jung e partindo da premissa
acima mencionada, busca a correlacionar este estado emocional com a experiência
do Mito da Fênix, tendo em vista a semelhança de uma ação voltada para a morte
de uma personalidade em conflito para o renascimento de uma nova.

Palavras-chave: autoimune, psicossomática, renascimento, teoria dos complexos,


Fênix.
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SUMÁRIO
Introdução 06
Capítulo 1: Referencial teórico 09
1.1: Estrutura da psique segundo Carl Gustav Jung 09
1.2: Teoria dos complexos 11
1.3: Sintomas e origem psicossomática 12

Capítulo 2: A doença autoimune 15


2.1: Características 16
2.2: Aspecto simbólico da doença autoimune 19

Capítulo 3: Doença autoimune e o mito da Fênix 21


3.1: Arquétipo da ressurreição e o mito da Fênix 22
3.2: Simbolismos do mito da Fênix 23
3.3: Artrite reumatóide 30
3.4: Diabetes Mellitus tipo 1 31
3.5: Síndrome de Guillain-Barré 33
3.6: Esclerose Múltipla 34

Conclusão 36
Referências 38
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INTRODUÇÃO
A partir de um conhecimento mais detalhado e aprofundado da teoria dos
complexos proposta por Carl Gustav Jung, bem como a influência de arquétipos e
mitos na sua manifestação e as possíveis consequências psicossomáticas
resultantes, somado a determinadas condições pessoais vivenciadas, foi despertado
em nós, o interesse em realizar uma análise onde fosse possível explicar as razões
do surgimento de doenças autoimunes.

A proposição do presente trabalho surgiu da necessidade cada vez maior de


ampliar o espectro da discussão da origem psicossomática de doenças cuja causa
fundamental do seu surgimento ainda são obscuras, como no caso das doenças
autoimunes, estimulando o corpo médico especializado a orientar seus pacientes na
busca de um trabalho através de práticas integrativas como psicoterapias,
psicanálise ou outras técnicas complementares, no sentido de que esse mesmo
paciente possa ser tratado de uma maneira integral. Trata-se de trazer o olhar para
que o tratamento tenha o foco no paciente e não na doença.

Considerando o conhecimento de mais de oitenta doenças identificadas como


deficiência do funcionamento do sistema imunológico, foram objeto de
aprofundamento apenas algumas mais comuns na sua identificação através de
diagnósticos médicos, abrangendo o detalhamento das consequências do mal
funcionamento do sistema imunológico, uma vez que não se trata de uma pesquisa
científica no campo fisiológico desse sistema, mas se propõe a estabelecer o nexo
causal dos sintomas físicos apresentados com estados emocionais alterados.

Em função da orientação Junguiana no desenvolvimento psicossomático, a


base da pesquisa foi o conjunto das obras completas de Carl Gustav Jung, além de
outros autores que nos apresentam elementos consistentes na fundamentação do
surgimento de patologias a partir de estados emocionais alterados
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(psicossomáticos), complementando com a correlação dessas patologias de acordo


com análise da simbologia do corpo.

A ideia conceitual deste trabalho nos traz uma questão fundamental: os


comportamentos autodestrutivos das doenças autoimunes podem ter relação com a
não identificação do ego com o self?

A principal hipótese apresentada neste trabalho, supõe que


independentemente de fatores hereditários (genéticos), biológicos ou externos, o
desencadeamento do processo de destruição celular provocado pelas doenças
autoimunes tem origem psicossomática - estados emocionais alterados
proporcionados por situações de estresse crônico - que estimulam todo o conjunto
de sistemas neural, endócrino e imunológico, com a consequente produção de
hormônios e geração de estímulos nervosos que facilitarão a desidentificação de
células saudáveis e transformação de tecidos reconhecidos como estranhos ao
ambiente orgânico, sendo então atacados pelos glóbulos brancos.

A constelação de um complexo constituído em torno do arquétipo da


ressurreição, que pode levar a uma experiência vivencial do Mito da Fênix, uma ave
que se extingue através de um processo de auto combustão para renascer das
cinzas, pode estar ligada ao surgimento de um desequilíbrio imunológico com a
possibilidade de destruição total do ego identificado com o corpo físico, para o
renascimento de uma nova personalidade daquilo que restar da destruição.

Cada vez mais se faz necessária uma abordagem mais integrada sobre os
caminhos trilhados pelas especialidades médicas, onde a especialização
transformou o ser humano em um objeto departamentalizado, os sintomas ao invés
de contribuir para uma reflexão sobre escolhas, atitudes e crenças adquiridas,
passam a ser tratados como um “defeito” a ser reparado, utilizando-se para isso a
prescrição de drogas sintetizadas ou intervenções cirúrgicas. Ambas as práticas
isoladamente, podem levar a uma degradação ainda maior da pessoa afetada, por
conta de efeitos colaterais no caso da medicalização e pela agressão proporcionada
pela prática cirúrgica dada a característica invasiva deste procedimento.
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Não é uma recusa radical desses procedimentos que reconhecidamente


trouxeram uma qualidade de vida e uma longevidade maior à população com os
avanços das pesquisas na área médica, mas há que se considerar que há situações
e casos em que apenas o sintoma aparente, e consequentemente, o aspecto físico
foi tratado, porém reconhecidamente o ser humano não é apenas constituído deste
corpo, havendo ainda aspectos psicológicos, sociais e espirituais que influenciam e
podem ser influenciados pelos sintomas apresentados e reconhecidos como doença.

Torna-se então cada vez mais imprescindível que os profissionais de saúde


ampliem o espectro de visão sobre o ser humano que irão tratar, buscando oferecer
além das práticas habituais de prescrição de medicamentos, a orientação para um
cuidado maior com os demais aspectos além do físico, através de um processo de
tratamento integrativo, com técnicas terapêuticas que darão suporte adequado a
cada uma das necessidades do paciente. Este processo se inicia na verdade no
acolhimento dado pelo médico na primeira consulta, oferecendo sua atenção à
pessoa que está na sua presença e não apenas no sintoma que ele consegue
identificar pela queixa do paciente. Com o aprofundamento da hipótese tratada neste
trabalho é que se pretende sensibilizar sobre a complexidade e a completude do ser
humano que se apresenta ao médico relatando apenas um sintoma.
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CAPÍTULO 1

Referencial teórico

Como proposta de estruturação desta atividade, foi utilizada a base conceitual


da formulação da teoria Junguiana para a constituição da psique humana através de
uma espécie de mapa que parte de aspectos mais superficiais, em direção às
profundezas da essência humana.
Como complemento para o desenvolvimento da ideia do surgimento de
patologias com origem psicossomática, utilizamos os conceitos da teoria dos
complexos também de Carl Gustav Jung bem como o estudo de sintomas e o
funcionamento dos sistemas psicológico, nervoso,endócrino e imunológico

1.1: Estrutura da psique segundo Carl Gustav Jung

A constituição da psique nesta concepção pode ser primeiramente dividida em


duas dimensões principais conhecidas como Consciente e Inconsciente. Como
Consciente entende-se todo conteúdo obtido através da observação dos elementos
objetivos experimentados a partir do exterior e do interior, que permite o
reconhecimento de si mesmo como uma personalidade. O Inconsciente é composto
de todas as experiências que não podem ser reconhecidas perceptivamente pela
Consciência. No centro de todo conteúdo da Consciência encontra-se o Ego,
entendido como sendo tanto conteúdo como uma condição desse campo
responsável pela conservação da personalidade e pela sua continuidade e
10

identidade pessoal. Trata-se então de apenas um fragmento da personalidade e não


a sua totalidade.

No campo Inconsciente, encontramos mais duas estruturas distintas, o


Inconsciente Pessoal constituído por conteúdos vivenciados subliminarmente e não
reconhecidos pela consciência, esquecimentos, o que se pensou, o que se sentiu e
pelas experiências negadas e/ou reprimidas pela consciência por constituírem
aspectos desagradáveis e rejeitados; o outro campo dessa estrutura é o
Inconsciente Coletivo que abrange o conteúdo não vivenciado pessoalmente mas
que representa possibilidades herdadas pela estrutura hereditária do cérebro, bem
como as representações de toda experiência universal da humanidade. A essas
representações e possibilidades Jung denominou de arquétipos que são definidas
como
...formações amplamente variadas, que nos remetem a uma forma
básica irrepresentável, caracterizada por determinados elementos
formais e por certos significados fundamentais, que, no entanto, só
podem ser vagamente apreendidos. (JUNG, 2014, §417).

Portanto, todo conteúdo contido no campo do Inconsciente não se relaciona


de maneira perceptiva com o campo da Consciência, nem com o Ego. Existe uma
relação funcional ente o Consciente e o Inconsciente que Jung denomina de relação
de compensação, ou seja, está contido no Inconsciente tudo aquilo que não poderia
faltar num cenário Consciente, caso tudo fosse Consciente.
Os demais elementos constitutivos da psique humana considerados por Jung
que se encontram em níveis mais profundos e que são reconhecidos pela interação
entre os níveis Consciente e Inconsciente são a Persona (forma adaptada do Ego
para se relacionar com o exterior e ser reconhecido como indivíduo), Sombra
(porções reprimidas, inferiorizadas e culposas de uma pessoa, são os traços e
aspectos obscuros do caráter e da personalidade), Animus (figura anímica masculina
presente na mulher), Anima (figura anímica feminina presente no homem) e Self ou
Si-mesmo (totalidade da personalidade humana, contendo tanto as porções
Consciente e Inconscientes, entendida como ponto central da personalidade). O
componente somático da psique é o Instinto que rege através de pulsões e desejos
as atitudes consideradas mais primitivas e materiais da relação do ser com o
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ambiente, que juntamente com a Energia Psíquica e os Complexos realizam a


dinâmica de interação psicológica.

1.2: Teoria dos complexos


Na formulação de sua teoria baseada no estudo da psique, C.G. Jung
relacionou o surgimento de estados patológicos identificados pelos sintomas do que
poderia ser uma doença a um fenômeno a que ele atribuiu o nome de Complexo.
Falando em termos científicos, o que é um “complexo
emocionalmente carregado”? É a imagem de uma determinada situação
psíquica com uma carga emocional intensa que se mostra, assim,
incompatível com a habitual disposição ou atitude da consciência. Essa
imagem é dotada de forte coesão interna, possui sua própria totalidade e
dispõe, ainda, de um grau relativamente alto de autonomia”. (JUNG, 2014,
§ 201)

Foi então a partir da observação da formação dos Complexos que pode


associá-los à presença de estados patológicos, uma vez que através dessa
“situação psíquica” ele pode deduzir haver uma ausência do canal de relação entre a
Consciência, o Ego e os conteúdos do Complexo, causando por vias inconscientes,
perturbações da vida psíquica, pois eram “vivenciados como partes cindidas da
personalidade, ou imaginados sob a forma mitológica”, conforme expõe a obra
organizada por Helmut Hark, Léxico dos Conceitos Junguianos Fundamentais
(pag.36).
Estruturalmente um Complexo é composto de um núcleo dual que tem um
aspecto originário naquele padrão universal de experiência a que Jung denominou
de Arquétipo, que faz parte do Inconsciente Coletivo, e outro aspecto imagético
dessa mesma experiência relacionada à vivência pessoal denominada Imagem
Arquetípica, pertencente ao inconsciente pessoal. A esse núcleo vão sendo
acumuladas associações de imagens e memórias congeladas de eventos ocorridos
ao longo da vida invariavelmente traumáticas e portanto reprimidas no Inconsciente
e “coladas” ao Complexo pelas emoções. Na medida em que a carga emocional vai
sendo ampliada pela associação cada vez maior de vivências pessoais relacionadas
ao núcleo do Complexo, significa que é também fortalecida a sua autonomia e
capacidade de manifestar-se, de forma independente da vontade consciente. A essa
manifestação Jung denominou Constelação:
12

Este termo exprime o fato de que a situação exterior desencadeia um


processo psíquico que consiste na aglutinação e na atualização de
determinados conteúdos. A expressão “está constelado” indica que o
indivíduo adotou uma atitude preparatória e de expectativa, com base na
qual reagirá de forma inteiramente definida. A constelação é um
processo automático que ninguém pode deter por própria vontade.
Esses conteúdos constelados são determinados complexos que
possuem energia específica própria. (JUNG, 2009, § 198).

A compreensão cada vez mais aprofundada da influência dos Complexos na


formação da psique e as consequências somáticas nos pacientes afetados pela sua
constelação, deixa clara a constatação do efeito psicossomático no surgimento de
sintomas. Podemos a partir daí nos referir a uma estreita relação entre a
manifestação de um determinado complexo que esteja diretamente relacionado a
um sintoma físico observado, sendo que a sua leitura pode ser feita através da
interpretação do que está sendo simbolizado por esse mesmo sintoma no aspecto
da psique, de que forma a carga emocional está se apresentando através do corpo
físico, como uma forma simbólica que pode indicar o caminho de sua remissão ou
mesmo a sua cura, na medida em que no nível consciente não foi possível a sua
adequada interpretação e assimilação do aspecto sombrio trazido pelo complexo.
O meio de expressão do corpo é a linguagem simbólica, do modo
como a encontramos em todos os mitos e tradições religiosas, nas
ilustrações de lendas e contos de fadas e, naturalmente, nesse
veículo simples e direto que é a linguagem corrente. (DAHLKE, 2010,
pag.07)

A Constelação de um Complexo é interpretada como sendo o estímulo interno


que desencadeia todo o processo de atuação do sistema
psiconeuroimunoendocrino. As consequências somáticas provenientes desta
Constelação revelam-se através de sintomas provocados pelas emoções
desencadeadas pelos aspectos simbólicos carregados em seu núcleo, que estão
identificadas a um Arquétipo específico levando a uma vivência do mitologema
correspondente.

1.3: Sintomas e origem psicossomática


13

Na literatura médica, sintoma é qualquer alteração da percepção normal que


uma pessoa tem de seu próprio corpo, do seu metabolismo, de suas sensações,
podendo ou não consistir-se em um início de doença, servindo portanto como o
primeiro indicativo para o estabelecimento de um diagnóstico. Em psicopatologia,
sintoma é todo relato do paciente acerca de sensações ou sofrimento de cunho
subjetivo apresentado durante a entrevista médica.
De acordo com o conteúdo da Apostila IJEP, Psicossomática, de 2019, pela
Dra. L.R.B.Romano na concepção da medicina psicossomática, a presença de um
sintoma identifica alguma alteração no estado emocional que inicialmente pode
provocar algum desconforto que se apresenta como um distúrbio funcional podendo
evoluir para uma condição de alteração celular e caso venha a apresentar uma
continuidade sistemática, agravando-se no caso de cronificação, causar a destruição
celular. Todos os estímulos externos e internos que chegam a uma pessoa são
percebidos pelo córtex, sofrem conscientização e são dirigidos a estruturas do
sistema límbico e ao hipotálamo. Tanto o sistema límbico quanto o hipotálamo
novamente entram em contato com o córtex. Dependendo do estímulo recebido pelo
córtex há uma resposta emocional, motora, sensorial ou visceral. Se o estímulo é
avaliado como estressante libera-se Adrenalina, Noradrenalina, Acetilcolina,
Corticóide que vão promover adaptação do indivíduo através de alterações
fisiológicas que lhe permitam estar mais apto para a reação de luta/fuga perante a
situação estressante. Portanto observamos uma dinâmica onde a parte psicológica
relaciona-se com a parte física, que se relaciona com o meio ambiente em que o
indivíduo está inserido. Esta é a dinâmica psicossomática. Este mecanismo funciona
simultaneamente, em todos os níveis, emocional, físico e social. O agravamento e a
consequente cronificação do sintoma ocorre pela continuidade da existência do
estímulo estressor seja ele de origem interna ou externa. Além da ação desses
estímulos, a presença de uma doença depende também de fatores determinantes
que podem ser assim designados: a) fatores predisponentes, que pode ser
constitucional ou genético; b) predisposição mórbida congênita ou adquirida que
determina como o organismo reage a estímulos externos; c) caracteres anatômicos
e funcionais determinados pela hereditariedade e modificados por influências do
meio ambiente; d) temperamento que representa um aspecto metabólico que
14

determina qual a reação adotada diante de certo estímulo; e) fatores


desencadeantes que estão relacionados ao estilo de vida e das condições
ambientais.
15

Capítulo 2: A doença autoimune


A escolha do tema relacionado às doenças autoimunes foi determinada pela
forma como elas se manifestam no organismo, uma vez que “a doença autoimune é
um mau funcionamento do sistema imunológico, levando o corpo a atacar os seus
próprios tecidos.” (DELVES, pHd, 2019, https://www.msdmanuals.com/pt/casa/
doenças-imunológicas/reações-alérgicas-e-outras-doenças-relacionadas-à-
hipersensibilidade/doenças-autoimunes)
As causas do surgimento das doenças autoimunes não apresentam apenas
um fator desencadeante, além de que, uma mesma doença pode apresentar causas
diferentes em diferentes indivíduos como explica Peter J. Delves, PhD, na página do
site Manuais MSD1 (2019)
Não se sabe porque algo desencadeia uma reação ou doença
autoimune em uma pessoa e não em outra. Entretanto, às vezes há
causas hereditárias. Algumas pessoas têm genes que as tornam um
pouco mais suscetíveis a desenvolver uma doença autoimune. Esta
suscetibilidade ligeiramente aumentada para desenvolver uma doença
autoimune é herdada, e não a própria doença. Nas pessoas propensas a
apresentar uma doença autoimune, um fator desencadeante, como uma
infecção viral ou uma lesão tecidual, pode dar origem a doenças.

1 MSD e os Manuais MSD


A Merck and Co., Inc., sediada em Kenilworth, NJ, EUA (conhecida como MSD fora dos EUA e
Canadá) é uma das maiores empresas de saúde mundiais trabalhando para que o mundo se sinta
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assistência a pessoas carentes, estamos comprometidos em melhorar o bem-estar por todo o mundo.
O Manual foi publicado pela primeira vez em 1899 para prestar um serviço comunitário. O legado
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no resto do mundo. Obtenha mais informações sobre nosso compromisso para com o Conhecimento
Médico Global.
16

Ao observarmos as características e aspectos simbólicos das doenças


autoimunes buscamos avaliar a possibilidade de estarem elas sujeitas a um
processo psicossomático para a sua manifestação.
2.1: Características
Buscamos a definição de doença autoimune em alguns sítios e páginas da
internet que nos deram as informações básicas sobre a pretensão de esclarecer
suas caracterísitcas.
Na página https://www.minhavida.com.br/saude/temas/doenca-auto-imune
encontramos a seguinte definição dada pela equipe de redação para artigo “Doença
autoimune – o que é, causa, tratamento e se tem cura”: (acesso em 17 de junho de
2020):
Doença autoimune é uma condição que ocorre quando o sistema
imunológico ataca e destrói tecidos saudáveis do corpo por engano. Ou
seja, as células acabam agindo contra o próprio organismo.

Outra definição obtida na página https:// www.msdmanuals.com/ pt-br/ casa/


fatos – rápidos – doenças – imunológicas / reações-alérgicas-e-outras-doenças-
relacionadas-à-hipersensibilidade/ doenças-autoimune , redigida pelo staff editorial
do manual (revisada em abril de 2019) foi assim apresentada:
"Auto" é o termo médico para "próprio." O sistema imunológico é o
sistema de defesa do seu corpo. Ele ajuda a proteger de doenças e
infecções. Em geral, o sistema imunológico ataca bactérias e vírus
invasores e células cancerígenas. Na doença autoimune, seu sistema
imunológico ataca seu próprio corpo.
Existem muitos diferentes tipos de doenças autoimunes.
Os sintomas das doenças autoimunes diferem a depender de qual
doença você tem e de qual parte do corpo é afetada.
Médicos fazem exame de sangue para verificar a existência de uma
doença autoimune.
Médicos tratam doenças autoimunes com medicamentos que amortecem o
sistema imunológico.

A característica principal das doenças autoimunes reside na condição de que


ocorre um ataque do corpo contra ele mesmo. Os componentes do sistema
imunológico, encarregados de identificar e eliminar qualquer agente não reconhecido
como residente do organismo, passa a combater e destruir células e proteínas
saudáveis, causando danos irreparáveis à estrutura atacada, desenvolvendo
17

comumente uma reação através de processos inflamatórios, levando ao surgimento


de sintomas físicos muitas vezes incapacitantes e até mesmo letais.
Esta disfunção no funcionamento do sistema imunológico permanece como
uma incógnita para a medicina, pois apesar de haver o reconhecimento dos
sintomas característicos, sua evolução e formas de tratamento, ainda não foi
possível definir com exatidão as causas que levam ao seu surgimento. Algumas das
hipóteses mais aceitas dizem respeito a condições de predisposição genética, ação
de bactérias que alteram a composição celular de determinadas proteínas tornando-
as semelhantes às proteínas saudáveis ou ainda a utilização de determinados
medicamentos que podem apresentar como efeito colateral a desidentificação
celular. No mesmo artigo do site minhavida.com.br mencionado acima encontramos
a seguinte observação quanto às causas:
As causas das doenças autoimunes ainda não são conhecidas. A
teoria mais aceita é que fatores externos estejam envolvidos na
ocorrência dessa condição, principalmente quando há predisposição
genética e o uso de alguns medicamentos.(
https://www.minhavida.com.br/saude/temas/doenca-auto-imune,
2020)

Na observação feita pelo Dr. Pedro Pinheiro na página


https://www.mdsaude.com/neurologia/sindrome-de-guillain-barre (consultada em 25
de abril de 2020) ao explicar os motivos do surgimento dos autoanticorpos na
síndrome de Gullain-Barré encontramos:
Alguns microrganismos, como vírus ou bactérias, podem possuir
proteínas semelhantes às presentes na bainha de mielina, causando
confusão em alguns anticorpos. Se por azar o sistema imune criar
anticorpos exatamente contra essas proteínas, os mesmos passarão a
atacar não só o vírus invasor, mas também a bainha de mielina, pois para
os anticorpos ambos são a mesma coisa.
Até dois terços dos pacientes com Guillain-Barré referem um quadro de
infecção respiratória ou gastrointestinal (geralmente sob a forma de
diarreia) semanas antes do aparecimento da síndrome. A infecção mais
comumente associada à SGB é pelo Campylobacter jejuni, uma bactéria
que provoca gastroenterites.(…)
É bom salientar, porém, que em boa parte dos casos não
conseguimos descobrir um evento desencadeante para a síndrome de
Guillain-Barré.

Estas hipóteses são as mais aceitas no meio da medicina acadêmica, pois


com seus padrões de especialização cada vez mais difundidos, seguem como
princípio de que o sintoma manifestado no corpo físico deve ser observado,
18

diagnosticado e tratado apenas neste aspecto, não levando em consideração a


composição integral do ser humano envolvendo os aspectos psicológicos, sociais e
espirituais.
Por apresentarem semelhança dos sintomas sem que haja uma correlação
direta, nem todos os diagnósticos identificam um histórico genético, ou uma ação
bacteriana e utilização de certos medicamentos de forma homogênea e
padronizada, a determinação das causas acaba sendo considerada inespecífica. Os
detalhes sobre as supostas causas das doenças autoimunes estão descritas no
capítulo em que analisamos quatro tipos de doenças autoimunes.
Elas são identificadas ora com uma dessas causas em alguns pacientes,
outras vezes com mais de uma, e eventualmente sem nenhuma dessas hipóteses
presentes. Atualmente muito se tem pesquisado para levantar mais uma hipótese
que possa ser considerada para o surgimento dessas patologias dentro do campo
da psicossomática, estabelecendo uma relação direta de estados emocionais
alterados afetando todo o conjunto de sistemas que cuidam do funcionamento
homeostático do organismo, tornando-se mais uma especialidade a ser considerada
que seria a psiconeuroendocrinoimunologia.
Já está devidamente comprovado que a existência de um estado emocional
de estresse crônico, que mantém o corpo somático em constante estado de luta ou
fuga, provoca a liberação de hormônios como adrenalina e noradrenalina interferindo
diretamente na atuação do sistema imunológico, resultando no seu enfraquecimento
e desequilibrando a produção de anticorpos desencadeando uma ação desordenada
no combate a supostos invasores, não diferenciando os tecidos saudáveis e
proteínas próprias do organismo daquelas que deveriam realmente ser combatidas e
eliminadas.
Seguindo parte do artigo traduzido “O papel da mente nas doenças
autoimunes” publicado no site https://exploringyourmind.com/role-mind-autoimmune-
diseases de autoria da equipe de redação formada por especialistas e
pesquisadores profissionais em diversas áreas da psicologia e cultura (07 de julho
de 2016):
Atualmente, as doenças autoimunes são tratadas pela maioria dos
profissionais como doenças psicossomáticas . Isso significa que são
doenças que se originam na mente e se manifestam por meio do
corpo.
19

Alguns argumentam que resultam da incapacidade essencial de


verbalizar emoções. Outros acreditam que são uma resposta defensiva à
desintegração emocional. Outras teorias os categorizam como “delírio
corporal”, que decorre da depressão ou como uma resposta a um conflito
insolúvel.
Existem realidades presentes na mente das pessoas e encontram uma
forma de expressão através da doença no corpo.
As doenças autoimunes lançam um mecanismo de
autodestruição . É o próprio corpo que deixa de reconhecer os antígenos
que pertencem a ele e começa a se auto-atacar. É como se o que
carregamos dentro nós fosse ameaçador ou perigoso. (...)
Estudos sugerem que pessoas com essas doenças geralmente
apresentam altos níveis de depressão , mas isso nem sempre é
óbvio. Ou seja, pode acontecer até com quem parece alegre e cheio de
vida, mas no fundo carrega uma grande insatisfação que geralmente a
própria pessoa nem reconhece.
Outro traço comum é a incapacidade de reconhecer emoções. Seja pelo
excesso de situações intelectualizantes ou racionalizadoras, seja porque
são as pessoas que querem ter tudo sob controle e vivenciar as emoções
representa ameaça à sua autonomia.

2.2: Aspecto simbólico da doença autoimune


A condição de auto ataque nos traz a ideia de que o que se quer realmente
aniquilar é um ego desestruturado representado no corpo físico, para que possa
fazer ressuscitar (renascer) dessa destruição uma personalidade com um ego
estruturante mais alinhado com o Self.

Ao tratar especificamente do assunto “Renascimento” na sua obra Os


Arquétipos e o Inconsciente Coletivo (2016, pag. 1116), Carl Gustav Jung aborda as
possibilidades proporcionadas pela experiência do renascimento em todas as suas
variantes, sejam elas advindas da ocorrência da morte física até as possibilidades
de transformação através do renascer psicológico. Ao mencionar a transformação
das personalidades no seu aspecto subjetivo, sobre a Diminuição da Personalidade,
C.G. Jung sugere que sintomas físicos claramente provocados pela somatização,
levam a um estado de negação desta personalidade por ser distinta da
personalidade originária, como se fosse necessário provocar a sua morte para abrir
caminho a esta última (ressuscitar).

O abaissement pode ser consequência de um cansaço físico e


psíquico, de doenças somáticas, de emoções e choques violentos, cujo
efeito é especialmente deletério sobre a autossegurança da personalidade.
O abaissement sempre tem uma influência limitadora sobre a
personalidade global. Diminui a autoconfiança e a iniciativa e limita o
20

horizonte espiritual através de um egocentrismo crescente. Pode levar


finalmente ao desenvolvimento de uma personalidade essencialmente
negativa, que representa uma falsificação em relação à personalidade
originária. (JUNG, 2016, § 214).

Uma das formas de expressão do material inconsciente segundo C.G.Jung é


através dos sonhos, onde o material onírico apresenta-se de forma simbólica como
uma compensação à unilateralidade expressa pelo ego.
(…) Deve-se então tomar como regra absoluta que, de início, todo
sonho ou fragmento onírico seja considerado como algo desconhecido;
além disso, deve-se fazer uma tentativa de interpretação apenas depois de
pegar o contexto. Pode-se então aplicar no texto do sonho o sentido
encontrado graças à consideração do contexto, observando se disso
resultará uma leitura fluente, ou se aparecerá um sentido satisfatório. Não
se deve, no entanto, esperar de forma alguma que este sentido
corresponda a qualquer esperança subjetiva; possivelmente e até com
frequência o sonho diz algo de espantosamente diverso daquilo que se
espera. Se o sentido do sonho corresponder à expectativa, isso deveria até
mesmo ser um motivo para desconfiança, pois em geral, o ponto de vista
do inconsciente é complementar ou compensatório em relação à
consciência, sendo portanto algo de “diverso” e inesperado. (JUNG, 2016,
§ 48)

Já a constelação de um complexo é uma outra forma de trazer à consciência


no estado de vigília todo material inconsciente relacionado a situações não
vivenciadas ou reprimidas conscientemente e invariavelmente produzem sintomas
somáticos.
O olhar psicossomático nos sugere uma correlação direta entre o
órgão-sistema lesionado e a dinâmica do complexo ativo, que seria
reproduzido fielmente não só na doença em si, mas também no doente –
na forma como o sujeito lida que com o mal que o acomete. O mesmo
complexo pode afetar diferentes órgãos ou sistemas, mas trará predileção
por aqueles que sinalizam, com mais intimidade, o conteúdo simbólico que
o traduz. Tendem a perder sua intensidade, e consequente capacidade de
atuação, na medida em que seu conteúdo se concilia com a consciência.
(ANTONIOLI, 2019, pag.12)
21

Capítulo 3: Doença autoimune e o mito da Fênix


A prevalência da linguagem simbólica utilizada pelo inconsciente para
comunicar-se com o consciente, no caso do surgimento de um sintoma, a
oportunidade proporcionada pela possibilidade da vivência de uma experiência pode
trazer um entendimento daquilo que esse símbolo carrega para o aprendizado:
A compreensão da doença como símbolo oferece uma oportunidade
para que se siga a trilha de suas respectivas tarefas da vida. Com isso, o
aspecto corporal da doença é de importância central, pois só passando por
ele podemos chegar ao significado dos sintomas. (DAHLKE, 2010,
pag.25)

Ao estabelecermos uma correlação dos sintomas e efeitos provocados pela


doença autoimune na concepção do funcionamento da psique por C.G.Jung,
formula-se a hipótese de que a irrupção de um complexo composto por associação
de imagens, vivências e situações em que persiste uma condição de não
reconhecimento de sua própria identidade dando oportunidade à formação de uma
falsa personalidade, a pressão inconsciente em destruir essa desidentificação e ao
mesmo tempo garantir a continuidade da vida sugere a relação direta ao arquétipo
da ressurreição, trazendo a possibilidade de conduzir à vivência de dois mitos muito
característicos dessa ideia de renascimento, o mito de Narciso e o mito da Fênix.
Considerando-se a característica básica de ambos mitos, o mito da Fênix
mostra-se mais identificado com a representação simbólica da doença autoimune
por trazer em seu mitologema a utilização do elemento fogo como meio de provocar
22

a morte, sendo a doença autoimune caracterizada no mais das vezes por processos
inflamatórios decorrentes da destruição de tecidos, proteínas e material celular.
“Para a compreensão do mito da Fênix é importante saber que
a hermenêutica cristã, de modo muito adequado, fez da Fênix uma
allegoria Christi (alegoria de Cristo), o que equivale a uma excelente
interpretação do mito. À combustão de si mesma da parte da Fênix
corresponde a imolação de si próprio feita por Cristo; à cinza, o corpo
dele sepultado; e ao ressurgimento da ave, a ressurreição dele.
Segundo a opinião aceita por Horapollo, a Fênix também significa a
alma e a peregrinação dela para a terra do renascimento.
Representa ela também a ‘restauração duradoura de todas as
coisas’, e ela é até mesmo a própria mudança. Os conceitos de
restitutio, restauração – At 3,21 e de renovação em Cristo – Ef 1,10;
renovar todas as coisas em Cristo poderiam favorecer
essencialmente a alegoria da Fênix, a par do motivo principal da
renovação de si mesma.” (JUNG, 2011, §139, pág.107/108)

A prática da transformação alquímica, também utilizada por Jung como uma


maneira de explicar a transformação psicológica em busca da “pedra filosofal” ou da
transformação de chumbo em ouro, que na verdade se entende a busca do “si
mesmo”, traz uma correlação com este mito através do elemento fogo: nigredo
transforma-se em albedo para finalmente atingir o estado de rubedo.
O “spirituale corpus mortuum” (corpo morto espiritual) é em
Dorneus a “avis sine alis” (ave sem asas), que se transforma em
cabeça de corvo (caput corvi) e finalmente em cauda de pavão, para
atingir em seguida a plumagem mais branca de cisne e, por último, a
máxima vermelhidão, sinal de sua natureza ígnea. A última frase
contém uma alusão clara à Fênix, a qual como símbolo da renovação
e da ressurreição, juntamente com o pavão, desempenha papel
considerável na alquimia, e isso principalmente como sinônimo do
Lápis (pedra).” (JUNG, 2011, §58, pág.50)

3.1: Arquétipo da ressurreição e o mito da Fênix


Apesar de ser o mito da Fênix um dos mitos representativos do arquétipo
mais compartilhado pelo inconsciente da humanidade – a ressurreição –, por trazer
em seu mitologema a idéia de renascimento, força, esperança e portanto da
imortalidade, anseio compartilhado desde sempre pelo homem, quase não existem
descrições a seu respeito na bibliografia acadêmica, mesmo nos volumes dedicados
exclusivamente à mitologia. O que encontramos são breves referências e descrições
sucintas sobre a sua existência, participação e significado em outros mitologemas.
Para o presente trabalho decidimos usar como fonte de consulta para uma
23

descrição mais detalhada o conteúdo que recebeu o título “ A Fénix – Símbolo da


Esperança e do Renascimento – Parte 1”, publicado em 22 de novembro de 2013,
de autoria de Wilton Brandão Parreira Filho na página https://www.maconaria.net/a-
fenix-simbolo-da-esperanca-e-do-renascimento-parte-i.

Presente em quase todas as culturas e tradições antigas, é simbolizada


através de uma ave esplendorosa, com plumagens que lembram o elemento fogo
por conta das nuances das suas cores, do tamanho aproximado de uma águia.
Acreditava-se que quem possuísse uma de suas penas adquiria a
imortalidade, seu canto melodioso tornava-se triste e melancólico no momento de
sua morte, que poderia causar a morte também daqueles que o ouvissem nesse
momento. Com um bico semelhante ao vidro e olhos que lembravam pedras
preciosas, ostentava uma crista cintilante.

A característica mais significativa dessa ave consiste na capacidade de


retornar à vida já como uma ave adulta através de um ritual de auto combustão em
um ninho construído no alto de uma palmeira com suas linhas feitas de cassia, mirra
e canela. Esse ritual é realizado após um período de mais de quinhentos anos de
vida, o que lhe confere o símbolo maior do renascimento, sendo identificada em
algumas crenças religiosas também como o símbolo da ressurreição. Após a sua
completa combustão, volta a tomar a forma original do meio de suas cinzas, que são
recolhidas e depositadas em um ovo de mirra e com ele voa para a cidade de
Heliópois no Egito, depositando-o no altar do Deus Sol.

Acreditava-se que essas cinzas tinham o poder de ressuscitar os mortos.


Cumprindo esse ritual, iniciava-se um novo período de vida que duraria outros tantos
500 anos, mantendo a força, a exuberância e os poderes de sempre.

3.2: Simbolismos do mito da Fênix


São várias as características do Mito da Fênix que levam a relacioná-lo
simbolicamente ao arquétipo do renascimento, e também ao objeto do presente
trabalho que busca avaliar a suposição da origem psicossomática das doenças
autoimunes.
24

Com essa finalidade foram identificados os principais símbolos presentes no


mitologema e algumas de suas correspondentes interpretações possíveis que
possam fundamentar a hipótese proposta.

A figura central do mito, a Fênix, é um pássaro, e como tal remete à


interpretação de que:

O pássaro opõe-se à serpente, como o símbolo do mundo celeste ao


do mundo terrestre.
De modo ainda mais geral, os pássaros simbolizam os estados espirituais,
os anjos, os estados superiores do ser. (CHEVALIER, GHEERBRANDT,
2015, pag.687)

Se simbolicamente o pássaro é o aspecto espiritual do ser que se opõe à


serpente que é o elemento de compensação que simboliza psicologicamente o lado
objetivo da personalidade, ao vivenciar o mito no momento da constelação do
complexo, manifesta-se uma parcela daquilo que o ser tem de mais elevado, mais
espiritual em oposição àquilo que está presentemente manifestado na consciência
reconhecido pelo ego. É o início do confronto entre o consciente e o inconsciente,
entre o Self e o ego.

Essa imponente ave mitológica é considerada na quase totalidade de culturas


como possuidora de poderes capazes de vencer o advento da morte, trazendo em si
a energia do fogo ao mesmo tempo destruidor e criador. Traduzindo os significados
simbólicos inerentes das leituras a seu respeito pelas culturas nas quais ela é
considerada, o entendimento à luz da vivência de seu mitologema supõe o
surgimento dos estados inflamatórios como sendo a utilização do fogo destruidor
queimando no próprio calor, mantendo em contraposição a vontade irresistível de
continuar vivendo, aquilo que a consciência reconhece como a personalidade atual
reconhecida no corpo físico precisa ser destruída para dar lugar á verdadeira
personalidade desejada tal qual a concepção de sua aparição na cultura egípcia
como o ciclo solar que renasce a cada dia.

O fogo, na qualidade de elemento que queima e consome, é também


símbolo de purificação e de regenerescência. Reencontra-se, pois, o
aspecto positivo da destruição: nova inversão do símbolo. (CHEVALIER,
GHEERBRANDT, 2015, pag.443)
25

É o fundamento básico para sua identificação com o arquétipo da


ressurreição e da própria imortalidade, pois o mesmo fogo que destruiu seu corpo
gerou as cinzas de onde renasce seu novo corpo para um novo período longevo; a
mesma inflamação que destruiu fisicamente a personalidade rejeitada gerou uma
nova realidade física que oferece uma condição para o surgimento de uma
personalidade desejada com uma perspectiva de vida renovada.

Há também uma forte conotação simbólica pelo fato desse ritual de auto
combustão se realizar em um ninho, pois esse ninho remete a uma necessidade de
proteção familiar, habitualmente na copa das árvores se aproxima do céu, das
coisas divinas, do paraíso e ao habitá-lo encontra-se a própria casa. Desta maneira,
ao vivenciar o mitologema da Fênix, busca-se o acolhimento familiar que pode ter
sido dificultado pela inadaptação da personalidade rejeitada, o auxílio e amparo da
Divindade e o encontro da própria casa, ou seja, da personalidade desejada. Esta é
uma interpretação pessoal intuitiva sem base de referência autoral de análise
simbólica.

Os materiais utilizados na confecção do ninho usado no ritual, canela, mirra e


cássia, também remetem a interpretações simbólicas sugestivas. Sobre a canela

Efetivamente, é o alimento habitual dos Imortais e, em paticular, do


ilustre P’ong-tsu que viveu 888 anos. A canela por ser de natureza yang,
nutre o sing, o princípio vital. (CHEVALIER, GHEERBRANDT, 2015, pag.
175)

De acordo com matéria publicada na página https://www.wemystic.com.br/o-


significado-espiritual-da-mirra, consultado em 30 de julho de 2020, a mirra, que em
árabe significa “amargo” é uma árvore que sobrevive em regiões secas, sem
recursos e com escassez e mesmo assim continua a gerar frutos, e por isso é tida
como a expressão de fé acerca da vitória sobre a morte, fortalece a verdade, a força
interior e dá resistência ao amor. Usada para sanar dores e sangramentos também
tem propriedades anti inflamatórias.

Da Cássia utiliza-se a casca como elemento aromatizador tal qual a Canela e


a Mirra. Esses três componentes do ninho da Fênix também são mencionados na
Bíblia Sagrada como matéria-prima do “óleo de ungir” com propriedades sagradas:
26

Tu, pois, toma para ti das principais especiarias, da mais pura


mirra quinhentos siclos, e de canela aromática a metade, a saber,
duzentos e cinqüenta siclos, e de cálamo aromático duzentos e
cinquenta siclos,
E de cássia quinhentos siclos, segundo o siclo do santuário, e de
azeite de oliveiras um him.
E disto farás o azeite da santa unção, o perfume composto segundo
a obra do perfumista: este será o azeite da santa unção. (Êxodo,
30:23-25)

Em se tratando de conteúdo inconsciente, esses componentes utilizados para


a construção do ninho que abriga a Fênix no ritual da auto combustão, sugerem uma
especial proteção às dores e sofrimento causados pela destruição do corpo de uma
personalidade indesejada pelo ego, assim como podem proporcionar ingredientes
que possam dar força e vitalidade à nova personalidade desejada, dando as boas
vindas com seu aroma e propriedades curativas.

A partir da definição das várias correntes filosóficas do Oriente e do Ocidente,


de acordo com o Dicionário dos Símbolos de Jean Chevalier (2015, pag. 440) o fogo
é constantemente relacionado a um processo de renovação provocado pela sua
força de destruição. Na cultura hindu o fogo adquire três aspectos de importância
fundamental: terrestre, Agni, o fogo comum; o intermediário, Indra, o raio; o celeste,
Surya, o sol. Agni também representa mais dois aspectos que seria o da destruição
e também o fogo ritual. Para a filosofia Taoista, tratada no conhecimento do I Ching,
o fogo simbolizado pela cor vermelha corresponde ao verão e ao coração, o que nos
leva a fazer uma relação com as paixões (amor e cólera), mas também simboliza o
espírito, o sopro e o trigrama Li (a adesão, a visão, isto é, a consciência). Já na
prática da alquimia o fogo também traz, obviamente, o sentido de uma
transformação íntima, de um desenvolvimento espiritual, transmutando a
consciência de estado em estado até se atingir a iluminação. O fogo interior brilha
cada vez mais forte e num nível mais sutil conforme a ascensão do discípulo e sua
progressiva espiritualização.

O processo inflamatório decorrente dos ataques perpetrados pelo sistema


imunológico aos tecidos e células sadias são a mais lógica expressão do desejo
inconsciente de transformação da personalidade indesejada através do fogo.
27

A Fênix queima a si mesma para sua completa purificação, na certeza de


renascer para um período renovado de existência, deixando para trás aquilo que ela
carrega como experiências de um passado que deve ser abandonado pois não
oferece a identificação plena daquilo que sua essência manifesta.

As cinzas geradas ao final da combustão representam o valor residual daquilo


que um dia teve vida relacionado ao princípio Yang contido no sol, no fogo e no ouro
(cor de parte da plumagem da Fênix), dando a entender uma renúncia à vaidade
terrena e desapego à materialidade do corpo a ser honrada quando entregue ao
Deus Sol em seu templo na cidade de Heliópolis por ter servido de morada durante o
período de evolução, dando a oportunidade de reconhecer sua imperfeição que traz
o desejo de renascimento em uma forma renovada. Os tons esbranquiçados das
cinzas, seguindo uma analogia com o processo alquímico da transformação da
matéria, representa o estágio intermediário da mudança daquilo que era obscuro,
indesejado, sem vitalidade – nigredo – que submetido ao fogo produz uma
substância clara e purificada – albedo – com a essência necessária para o
surgimento da nova Fênix em sua majestosa cor vermelha da iluminação – rubedo.

Trata-se, na verdade, do milagre que se dá com a Fênix, isto


é, uma transformação e um renascimento (transformação da negrura
em brancura e da inconsciência em “iluminação”!), de acordo com os
versos do Rosarium Phiosophorum:
“Daí saem voando duas águias e queimam sua plumagem,
E caem peladas sobre a terra,
E em seguida se cobrem de penas outra vez”. (JUNG, 2011, §79,
pg.113)

Após o seu renascimento a Fênix deposita as cinzas em um ovo feito com a


resina de mirra e leva-o ao templo do Deus Sol em Heliópolis no Egito. Seus restos
mortais depositados no ovo trazem o significado inverso da geração da vida, mas
indica que do material do qual foi gerada, as cinzas, são depositadas neste ovo
exatamente para que aquela vida que foi queimada possa ser abençoada pelo Sol e
tenha o seu renascimento em outro plano, de acordo com a interpretação de que o
ovo simboliza a renovação periódica da vida “Assim o ovo é amiúde uma
representação do poder criador da luz.” (CHEVALIER, GHEERBRANDT, 2015, pag.
674).
28

É como uma forma de agradecimento e respeito do que aquela vida


queimada proporcionou de evolução e aprendizagem para o novo ciclo que se inicia.
Esse conteúdo é também interpretado como sendo os conflitos interiores que
precisaram ser abandonados para a transformação da personalidade. O ciclo natural
de renovação fica bastante evidente no mitologema finalizado com a ressurreição,
mas para que esta ocorra, necessariamente é preciso que a morte aconteça.

Enquanto ainda respira, a Fênix bate as asas e eriça as penas, e,


com isso, produz fogo. O fogo se espalha pelas copas das palmeiras, e
tanto as frondes quanto o pássaro são reduzidos a carvões acesos e, logo,
a cinzas. Mas depois que a derradeira chama tremeluz e se extingue, uma
nova e pequena Fênix surge das cinzas.
Nunca sucedeu a ninguém renascer após a morte? Ainda que vivesses
tanto quanto a Fênix, morrerias quando se enchesse a medida da tua
existência. Os seus mil anos de vidaestão cheios de lamentações, e ela
permanece só, sem companheiro nem filhos, e sem contato com ninguém.
Quando chega o fim, atira as próprias cinzas ao vento, de modo que se
possa saber que ninguém escapa da morte, seja qual for o artifício que
empregar. Aprende, pois, com o milagre da Fênix. A morte é um tirano, mas
precisamos tê-la sempre em mente. E, conquanto tenhamos muito que
aguentar, isso é nada comparado ao morrer. (ATTAR, 1177, pag. 43)

Em seu sentido iniciático a morte nos lembra que ainda temos muito que
caminhar e precisamos seguir adiante e ela é a própria condição para isso, para o
progresso e para a vida.

É necessário que seja admitido o fato que esta não é a única alternativa para
que se desenvolva o processo de renascimento psicológico, pois são inúmeros os
casos em que esta condição ocorre sem que estejam presentes os sintomas
característicos das doenças autoimunes. Atribui-se esta condição aos estados
emocionais presentes reconhecidos como aqueles que propiciam uma capacidade
de enfrentamento de conflitos internos com base no que é definido como ego
estruturante, aquele que é capaz de experimentar confrontos entre o ego e o self,
que pode se apresentar através de conteúdos inconscientes, sem que provoque
uma cisão capaz de fortalecer a energia psíquica necessária à constelação de um
determinado complexo.

São pessoas que sentem constantemente um chamado


dentro de si, o chamado para a boa nova, para a renovação.
De tempos em tempos gostam de rever suas metas, atitudes e
sua vida de modo geral e, a partir disso, se transformarem. São
29

escultores de si mesmo, que sabem a bela arte que reside


dentro da pedra bruta da existência, e vivem para esculpir a si
próprios. Estão sempre em busca de inovação mas, por
acreditarem no poder do agora, buscam a cada instante romper
com as velhas crenças do passado e renascer como uma nova
pessoa. Quem permite que esse arquétipo se expresse através
de si, torna-se uma pessoa espiritualizada, pronta para a
máxima realização que a vida pode oferecer. (DIAS,
https://www.artetipos.com/post/a-ressurreicao-e-a-constante-
renovacao-pessoal, 2020)
Ao sugerir a vivência do mitologema da Fênix como símbolo trazido pela
constelação do complexo da ressurreição, é necessário reconhecer entretanto que a
presença dos sintomas é distinta para cada indivíduo dada a sua história pessoal,
suas experiências, a estruturação do ego, o ambiente externo reconhecido e
principalmente o tipo psicológico manifestado. Tendo em vista que atualmente são
conhecidas mais de oitenta formas de manifestação da doença autoimune, que são
classificadas de acordo com a região somática afetada, o aspecto comum que
determinará a constelação do arquétipo da ressurreição nessas variadas formas,
reside no desejo inconsciente de morte de uma personalidade reconhecida e
indesejada, acompanhado de uma necessidade extrema de continuar vivendo,
porém “sendo outra pessoa”. É como se o ego tivesse a consciência de certas
características de personalidade e as reconhecesse como incompatíveis com sua
“vontade”, desidentificadas de sua essência (Self, si-mesmo) e tal como uma pessoa
indesejada, só houvesse uma forma de livrar-se dela: matando-a. Esta é a atitude
mental trazida pelo stress da desidentificação com essas características que enviam
uma mensagem à consciência de que o corpo físico possui um conteúdo indesejado
que precisa ser eliminado. Como esse é um conteúdo psíquico, a mensagem
enviada conscientemente para corpo é a sua auto destruição, a ordem é matar o que
é indesejado. Como o sistema imunológico não consegue diferenciar esse conteúdo
psicológico a ser eliminado, ele perde a capacidade também de identificar aquilo que
é saudável no organismo e o que é invasor, pois é uma ordem para atacar algo
indefinido no aspecto somático. A única orientação oferecida ao sistema imunológico
é aquela que o fará dirigir seu poder de destruição a uma região, órgão, tecido ou
sistema específico guiada pelas emoções que alimentam a energia psíquica do
complexo constelado. Da maneira como o corpo humano é constituído há o
30

entendimento desde as mais remotas eras das civilizações que além da função
mecânica de cada parte, há uma relação direta com aspectos arquetípicos que dão
lhe conferem aspectos simbólicos.

O corpo humano possui uma estrutura e uma unidade que vão


além da própria matéria, realidade essencial da pessoa. É um
santuário onde a sabedoria divina se torna visível. A sabedoria judeu-
cristã ajuda a viver o corpo como um templo, em que pesem todos os
equívocos castradores e abomináveis que a história ocidental e
oriental proferiu (e ainda profere) sobre o corpo. (MIRANDA, 2002,
PÁG. 11-12)

Ao avaliar o aspecto simbólico de cada parte do corpo humano, torna-se


possível identificar quais aspectos emocionais possuem a capacidade de interferir
na sua função básica e de que maneira isso pode representar o surgimento de
sintomas indicadores de desequilíbrios e patologias. É dessa maneira que a
medicina psicossomática busca avaliar, diagnosticar, tratar e prevenir eventuais
estados doentios que venham a afetar o funcionamento homeostático do organismo.
Nesse aspecto, torna-se imprescindível que a partir desse ponto seja efetuada uma
observação mais profunda de determinados sintomas que caracterizam a doença
autoimune a fim de identificar quais estados emocionais podem carregar de energia
psíquica o complexo da ressurreição e sobre como agem em determinada área
somática induzindo à vivência do mito da Fênix quando de sua constelação.

3.3: Artrite reumatóide


Na página https://www.reumatologia.org.br/doencas-reumaticas/artrite-
reumatoide, consultada em 03 de agosto de 2020, mantida pela Sociedade Brasileira
de Reumatologia, encontramos essa definição:
A Artrite Reumatóide (AR) é uma doença inflamatória crônica que
pode afetar várias articulações. A causa é desconhecida e acomete as
mulheres duas vezes mais do que os homens. Inicia-se geralmente entre
30 e 40 anos e sua incidência aumenta com a idade. Os sintomas mais
comuns são os da artrite (dor, edema, calor e vermelhidão) em qualquer
articulação do corpo sobretudo mãos e punhos. O comprometimento da
coluna lombar e dorsal é raro mas a coluna cervical é frequentemente
envolvida. As articulações inflamadas provocam rigidez matinal, fadiga e
com a progressão da doença, há destruição da cartilagem articular e os
pacientes podem desenvolver deformidades e incapacidade para
realização de suas atividades tanto de vida diária como profissional.
31

De acordo com estudos e observações realizadas no campo da medicina


psicossomática, a característica de personalidade de pessoas com a presença
desses sintomas se mostra dentro daquela categoria que relacionamos
anteriormente como predisponentes a uma situação de estresse crônico, provocado
por um comportamento altamente controlador, excessivamente intelectualizado e
racional, a ponto de apresentarem ao longo da vida uma postura absolutamente
inflexível, que pouco se abrem para opiniões alheias, principalmente se forem
divergentes de seu ponto de vista. As deformidades geradas nas juntas das mãos
simbolizam as frequentes indignações, demonstrando o quanto a sua dificuldade de
ceder ou de entrar em acordo prejudica a sua desenvoltura no ambiente e a
mobilidade física dos dedos. Suas críticas e julgamentos severos não abrem
possibilidade para novas perspectivas de opinião, tampouco permitem outras visões
sobre o assunto saturando quem convive consigo, distanciando os amigos. Estas
atitudes são acompanhadas, antes da instalação da doença, em uma superatividade
e excesso de movimentação que se apresentam somente no corpo físico, como uma
forma de compensação da imobilidade da consciência. Como decorrência desse
comportamento surge um novo componente: a agressividade:
O reumático inibe sua agressividade no âmbito motor, ou seja,
ele bloqueia a energia no âmbito muscular. O toque e a avaliação
experimentais da condutividade elétrica muscular de pessoas com
reumatismo mostram que virtualmente todos os estímulos de
qualquer natureza levam a uma tensão muscular acentuada, em
particular nos membros. Essas avaliações comprovam de fato as
nossas suspeitas de que os reumáticos controlam seus impulsos
agressivos, mas estes acabam por se impor à força no plano físico. A
energia, que dessa forma não é descarregada, fica estagnada na
musculatura dos membros sem ser usada, e aí ela se transforma em
inflamação e dor. (DALKE, 2014, pág. 205/206)

3.4: Diabetes Mellitus tipo 1


Na página https://www.endocrino.org.br/o-que-e-diabetes mantida pela
Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia, no artigo publicado em 26 de
março de 2007, encontramos a seguinte definição:

Diabetes Mellitus é uma doença caracterizada pela elevação da


glicose no sangue (hiperglicemia). Pode ocorrer devido a defeitos na
secreção ou na ação do hormônio insulina, que é produzido no pâncreas,
pelas chamadas células beta . A função principal da insulina é promover a
entrada de glicose para as células do organismo de forma que ela possa
ser aproveitada para as diversas atividades celulares. A falta da insulina ou
32

um defeito na sua ação resulta portanto em acúmulo de glicose no sangue,


o que chamamos de hiperglicemia.
A Diabetes Mellitus tipo 1 é resultado da destruição das células β
pancreáticas por um processo imunológico, ou seja, pela formação de
anticorpos pelo próprio organismo contra as células, beta levando a
deficiência de insulina. Em geral costuma acometer crianças e adultos
jovens, mas pode ser desencadeado em qualquer faixa etária.
O nome pâncreas etimologicamente vem do grego kreas (carne) e seu
significado é “toda a carne” estando simbolicamente vinculado à realização ou à
transformação da carne (corpo).

Tendo como uma das suas funções a assimiliação do açúcar através da


insulina produzida pelas células β, a disfunção provocada pela diabetes se
apresenta simbolicamente no organismo com uma atitude de incapacidade de
assimilar a doçura em seu íntimo, incapacidade de se deixar ser amado, deixando
um sintoma de melancolia, amargura e tristeza, revelando uma baixa auto-estima.
Muitas das vezes é decorrente de estados depressivos, ou vivência de traumas de
perda, abandono ou manutenção de um estado de dependência, como também o
inverso pode ocorrer, ou seja, a melancolia pode reverter-se em depressão. Passam
a rejeitar qualquer manifestação de afeto e carinho pois são facilmente machucados
nas situações em que experimentaram rupturas no lar, frustração nos
relacionamentos (abusos, traição) ou inadaptação profissional. No nível somático,
procuram compensar a falta de afeto pela ingestão de alimentos doces.

Por trás do desejo de comer doces, e por trás da simultânea


incapacidade de assimilar o açúcar, introduzindo-o nas próprias
células, está o inconfessado desejo da realização amorosa, ao lado
da incapacidade tanto de aceitar o amor como de entregar-se a ele.
(…) A diabetes leva a um excesso de acidez em todo o corpo, que
pode chegar ao ponto de o paciente entrar em coma. Já sabemos
que os ácidos são de agressão. (DAHLKE, 2014, pág. 133).
O conteúdo inconsciente manifestado no complexo pelas associações das
vivências de falta de afeto, abandono, dependência, frustrações, combinadas à falta
da energia transformadora do pâncreas, caracteriza um quadro de desidentificação e
rejeição, estimulando a destruição dessa personagem a ser eliminada.

Os diabéticos que repentinamente entram em coma


encontram-se em depressão profunda, abatidos pelo desânimo. No
auge do desespero, entregam-se à morbidez de seus sentimentos,
abandonam todo o controle dietético e deixam de tomar insulina,
33

expressando assim seus impulsos suicidas.


(VALCAPELLI/GASPARETTO, 2009, Vol. 1, pág.154)

3.5: Síndrome de Guillain-Barré


Na página https:// www.gov.br/saude/pt-br /assuntos/saude-de-a-a-z-1/g/
sindrome–de–guillain-barre, mantida pelo Ministério da Saúde do Brasil, a matéria
publicada em 20/11/2020, encontramos a seguinte definição:

A síndrome de Guillain Barré é um distúrbio autoimune, ou seja, o


sistema imunológico do próprio corpo ataca parte do sistema nervoso, que
são os nervos que conectam o cérebro com outras partes do corpo. É
geralmente provocado por um processo infeccioso anterior e manifesta
fraqueza muscular, com redução ou ausência de reflexos. Várias infecções
têm sido associadas à Síndrome de Guillain Barré, sendo a infecção por
Campylobacter, que causa diarréia, a mais comum
Os sintomas principais da Síndrome de Guillain Barré são fraqueza
muscular ascendente: começam pelas pernas, podendo, em seguida,
progredir ou afetar o tronco, braços e face, com redução ou ausência de
reflexos. A síndrome pode apresentar diferentes graus de agressividade,
provocando leve fraqueza muscular em alguns pacientes ou casos de
paralisia total dos quatro membros.
Um aspecto interessante a observar na manifestação desta síndrome diz
respeito ao princípio original que rege os sistemas envolvidos: os membros tem
como princípio original Mercúrio e Marte (DAHLKE, 2014, pag. 45), o sistema
imunológico é orientado por Marte (DAHLKE, 2014, pag. 55), e o sistema nervoso
por Mercúrio (DAHLKE, 2014, pag.55). As expressões arquetípicas de Mercúrio e
Marte são respectivamente a comunicação e a agressividade.

Ao vivenciar situações em que a comunicação se manifesta em uma forma


agressiva, controladora, inflexível, exigindo uma mobilidade constante, um deslocar-
se contínuo provocando controvérsias e falta de reciprocidade nos conteúdos
apresentados nas relações pela forma dura e violenta em algumas circunstâncias,
essa personagem começa a surgir de uma forma inconscientemente indesejada
como forma de compensar a ausência de resultados favoráveis, no sentido de
buscar uma alternativa conciliadora que possa harmonizar o ambiente onde essas
experiências são vivenciadas. Na maioria dos casos a progressão dos sintomas tem
um caminho ascendente, dos membros inferiores para as partes mais altas do
corpo.
34

É preciso que Marte diminua sua ação belicosa para que Mercúrio possa
levar suas mensagens agora com um predomínio de Vênus. É preciso parar o
agente violento com a sua morte para que um agente amoroso renasça.

3.6: Esclerose Múltipla


Na página https://www.einstein.br/doencas-sintomas/esclerose-multipla,
mantida pelo Hospital Israelita Albert Einstein, no artigo que apresenta como fontes
Dr. Rodrigo Barbosa Thomaz – neurologista e coordenador do Centro de Esclerose
Múltipla e Doenças Desmielinizantes e o Dr. Herval Ribeiro Soares Neto –
neurologista e tendo como referência Multiple Sclerosis. N Engl J Med 378;2
nejm.org January 11, 2018 e Multiple sclerosis. Nat Rev Dis Primers 4, 43 2018,
consultado em 17 de junho de 2020, temos a seguinte definição:

Trata-se de uma doença neurológica desmielinizante autoimune


crônica provocada por mecanismos inflamatórios e degenerativos que
comprometem a bainha de mielina que revestem os neurônios das
substâncias branca e cinzenta do sistema nervoso central. (…) Nos
portadores de esclerose múltipla as células imunológicas invertem seu
papel: ao invés de protegerem o sistema de defesa do indivíduo, passam a
agredi-lo, produzindo inflamações. As inflamações afetam particularmente
a bainha de mielina – uma capa protetora que reveste os prolongamentos
dos neurônios, denominados axônios, responsáveis por conduzir os
impulsos elétricos do sistema nervoso central para o corpo e vice-versa.
Com a mielina e os axônios lesionados pelas inflamações, as funções
coordenadas pelo cérebro, cerebelo, tronco encefálico e medula espinhal
ficam comprometidas. Desta forma surgem os sintomas típicos da doença,
como alterações na visão, na sensibilidade do corpo, no equilíbrio no
controle esfincteriano e na força muscular dos membros com
consequentemente redução da mobilidade ou locomoção.
No aspecto simbólico da doença, a expressão que dá nome a ela – esclerose,
de origem grega σκλήρωσις que significa “endurecimento” – que na medicina se
refere ao sistema nervoso, define bem o padrão psíquico básico do afetado,
caracterizado por uma dureza excessiva contra si mesmo e contra o mundo. Com
uma queixa frequente de dores nos pés denota uma significativa dificuldade em
seguir o caminho que no mais das vezes não é o dele próprio. Apresentando um
medo constante em perder o controle, permite que os fatos escapem das mãos e
não consiga mais reter as rédeas que deveriam conduzir a um local previamente
planejado. Os distúrbios visuais sugerem um conflito em torno da sinceridade não
querendo/podendo enxergar mais, ou então, utiliza-se de duas espécies de medição
35

provocando visão dupla. Com a evolução para os quadros de paralisia, a indicação


simbólica é de que não se deve mais sair para o mundo. A citação abaixo sugere o
processo de individuação pelo processo alquímico da ressurreição (do nigredo para
o rubedo). Fogo da inflamação como elemento de transformação.

A auto-reflexão que vai mais longe leva a imagens


arquetípicas tais como as conhecem os mitos e a religião. Portanto, a
tarefa mais abrangente, que pelo menos surge no horizonte em todos
os quadros de sintomas, é a reflexão última e final sobre a pátria
anímico-espiritual primordial do ser humano. Em sintomas que
ameaçam terminar com essa vida ou limitá-la drasticamente, essa
tarefa torna-se especialmente importante. Esse tema é acentuado
ainda mais em um quadro de sintomas tal como a esclerose múltipla
que, mais além dos sintomas, tão enfaticamente procura forçar uma
retomada de relações consigo mesmo e com o próprio mundo
interior. Com isso, o afetado aproxima-se do tema religio, a religação
com a origem no sentido religioso. E as grandes questões da
existência humana saem do mundo das sombras para a luz da
consciência: “De onde venho?” - “Para onde vou?” - “Quem sou eu?”.
(DAHLKE, 2007, pág.173)
36

CONCLUSÃO

A partir da análise detalhada de cada patologia apresentada neste trabalho


identificadas como sendo da categoria de doença autoimune, a tese da sua origem
psicossomática sugerindo que a insatisfação pessoal com padrões de atitudes e
comportamentos desidentificadas com o Self pode levar à busca de uma solução de
autodestruição física como uma anulação de um ego desestruturado para o
renascimento de um ego estruturante, mostra-se razoavelmente possível, dadas as
circunstâncias em que as pessoas acometidas apresentam características de
personalidade que contribuem para o surgimento de um grau de insatisfação e
inconformidade com esses padrões, por conta da inadequação da persona utilizada
no relacionamento com o meio ambiente. Em quase sua totalidade essa
inadequação provoca uma série de conflitos nas principais áreas de relacionamento
por conta da utilização de uma falsa personalidade assumida pelo ego, normalmente
imposto pelas condições em que o indivíduo precisa se manifestar, quer seja em
situações profissionais, afetivas ou sociais. Com frequentes insucessos decorrentes
desses conflitos, essas pessoas passam a inconscientemente desejar que essa
personalidade de alguma forma seja destruída ao mesmo tempo em que esperam
que isso não aconteça com a morte física propriamente dita. É como pretender o
surgimento de uma nova pessoa tal como se pudesse morrer e ressuscitar. Esse
conflito se apresenta principalmente por uma ausência de recursos emocionais para
que seja efetuada uma mudança consciente, e o estresse causado nesta situação,
altera todo o funcionamento do conjunto psiconeuroendocrinoimunologico. Esta é a
37

condição propícia para a formação de um complexo identificado com o arquétipo da


ressurreição, tendo a partir de sua constelação a associação ao mito da Fênix que
apresenta em seu mitologema a morte causada por um processo de autocombustão
para um posterior renascimento através das suas cinzas.

Nem todo processo de mudança precisa ser visto como uma ressurreição.
Indivíduos que possam conscientemente lidar com conflitos que exijam adequação
da persona, condição mais comum em pessoas que utilizem os recursos do ego de
forma estruturante, conseguem essa readaptação sem a necessidade de provocar
ataques ao corpo somático. Nesse contexto podem ser identificadas atitudes e
comportamentos compatíveis com uma estrutura psicológica caracterizada por uma
condição de raciocinar rapidamente, utilizando atitudes criativas e inovadoras,
apresentando-se regularmente de uma forma protetora e dedicada por possuírem
uma aguçada capacidade de observação e análise. Esta é a característica de
personalidade que dificilmente desenvolverá um complexo de ressurreição para que
transformações significativas sejam realizadas para a obtenção de uma adequada
forma de lidar com os inevitáveis conflitos entre o ego e o Self.

A medicina acadêmica tem tratado a doença autoimune habitualmente com a


medicalização e intervenções de outras especialidades que atuam diretamente no
corpo somático, tal como a fisioterapia. A hipótese levantada no presente trabalho –
Os comportamentos autodestrutivos das doenças autoimunes podem ter relação
com a não identificação do ego com o self? - apresenta mais uma alternativa a ser
avaliada na investigação da sua causa e integrada no tratamento desses pacientes,
a saber, o processo de acompanhamento psicológico, preferencialmente de análise
psicoterapêutica que permita a descoberta do caminho da individuação, levando a
uma condição bastante significativa para a remissão dos sintomas mais críticos da
doença autoimune, ainda considerada como incurável.
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REFERÊNCIAS

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ROMANO, L.R.B, São Paulo, Sistema Psiconeuroendocrinoimulogico, Apostila IJEP,


Curso Especialista em Psicossomática, 2019

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