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Curso Livre de Formação em Psicanálise Disciplina: Medicina Psicossomática FIC SERVIÇOS EDUCACIONAIS LTDA

FIC SERVIÇOS EDUCACIONAIS LTDA

CURSO LIVRE DE FORMAÇÃO


EM PSICANÁLISE

DISCIPLINA: MEDICINA PSICOSSOMÁTICA

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CONCEITO GERAL

As expressões gregas soma e psique, designando o que poderíamos


entender como corpo e alma, foram pela primeira vez utilizadas pôr
Anaxágoras (500-428 AC.), que as considerou como partes distintas,
introduzindo uma concepção dualista do ser humano. Essa concepção
dualista foi referendada pôr Platão e predominou ao longo de quase dois
milênios, inclusive sob a influência religiosa de Santo Tomás de Aquino e
filosófica do pensamento cartesiano. Em que pesem a algumas tímidas
manifestações contrárias – ao longo dos séculos 16,17 e 18 – somente no
final do século passado “as influências do materialismo, do positivismo e do
neopositivismo”, chamaram atenção para unidade do homem.
O termo psicossomática introduzido pôr Heinholt em 1818 objetivava definir
sintomas, sinais clínicos ou doenças tidas como de original mental.
Pôr este conceito, qualquer manifestação física cuja origem fosse a mente
ou o funcionamento mental seria psicossomática. Deste modo, o

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reconhecimento de manifestações, como as ditas psicossomáticas,


começavam a criar uma especialidade que até hoje alguns médicos
aceitam de maneira prejudicial ao paciente e ao seu próprio trabalho
profissional.
Já na Grécia antiga, escolas médicas disputavam entre si a primazia de
atender melhor o paciente.
Havia aqueles que encaravam a medicina como responsável para tratar a
doença, ao passo que outros procuravam tratar o doente.
Freud não emprega o termo “psicossomática”, a não ser numa carta
dirigida a Victor von Weizsaker em 1923. Embora reconhecendo a
existência de fatores psicógenos nas doenças, como ele tem ocasião de
sustentar nos trabalhos dos que se orientam nesta via – ainda que seu
entusiasmo por Groddeck tenha finalmente dado lugar a um certo desprezo
– Freud prefere que os psicanalistas se limitem ao estudo das
psiconeuroses, por motivos de aprendizado.

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Esta posição moderada, ditada certamente pela prudência, não foi
compreendida, e muitos psicanalistas produziram sobre esta confusa
noção uma abundante literatura. Até a medicina moderna que,
entretanto, consumiu largamente a dicotomia introduzida por
Descartes entre pensamento e extensão (para onde é relegado o
corpo), reconhece, como disso dá testemunho essa vaga noção de
terreno, a possibilidade da interferência do psiquismo no
determinismo de algumas doenças orgânicas. Ninguém, aliás,
contesta isso, desde a origem dos tempos, e não se consegue senão
reencontrar nesse debate os elementos que repetem ao infinito a
controvérsia entre Hipócrates e Galeno de Cos, cujo estribilho pode-
se resumir assim: deve-se falar do homem doente ou somente da
doença?
São maneiras diferentes de lidar com o paciente, com resultados também
diversos.

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Os que procuravam tratar o doente e não a doença seriam, pôr assim


dizer, os correspondentes aos atuais defensores da idéia psicossomática.
A rigor, a divisão em escolas psicossomaticistas e não psicossomaticistas
é fruto de um equívoco e de uma postura inadequada de profissionais ou
das escolas que os formaram.
Convidamos a refletirmos sobre este assunto detalhadamente.
A Biologia poderia, em suma, ser definida como o estudo das
manifestações vitais em seu sentido mais amplo.
A medicina dentro de um conceito singelo poderia ser definida como a
Biologia do Homem ou dos animais, para incluir a medicina veterinária.
Ora, o ser humano, sem nenhuma dúvida, é dotado de aspectos psíquicos
e somáticos. Hoje, ninguém de sã consciência negaria que o homem é
psicossomático.

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Ora, a medicina, tendo como objetivo o homem e se este seu objetivo é um


ser psicossomático, terá de ser psicossomática ou deixará de ser medicina.
Psicossomática não é nada moderno e nem especialidade.
Moderno não pode ser algo que já existia antes de Cristo.
Especialidade também não pode ser algo que abrange o ser humano em
qualquer circunstância.
Assim, quando dizemos Medicina Psicossomática, não só cometemos
redundância, como ignoramos que toda atitude de um ser humano com
outro ser humano também, forçosamente, tem de ser psicossomática.
Deste modo, deveríamos dizer que odontologia, terapia ocupacional,
fisioterapia, educação física, sociologia, psicologia, indústria, comércio, o
dirigir ônibus e educação, etc., são forçosamente psicossomáticos.
A dimensão representada pôr esta economia parece explicável pelo fato de
dizer respeito a todos os seres vivos e pôr isso mesmo ir ao encontro das
preocupações atuais dos biólogos, imunologistas, biofísicos, que procuram

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como últimos, a chegar a consciência de que nos seres humanos a vida se


desenvolve, se mantém e finalmente se extingue.
Abordar o problema geral, que podemos enunciar assim, “o que é que nos
permite continuar vivos, ou o que nos faz morrer e pôr que?”. Utilizando do
instrumento fundamental representado pela teoria psicanalítica. E sublinhar
a importância principal concedida ao papel reservado à organização e ao
funcionamento mental dos seres humanos em sua luta para permanecer
vivos.

1 - Patrick Valar (1996), relata no ensaio apresentado no “I Simpósio


de Psicanálise e Psicossomática”, no artigo “ Horizontes da
psicossomática”

Bibliografia : MELLO, Adolpho Menezes – Psicossomática e Pediatria –


HEALTH, 1996

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A DOENÇA DE CADA UM “ESBOÇO COTIDIANO”

O conhecimento disponível até o momento atesta que, como lembra


Vegetti, a doença não pode ter uma concepção formal, e as razões mais
profundas do adoecer são as verdadeiras.
O fato de alguém adoecer da úlcera, e não de infarto, e de aquele outro
sofrer de asma brônquica, e não de reumatismo, pôr exemplo, tem sua
razão de ser ligada à confluência de fatores diversos, como o padrão
genético com que nasce, mas principalmente à natureza de seus conflitos
interiores e à forma como lida com eles, além da própria história de vida
que, do ponto de vista psíquico, envolvem cada um dos grandes grupos de
doenças. Agora, porém, parece interessante discutir de forma genérica as
razões que determinariam “a escolha da doença pôr parte daquele que
adoece”.

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A primeira noção a considerar é a da existência, no organismo de todos


nós, de locais ou órgãos de menos resistência. Locus minoris resistentiae
foi a expressão latina utilizada pôr Fenichel para designar essa debilidade
e um órgão. Essa fraqueza relativa seria constitucional e genética e,
estando o organismo sob tensão – como de resto pode acontecer com
qualquer material – é compreensível que ele se rompa no ponto mais fraco.
Essa possível diferença de constituição, obviamente, torna os homens
desiguais diante de toda a sorte de estímulos, sejam eles físicos, psíquicos
ou sociais, o que poderia estar na gênese das formas diversas de adoecer.
Essa possível fraqueza estrutural, no entanto, não explica tudo. Há
também, provavelmente, o valor simbólico do órgão e sua relação com o
conflito psíquico da pessoa. Melo Filho cita o caso de uma pianista cujo
prazer exclusivo consistia nessa ocupação, até que um quadro de artrite,
que se iniciou pelas mãos, privou-a da única paixão que se permitia.
Alguns quadros digestivos parecem ter clara relação com seu significado
simbólico de “receber, reter e expelir” (expulsar algo ruim do corpo). Tal

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significado simbólico do adoecer tem muito a ver com a incapacidade do


doente de expressar seus sentimentos e emoções. O sintoma físico seria
sempre um grito de socorro e uma tentativa de proclamar seu sofrimento.
Há quem proponha que, quando alguém adoece, está adoecendo para
alguém e pôr alguém.
O tipo da doença e a época da vida em que adoece tem muito a ver com a
história do indivíduo, as perdas e frustrações que sofreu e sofre e a sua
capacidade de lidar com elas. Perez lembra que o indivíduo tem um modo
de viver e, portanto, um modo de adoecer. Nessa mesma linha, acrescenta
Melo Filho: “a biografia de cada paciente explica as suas possibilidades de
adoecer”.
Quando falamos em história da vida da pessoa que adoece, estamos nos
referindo a dois aspectos principais: a natureza de seus conflitos
intrapsíquicos e sua forma de se adaptar ou lidar com eles, isto é, os
mecanismos de defesa de que lança mão, bem como as perdas e

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frustrações que tenha sofrido e vinha sofrendo ao longo da vida e,


novamente, sua capacidade de aceitá-las e com elas conviver.
Com relação aos mecanismos de adaptação, já vimos quais são eles e de
que forma podem resultar em agressão ao corpo. Cumpre discutir aqui,
pois, o papel das perdas e frustrações.
Ambas são constantes na vida de todos nós, a tal ponto que, sem nenhum
pessimismo, poderíamos dizer que a vida se constitui numa sucessão de
perdas, a começar pelo próprio passar do tempo, que não tem retorno e
nos deixa cada vez mais próximos do fim inexorável. Além das pequenas
perdas do dia-a-dia, no entanto, há que considerar aquelas pessoas que,
em sua história de vida, foram atingidas pôr “infortúnios difíceis de
suportar” e, pôr conseguinte, no entender de Wall, correriam mais riscos de
sofrer doenças que aqueles que tiveram uma vida mais fácil: “terão, em
geral, uma saúde menos boa”.
As frustrações e perdas pequenas mas repetidas e constantes seriam
também causa de doenças. Estudos experimentais de Salye (pág.41)

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demonstraram que estímulos emocionais crônicos (não necessariamente


de perda ou frustração) podem, exatamente como os estímulos crônicos
pôr infeções, intoxicações ou traumatismos físicos, causar doenças e
lesões ao corpo. Cabe lembrar que crônico, em medicina, pode ser
entendido como algo que ocorre ao longo do tempo. É preciso considerar,
contudo, o importante aspecto ligado à maneira do indivíduo de lidar com
essas perdas e frustrações, tanto as grandes quanto, sobretudo, as micro-
perdas do cotidiano, tais como perder a hora, um propósito qualquer que
não se cumpre, um engarrafamento no trânsito ou a desatenção de alguém
que se estima. Parece claro – e todos podemos testemunhar isso - , como
lembra Dejours1, que “certos sujeitos se mostram muito frágeis diante
da excitação, seja ela qual for, e estão em estado de ser
traumatizados pôr um sim e pôr um não, enquanto outros se
defendem com uma eficiência digna de admiração”.
Como sumário deste artigo, perece-nos importante realçar os seguintes
pontos com relação aos múltiplos fatores envolvidos no adoecer:

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1.Há casos em que a pessoa já nasce com a doença, isto é, o mal


congênito e, dessa maneira, todos os outros fatores não terão
influência ou, se tiverem, será apenas na maneira do indivíduo de
aceitar ou lidar com a doença, nada tendo a ver com sua gênese.
Atente para o fato de que nascer com uma doença é diferente do
nascer com predisposição hereditária para uma dada doença.
Neste último caso, mesmo com a predisposição genética, a doença só
ocorrerá se outros fatores estiverem presentes, no todo ou em parte.
Em presença das más condições ambientais, particularmente níveis
precários de higiene, alimentação e moradia, a possibilidade de adoecer é
muito grande, independentemente dos demais fatores. Até porque, nas
situações de miséria, o próprio psiquismo do indivíduo e suas condições de
amar a si mesmo e à vida ficam obviamente comprometidos.

2.Excetuando as condições acima, a hipótese que aceitamos para a


gênese das doenças é a seguinte: todos nós nascemos, pôr razões

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genéticas, com um ou mais “ pontos fracos” no organismo, isto é,


órgãos mais vulneráveis a adoecer. Na dependência da personalidade
e do psiquismo do indivíduo, da existência de mecanismos de defesa
do “eu” insuficientes ou inadequados, a ocorrência de situações
externas conflitivas ou vivenciadas como perda ou frustração criará
tensões internas insuportáveis para o ego, que provocará a doença
no(s) órgão(s) vulnerável (eis).
Pode ocorrer que o órgão “escolhido” para adoecer não seja aquele
constitucionalmente mais vulnerável, porém o mais carregado de símbolos,
para aquela pessoa, naquela fase de sua vida.
Há, pois, em todas as doenças, como fica claro na figura 1, uma conjunção
de causas externas e internas. As internas dizem respeito ao padrão
genético do indivíduo, a sua personalidade e a seu psiquismo e,
intimamente ligado a estes, o estágio de desenvolvimento em que estiver
na vida.

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Atentemos ainda, e esta é a importante conclusão deste artigo, para o fato


de que, como pano de fundo dos argumentos que utilizamos para
explicar/justificar a necessidade de adoecer, esteve sempre a falta de amor
a si mesmo, a incapacidade de exteriorizar emoções, a necessidade
desesperada e vital de reconhecimento e da atenção do mundo exterior.

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Clima Sexo Competição Herança


Água Crenças Profissão Influência
Condições Educação Posição social congênita
Sanitárias Lazer Status Relação c/ a
Poluição Nacionalidade Econômico mãe e adultos
Alimentação Trabalho na primeira
Transporte Família infância

Interação c/ Interação c/ Personalidade


o meio externo as outras pessoas e fatores e
(Ecologia) sócio-culturais psiquismo

Descoberta do Desenvolvimento Senesciência


Nasc. Mundo e e exposição Incapacitação Morte
Formação da a fatores de risco Doenças
Personalidade

Herança genética
e seleção
Natural

Figura 1 – Representação esquemática do processo saúde / doença no ciclo vital do indivíduo. Adaptado de Achutti, e Pontes, J. F.2

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Figura 1 – Representação esquemática do processo saúde / doença no


ciclo vital do indivíduo. Adaptado de Achutti, e Pontes, J. F.2

1 – Dejours, C: O corpo entre a Biologia e a Psicanálise. Artes


Médicas. P. Alegre, 1988
2 – Pontes, JF e cols.: “Curso de Medicina Psicossomática do
Instituto Brasileiro
de Estudos e Pesquisas de Gastroenterologia, IBEPEGE.

Bibliografia : SILVA, Marco Aurélio Dias – Quem Ama Não Adoece –


Best Seller, 1994

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DESENVOLVIMENTO PSICOSSOMÁTICO
Poder-se-ia analisar este assunto levando-se em consideração os pontos
de referência de Freud, Melanie Klein, etc.; abordando-se aspectos
emocionais ou descrever, como é feito nos livros básicos de pediatria, as
diferentes idades em que aparecem fenômenos denunciadores de
maturidade neurológica, projetada no soma da criança, tais como sentar,
ficar de pé, andar, falar, etc.
Entretanto, decide-se deixar de lado tal tipo de exposição, porque
dificilmente alguém conseguiria expressar tão bem o desenvolvimento
emocional da criança, como fizeram os dois primeiros autores, enquanto o
segundo aspecto citado está bem caracterizado nos trabalhos de Gesel.
Tendo o exposto como ponto de partida e levando-se em consideração os
autores, procuraremos discutir o desenvolvimento do bebê dentro de um
contexto psicossomático, porém, representativo dos sinais clínicos
facilmente observáveis em consultórios e trazidos pelas mães. Isto significa

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que as manifestações do bebê em sinais clínicos são capazes de


influenciar reações maternas que atuarão de novo no bebê.
Sabemos que a criança ao nascer, vive a fase dita oral e que, nos
primeiros meses de vida, tudo leva à boca, explorando esta área com
intensidade. É comum a mãe estar amamentando e o bebê virar a cabeça,
deixando o seio pelo fato da manta que o envolve tocar algum ponto
próximo da boca. Isto é reflexo, normal, mas às vezes não entendido pôr
quem cuida do bebê. Um comportamento aludido pela mãe foi o seguinte:
O bebê levou a mão à cabeça e reflexamente agarrou o cabelo, puxando-o
com força.
Uma vez fechada a mão e puxando os fios de cabelo, a dor o fazia chorar e
o nenê não abria a mão para se livrar do problema.
É claro que ele só procederia assim quando o reflexo se esgotasse e isto é
normal.

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É lógico que esta mãe se tornou ansiosa e aqui entra a tal ansiedade como
fenômeno. Voltemos à fase oral e continuemos a descrição dos fenômenos
a ela relacionados.
Sabe-se que desde a vida intra-uterina os bebês chupam o dedo. Pode-se
até radiografá-los nesta atividade.
Ao nascer, a voracidade é tamanha que, levando a mão à boca, o faz com
ganância, produzindo estalos perceptíveis mesmo à distância.
Aqui há algo de que se precisa ter consciência para não se criarem
errôneas interpretações.
A primeira coisa que as pessoas pensam ao ver o bebê com os dedos na
boca é que ele vai viciar e depois crescer com os dentes tortos ou arcadas
deformadas.
É preciso elucidar que toda criança coloca o dedo na boca e que isto é
normal. Se o bebê é respeitado pôr quem cuida dele, e se sua relação com

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a mãe for adequada, o comportamento de chupar os dedos desaparecerá e


será substituído pôr outro mais adequado.
A criança só ficaria chupando dedos no futuro, caso não passasse pôr esta
fase com liberdade, ou se sua relação com o ambiente não fosse
satisfatória.
Há algo mais que piora erros cometidos com o bebê que põe a mão na
boca. Esta alguma coisa que tanto interfere no desenvolvimento do bebê
chama-se chupeta.
Então a escola ensina simplesmente que o chupar dedos vicia e deforma
as arcadas das crianças.
Quem ensina isto, ignora que no desenvolvimento normal o bebê
rapidamente deixa tal comportamento e o substitui pôr outro mais
convincente para ele.
Ai começa o mercado a se movimentar para salvar as arcadas, que não
precisam ser salvas. Necessitamos que os pediatras, médicos e dentistas

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valorizassem a relação mãe-filho e fornecessem orientações às famílias


para melhorarem a qualidade de vida dos bebês. Como os meios de
comunicação vão a todo lugar, há mulheres preocupadas com as arcadas
dos filhos antes mesmo que eles nasçam. È óbvio que tais preocupações
aumentam de novo a ansiedade das mães e com isto piora a relação com
seus bebês.
Vejamos como ficam as coisas:
As mães olham para seus bebês e ao invés de vê-los e senti-los com seus
potenciais e com suas emoções, os observam medrosas de que ponham
os dedos na boca. Então, o rosto da mãe estampa medo e preocupação
quando poderia transparecer a tranqüilidade, felicidade e sensação de
bem-estar.
Há outra coisa séria nisso tudo. Quando troco o dedo do bebê pela
chupeta, modifico sua percepção, pois é diferente chupar o dedo e
chupeta.

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Ao sugar a mão, esta sente a boca e a boca também sente. Com o tempo,
o bebê percebe que as duas coisas pertencem à mesma pessoa.
Isto chama-se integração e é importante para o conhecimento que o bebê
precisa ter de si.
O prazer de sugar é sentido pela boca e pelo dedo.
O uso da chupeta não propicia estes aspectos psicossomáticos referidos.
Fica claro ainda que o levar a mão à boca, errando e acertando o alvo,
permite ao bebê desenvolver noções básicas de coordenação e notar a
produção de saliva, fenômeno que para ele é muito significativo.
Continuando, observamos que toda vez que o bebê leva a mão à boca, a
mãe tenta ajudá-lo pôr entender que deveria chupar só um dedo e não
vários, ou até mesmo a mão inteira. Neste ponto, arbitra-se o
comportamento do filho que de experiência criadora transforma-se em
sofrimento para ambos.

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Freqüentemente, ao ver os filhos sugando as mãos, as pessoas pensam


logo em fome e substituem o objeto da sucção, tirando os dedos e
colocando mamadeiras ou chupetas no lugar.
A frustração do bebê é enorme porque ele não queria coisa morta
(chupeta) e nem tinha fome. Assim rejeita a mamadeira, fica nervoso,
ansioso e com comportamento de choro pôr longo tempo.
Como nós só pensamos em comer, porque isto é imperioso numa
sociedade de consumo e o bebê não aceitou a mamadeira, ficando
nervoso o resto do dia, a conclusão é indubitável:
“Se não está com fome, está doente”
Ai começam remédios para dor de barriga, ouvido, digestão, gases; o
choro congestiona o nariz e exige o descongestionamento, a garganta fica
vermelha e determina o uso de antiinflamatórios e até mesmo de
antibióticos.

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Para o consumismo, quanto mais forte, mais comida, quanto mais comida,
mais obesidade, mais prescrições dietéticas e remédios.
Na mesma linha de raciocínio, quanto mais doença, mais angústia e
portanto, mais consumo de medicamentos e de alimentos.
Ora, com tanta ansiedade no ambiente, o que é mesmo de se admirar é
que nossos bebês sobrevivam!
É preciso que se saiba o porque de tanta preocupação com os sentimentos
da mãe ou , o que é o mesmo, pôr que se fala tanto em desvios de
sentimentos.
Sabe-se que o rosto da mãe é o espelho onde o bebê se enxerga, e se
percebe.
Daí a conclusão de que as mães e os adultos, de modo geral, passam às
crianças não só o que falam, mas numa comunicação não verbalizada
transferem a elas amor, alegria, tristeza, medo, etc.

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Desta forma, na mãe deprimida o bebê se espelha deprimido e a mãe


ansiosa o faz sentir-se com ansiedade, como já mencionamos linhas atrás.
Nesta fase do bebê, bastante inicial da vida, começam grandes
dificuldades futuras e que nem de longe são suspeitadas. Assim, aqui têm
início problemas de sono, falta de apetite, autismos, psicoses, etc.
Mas, voltando à questão na boca, percebe-se que, num passo seguinte, o
bebê aprofunda a mão na cavidade oral, aumentando em conseqüência a
salivação pôr estímulo.
Todavia, não só a salivação preocupa, mas muito maior desconforto para a
mãe ocorre quando o bebê toca as regiões posteriores orais e faz ânsia de
vômito.
A ânsia surge e, o que era para o adulto algo mau, para ele é uma nova e
gostosa sensação.
Os pais precisam entender que quando a criança faz uma experiência
como esta, da ânsia e até mesmo do vômito, está vivendo sensações

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novas e importantes para o seu desenvolvimento e que estas experiências


precisam ser respeitadas sob pena de prejudicar o bebê.
O prejuízo é grande porque, ao interferir, a mãe está se sentindo mal e
querendo que o bebê sinta o que ela sente (desprazer) e o filho está
sentindo o contrário (prazer). Ora, dá para perceber claramente que já aqui
impedimos nossos bebês de sentirem e impomos a eles o que queremos
que eles sintam.
Continuando a observação, é comum encontrarmos o bebê fazendo
barulho com a boca, quer gargarejando ou emitindo sons como tá-tá-tá, gu,
gu, gu, gu-ru, etc.
Às vezes, a criança passa grandes intervá-los de tempo emitindo sons, o
que preocupa a mãe. Aqui nada há a fazer, a não ser, não fazer nada. Isto
significa que o adulto deve permanecer tranqüilo, falar docemente com ele.
Às vezes, a mãe o imita cheia de felicidade e ele fica feliz.

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Nesta fase há algo que muitas vezes irrita a mãe pouco preparada.
O bebê faz “borbolhas” de saliva ou de leite ao mamar, acumulando o
alimento na boca para depois jogá-lo fora.
São experiências importantes para o desenvolvimento da criança que
devem ser aceitas e tratadas sem ansiedade.
Há de notar, e isto é básico, que a mãe não finja o que ela realmente está
sentindo. Assim, a mãe ansiosa, deprimida, derrotada, etc. passa tudo ao
filho que se sentirá do mesmo jeito.

Bibliografia : MELLO, Adolpho Menezes – Psicossomática e Pediatria –


HEALTH, 1996

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O SER SAUDÁVEL EM SEU PRINCÍPIO I

Um dia o bebê está dentro de seu experimental, percebe algo que lhe
surge de repente e o impressiona sobremaneira.
Pode ser a mão que passa diante do rosto ou a sombra de algo que o
estimula. Ele sente curiosidade e quer conhecer. Nós nascemos
conhecendo e para conhecer. Este é o objetivo fundamental do homem. Às
vezes, o estímulo não é visual, mas, auditivo ou táctil. Em outras
oportunidades, a estimulação vem pelo cheiro.
È curioso observar um bebê no seu quarto, quieto e com pouca claridade.
Entra uma pessoa qualquer sem fazer barulho, não toca nele e nem
acende a luz. O bebê continua se comportando como se nada houvesse
mudado. Entra a mãe e procede da mesma maneira. O bebê, com a
presença da genitora, se agita e sorri feliz. O que houve? Pode-se
perguntar. O bebê reconheceu sua mãe pelo cheiro. Assustamos quando

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ouvimos tal afirmativa mas esquecemo-nos de que o bezerro, no meio de


50 vacas, acha a mãe pelo sentido do olfato.
Além disso, há uma ligação entre bebê e mãe que permite a um e ao outro
se comunicarem sem os sentidos ou sinais convencionais. É uma
comunicação que, ousaríamos dizer, se passa no plano das “energias”.
Aqui há projeções maciças de “energia” entre mãe e filho e vice-versa.
Já é conhecido o fato de mulheres que, tendo sono pesado, ao ter filho,
qualquer barulho produzido pôr estes as acordavam. Nos casos citados, o
fato das portas estarem fechadas e a distância entre mãe e filho não
permitirem qualquer percepção de barulhos pôr parte das mães nos fazem
perceber não serem os ruídos que as acordaram.
Precisamos, de uma vez pôr todas, convencermo-nos de que o bebê
precisa conhecer, necessita aprender e explorar e isto ele começa
realizando através dos sentidos e de identificações projetivas ligadas à
mãe e aos adultos com quem ele se relaciona.

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Em relação ao físico, o bebê, como vimos no capítulo anterior, começou


experiências pelas mãos e a boca mas não pára pôr aí.
Quando a mão se movimenta diante dos olhos, ele se encanta e a procura.
Ela cai porque não há controle suficiente. Daí pára frente, cada vez que vê
a mão, seu espírito está aguçado e o prazer de aprender e viver aumenta.
Paralelamente, o sistema nervoso amadurece e a mão pode ficar no ar e
ao alcance dos seus olhos.
Neste momento, fica encantado e a movimenta de um lado para outro.
Com a mão, os olhos se movimentam e além do prazer que isto lhe dá,
surge no campo visual a outra mão. Pode parecer estranha a afirmativa de
que movimentar os olhos dá prazer, mas não é. Cada setor do corpo que o
nenê sente, toca ou percebe, o estimula a conhecer e a ir em frente. Estes
prazeres de desvendar o próprio corpo é que servem de base para o
espírito da busca dos conhecimentos futuros.

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Com as duas mãos descobertas, uma busca, toca e explora a outra. Com o
tempo se descobrem os braços e adquire-se a sensação de que as mãos
pertencem à mesma pessoa.
Daí para a frente, as mãos exploram o resto do corpo, tocando-o e
sentindo. Cada parte que se toca, sente e é sentida, tudo isso é muito
importante para que o cérebro perceba e integre todo o corpo como
unidade.
Isto é básico porque, com esta estação, o bebê não mais precisará de ser
“agregado pelos outros”, ele próprio sente-se capaz de se conter e não se
esparramar pelo espaço que descobre. Neste momento, se ele não puder
se integrar, ficará com o receio de que se desagregará, ou de que precisa
da mãe ou de qualquer objeto substituto para que a desintegração não
ocorra. Assim, fica claro que, nesta fase, qualquer atitude impedidora da
auto-exploração fará com que o bebê tema continuar seu progresso e
passe a necessitar da mãe, da fralda, da chupeta, etc., para sentir coeso.
Anteriormente, crianças imaturas, medrosas, etc. soavam que a mãe não

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colocou limite para que elas amadurecessem. É claro que isto é verdade e
o filho mais tarde precisa de tais limites. Hoje, todavia, há consenso que,
nesta fase de auto-exploração precoce (integração), o bebê pode se tornar
inseguro, fixado na não-integração, medroso e persecutório, se a mãe não
for suficientemente boa para permitir que se integre e não tenha a
sensação de “liqüefazer-se” no espaço.
Quando o bebê percebe a sua unidade e adquire a certeza de que algo o
mantém coeso em todas as suas partes e sentimentos, torna-se seguro,
sente seus limites com o resto do mundo e pode crescer e explorar com
certa tranqüilidade o universo exterior.
Voltando à continuidade da exploração corporal, vemos que o bebê
descobre os pés e os coloca na boca.
Isto dá prazer, mas também o faz sentir os pés, as pernas, as mãos e os
braços “flutuando no espaço”.

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Além de olhar os quatro membros, ele os sente suspensos e este sentir é


outro prazer renovado.
Daqui a pouco outra descoberta: os genitais. Ele os toca e usufrui de dois
prazeres: o da descoberta e o prazer da estimulação.
Como ocorre com todas as descobertas, o bebê repete todas essas
experiências milhares de vezes, para depois passar ao aprendizado
seguinte.
Em relação aos genitais, as mães, muitas vezes não suportado a
exploração, interferem para evitá-las.
Aqui aparecem várias maneiras de se bloquear o prazer do bebê.
Há mães que, com medo de que o bebê puxe o seu pênis e o machuque,
acabam pôr segurar as suas mãos. Outras se dizem liberais e
disfarçadamente colocam a fralda para aliviar a angústia. Há mães que dão
as costas ao bebê e ignoram suas atitudes.

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Ao vermos nosso nenê explorando qualquer parte do seu corpo, teremos


de olhar com o sentimento profundo de que o que faz é profundamente
belo e correto. Basicamente, manifesto a admiração e a poesia que realiza,
com o rosto descontraído e um sorriso nos lábios. Podemos ir até mais
além, pôr exemplo, dizendo:
- “ Que lindo, que maravilha, que beleza, meu filhinho pesquisando o seu
corpinho!”
Isto dito baixinho, carinhosamente e realizado com profundo sentimento de
admiração, fará o bebê sentir vida e querer continuar vivendo.
Temos certeza de que este bebê, contido pela mãe inicialmente, poderá
passar dessa contenção exterior para uma contenção interna, que
chamamos de sua força de vida, sem qualquer problema ou medo.
Ainda mais, partindo da não-integração para a auto-exploração, não terá
necessidade de se manter coeso pôr forças externas e, portanto,

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dispensará com o crescimento, naturalmente, as chupetas, o chupar dedos


e outras atitudes e objetos que lhe conferem segurança.
Na medida em que cresce, é claro que, enquanto se auto-explora, também
percebe o mundo a sua volta e dirige toda a possível admiração para ele.
Assim, é comum ver um nenê de meses arregalar os olhos quando o carro,
onde está, passa pôr lugares claros e escuros alternadamente. Quem já
não viu uma criança, no seu primeiro ano de vida, olhando a sombra de
sua mão na parede ou a poeira do ar refletida na luz que entra no seu
quarto.
Nesta altura de nossa descrição, precisamos enfocar algo interessante
que, pôr incrível que pareça, suscita dúvidas e ansiedade nas mães.
A partir de alguns meses, o bebê emite sons. São comuns o ah gu, gu, gu-
ru, gr...Ah!!! e isto até que é bem aceito. Todavia, as mães temem que a
emissão de sons guturais irrite a garganta do bebê e o torne doente.
É claro que este medo é devolvido ao bebê pôr parte da mãe ansiosa.

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Aqui, de novo, o que é prazer para o bebê tornou-se desprazer para a mãe
que a nível de “transferência” tenta controlar a vida e os sentimentos do
filho. Interessante como essas mães se sentem liberais e verbalizam a
ponta do iceberg, como se ela representasse o iceberg inteiro.
Gostaria que os pais entendessem que o afundamento do navio é
ocasionado pela grande parte do gelo submerso e invisível.
Vejam que a mãe é bombardeada em todos os seus sentimentos pelas
experiências do bebê que utiliza dos seus meios de comunicação possíveis
para expressar o que sente.
Uma fala uma língua que, se o outro quiser enquadrar dentro dos
parâmetros convencionais, o entendimento não será possível.
É o bebê “falando” e mãe tentando entender.
O outro quer impor suas condições convencionais e culturais e o primeiro
busca compreender, não para agradar alguém, mas simplesmente pelo
prazer de conhecer.

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É a mãe “falando” e o bebê conhecendo a seu modo, sem ligar para a mãe.
Ou se reveste de imenso respeito pelo bebê ou a relação torna-se
impossível, prejudicial a ele.
Fica claro que, se quisermos falar sobre este assunto até o fim, não
conseguiremos. Pôr isso e para terminar o capítulo, diríamos que essas
primeiras relações são básicas para a saúde do bebê e da família no
futuro.
No restante da evolução esta base vai sempre reaparecer, se foi bem
assentada, sob forma de saúde e se mal assentada, como estigma de
doença.

Bibliografia : MELLO, Adolpho Menezes – Psicossomática e Pediatria –


HEALTH, 1996

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O SER SAUDÁVEL EM SEU PRINCÍPIO II

É claro que, enquanto se explora e até pôr isso mesmo, o bebê vai
amadurecendo o sistema nervoso e isto ocorre da cabeça para os pés.
Pôr isso a criança controla os olhos, o pescoço, para depois controlar o
tronco e finalmente os membros inferiores.
É preciso perceber que cada coisa nova aprendida faz com que a
experiência seja repetida até esgotar o desejo da repetição e aparecer
nova prova a ser cumprida.

Dentro deste esquema, o bebê consegue acompanhar objeto com os


olhos, virar o pescoço, ficar sentado e gosta muito disto. Depois que a
criança aprende a se virar na cama, a ficar de bruços e a sentar, não gosta
mais de voltar a posições já vividas, como pôr exemplo, deitar-se de
costas.
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Ora, se isto não for compreendido, a mãe pode tomar mais fatos como
anormalidades e querer corrigir o filho. Como a criança vai reagir em
sentido contrário ao da mãe, gera-se ansiedade nesta e deteriora-se a
relação mãe-filho.
Queremos que se note o seguinte:
Uma coisa achar-mos ruim com o nosso filho e até sentir raiva dele pôr
uma atitude que, apesar de nos irritar, sentimos como normal.
Outra coisa é a ansiedade que gera em nós a atitude do nosso filho que
não entendemos e sentimos como anormalidade.
No primeiro caso, podemos sentir a raiva e lidar com ela com amor, ao
passo que, no segundo caso, a ansiedade nos impede de agir com amor e
nos tira a oportunidade de lidar com a raiva subjacente gerada pela
situação criada no relacionamento.

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No primeiro caso, o remorso posterior é pequeno e possível de lidar, ao


passo que, no segundo, tal remorso não pode ser lidado e ajuda a
aumentar a ansiedade que se reflete e deteriora mais uma relação.
De início, quando o bebê já pode acompanhar pessoas com os olhos até
perdê-las de vista, ao não ter mais a mãe no seu campo visual, chora e a
quer de volta.
É interessante que, depois, aquilo que parecia sofrimento, torna-se prazer
e experiência.
Após algum tempo a mãe se afasta e há o choro. A mãe volta e ele sorri.
Neste momento, a mãe sumir e reaparecer torna-se jogo mágico dentro do
qual o bebê é o poderoso senhor que o realiza.
Nesta fase, a criança gosta de brincar e cobrir os olhos com a fralda e
retirá-la, porque nisto cria e recria a figura materna, após fazê-la
desaparecer. Também é comum ver o bebê abrindo e fechando os olhos

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mil vezes, fazendo os objetos aparecerem e desaparecerem sob o seu


absoluto controle (idéia mágica).
Neste momento há necessidade de um cuidado especial que é o seguinte:
O bebê chora porque acordou e não viu a mãe, ou porque ela saiu de seu
campo visual. A mãe angustia-se e volta na velocidade do relâmpago.
Com o tempo, o choro torna-se o objeto mágico e controlador do prazer.
A mãe precisa ensinar, através do seu comportamento, ao bebê que não
precisa do choro para que ela volte, venha ou para que ele se sinta seguro.
Assim, ao choro ela pode responder com frases tipo: “filhinho!!! a mamãe
está aqui. Olha, fique calmo porque eu já vou”. Com o tempo, o bebê
associa a voz com o quarto e seus objetos e, ao acordar, sente-se seguro
sem precisar da sua presença imediata.
Cada mãe pode, à vontade, traçar seu roteiro de aproximação do bebê,
desde o momento que ele a solicite até chegar a ser alcançada pelo seu
campo visual.
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Nos primeiros meses de vida há outros comportamentos que dão ao bebê


muito prazer, mas que, às vezes, a mãe pode não gostar ou não entender.
Durante o banho é comum o bebê bater as mãos e as pernas na água e
isso, de início, é sem querer e ocasional. Acontece que, com o tempo, ele
tem prazer nisso e o faz para usufruir desta deliciosa descoberta.
Então durante o banho a mãe se lava junto com o bebê. Se isso a irritar, os
dois vão acabar brigando. Desta forma, ao banhar o bebê, a mãe deve se
preparar para o grande brinquedo, criado pelo filho, que é brincar com a
água. Este preparo faz com que o banho se torne um grande prazer para
ambos. Aliás, este prazer, dele bater na água, é uma evolução do que o
bebê fazia quando se agitava, batendo pernas e braços contra o colchão
do seu berço e no seio do líquido aminiótico.
Lá o meio era ar e sólido (cama), aqui o meio é líquido, como na vida intra-
uterina.

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Neste período, há outro comportamento do filho que os pais precisam


entender.
No segundo semestre da vida, pôr volta de oito a nove meses, começa o
fenômeno de estranhar.
As pessoas chegam e então escondem o rosto, encostando-se no corpo da
mãe. Se insistirmos para que lhe olhem ou vão com o estranho, choram
com extrema infelicidade.
É claro que este comportamento é normal, passageiro e qualquer esforço
para alterá-lo prejudica a criança.
É pôr isso e pôr outros motivos que nunca se deve deixar o bebê dormir e
acordar sem a mãe ou conhecidos, em lugar estranho.
Este mesmo motivo faz com que as crianças pequenas chorem, não
durmam, quando viajam e ficam fora de suas casas, quer no ônibus, trem
ou nas casas que visitam, até que se adaptem. Nestas circunstâncias, a
criança pode apresentar nervosismo, insônia, anorexia, “diarréia”, etc.,

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como expressões somáticas do quadro criado pelo ambiente ou pessoas


desconhecidas.

Aqueles que lidam com a criança e procuram educá-la, entendê-la e não a


dominar, sentem que, no fim do primeiro ano de vida e começo do
segundo, elas se tornam brincalhonas e extremamente ativas.
Tais comportamentos tornam-se evidentes em algumas situações
específicas, como as que se seguem:
A criança acaba de mamar e atira a mamadeira ao chão, escuta o barulho
e gosta. A mãe cata a mamadeira e a entrega de novo. De novo a
mamadeira é atirada ao chão. Novamente a mãe cata e a entrega ao bebê;
que outra vez a joga.
A mãe interpreta o fato como birra e teimosia e diz:
- “igualzinho à minha sogra, teimoso que nem ela!”

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De verdade, o som produzido deu ao bebê o desejo de reproduzi-lo,


atirando os objetos até que se convença de que é capaz e passa para a
experiência seguinte.
Não há nenhuma birra, há prazer em se fazer algo.
Certo dia, dissemos a uma mãe queixosa que desse a mamadeira ao filho
numa sala com carpete. Ele terminou de mamar e atirou a mamadeira que
caindo, não produziu nenhum som. Então chorou, porque se sentiu
frustrado.
Deu-se de novo a mamadeira a ele noutra sala. Ao atirá-la, o som
produzido o fez feliz e não determinou qualquer choro.
Ficou provado que era o som que motivava o prazer de produzi-lo e o
comportamento de atirar a mamadeira.
Neste mesmo período, o dinamismo do bebê e o seu desejo de brincar
ficam claros quando se vai trocá-lo.

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Se ainda não anda, ao ser trocado, rola na cama e não deixa a mãe
realizar seu trabalho. Se já sabe andar ou engatinhar, corre para longe,
para que a mãe corra atrás. É um brinquedo e ele gosta dele tanto, que o
repete todos os dias.
Há prazer em escapar da mãe até mesmo para mostrar poder ou pela
graça de sentir a distância entre eles, mas ao ser pego e obrigado a se
submeter, sua onipotência é ameaçada e ele odeia tudo. Este ódio
manifesta-se pelo esperneio, gritos e, muitas vezes, pela tentativa de
agredir. Tudo isto tem de ser lidado de tal sorte que a onipotência do bebê
diminua, ou seja, a mãe faz o que tem de fazer, mas sem que permita ao
filho agredi-la fisicamente e sem que ela precise agredi-lo.
Neste impulso de crescimento, o bebê precisa cada vez mais de espaço.
Se não lhe oferecem espaço, o seu crescimento fica prejudicado.
Primeiro o berço e o colo, depois o chiqueirinho, que até pode ser usado.

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No chiqueirinho o espaço aumenta e o bebê faz ginásticas de levantar e


sentar-se, desenvolvendo assim seus músculos. A seguir, vem o desejo de
sair dos limites das grades e começa a engatinhar e andar pela casa. Com
o tempo quer mexer em tudo. No segundo ano de vida ou daí para a frente,
adora pegar as roupas das gavetas ou as panelas dos armários e brincar
com estes utensílios, de maneira a obter o maior prazer do mundo. Retira
as roupas uma pôr uma e não as coloca de novo no lugar. Depois aprende
a colocá-las, mas o faz pegando um monte de peças de uma só vez,
enfiando-as no guarda-roupa de qualquer maneira; das panelas retira sons,
os mais estridentes possíveis, e depois deixa as peças esparramadas pela
cozinha. Tudo que vê, mexe, põe a mão. Muitas vezes, pôr não ter
coordenação, quebra objetos, outras vezes os quebra pôr prazer e porque
não entende ainda os valores convencionais.
Isto tudo é normal, mas pode ser lidado com certo grau de habilidade.
Nesta fase, seu filho precisa de um lugar adequado para ficar.

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Não deve ficar na sala de televisão com os adultos, nem na cozinha com
quem trabalha, nem no quarto sozinho porque não gosta.

Há necessidade de se ter tempo para os filhos. Pôr não termos tempo, é


que os deixamos em lugares impróprios, querendo educá-los
precocemente. Se a criança é colocada no lugar adequado, estas fases
passam e elas aprenderão as coisas com facilidade, quando aparecer o
raciocínio lógico.
Ocorre que quero ver televisão, enquanto minha mulher faz outra coisa;
então ponho o bebê com um dos dois, o que evidentemente está errado.
Não dá para se ocupar do bebê e de outras coisas ao mesmo tempo.
Poder-se-ia resumir dizendo que nossas casas necessitam de ordem, e
que dentro desta ordem enquadra-se o planejamento do espaço do bebê.
Para encerrar este capítulo, vamos nos reportar a dois fenômenos muito
interessantes para o bebê e que suscitam muita superstição. Referindo-nos

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ao nascimento dos dentes e ao descobrimento do xixi e do cocô pôr parte


dele.
Há pessoas que acreditam que, ao nascerem dentes, o bebê apresenta
diarréia, febre, etc.
O que ocorre é o seguinte: Ao nascer o dente, a criança sente algo
estranho na boca, a que não está acostumada.
A partir daí e até que incorpore o dente ao seu esquema corporal, o “corpo
estranho” a incomoda e até mesmo a perturba. Deste modo, o bebê torna-
se irritado, mais nervoso, pode até enfiar mais a mão na boca e apresenta
certo aumento do número de evacuações, sem que isto se constitua em
diarréia.
A diarréia, segundo definição mais precisa, se constitui numa disfunção
intestinal com perdas de água, eletrólitos e de nutrientes. No caso do
aumento do número de evacuações associadas ao nascimento dos dentes,

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não existe nenhuma destas características da diarréia e, portanto, não há


nada patológico.
O resumo da coisa é assim:
O dente nasce, para o bebê é um corpo estranho que o incomoda e que o
irrita.
Em decorrência desta irritação, o número de evacuações pode aumentar,
mas isto não é doença e não precisa de qualquer medicamento. A própria
adaptação do bebê à nova situação o faz passar normalmente pôr esta
fase.
Pôr outro lado, não é verdade que nascer dente ocasione febre ou que
coce ou doa.
O melhor remédio para tudo isto é deixar o bebê resolver a situação
sozinho, recebendo apenas o remédio da nossa compreensão e do nosso
respeito.

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A Segunda questão, que se refere ao xixi e ao cocô, quis lembrá-la, porque


é sabido que o bebê explora seu corpo e tudo que provém dele.
É comum e normal, portanto, que, ao descobrir fezes e urina, a criança, pôr
sadia curiosidade, brinque com elas.
Toda criança pega o cocô, o amassa, passa pelo corpo e até o coloca na
boca, sem o mínimo escrúpulo. Como não sabe nada que se relacione a
doenças, micróbios e higiene, delicia-se com o prazer de explorar e
conhecer algo sobre si, proveniente de si mesma.
Em relação ao xixi, quantas vezes vemos bebês batendo a mão nas poças
feitas no chão, ou bebendo-as até que o gosto não lhes agrade mais.
É óbvio que nestes casos compete aos pais evitarem que isto ocorra, sem
se escandalizarem com as tendências da criança em realizar tais fatos.
Evitam-se manipulações de fezes e urina de maneira tranqüila, sem
exagero de sentimentos de repulsa e substituem-se com o tempo, o xixi e o

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cocô pôr massas, água, tintas, etc., que dão à criança grande prazer e
boas possibilidades regressivas de lidar com seus desejos inconscientes.

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HEALTH, 1996

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“FUTUROS CAMINHOS SOMÁTICOS” - PRÉ E PÓS-NATAL

A. Piontelli relata: a linha principal que une esta investigação, tanto o


psicanalítico como o de observação, é a de que há uma ligação sutil de
continuidade comportamental e psicológica se estendendo do feto ao bebê
e do bebê à criança. Resumindo brevemente, as continuidades no
comportamento pré e pós-natal nos fetos que observamos e nas crianças
pequenas que tratamos foram as seguintes.
Giulia foi um dos fetos menos ativos, suas principais atividades sendo
lamber a placenta, puxá-la algumas vezes delicadamente em sua direção,
e manter as mãos entre suas pernas; ela se mantinha em um estado
aparentemente tranqüilo de unicidade com o ritmo da respiração de sua
mãe. Sua mãe disse: “Ela estava confortável demais La dentro” e, de fato,
seu nascimento fora um tanto demorado e muito traumático para sua mãe,
mas Giulia não pareceu ter ficado perturbada pôr ele, apesar de toda a
comoção em sua volta. Uma vez fora, ela inicialmente lambia mais do que

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sugava o seio, do mesmo modo como havia lambido a placenta. Mais


tarde, com a ajuda de sua mãe e de sua avó, ela se comportava como seu
mundo pós-natal fosse um útero no qual tudo o que tinha a fazer era comer
e apreciar sua comida e outras fontes de gratificação sensual. Seu breai
down foi precipitado pelo nascimento de seu irmão, prova inegável de que
alguém outro ocupara seu espaço pré e pós-natal, e grande parte de seu
tratamento comigo foi dedicado a ajudá-la a realizar um nascimento
psicológico e a diminuir a sua total dedicação à sensualidade como único
tema de sua vida.
Durante sua permanência no útero, Gianni ficava agarrado ao cordão
quase contentemente, ficando rigidamente imóvel, e precisou ser
resgatado pôr uma cesariana, tendo o obstetra comentado sobre a sua
“firme imobilidade”. Gianni continua obsessivamente rígido e se agarra a
rotinas e a pessoas da mesma maneira como se agarrava ao cordão.

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É como se, já no útero, ele estivesse se mantendo coeso através daquilo


que Bick descreveu como “formação de uma Segunda pele” (Bick, 1968)1,
e continuou a fazê-lo.
Pina foi um feto audaz e ativo, que se imobilizou depois que um
deslocamento de placenta quase resultou em aborto. Ela continuou a ser
ativa e audaz, embora com uma considerável angústia claustrofóbica,
quase anoréxica, e medo de ser “ levada embora pelas águas”.
O fato mais impressionante é que todos os gêmeos heterozigóticos
revelaram diferenças acentuadas nos comportamentos individuais e nos
padrões característicos de inter-relacionamento antes do nascimento,
padrões estes que se mantiveram depois do nascimento. Dividir o mesmo
ventre não pareceu afetar muito o temperamento básico de cada criança,
embora após o nascimento cada um revelasse sinais claros de ter sido
fortemente afetada pelo fato de ter compartilhado seu espaço com um
outro ser.

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Enquanto feto Marco foi muito menos ativo e “extrovertido” do que sua
irmã gêmea Délia, e esta diferença se manteve durante a lactância e a
infância, apesar da preferência dos pais de Marco. Marco era maior que
Délia e nasceu primeiro, mas após o nascimento Délia tomou a dianteira;
Délia continuou a ser uma criança alerta e interessada, enquanto Marco,
como sua mãe disse: “A única coisa que ele deseja na vida é dormir”.
Quanto pequenos, eles comumente colidiam ao passar pôr soleiras de
portas, e Délia, menor e mais ágil, costumava passar primeiro.
Lucas e Alice tinham temperamentos diferentes antes e depois do
nascimento, embora fossem gentis e afetuosos um com o outro tanto antes
como depois. Lucas era menor, mais ativo, foi o primeiro a nascer. Eles se
acariciavam mutualmente dentro do útero, do mesmo modo como mais
tarde, com um ano de idade, viriam a se acariciar, ficando cada um de um
lado da cortina. Aos quatro anos, Lucas estava tomando a dianteira sobre
Alice em suas tarefas escolares e seus contatos sociais. Seu passado pré-
natal está, no entanto, muito presentes neles. Lucas brinca com carrinhos

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e faz o carro pequeno ganhar a corrida. Alice faz seus ursinhos se


abraçarem e se acariciarem do mesmo modo como ela e Lucas fizeram
dentro do útero.
A continuidade pré e pós-natal mais impressionante para Marisa e Beatriz
foi que elas batiam uma na outra constantemente dentro do ventre, e
continuaram a fazê-lo no decorrer do seu primeiro ano de vida e de sua
primeira infância, com a amorosa acolhida pôr parte de sua mãe e de sua
avó da naturalidade de seu ciúme e de sua antipatia mútua.
Giorgio e Fabrízio tiveram uma experiência incomum dentro do útero já
que compartilharam não apenas do mesmo genoma, mas também da
mesma bolsa amniótica, de forma que estiveram interligados e confundidos
um com o outro no decorrer de toda a vida intra-uterina. Fabrízio
geralmente era o primeiro a se mexer, sendo seguido um minuto ou dois
mais tarde pôr Giorgio, um padrão que continua evidente aso quatro anos
de idade. Giorgio e Fabrízio tiveram uma experiência pós-natal muito
estranha e negligenciada, sendo deixados a maior parte do tempo em que

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estavam acordados sozinhos no escuro. Após um inicial retardo da fala e


de outros comportamentos, eles progrediram notadamente quando foram
para a escola maternal, mas cada um deles tem uma expressão cruel e
experimenta a gemealidade como uma monstruosidade. Eles se odeiam
mas não podem ficar longe um do outro, continuando entrelaçados.
Em um certo sentido, meus achados de pesquisa sobre a continuidade
entre a vida pré e pós-natal são óbvios, mas até hoje não são
universalmente aceitos, sobretudo, talvez, devido à falta de oportunidade,
até há bem pouco tempo, de se observar o feto. A maioria dos
psicanalistas e psicólogos, enquanto aceitam a idéia da hereditariedade do
temperamento, realmente parecem considerar que a vida mental do bebê
começa no nascimento. Muitos falam do “nascimento psicológico” como se
dando mais tarde, quando o bebê revela sinais rudimentares de diferenciar
self de objeto.

7.1 A “impressionante cesura do ato do nascimento”

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Embora o nascimento acarrete uma mudança ambiental impressionante,


uma vez que a criança fica exposta pela primeira vez a um ambiente físico
radicalmente diferente e aos verdadeiros intercâmbios sociais e culturais,
isso não pareceu representar para as crianças observadas ou tratadas uma
completa mudança em si, mental ou emocional, a partir do estado pré-
natal. Poder-se-ia talvez pensar nisso como sendo uma espécie de
crescendo, o clímax do estado pré-natal, conduzindo para o estado pós-
natal, mas sem cortar os vínculos com os padrões pré-natais. O modo
como cada criança reagiu ao nascimento pareceu consistente com as
tendências individuais já bem definidas de seu passado. No entanto,
apesar da continuidade do comportamento pré e pós-natal, o nascimento
representou sempre um acontecimento extremamente importante, algumas
vezes crucial. Traços disso puderam ser encontrados em muitos
comportamentos pós-natais, particularmente no caso de crianças para as
quais o nascimento tinha sido especialmente traumático.

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7.2 A respeito do “sofrer de reminiscências” (Breuer e Freud-1893)2

Tanto para as crianças observadas antes e depois do nascimento, como


para aquelas tratadas psicanaliticamente, sugerem que, embora pareça
pouco provável que as crianças se “lembrem” de suas experiências dentro
do ventre e de seus nascimentos, tais experiências são constantemente
revividas e reelaboradas à medida que elas crescem e se desenvolvem.
Isto ficou especialmente claro nos gêmeos; nas suas constantes
referências à falta de espaço e
aperto, bem como nas suas preferências pôr jogos relacionados com pares
e duplas, eles parecem estar para sempre ligados pelo fato de terem uma
vez estado juntos como par dentro de um espaço demasiadamente
estreito.
Em sua claustrofobia e quase anorexia, Pina reviveu a sua imobilidade e
presumível tensão aguda e medo após a ameaça de aborto, e o seu alívio
ao sair de casa parecia repetir o seu alívio, descrito pelo obstetra que fez

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seu parto, de se encontrar fora do útero. Gianni vê o mundo como um


lugar tão perigoso quanto o útero, em que precisa sempre encontrar algo
em que se segurar.
Mas é sobretudo com Giulia que se pode tentar estabelecer ligações mais
significativas com um passado que eu conhecia pôr meio dos exames ultra-
sonográficos. A intensa glutonice que caracterizava o aqui-agora de sua
relação transferencial comigo, e o modo como me tratava como uma
espécie de background placentário prazeroso, parecem reedições das
imagens reais de seu passado pré-natal. Somente agora temos como
observar não apenas seu comportamento, mas também algo a respeito dos
sentimentos associados com ele. Embora estes sejam sentimentos
comuns, eles parecem comunicar algo a respeito de seu passado.
No caso das crianças pequenas tratadas psicanaliticamente, não pudemos
contar com imagens ultra-sonográficas para compará-las com seu
comportamento pós-natal, mas também aqui pode-se ver ligações entre o
comportamento das crianças nas sessões e seu comportamento pré-natal

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conforme descrito pôr seus pais. Não é provável que elas pudessem
recordar consciente ou coerentemente os acontecimentos de seu passado,
mas pareciam no mínimo, impactes de “reprimir” ou “esquecer” algumas
das sensações a este pertencentes, e este fato parece ter prejudicado o
seu movimento para frente em direção à vida. A maioria destas crianças
parecia, de fato, estar presa a uma reedição fatídica de um passado
incongruente. As conseqüências de tal aprisionamento no passado
ficavam tristemente evidentes nas suas freqüentemente terríveis
condições. Isolamento, concretude, aniquilamento do aparelho preceptivo,
são algumas das manifestações mais importantes tanto em suas vidas
diárias quanto nas sessões.
O comportamento frenético de Tilda na sessão parecia indicar que ela
percebia uma sala como uma espécie de ventre persecutório repleto de
excessiva animação e estímulos demasiadamente variados. Apenas aos
poucos o útero adquiriu para ela uma qualidade mais benigna, e ela levou
exatamente nove meses até que finalmente pudesse “nascer”. Tina-Vera,

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em seu constante enrolar-se com o cordão da cortina de minha sala,


revelava muitos dos significados complexos que a sua experiência pré-
natal e seu nascimento, com o cordão apertadamente enrolado em volta de
seu pescoço, possam ter tido para ela. Infelizmente, ela e Tilda parecem
continuar muito presas ao seu passado.
A flexibilidade de Thomas diante de todos os ataques horrivelmente
perversos aos quais foi submetido tanto antes quanto depois do
nascimento, parece claramente refletida em sua capacidade de aproveitar
o máximo do pouco que eu e a vida podemos lhe oferecer agora. Mas ele
não pode “esquecer” todas as agulhas e sondas que tentaram
reiteradamente abortá-lo. Peter anda pôr toda parte vestindo um “pára-
quedas” caso venha a cair como caiu do ventre de sua mãe, incapaz de
contê-lo, e ele agora parece determinado em não se deixar pegar de
surpresa, mantendo um controle quase que premonitório e constante do
seu ambiente.

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Tanto Peter quanto Thomas pareciam apreender o útero como um lugar


perigoso totalmente inadequado para oferecer-lhes qualquer forma de
segurança ou contenção física. Também eles precisaram de meses para
elaborar algumas das angústias relacionadas com seu passado distante.
Embora “ventres” parecem ser considerados como espaços seguros,
muitas das emoções pertencentes aparentemente à sua vida pré-natal
estão agora indissoluvelmente ligadas ao seu modo habitual de se
relacionar com a vida.
Diferentemente de Peter e Thomas, para Alexandre o ventre parecia ser
uma espécie de paraíso perdido onde ele podia desfrutar de uma liberdade
infinita dos demasiadamente variados estímulos deste mundo, e liberdade
também das leis da gravidade, do calor/frio, e prazer/dor que regem a vida
depois do nascimento. Ele queria uma vida imutável em casa e nas
sessões, assim como havia desejado uma música repetitiva e sonora,
quando esteve no útero.

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7.3 Quando começa a vida mental e emocional

A maioria considera que a vida mental da criança começa ao nascer ou


algum tempo depois. Tendo em vista que comportamentos com
características individuais se desenvolvem bem antes do nascimento,
pode-se assumir que alguma autoconsciência rudimentar esteja presente
antes do nascimento? Se tais experiências, incluindo algum tipo de
consciência de prazer e dor, dependem de um grau significativo de função
cerebral, elas não podem estar presentes em nenhum momento de todo o
primeiro trimestre – isto é, treze semanas (Grobstein, 1988). Isto nos serve
de lembrete de que falar em vida fetal, de modo geral, é uma simplificação
grosseira, uma vez que o feto não pode ser considerado um unicum em
seu desenvolvimento turbulento e no preparo das condições a serem
encontradas na vida pós-natal. O feto cobre um período de enorme
mudança pôr quaisquer critérios que o observemos. Biologicamente
falando, até mesmo o período embrionário é agora subdividido para incluir

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um estágio pré-embrionário, e nunca mais na vida pós-natal acontecerá


tanto em termos de crescimento e desenvolvimento como durante os nove
meses cruciais da gravidez.
É possível que alguma forma rudimentar de diferenciação self-outro
comece no útero? Obviamente, observar fetos através de ultra-som pode
informar-nos a respeito de como os fetos se comportam, e não a respeito
do que eles podem ou não podem sentir ou pensar. Isto provavelmente nós
nunca viremos a saber. Se no entanto se considera o comportamento
como uma expressão ou um precursor de algum tipo de sentimento ou
pensamento, pode-se tentar formular certas especulações de natureza
hipotética.
O movimento espontâneo parece difícil de ser entendido se não se invocar
algum tipo de fonte de ativação interna. As imagens ultra-sonográficas nos
revelam o emergir de comportamento independente já na Sexta ou sétima
semana. Tudo isto levanta a questão referente à volição independente e
possível sensitividade, propriedades associadas com individualidade

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psíquica, e portanto, com o início de uma possível diferenciação “eu-não-


eu” de fato podem alcançar o feto cada vez que ele se mexe, através de
um feed-back proprioceptivo de sua estrutura muscular. Estas sensações
podem alcançá-lo vindas de fora, através das variadas estimulações
sensoriais filtradas ou derivadas do ambiente intra-uterino. Elas podem
alcançá-lo provindo do seu próprio corpo através de estímulos
enteroceptivos e sinestésicos, e assim pôr diante. A partir do momento em
que o feto começa a ter experiências sensoriais (e estas, correspondem
em tempo com o início da motricidade), ele parece revelar preferências e
reações altamente individuais. Portanto, o feto parece já estar funcionando
numa base de prazer-desprazer, em uma mínima e mera noção de ser,
que tem sido chamada de “sensibilidade”, parece estar presente, se bem
que talvez numa forma mínima. O fato de que padrões de comportamento
característicos são estabelecidos tão cedo e evoluem progressivamente,
mas sem perder sua forma característica, me sugere que pode muito bem
ser que envolvam alguma forma muito rudimentar de diferenciação “eu-
não- eu”.

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7.4 Pode-se estabelecer normas psicológicas de vida fetal ?

Será certamente preciso realizar muito mais pesquisas antes que se possa
estabelecer normas de comportamento e desenvolvimento fetal, não
apenas para movimentos físicos, mas
também para um possível desenvolvimento psicológico “normal” durante a
vida fetal. Até agora foram apenas estabelecidas etapas comportamentais,
motoras e sensoriais. Mas parece possível que certas formações
patológicas e defensivas possam começar a se desenvolver no útero, às
vezes estas formações resultam claramente de traumas uterinos
espontâneos ou induzidos, como no caso de Pina (onde quase houve um
aborto), Tina-Vera (duas voltas do cordão enrolado apertadamente em seu
pescoço), Peter (constantemente ameaçado de ser abortado) e Thomas
(tentativa de aborto). Pôr outro lado, não podemos ter certeza dos fatores
envolvidos na sensualidade pré-natal de Giulia, na procura de Marco de
uma “impossível paz inanimada”, ou na rígida contenção de Gianni de si

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mesmo, embora a sua imobilidade possa ter sido uma resposta às


condições uterinas decorrentes da angústia de sua mãe. Muita observação
teria que ser feita para se estabelecer normas psicológicas de
comportamento fetal, mas me parece possível que comportamentos tais
como enclausuramento autístico, adesividade (Gianni), e sentimentos de
fusão (Giulia) possam não ser condições normais a serem encontradas na
vida fetal comum, mas podem representar, mesmo neste estágio tão inicial
da vida, fenômenos defensivos patológicos; talvez pôr exemplo Giulia, na
sua unicidade fusional com o ambiente intra-uterino, possa já estar
resistindo a, ou encobrindo, algum tipo nebuloso de realização de
sensações “eu-não-eu”. Uma patologia complexa tal como o autismo
poderia assim estar profundamente enraizada no passado pré-natal da
criança. Todos os entendimentos de autismo que consideram originando-
se apenas em fatores pós-natais e ambientais, podem ser pôr demais
simplistas ao ignorar todas as complexidades da vida pré-natal.

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7.5 Natureza e ambiente

Apesar de considerarmos relevante a interação do herdado com o


ambiente, a maioria de nós tende a ver o indivíduo como moldado
basicamente pôr forças e impulsos intrínsicos ou pôr forças parentais, e
falando de modo geral, forças ambientais. Com excessiva freqüência,
temos tendência a considerar “genético” tudo o que é pré-natal, e, pôr
conseguinte, não damos espaço a todos os variados elementos e
estímulos pertencentes ao ambiente intra-uterino, que está longe de ser
neutro.
Dentro do útero, no entanto, o feto está sujeito a uma quase constante e
variada estimulação e, pôr conseguinte, o inato e o adquirido estão de fato
se misturando todo o tempo desde o início. A dicotomia entre forças
genéticas e ambientais parece ser pôr demais artificial e simplista, se
aplicada de uma maneira que exclui uma ou outra.

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Estas observações têm ensinado a olharmos tanto para a situação de


observação como para a terapêutica, com uma mente muito mais aberta.
Tivéssemos recebido uma criança como Giulia para atendimento e
subseqüente tratamento, sem saber nada a respeito de seu passado pré-
natal, teríamos perguntado provavelmente se a sua constante busca de
prazer sensual e de comida, comprovada pôr sua obesidade e pôr seus
ares de prostituta, poderia ser um fenômeno compensatório devido à falta
de um vínculo emocional com sua mãe. Ou então teríamos perguntado se
seus problemas poderiam ser devidos à inveja ou rivalidade em relação à
sua mãe, ou a uma falta genérica de continência que ela poderia ter sofrido
nos primeiros meses de sua vida pós-natal. A excepcional oportunidade de
observar Giulia desde seus dias pré-natais acrescentou uma dimensão
extra e maior complexidade à tentativa de explicar os fenômenos
observados em sua vida posterior.
Se tivéssemos encontrado uma criança como Pina antes de ter realizado
esta pesquisa, pensa-se teria subestimado o efeito contínuo do trauma

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uterino. Em função da atitude colaboradora de sua mãe, penso que eu teria


podido atribuir a claustrofobia e a anorexia de Pina a algum tipo de fator
hereditário – e, de fato, se formos considerar sua intrepidez como pelo
menos sendo em parte genética, ela bem podia ter tido um papel no
trauma uterino.
Assim, estas observações nos ensinam a olhar as situações terapêuticas
pôr uma ótica muito menos simplista, dando-nos conta que
comportamentos que parecem “obviamente” explicáveis em termos de
fatores atuais podem ter raízes diversas e mais complexas.

7.6 As emoções da mãe afetam o feto ?

Estas observações não se destinavam a responder a esta pergunta, mas


duas observações são relevantes. No caso do Marco e Délia, como
descrito acima, a mãe teve um episódio temporário quase psicótico durante

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sua gravidez, mas nenhum efeito pode ser percebido no comportamento


dos gêmeos.
No caso de Gianni, parece possível que a ansiedade da mãe – tanto sua
ansiedade caracterológica quanto sua ansiedade aguda a respeito da
posição da placenta – possa ter afetado o ambiente uterino e, pôr
conseguinte, Gianni. A ansiedade da mãe tanto quanto as drogas
tocolíticas e outros distúrbios dentro do útero podem ter determinado a
súbita imobilidade de Pina depois da ameaça de aborto. Na falta de
imagens ultra-sonográficas, naturalmente não sabemos exatamente que
reações teve Peter quando ainda no ventre.
Certamente o efeito das emoções maternas sobre o feto merece estudos
outros e mais sistemáticos. Hipoteticamente, algum fator bioquímico pode
estar envolvido no caso de emoções maternas, e que é possível que
apenas emoções muito fortes e de relativa longa duração afetem o feto.

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7.7 O ambiente pós-natal e padrões pré-natais de comportamento

Nesta pesquisa não fizemos nenhuma tentativa de comparar ou avaliar a


importância relativa dos ambientes e experiências pós e pré-natais.
A mãe e a avó de Giulia reforçaram muito e acolheram as suas tendências
pré-natais referentes à sensualidade e constante anseio pôr um Back
ground placentário sempre disponível. Tanto sua mãe quanto sua avó,
embora bem intencionadas, pareciam acolher suas tendências ao
providenciar constantes fontes de prazer sensual e alimentação contínua.
A atmosfera abrigada de seu mundo familiar também parecia reforçar as
tendências originais de Grulha em não querer “sair” no nascimento.
As mães de Gianni e dos gêmeos Marco e Délia, ofereceram apoio de tipo
tal que permitiu que as tendências de seus filhos continuassem, sem nem
acolhê-las ou agir contra. A mãe de Gianni notou sua rigidez, mas não
considerou que fosse algo em que ela precisasse prestar-lhe ajuda. Ela a

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considerou como sendo sua natureza inata e achou-a muito limitadora;


ficou aliviada de poder retornar ao seu trabalho, e Gianni melhorou
bastante quando ficou aos cuidados de uma empregada. Os pais de Marco
observaram suas tendências para se retrair e as qualidades extrovertidas
de Délia; eles preferiam Marco, e de alguma maneira não aprovavam
Délia, mas não pareciam fazer esforço algum para alterar a orientação de
qualquer das duas crianças.
Pina foi evidentemente ajudada a superar muitos terrores pertencentes ao
seu passado pela compreensão de sua mãe muito observadora (e de sua
avó). Contrariamente aos seus planos originais, sua mãe esperou até a
primavera antes de cogitar retornar ao trabalho, e estava sempre muito
atente para acalmar Pina e confortá-la, sempre que seus receios de cair ou
suas angústias claustrofóbicas pareciam dominá-la.
A mãe de Lucas e Alice reconheceu o caráter diferente de seus gêmeos e
disse explicitamente (e o revelou em seu comportamento) que ambos eram
adoráveis, como de fato eram. De modo semelhante, a mãe e a avó de

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Marisa e Beatriz permitiram a cada gêmea, e a seu irmão mais velho,


serem como eram, com muita tolerância em relação à agressividade mútua
das gêmeas.
Em contraste, o ambiente pós-natal de Giorgio e Fabrízio parece ter
introduzido em suas vidas novas formas de experiência patológica. Não
apenas seus pais não os ajudaram a estabelecer identidades mais
separadas, mas também parecem ter criados problemas patológicos
adicionais para eles. Quando os gêmeos, em seu episódio febril, não
conseguiam distinguir a noite do dia, era fácil lembrar dos primeiros tempos
em que o seu quarto ficava em completa escuridão a qualquer hora do dia.
Quando a sua mãe comenta que eles agora se odeiam e, no entanto não
conseguem viver um sem o outro, podemos nos perguntar quanto de sua
dependência mútua pode ter sido alimentada pelo fato de que eles ficavam
sempre sozinhos no quarto e pôr conseguinte cada um podia somente
socorrer ao outro, de forma que eles tiveram que depender um do outro até
mesmo para aprender a andar e a falar.

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Muitos dos pais das crianças pequenas também pareciam estar lá para
ajudar. Embora Peter pudesse ter sido considerado como uma criança
“normal” pôr muitos padrões, sua mãe sensível ficou preocupada com o
efeito de seu desprezo pôr ela e pôr mulheres em geral, bem como seu
esforço constante em exercer algum tipo de controle, pudessem ter em sua
vida futura. A mãe de Alexandre, após notar suas reações frenéticas,
quando ainda no seu ventre, a qualquer música dissonante, e mais tarde
preocupada com sua tendência a acidentar-se, o trouxe para tratamento
tão logo pôde, e tinha uma atitude de muito apoio. Embora suas filhas lhes
retribuíssem muito pouco, tanto os pais de Tina-Vera quanto os de Tilda
pareciam prontos a fazer qualquer coisa para ajudá-las. Infelizmente, as
condições destas crianças pareciam estar, desde o nascimento, além da
possibilidade de qualquer ajuda que os pais pudessem dar. Somente os
pais de Thomas haviam criado experiências traumáticas para ele antes e
depois de seu nascimento, mas a atitude posterior da mãe para com ele
melhorou consideravelmente.

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1 – Bick, E. (1964) ‘Notes on Infant Observation in psycho-analytic


training’,
International Journal of Psycho-Analysis 45: 558-66
2 – Breuer, J. e Freud, S. (1893) Studies on Hysteria, Standard Edition
of the Complete
Psychological Works of Sigmund Freud (SE) 2.

Bibliografia : PIONTELLI, Alessandra – De Feto a Criança – Imago, 1995

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ORGANIZAÇÃO PULSIONAL E PSICOSSOMÁTICA

A partir da conceituação e que o fenômeno psicossomático é resultado de


uma falha na inscrição pulsional, não se colocando portanto nos limites do
inconsciente com o sistema consciente-pré-consciente, lugar do recalcado,
mas no limite do indispensável, constata-se que o bebê apresenta a
situação estrutural mais vulnerável para somatizações, sendo estas o único
quadro psicopatológico a ele imputável, pois sem representações não há
psicose e sem a clivagem da primeira tópica não há terreno para as
neuroses.
Essa constatação é reforçada pelo fato de que atualmente o bebê é
concebido como dotado de um vazio representacional, diferente das
primeiras concepções sobre o infantil primitivo na psicanálise, que foram
influenciadas pelas posições kleinianas. Essas concepções dotavam o
bebê de um psiquismo complexo, ricos em fantasias e impulsos opostos,
com sentimentos de culpa e atitudes reparadoras. Embora tenham

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desempenhado um papel muito importante para a psicanálise da criança, a


partir de Spitz1 e Winnicott2, apenas para citar alguns, predomina a noção
de que o aparelho psíquico se desenvolve a partir de um estado inicial
indiferenciado, passando pôr estruturações sucessivas de processos
psicológicos, que emergem dos protótipos fisiológicos (Spitz, 1979). Em
conseqüência, a relação mãe-filho e o psiquismo dos pais também são
enfatizados no processo de constituição do sujeito psíquico.
Essas afirmações colocam no cenário inicial da organização pulsional os
conceitos de “apoio” e de relação de objeto, ambos abordados pôr Freud
para estabelecer o conceito de pulsão (Freud, 1915).
Contribuem também para as novas concepções sobre o bebê os trabalhos
que estudam o seu “equipamento de base” (Cramer, 1987), os quais
evidenciam que o bebê não se encontra num estado narcísico e autista,
rompido apenas pelos desequilíbrios fisiológicos, geradores de excitações
endossomáticas. Hoje, sabemos que o bebê nasce com grandes
capacidades perceptivas e motoras, voltado para estímulos externos, do

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meio ambiente, havendo uma discriminação importante para os estímulos


da interação com o outro da maternagem. Marty (1993) usa a denominação
de “mosaico primordial” para essa estrutura, considerando-a um conjunto
de funções, inicialmente desarticuladas, mas que passam pôr um processo
de ligações recíprocas criando novas estruturas, sucessivamente, e
originando estruturas mais complexas. A noção de “equipamento base”, já
citada, é desenvolvida pôr Cramer (1987), que analisa essa complexa
organização do bebê, destacando que seu papel fundamental é capacitá-lo
para a interação com o “outro da maternagem”. Infante escreve sobre a
importância do conceito de “outro na maternagem” destacando aí dois
aspectos: primeiro, que a maternagem é uma função mais ampla que a
mãe real, podendo ser exercida pôr outras pessoas; segundo, para
diferenciar esse “outro” do “OUTRO”, com maiúscula, a linguagem.
Assim, as funções perceptivas, tais como a audição, a visão, o
reconhecimento cinestésico e as funções motoras, tais como sucção,
apreensão, choro, movimentos oculares e expressões faciais são

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orientadas para a interação. Colocam o bebê como um parceiro ativo da


mesma, evidenciando, desde os primeiros momentos, a marca da
infiltração pulsional. Em síntese, hoje o bebê é concebido como uma
estrutura bem menos mentalizada, porém muito mais interativa, o que
resulta em uma báscula da sua estrutura para fora, ou para a interação
com o outro.
Essa situação vem consubstanciar a afirmação anterior, no sentido de
colocar o bebê como altamente vulnerável para as somatizações, o que é
amplamente constatado na experiência pediátrica.
A organização pulsional, em suas etapas durante o processo do
desenvolvimento da criança, vai ocupar um papel fundamental nas
vicissitudes dessa vulnerabilidade. No bebê, portanto, as excitações
provenientes das urgências somáticas e das experiências interativas
invadem o seu ainda precário e embrionário aparelho psíquico, não tendo
aí como serem escoadas para as estruturas psíquicas, de representações;
vão circular de volta para o somático, sobrecarregando-o, podendo dar

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origem a distúrbios de variados graus de gravidade. Freud enfatizou esse


aspecto do infantil humano, embora não o articulando às somatizações, ao
afirmar que para o bebê “as situações de insatisfação são geradoras de
estímulos de grandes magnitudes, sem encontrar um aproveitamento
psíquico que as domine, nem derivações, irão determinar estados de
perturbação econômica” (Freud, 1925, p.2863).
A evolução desse vazio representacional está conjugada a três processos:
a intensidade das excitações, a descarga nos sistemas somáticos e a pára-
excitação. Essa é a situação inicial que desencadeará o processo de
organização pulsional na sua primeira etapa, dando origem aos primeiros
processos psíquicos, como veremos adiante.
A pára-excitação é o aspecto principal dessa primeira etapa e é dado pela
maternagem, compondo-se de um aspecto objetivo, representado pela
eficiência no atendimento às urgências físicas e psíquicas do bebê e de um
aspecto subjetivo, na medida em que a mãe, ou o “outro da maternagem”,
supõe um sujeito no bebê que grita, dando um significado aos gritos e suas

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demandas a partir de seus próprios referenciais subjetivos e inconscientes.


Aqui fica enfatizado o caráter fantasmático da interação, atribuindo à pára-
excitação um aspecto intersubjetivo (Cramer, 1987). As representações
psíquicas inscritas nos sistemas mnêmicos do bebê, que vão constituindo
seu aparelho psíquico, resultam desse campo intersubjetivo, sendo
profundamente configuradas pôr ele, consubstanciando as marcas
identificatórias dessa etapa.
O desconforto e a tensão vão sendo mais suportadas na medida em que a
memória significante das experiências de satisfação, ou a inscrição
mnêmica das mesmas, é acionada, dando conta de uma “realização
alucinatória do desejo” e originando a experiência psíquica do vazio,
protótipo da angústia.
Nessa etapa está operando o que Freud chamou de recalque originário,
nas bordas do mental com o somático. As polaridades necessidade-
satisfação, tensão-descarga, implicadas no princípio do prazer, são os
elementos que compõem essa dinâmica mental.

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Os protótipos de um processo regressivo de realização alucinatória,


descritos para a função onírica em A interpretação dos Sonhos (Freud,
1900), estão presentes, mas aqui os “restos diurnos” são representados
pelas inscrições das experiências de satisfação e da interação, marcadas
fortemente pela subjetividade do outro da maternagem. A chave para
entender os distúrbios dessa etapa está na observação da maternagem e
na escuta dos sujeitos nela envolvidos.
Para Freud, os conteúdos do recalque originário são representantes da
pulsão, constituídos de imagens ou de algo dos objetos, que se inscrevem
nos sistemas mnêmicos; reduzem-se ao imaginário e sobretudo ao
imaginário visual, pôr oposição à representação das palavras, que é
característica do sistema pré-consciente – consciente. Ainda sobre o
recalque imaginário, podemos afirmar que “para aquém do simbólico, da
linguagem, situa-se o imaginário. Aquém do imaginário, situa-se a
excitação, o impensável: a pulsão (Garcia-Roza. 1995, p. 162).

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Articulando o conceito de recalque originário com os conhecimentos sobre


o equipamento da base do bebê e da interação fantasmática, concluímos
que os representantes psíquicos da pulsão são constituídos de um
imaginário, não só visual, mas de todas as inscrições psíquicas implicadas
nesses processos. Além disso, como já assinalado, esses processos são
fortemente marcados pela subjetividade do “outro da maternagem”.
Nesse mesmo sentido, MacDougall (1991) cria a noção “de um corpo para
dois”, abordando o estado de fusão do psiquismo nessa etapa, e Aulagnier
(1979) a noção de “pictograma”, abordando as inscrições psíquicas
implicadas na interação fantasmática. Dessa forma, encontraremos na
estrutura da maternagem o sentido para os distúrbios do bebê. Em relação
ao trabalho psicoterapêutico com adultos, essas noções se cristalizam em
técnicas como a da continência e a do “empréstimo de uma
representação”, que é usada temporariamente para tamponar um vazio,
gerador de somatizações.

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A organização estrutural dessa fase resulta na primeira clivagem do


aparelho psíquico, dando origem ao seu modelo mais simples: de um lado,
o impensável, o somático traduzido em excitações; e do outro, os primeiros
representantes psíquicos, imagéticos da pulsão.
A pioneira e importante observação de Spitz (1979) sobre a diminuição da
intensidade das cólicas do primeiro trimestre, dos distúrbios do sono e da
irritabilidade dos bebês, quando aparece o sorriso social, pode ser uma
evidência do efeito de pára-excitação sobre as urgências instintivas,
quando estas são submetidas ao apoio das representações inscritas nos
sistemas mnêmicos.
O bebê, ao sorrir diante de qualquer rosto humano, revela que é capaz de
associar as experiências de satisfação a uma imagem – representação.
Esse é um mecanismo de deslocamento, pois uma parte da excitação é
investida numa representação, que em vez de circular no terreno somático,
passa a circular no terreno psíquico, agora um campo pulsional. Se pôr um
lado o bebê pode agora suportar melhor a ausência materna, pôr outro a

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ausência cria esse campo imaginário fundamental para a constituição do


psíquico. Vemos que tanto a presença como a ausência do outro da
maternagem é importante, o que relativiza as preocupações com as
separações objetais. Retomaremos essa questão adiante.
Outro ponto a ser enfocado nessa etapa é o aparecimento do auto-
erotismo, que irá marcar a clivagem entre necessidade física e o prazer
libidinal, infiltrado pela fantasia, sendo uma formação psíquica próxima ao
sorriso social. No auto-erotismo a excitação é investida em uma parte do
corpo, que com o apoio do imaginário poderá ser um substituto do objeto.
O auto-erotismo, tem uma função calmante, sinaliza a presença do
imaginário e já revela uma característica importante da pulsão, que é a de
se deslocar de um objeto para outro.
Os elementos que compõem a organização do bebê no final desta etapa
são, em resumo, os seguintes: o outro de maternagem e sua subjetividade,
o processo primário, a realização alucinatória, o auto-erotismo e a
descarga nos sistemas somáticos. A realização alucinatória, como

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demonstrou Spitz (1979), é um eficiente mecanismo para aliviar a violência


dos impulsos, fato confirmado também pela raridade dos fenômenos
psicossomáticos nos psicóticos e autistas, que representam uma massiva
presença desse mecanismo mental.
A mãe que alterna a presença e a ausência, sendo apenas suficientemente
boa, como afirmou Winnicott (1978), facilitará o deslocamento da
organização pulsional para a próxima etapa. Pôr outro lado, a mãe
totalmente presente ou ausente, sobretudo em termos de seu investimento
no bebê e não no sentido real da presença e da ausência, cria situações
em que ocorrem desorganizações, fixações e regressões nessa
organização pulsional.
Marty (1993) aponta para os processos de regressão, fixação e
desorganização na origem dos fenômenos psicossomáticos,
colocando que as regressões são articuladas com doenças
reversíveis e as desorganizações são articuladas a doenças
evolutivas; portanto, mais graves.

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A partir de uma perspectiva dos movimentos na organização pulsional,


podemos afirmar que os movimentos progressivos são expressão de
pulsão de vida, e os movimentos regressivos e, principalmente, a
desorganização implicam a pulsão de morte.
A experiência clínica com crianças é rica em exemplos que confirmam
essas colocações conceituais, deixando evidente a associação dos
movimentos na organização pulsional com características da relação
objetal, nos seus aspectos agressivos e libidinais. Assim, o bebê ante a um
vazio relacional ou ante a uma relação instável ou, ainda, perante uma
relação agressiva apresenta “distúrbios do sono” e “merecismo”. O
distúrbio de sono é resultado de uma falha na realização alucinatória, que
deixa de funcionar como “guardiã do sono”. O “merecismo”, pôr sua vez,
revela uma falha nos investimentos auto-eróticos, que em função de uma
falha de infiltração fantasmática desliza para um caráter autista, repetitivo e
destrutivo, próprios da pulsão de morte.

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Melanie Klein (1978) contribuiu para essa questão quando afirma que a
experiência dolorosa e frustrante mobiliza a pulsão de morte na criança,
com seus componentes destrutivos; pôr outro lado, a experiência
prazerosa mobiliza a pulsão de vida, com seus componentes estruturantes.
Ao conceituar pulsão de vida, Freud (1920) afirma que a mesma tem dois
componentes: os da auto-observação, voltados para o próprio sujeito,
participando do narcisismo primário; e os componentes sexuais, voltados
para a relação objetal.
Assim, podemos afirmar que nessa etapa da organização pulsional a
clivagem entre as duas pulsões irá se relacionar com as características da
maternagem. A báscula para o lado da pulsão de morte está implicada nas
desordens psicossomáticas, conforme Kreisler (1987) assinalou.
A leitura temporal desses conceitos, na perspectiva do infantil psicanalítico,
coloca-os no âmbito da psicossomática do adulto, a partir da noção de que
os fenômenos psicossomáticos se relacionariam com essas etapas da

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organização pulsional, ou com essas instâncias do aparelho psíquico,


implicando esses movimentos a estrutura psíquica do sujeito.

A próxima etapa da organização pulsional está situada cronologicamente


no segundo semestre de vida e pode ser marcada pelo aparecimento da
fobia, das reações de estranhamento e das evitações. O bebê não
responde mais com um sorriso a aproximação de um estranho, mas
manifesta uma angústia, um evitamento ou uma forte reação fóbica.
Spitz (1979) dá a esse comportamento o nome de “organizador”, sendo o
segundo organizador, pois o primeiro seria o “sorriso social”, já abordado.
Embora mereça uma discussão longa, explicitamos que aqui estamos
considerando esses comportamentos como marcadores de etapas da
organização pulsional, enfatizando o seu valor na clínica da psicossomática
da criança, sendo, portanto, vistos como efeito da estrutura e não como
organizadores da mesma.

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Winnicott (1978) também contribuiu para a identificação dessa mudança


estrutural quando descreve a hesitação do bebê na “situação
estabelecida”, técnica pôr ele criada para poder observar bebês muito
jovens na interação lúdica. Nessa “situação”, os bebês eram desafiados a
interagir com objetos oferecidos pôr um estranho. Winnicott, a partir dessa
técnica que passou a ser utilizada também nas terapias conjuntas pais-
bebês (Ranña, 1991), observa que a criança de oito meses não apanha
imediatamente os objetos oferecidos e resolve “considerar a situação”,
emergindo uma hesitação, um conflito. No mesmo sentido, o sorriso, que
era dirigido indiscriminadamente para qualquer pessoa, passa a ser
reservado para os conhecidos e diante do estranho emerge a evitação ou a
fobia.
Algo passa a operar sobre os impulsos. Esse algo é o “princípio da
realidade”. Emerge a capacidade de adiar a obtenção de prazer em função
de aspectos da realidade, aspectos que revelam uma outra posição
subjetiva da criança. A tensão-descarga da primeira etapa agora assume

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uma outra estrutura, a do conflito, com angústia mentalizada e uma fobia.


Essas afirmações apontam para uma nova clivagem no aparelho psíquico
do bebê que já esboça as instâncias da tópica adulta.
Spitz (1979) concorda que o estranhamento seja resultado de uma
mudança subjetiva, afirmando que o bebê passa a perceber a ausência
materna. A alucinação, mecanismo usado na primeira etapa para tamponar
essa ausência, perde sua força, sendo deslocada para a formação dos
sonhos, que para operar necessita do processo regressivo do sono, ou
seja, necessita de um corte na realidade externa, que é feito pelo
adormecimento. É interessante observar que nos casos de desmaios ou de
perda de fôlego, diante do conflito ou da angústia, é exatamente esse
mecanismo que opera. O sujeito adormece para sonhar e sonhando vai dar
um destino para a angústia. Déjours (1988) também discute esses
mecanismos quando analisa o papel do sonho no equilíbrio
psicossomático, pois o mesmo, nos moldes do sorriso social, representa
um destino psíquico para as excitações.

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Voltando para o nosso ponto anterior, o bebê, para se manter acordado e


organizar psiquicamente a angústia diante da ausência materna, lança mão
de uma formação fóbica. A fobia pode ser colocada como um mecanismo
psíquico da ordem da condensação, que, como veremos adiante, tem um
papel importante para a organização pulsional e, consequentemente, para
o equilíbrio psicossomático. Aqui vamos deixar marcado o aspecto que
parece ser, como já afirmado, fundamental para a psicossomática, que é
relacionado com o papel da fobia no sentido de capturar a excitação no
aparelho psíquico, em contrapartida dos sistemas somáticos.
Seguindo adiante nesse processo de organização pulsional, já em pleno
segundo ano de vida, outra contribuição importante é dada pôr Freud, ao
observar o bebê brincando com o carretel, amarrado a um fio. O bebê
atirava o carretel para fora do berço e depois o recolhia até aparecer
novamente no seu campo visual. Quando atirava, o bebê emitia um som
“FORT” e quando recuperava o carretel visualmente, emitia o som “DA”.
Freud, além de talvez inaugurar a disciplina de observação de bebês, que

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será posteriormente valorizada pôr outros autores, principalmente no


contexto das terapias conjuntas pais-bebês (Kreisler, 1981), aponta para
um aspecto que marca um novo passo na organização pulsional. O bebê
não demonstrava sofrimento com o afastamento materno e nesse jogo o
momento mais marcado pelo afeto era a recuperação do carretel. Freud
(1920) entendeu que o jogo representava as idas e voltas da mãe, e no
gesto de atirar o bebê investia sua raiva pelo afastamento e no gesto de
recuperar o carretel, a alegria, pelo seu retorno. A falta do objeto é
substituída pôr uma representação, o jogo; nela, o bebê desloca-se da
posição passiva para uma posição ativa de dono da situação. Garcia-Roza
(1995) afirma que Freud vê, nesse jogo, um duplo “afastamento”
processado pelo aparelho psíquico: da mãe para o carretel e do carretel
para a linguagem, ou seja, do real para o imaginário e do imaginário para o
simbólico. Com essas colocações, subentende-se que Freud via nesse
jogo uma representação da alternância presença-ausência da mãe, o que
também foi colocado pôr Spitz (1979), a respeito da fobia e do sorriso
social, porém com um ponto a mais, que reside no fato de emergir a

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linguagem. A linguagem cria nova forma de registro das representações


que, além de imaginárias, passam a ter um registro simbólico, o que
amplia os sistemas de representação. A pulsão agora pode ser absorvida
no aparelho psíquico no registro metonímico e metafórico.
O duplo afastamento assinalado acima pôr Freud pode ser ampliado numa
série, seguindo a noção de Gurfinkel (1996) sobre as “séries sintomáticas e
o grau de simbolização”, que será a seguinte: o “choro” passa para a
alucinação do sorriso indiscriminado depois; para a fobia e para o jogo (o
acting); e, finalmente, para a linguagem. Nos extremos dessa série
encontramos, talvez, num lado, “o mais além do imaginário”: o impensável
e, no outro, o simbólico. No plano do impensável estão as somatizações,
que, como veremos, também podem ser colocadas numa série que
apresenta primeiro os distúrbios funcionais, depois as doenças com lesões
anátomo-patológicas.
Duas observações colaboram para confirmar esse pressuposto. A primeira
é a clássica observação de Kreisler analisada pôr Fain (1981), na qual

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apontam a ausência da fobia primária em crianças asmáticas. Afirmam


esses autores que os bebês asmáticos vivem uma relação com a mãe
caraterizada pôr uma presença massiva e um superinvestimento da
função materna, que impede o bebê de subjetivar a ausência materna,
fixando-o na primeira etapa da organização pulsional. Essa fixação resulta
em uma sobrecarga sobre as funções fisiológicas, principalmente as da
respiração. Tudo se passa como se reação de estranhamento fosse vivida
no somático e não no psíquico, daí a asma. O bebê não apresenta
mecanismos fóbicos de defesa psíquica.
Segundo relatos de Lídia R. F. Castro, Kreisler, M. Frain e Solé detectaram
que o asmático sofre a influência de dois tipos relacionais:

1)Introdução prematura de uma terceira pessoa na relação mãe/filho. Esse


é o caso de crianças cuja guarda é dividida entre adultos que disputam o
amor e os cuidados da criança entre eles, expondo prematuramente a
criança a uma situação triangular.

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2) Superproteção materna. As mães não toleram dividir seus bebês com


ninguém. Não encontram, também, em suas vidas, nada que lhes dê
maior prazer que o contato com o filho. Nesses casos, há um fantasma,
pôr parte da mãe, do retorno da criança para o útero. O pai é excluído
complemente dessa relação.

Articulando o desenvolvimento ontogenético do funcionamento psíquico da


criança com o tipo de relação mãe/filho, Kreisler, Frain e Soulé concluíram
que a asma há uma fixação no primeiro ponto organizador de Sptiz (1983),
no qual não há, ainda como vimos, uma diferenciação entre o familiar e o
estranho.
No primeiro tipo de circunstância acima citado – o de disputa de guarda – a
rivalidade entre duas pessoas pelo amor do bebê acaba induzindo-o a
optar pôr uma delas. Ou seja, sobrecarregam uma função de diferenciação
numa época de desenvolvimento em que essa diferenciação ainda não foi

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estabelecida. Dessa forma, há uma sobrecarga nesse primeiro ponto


organizador, dificultando o acesso ao segundo.
No segundo caso – o da mãe super protetora – ela, pôr acesso de
cuidados, não possibilitou ao filho sentir sua falta. A mãe está presente o
tempo todo, física ou mentalmente. O bebê, então, não terá como projetar
no estranho as sensações ruins advindas do cuidado com a mãe, uma vez
que não as teve. Há, portanto, nesse caso, uma fixação também no
primeiro ponto organizador de Sptiz (1988)3, embora pôr razões distintas
do caso anterior.
É em virtude dessa fixação no primeiro ponto organizador que muitas
características da personalidade alérgica, descrita pôr Marty (1958), serão
explicadas. O modo de ser do alérgico dito essencial é caracterizado pelo
contato fácil com o estranho, numa relação espontânea e direta com o
outro. Além disso, há uma grande facilidade de intercambiar um objeto
afetivo pôr outro, uma vez que estes não são diferenciáveis entre si. No
discurso dessas personalidades, detecta-se uma confusão pronominal,

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indicativa de diferenciação entre pessoas. Os outros são, em síntese,


sentidos imediatamente como bons, substitutos da mãe sempre
gratificante.
Vejamos, agora, em que contexto teórico surgiu Le nouvel enfant du
desordre psychossomatique, de L. Kreisler (1986-Paris)4.
Essa obra nasceu após os desdobramentos teóricos das teorias de Marty.
A influência desse autor as faz sentir em toda essa obra. A subdivisão dos
capítulos, para citar em exemplo, não se dá mais pôr distúrbios funcionais
ou doenças orgânicas, mas conforme estruturas de personalidade que são
mais propensas à somatização.
Outra diferença fundamental dessa obra em comparação com A criança e
seu corpo5 reside nos tipos de patologias estudadas. Enquanto na última
os estudos dizem respeito quase exclusivamente aos problemas do bebê,
em Le nouvel enfant serão estudadas as patologias mais pesadas de
bebês e/ou criança mais velhas, tanto pela intensidade da repetição dos
problemas emocionais, quanto pela organicidade funcional.

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A evolução dos estudos sobre a infância fez com que os distúrbios


funcionais estudados em A criança e seu corpo fossem vistos de uma nova
óptica. Depois desse período, as idéias evoluíram. Kreisler conclui que os
distúrbios funcionais traduzem a vertente conflitual da patologia precoce.
Assim, tomando o exemplo da asma mencionado anteriormente, o
que verificamos, utilizando-nos dos conceitos mais bem
desenvolvidos posteriormente, é que nesse tipo de distúrbio há um
excesso de cuidados ou, então, conflitos advindos destes.
A idéia de que os cuidados maternos têm impacto em nível fisiológico e
físico (desenvolvida pôr Sptiz) ganhará força em Le nouvel enfant.
Segundo Kreisler (1986), há dois fenômenos que podem tanto romper um
equilíbrio psíquico quanto marcar uma estrutura de personalidade: o
excesso de excitações ou falta delas. Nos dois”. Estes dois mecanismos
são: a depressão branca e o excesso de excitações. Vejamos como são,
sucintamente, cada um desses mecanismos:

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 Depressão branca: é a junção de dois conceitos teóricos advindos de


duas diferentes teorias, a de Marty6 – de depressão essencial – e a de
Spitz – de depressão anaclítica.
As características do bebê que se encontra nesse estado são muito
semelhantes às descritas pôr Spitz (1946) com depressão anaclítica. Esses
dois tipos de depressão pressupõe uma relação anterior boa com a mãe
que foi perdida. A diferença está em que, enquanto para Spitz essa perda
consiste na ausência concreta da mãe, para Kreisler há a perda de um tipo
de vínculo. A mãe, na depressão branca, pode continuar fisicamente
presente no contato com o filho. Mentalmente, contudo, encontra-se
afastada, ausente, tendo que elaborar alguma situação traumática (luto,
depressões, etc.). Nesse caso, o bebê ressente-se da mudança ocorrida
nos cuidados e na forma com que sua mãe o trata. Trata-se daquilo que A.
Green (1983) chamou de síndrome da mãe morta.
A semelhança entre o conceito de depressão branca e o de depressão
essencial descrita pôr Marty é que ambas podem romper um equilíbrio

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psicossomático até então sem problemas. A diferença fundamental deriva


do momento no desenvolvimento mental em que elas ocorrem. No bebê, a
duração prolongada desse período poderá marcar uma estrutura de
personalidade, como a neurose de comportamento, pôr exemplo. Se a
duração for curta, ela pode predispor às somatizações passageiras, tais
como descritas pôr Marty, sem necessariamente interferir na constituição
do funcionamento da primeira tópica.

 Excesso de excitações: ocasionando, como vimos, pôr uma falha de


processos de maternagem, quando a mãe não desempenha bem seu
papel de “pára - excitação”.
Kreisler (1986) partirá da idéia central de que uma concepção afetiva
plena, equilibrada e estável tem lugar essencial nas defesas, que se
opõem às desordens psicossomáticas.

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Essa concepção deriva do conceito da mentalização desenvolvido pôr


Marty7. Esse conceito é fundamental e foi em torno dele que Marty fez toda
uma reclassificação que Kreisler desenvolve, reformula e aplica,
salientamos mais uma vez, à criança. Para ele, existem estruturas de
personalidade (embora ainda em formulação), cujas modalidades de
funcionamento mental predispõem o paciente a somatizações. É nesse
sentido que Kreisler desenvolverá a noção de estruturas vulneráveis à
somatização.

Mas voltemos ao estudo da asma que propusemos, exemplificando,


através dele, alguns dos conceitos teóricos de Le nouvel enfant. Neste
livro, há um estudo dedicado exclusivamente à asma.
Inicialmente, tentou-se estabelecer se haveria uma estrutura de
personalidade asmática. Verificou-se que a asma pode ocorrer nas mais
diferentes estruturas de personalidade: nas neuroses mentais, nas

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neuroses de comportamentos e nas graves inorganizações estruturais


(estrutura descrita pôr Kreisler).
Porém, em um terço dos casos de asma estudados, há um tipo essencial.
É nessa estrutura que vamos encontrar os dois tipos de circunstâncias
relacionadas descritas em A criança e seu corpo.
Em Le nouvel enfant, a estrutura de personalidade alérgica essencial é
compreendida dentro das chamadas estruturas vulneráveis à somatização.
A vulnerabilidade para a doença advém, nesse caso, de alguns problemas
fundamentais na estruturação psíquica, que são:

 Uma falta de diferenciação no tipo de apego que os alérgicos essenciais


desenvolvem: ela é anônima e igual para qualquer pessoa (não
diferencia o familiar do estranho);

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 Um bloqueio nos processos de separação – individual’, que acarretam


dependência do indivíduo em relação ao meio. O alérgico essencial
depara-se com forte necessidade de afeto, e sua falta de autonomia
impede-o de buscar resolvê-la;

 As situações conflituais, que são evitadas tanto anulando a própria


agressividade do sujeito, quanto negando-a nos demais. Além disso, há
uma substituição rápida e instantânea de um objeto de apego pôr outro.

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Kreisler (1986) explicita assim a vulnerabilidade do alérgico essencial:

O essencial de economia psicossomática na personalidade alérgica


essencial é a utilização excessiva do deslocamento como modalidade
defensiva. Ela é portadora de uma grande vulnerabilidade, que é
facilmente transbordada pelos acontecimentos reais ou vividos como
tais que digam respeito a tais sistemas: situações de rivalidade,
separações, conflitos conjugais entre os pais, luto... Além disso, as
crises ou sucessões de crises agravam a dependência.

A estrutura alérgica essencial é um dos exemplos das estruturas


vulneráveis, que utilizamos a título de ilustração. A personalidade
psicossomática da criança asmática é de uma grande diversidade. Os
quadros mais sérios de asma, com risco de morte e paradas respiratórias,
fazem parte, pôr exemplo, das estruturas de descompensação do tipo da

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depressão. As circunstâncias patogênicas geradoras desses tipos de asma


grave são: condições de carência afetiva, familiares, situações sociais
desfavoráveis acentuadas pelas frustrações. Nesse caso, esse quadro de
asma pertence às patologias derivadas da falta de cuidados maternos.
A psicossomática da criança nasce, portanto, da confluência dos
conhecimentos extraídos de três fontes distintas: da psicossomática do
adulto (indispensável para compreender a da criança); do tratamento de
bebês e crianças com distúrbios funcionais e/ou doenças orgânicas; e das
demais teorias do desenvolvimento infantil, principalmente as de Spitz.
Estudos de Kreisler (1991) publicados mais recentemente nas revistas de
psicossomática ilustram outros ângulos sob os quais as estruturas
alérgicas essenciais podem ser estudados:

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 Interação mãe e filho, caracterizada pela distorção. Principalmente para


os bebês asmáticos, há um entrave no processo de
separação/individuação. Há um tipo de interação simbiótica.

 Pré – disposição hereditária: Kreisler levanta a possibilidade de haver


dupla tendência, ao mesmo tempo imunológico e psicológica. Há uma
dupla constituída pôr dados imunológicos e mentais que contribui para a
constituição da alergia essencial;

 Existência de núcleos psicossomáticos originais: o estudo das alergias


da criança é útil na compreensão do estudo das alergias do adulto e
vice-versa. Essas estruturas têm uma continuidade entre a infância e a
vida adulta, demonstrando, assim, a importância da criança na
compreensão do adulto. As possibilidades de intervenção práticas nos
distúrbios psicossomáticos são variáveis, dependendo das circunstâncias

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e dos contextos em que se inscrevem. Vejamos alguns exemplos de


como essa teoria pode beneficiar o trabalho clínico com crianças:

 Quanto ao bebê asmático: R. Debray (1988)8 trata-os nas psicoterapias


conjuntas mães/bebês. Aqui, é pressuposto que a economia
psicossomática do bebê está inscrita na economia materna. As
interpretações visam esclarecer os motivos que levam a mãe a criar o
vínculo simbiótico com o filho. Na psicoterapia com o bebê, interage-se
com alguns brinquedos, dando ênfase aos que dizem respeito à
diferenciação eu/outro: o espelho, o dentro e fora num armário e uma
boneca dentro da outra. Com a mãe, trabalha-se como no tratamento de
adultos, levando-se em conta a teoria da psicossomática;
 Quanto à criança mais velha: a terapia é comparável a uma análise. O
objetivo é, contudo, diferente. Visa constituir o melhor equilíbrio possível,
nos diferentes níveis da atividade e do funcionamento mental, reduzindo
os riscos posteriores de somatização;
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 Em clínicas – escolas: em casos de atendimento com intervenções


breves em clínica – escola, que crianças cheguem encaminhadas em
razão de outras queixas, atrás das quais detecta-se um problema
alérgico. Um exemplo comum é o da criança não querer, pôr exemplo, ir
para à escola em virtude de não conseguir separar-se da mãe, problema
presente, em grande número de casos, de crianças alérgicas. Nestes
casos, muitas vezes, apenas um esclarecimento das razões que levam a
criança a não querer freqüentar a escola naquele momento,
paralelamente a esclarecimentos com a mãe sobre o modo como seu
funcionamento psíquico está contribuindo para a exacerbação do
problema, é suficiente para modificar a situação de crise.

 Processos judiciais: para aqueles que já lidaram com problemas de


disputas judiciais, nos quais as mães evitam que os pais vejam os filhos,
descobrem-se que este mecanismo é muitas vezes derivado de um
mecanismo anterior ao processo judicial e do divórcio. Na realidade, tais

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mães, mesmo ainda quando casadas, não deixava o pai interagir com o
filho. Quando se exclui o pai de uma relação com a criança, não
possibilitando a formação de uma situação triangular. Aqui, a
compreensão da real motivação que leva a mãe ao conflito da visitas
com o pai pode auxiliar numa melhor resolução da questão, tanto
elucidando-a para a mãe quanto, nos casos com prognósticos menos
favoráveis, levando a identificação das causas ao magistrado e
instrumentalizando-o para sua decisão.

Essas são, em síntese, algumas considerações para compreensão da


psicossomática da criança e de alguns de seus alcances teóricos e
clínicos.
A Segunda observação é tirada da experiência com a psicoterapia de
bebês com merecismo, ou seja, com ruminação repetitiva. O merecismo
ocorre em associação a um vazio relacional ou uma relação agressiva.
Quando essas relações são modificadas pela terapia, os bebês passam a

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apresentar um jogo, parecido com o do carretel, descrito anteriormente,


mas com uma infiltração pela agressividade. Esse acting posteriormente
se articula com outros jogos de conteúdos violentos. Em seguida,
aparecem verbalizações, também agressivas. Esses deslocamentos
sucessivos acompanham-se de uma remissão do merecismo. Assim, o
investimento visceral, patológico, desloca-se para a ação e, depois, para a
linguagem.
A experiência clínica é rica em exemplos desses deslocamentos em série,
que podem se dar no eixo metonímico, às vezes representando apenas
troca de um sintoma pôr outro. Pôr exemplo, o “merecismo” é trocado pôr
um “mega colon”. Essas trocas foram denominadas pôr Kreisler (1981) de
“sucessão sindrômica”. Nem sempre envolvem uma mudança de qualidade
na mentalização ou uma evolução organizacional. Já no eixo metafórico os
deslocamentos ocorrem, geralmente, com evolução estrutural. Pôr
exemplo, o merecismo desloca para um jogo, no qual o bebê atira para fora
do campo visual os objetos, fazendo-o com agressividade e,

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posteriormente, traz para a linguagem o sintoma através de um desenho


ou uma formação verbal. Quando o deslocamento ocorre no eixo
metafórico, os sintomas somáticos podem apresentar uma remissão, como
já assinalado, sendo importantíssimo para o trabalho psicoterapêutico.
Outra noção importante pode ser tirada da clínica nos casos de anorexia,
que também costumam ocorrer nessa etapa da organização pulsional. A
recusa sistemática e compulsiva do alimento implica, segundo Fain (1981),
uma formação sintomática da ordem da condensação, pois ao recusar o
alimento o bebê condensa moções pulsionais decorrentes de uma
maternagem agressiva, ou intrusiva, dando uma forma neurótica para
sentimentos que seriam
voltados para figuras parentais, evitando um enfrentamento direto com os
mesmos. Emerge então uma estrutura marcada pela recusa, que pode
inclusive infiltrar outros setores do funcionamento mental. Um deles,
bastante conhecido e apontado pôr outros autores, é a “recusa” pela
aprendizagem na idade escolar. Essa estrutura, conforme colocações de

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Debray (1988), evita uma desorganização mais profunda e funciona como


um estancamento no movimento regressivo da pulsão.
Esses movimentos progressivos e regressivos da organização pulsional
apresentam, portanto, essa característica, muito importante para a clínica
psicossomática, pois através de uma estruturação sintomática pode ficar
parada em um ponto; o grau de simbolização do aparelho psíquico irá
determinar o nível da regressão, evitando desorganizações mais
profundas. Essas afirmações vão no mesmo sentido das de Gurfinkel
(1996), já citadas.
A terceira etapa da organização pulsional é marcada pela função paterna e
pela posição predominante da linguagem nos processos psíquicos. A
função paterna vai impedir que a mãe e bebê se fixem numa relação dual e
imaginariamente completa. O pai institui a “falta”, interdita o “incesto” e
nomeia a criança na sua identidade sexual.
A simbolização da falta instala a linguagem e a angústia da castração,
nova forma da angústia da ausência materna, ou da fobia primária. O vazio

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da primeira etapa, que passou a ser subjetivado como ausência na


segunda etapa, agora é nomeado como falta. A falta é constitutiva e cria o
sentimento do desejo.
A clivagem do aparelho psíquico já responde às tópicas freudianas, pré-
edípicas e edípicas. A sintomatologia dessa etapa incide sobre os
processos de identificação com as figuras parentais e sobre os sentimentos
agressivos desencadeados pelas interdições.
Os distúrbios funcionais, envolvendo as organizações disciplinares das
funções excretoras, ou seja, a encoprese, o megacólon e a enurese,
passam a ser as séries sintomáticas típicas dessa etapa, juntamente com
as psicopatologias mentalizadas. Observa-se que, quando o sujeito se
encontra bem-colocado, topologicamente, nessa etapa, os sintomas
neuróticos passam a predominar, havendo menor probabilidade de
formações sintomáticas com somatizações graves. Essa afirmação pode
ter um valor relativo em função de que os deslocamentos na organização
pulsional podem não se efetuar em bloco e pontos da estrutura podem ser

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fixados, explicando a ocorrência de somatizações em estruturas


neuróticas.

1 - Spitz, R.A 1955 ‘A note on the Extrapolation of Ethological


Findings’, International
Journal of Psycho-Analysis 36: 162-5.
2 - Winnicott, D.W. (1958) Collected Papers: Through Pediatrics to
Psycho-Analysis,
Londres: Tavistock
3 - Spitz, R. O primeiro ano de vida, Porto Alegre, Artes Médicas, 1988
4 - Kreisler, L. Le nouvel enfant du désordre psychossomatique, Paris,
Dunot, 1992

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5 - Kreisler, L: Fain M; Soulé, M. A criança e seu corpo, Riode Janeiro,


Zahar, 1981
6 – Marty, P, La depression essentielle Rev. Franç. Psychan., 1968, 33,
3, 395-603
7 – Marty, P. La relation objectale allergique, Rev. Franç. Psychan,
1958, 12, 1, 5-29
8 – Debray, R. Bebês/mães em revolta, Porto Alegre, Artes Médicas,
1988

Bibliografia : RANÑA, Wagner / CASTRO, Lídia R. Folgueira


PSICOSSOMA I–Psicossomática Psicanalítica – Casa do Psicólogo, 1997
Artigo apresentado no “I Simpósio de Psicanálise e Psicossomática”

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DESENVOLVIMENTO ORGÂNICO

(Entre os gregos) médicos ilustres dizem a um paciente, que chega com os


olhos enfermos, que não podem apenas curar os seus olhos, mas que
desejam curar os seus olhos, a cabeça deve ser tratada; e então dizem
novamente que pensar em que se curar apenas a cabeça, sem curar
também o resto do corpo, é o cúmulo da insensatez. E, assim, utilizam
esses métodos no corpo inteiro e tentam tratar simultaneamente o todo e
suas partes.
(Entretanto, os médicos da Trácia censuram esses procedimentos dizendo
que, até onde sabem, eles estão corretos), mas que você não deve tentar
curar os olhos sem curar a cabeça, ou curar a cabeça sem curar os olhos,
nem deve tentar curar o corpo sem curar a alma e esta é a razão pôr que a
cura de tantas doenças é desconhecida para os médicos da Hélade,
porque eles ignoram o todo, que também deve ser estudado, pois partes
não podem ficar bem a não ser que o todo esteja bem.

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Platão (Charmides) – (in LeShan, 1992)


Não há certamente nenhum exagero em afirmar que há muito o homem
tenta estabelecer as causas das doenças. A rigor, desde a antigüidade
remota, oriental e ocidental, muitos escritos tentam estabelecer as causas
do câncer e, nessa busca, muitos autores observaram que há uma relação
entre estados emocionais e predisposição para doenças orgânicas.
Assim, encontramos nos escritos de Hipócrates a afirmação de que o
estado de saúde era evidência de que o indivíduo tinha atingido um estado
de harmonia entre suas instâncias internas, bem como destas com o meio
ambiente. Desse ponto de vista, manter-se saudável é uma questão de
reconhecer esse equilíbrio e respeitá-lo através de viver segundo as leis da
natureza. Hipócrates afirmava também que o que quer que aconteça na
mente afeta o corpo. Galeno, no segundo século da era cristã, observava
que mulheres deprimidas tinham mais tendência ao câncer do que aquelas
de natureza mais animada e bem-dispostas. No entanto, esses caminhos
da medicina seriam eclipsados pelo grande desenvolvimento tecnológico

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surgido a partir do modelo cartesiano de pensamento. Descartes (1596-


1650) postulou teoria na qual considerava o indivíduo formado
basicamente pôr duas partes distintas: a rés cogitans e a rés estensa. A
primeira considerava uma abstração etérea do que chamamos de mente
de segunda, concreta, que é o corpo. Assim, desenvolveu um modelo
dicotômico de pensamento que se foi espraiando pôr todo o mundo
ocidental, influenciando as ciências, dentre elas a medicina, de forma que,
para se conhecer o todo, passava-se a estudar as suas partes.
Sem dúvida, o caminho era eficiente. Novas teorias e descobertas
confirmavam a eficácia desse modelo de pensamento. Podemos, como
exemplo, citar a Teoria da Etiologia Específica, que propunha que para
cada patologia havia uma causa específica. Para confirmar esse caminho,
os trabalhos de Pasteur e Koch se constituíram em contribuição
importante, à medida que estes pesquisadores foram identificando os
elementos causais de algumas patologias como o antrax, a raiva e a
tuberculose. O advento de terapêuticas específicas – o Salvarsan para o

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tratamento da sífilis, no início da década de 1910; o advento da insulina na


década de 20, da sulfa na década de 30, da penicilina na década de 40; e,
na década de 50, o surgimento dos neulépticos, que punham sob controle
algumas doenças mentais, também contribuiu para a tendência atual de
convergir o foco da observação para o órgão doente em sua mais estreita
intimidade.
O avanço tecnológico decorrente foi pondo gradualmente a serviço do
médico toda uma parafernália que permitiu gradualmente maior precisão
dos diagnósticos, levando a que mais facilmente, como afirma Chiozza
(1995)1, digamos do quê e como os pacientes adoecem em lugar de
dizermos pôr que adoecem.
Estamos assinalando aqui importante conseqüência desse sistema, que é
a perda da visão do indivíduo como um todo e o distanciamento entre
médico e doente. Um evento que pode ser considerado como simbólico do
início desse afastamento do médico e de seu paciente foi a invenção do
estetoscópio pôr Laennec em 1819. Esse aparelho de ausculta se interpôs

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entre médico e doente. Daí pôr diante, muito raramente o médico voltou a
encostar seu ouvido no tórax do doente. Melhorou a técnica de coleta de
dados médicos, mas modificou-se o efeito tranquilizador do toque humano,
o que Lewis Thomas descreve como “o mais antigo e eficiente ato
médico”(Locke, 1987)2.
Nessa busca tecnicista do diagnóstico, passou-se a perscrutar mais os
órgãos e a se dar menos atenção ao paciente e à sua história. Aqui,
história entendida não apenas do ponto de vista médico clássico, ou seja,
do ponto de vista de coleta de dados anamnésicos ligados à queixa clínica
e à evolução da doença, mas à história de vida do paciente, com todos os
eventos importantes que possam caracterizar episódios traumáticos, além
de sua maneira peculiar de lidar com os eventos de sua existência. Os
doentes, antes dos progressos do século XX, eram provavelmente mais
ouvidos pôr seus médicos e, talvez, com mais atenção e cuidado. Esses
médicos assinalavam freqüentemente fatores emocionais ligados a perdas

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importantes ou estados de desesperança que ocorriam antes do


aparecimento do câncer.
Ao longo do século XX, a medicina foi convergindo seu foco para a doença
e para o órgão doente em sua profunda intimidade, mas isso levou a
descobertas que obrigaram a uma revisão conceitual no que diz respeito a
admitir a influência de aspectos emocionais na manutenção do binômio
saúde/doença.
Já no fim do século passado, em que era clara a influência cartesiana na
medicina, Freud, em seus Estudos sobre a histeria, propôs um retorno a
uma visão mais integrada do ser. Freud demonstrou que as paralisias
histéricas eram destituídas de um substrato neurológico, não restando
dúvidas de que seus trabalhos apontam na direção de uma visão mais
integrada do homem, mostrando que acontecimentos da esfera psíquica
causavam conseqüências orgânicas.
A questão do adoecer físico entendido como uma quebra da harmonia
entre múltiplas instâncias do ser continuava a preocupar muitos

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pesquisadores. Walter Cannon, fisiologista da Faculdade de Medicina da


Universidade de Harvard, trabalhando nas décadas de 1930 e 1940, tentou
descobrir que elementos mantinham a harmonia do organismo. Ao sistema
de equilíbrio do corpo, Cannon chamou de homeostase. Um dos elementos
que participam de forma importante da homeostase é o sistema
imunológico.
Cabem aqui algumas considerações bastante rápidas a respeito do
funcionamento desse sistema pela importância que hoje se sabe que ele
tem na manutenção da saúde ou no surgimento de muitas doenças, dentre
elas o câncer.
Uma das características do sistema imunológico é o de poder identificar
que proteínas pertencem ao organismo e quais as que são elementos
estranhos a ele e que precisam, portanto, serem eliminadas. O sistema
imunológico é dotado de uma memória bioquímica que o habilita a
distinguir algo em torno de 10 milhões de microorganismos estranhos ao
corpo. Embora experiências in vitro demonstrem que elementos do sistema

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imunológico funcionam autonomamente, uma vez no organismo, mantém


uma estreita relação em outros sistemas, podendo ter seu funcionamento
influenciado pôr alterações emocionais. Os estudos a respeito do sistema
imunológico avançam de forma significativa. Em meados de nosso século,
pôr exemplo, Eldnan e Portes descobriram a estrutura molecular de um
anticorpo e pôr isso receberam o Prêmio Nobel. O conhecimento do
sistema imunológico tem sido um importante na compreensão da
homeostase.
Seguido a tendência cartesiana, o desenvolvimento das pesquisas levou
ao delineamento de uma nova especialidade: a imunologia. Foram
observados novos fenômenos, e os pesquisadores perceberam que havia
uma interação entre o sistema nervoso e o sistema
imunológico. A imunologia passou a ser a neuroimunologia. O
aprofundamento dos estudos indicou uma participação de fenômenos
psíquicos na função imunológica. Estabeleceu-se, então, nova ampliação,
e a neuroimunologia passou a ser a psiconeuroimunologia. Dessa forma,

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através do notável avanço tecnológico e embasado pelo conhecimento


científico atual, houve um reencontro com o pensamento médico que,
desde a antigüidade, foi defendido pôr inúmeros autores e que propunha
uma visão abrangente do homem; que este fosse visto não sob a dicotomia
mente e corpo, mas como um todo mente/corpo (Carvalho, 1994)3.
São muitos os exemplos dessa tendência retomada. Muitos autores,
trabalhando em várias áreas da saúde, têm dado contribuições em
diversas linhas de pensamento. Podemos citar alguns deles. Cannon, nos
idos 1935, afirmava que homeostase era algo mais do que o sistema
nervoso e que as reações bioquímicas funcionavam em harmonia. Esse
autor afirmava que experiências normais da vida, como a puberdade, a
adolescência, trabalhos árduos, fadiga, a monotomia do cotidiano podem
causar impressões físicas no corpo. Ele afirmava que na realidade, toda
gama de doenças humanas pode ser estudada deste ponto de vista.
Nessa mesma época, final dos anos 30, Franz Alexander, em Chicago,
Estados Unidos, afirmava que muitos distúrbios crônicos não são causados

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pôr fatores externos, químicos, mecânicos ou microbiológicos, mas pôr


estresse funcional que atua durante a vida cotidiana do organismo em sua
luta pela existência. Alexander criou uma nova disciplina, a medicina
psicossomática, que assumia a antiga crença de que a mente tem um
importante papel na manutenção da saúde física. Segundo Alexander, a
medicina psicossomática partiu de algumas descobertas como as de
Cannon: muitas das funções orgânicas eram controladas pelo sistema
nervoso central (SNC) e que este recebe a influência de uma instância
central reguladora que, conforme Locke (1986) é chamada de
personalidade.
Pesquisas que vêm sendo desenvolvidas sobretudo a partir da última
década, têm sugerido uma inter-relação entre o SNC e o sistema
imunológico, havendo uma intercomunicação entre estes dois sistemas em
ambos os sentidos, ou seja, do SNC para o sistema imunológico e do
sistema imunológico para o SNC, participando desse processo também
aspectos psicológicos. Vários trabalhos apontam em direção à

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possibilidade de que interações psiconeuroimunológicas podem ser um dos


mecanismos biológicos que sustentam as correlações entre aspectos
psicológicos e o câncer.
Segundo Bovbjerg (1991)4, o SNC pode usar como caminhos para regular
a atividade Os sistema imunológico, dentre outros, a inervação autonômica
do órgãos linfóides, além das clássicas respostas neurotransmissores,
neuropeptícos e hormônios. Foram descobertas também funções
imunomoduladoras de muitos hormônios e neuropeptídeos, como é o caso
dos opiáceos endógenos.
Há evidências de que há vias aferentes entre o sistema imunológico e o
SNC. Em animais, o estímulo do sistema imunológico pôr injeções de
antígenos causa alterações em níveis de neurotransmissores em regiões
localizadas do cérebro. Postula-se que isso ocorre porque os leucócitos
produzem vários hormônios peptídicos, dentre eles o ACTH e encefalinas,
que antes se acreditava ser incumbência exclusiva do sistema
neuroendócrino. Especula-se que uma das funções do sistema imunológico

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seria, então, a de um órgão sensorial que informaria o SNC da presença de


elementos estranhos ao organismo, como vírus e bactérias. Pensa-se que
a regulação dos sistemas fisiológicos é feita através de três estratégias de
controle automático: feedback, feedforward e controle adaptativo.
Um exemplo de feedback nos é fornecido pôr Basedovsy (1991) e
colaboradores, que mostraram que a estimulação de monócitos induz a
secreção de interleucina-1, o que resulta no aumento dos níveis de ACTH,
que, pôr sua vez, aumenta o nível de corticosteróides e que, agora faz com
que se reduzam os níveis de interleucina-1. Exemplos de feedforward têm
sido obtidos através dos estudos clássicos de condicionamento em
animais. Obtiveram-se

aumentos condicionados ou diminuição condicionada de uma grande


variedade de respostas imunológicas através de estímulos ambientais.

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As evidências trazidas pelos sistemas de feedback e feedforward nos


levam a pensar que o SNC regula a atividade do sistema imunológico. Se
assim é, não há como não pensar na possibilidade de que fatores
psicológicos podem exercer efeitos sobre os processos de controle e,
então, alterar o sistema imunológico. De fato, pesquisadores que têm se
debruçado sobre esse assunto mostram claras evidências de que estados
psicológicos como depressão e ansiedade podem alterar o funcionamento
do sistema imunológico.
Sabe-se hoje, portanto, que a medicina não mais descobre causas únicas
para as patologias, como s pensou no final do século passado e até
meados deste século. Tem sido descobertas apenas condições
necessárias mas não suficientes para que a enfermidade adquira seu
aspecto e localização que podem então caracterizá-la naquele momento.
Assim, “o achado de uma causa não nos exime da tarefa de investigar no
terreno dos significados inconscientes, do mesmo modo que o achado de
um motivo psicologicamente compreensível não nos exime da investigação

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das causas eficientes através das quais o transtorno se realiza como uma
transformação de configuração dos órgãos e suas funções. Em lugar de
serem incompatíveis, ambas as interpretações da enfermidade podem ser
contempladas como as duas faces de uma mesma moeda”, conforme nos
afirma Chiozza (1995, p. 16)1. No início de nosso século, surgiram alguns
trabalhos de orientação psicodinâmica, como o de Elida Evans, que em
1926, em seu livro A psycholocal study of cancer (apud Simonton, 1987),
relatou, a partir do acompanhamento de cem pacientes de câncer, ter
percebido que muitos destes haviam, pouco antes do aparecimento da
doença, perdido um ente querido ou uma função social. Evans concluíra
que tais pessoas haviam investido muito na sua identidade em um objeto
ou papel individual ao invés de desenvolver sua própria identidade.
Quando perdiam esse objeto ou função, tais pacientes entravam em
contato com eles mesmos, sem terem recursos internos para isso. Foi a
partir de 1950 que começaram a surgir muitos trabalhos de orientação
psicossomática estudando a estrutura de personalidade dos pacientes com
câncer.

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Esse assunto tem despertado o interesse de muitos pesquisadores mesmo


em áreas estranhas ao referencial psicossomático. À medida que se
sofisticaram as técnicas de pesquisa, os estudos passaram a incluir fatores
de risco e prevenção; a evolução da doença e tratamentos; os estudos dos
doentes que sobreviveram muito tempo e o luto.
Embora o referencial que aqui se propõe seja o da psicossomática, parece
que cabem alguns breves comentários a respeito de alguns estudos
realizados com outros referenciais teóricos, mas que podem nos subsidiar
nesta exposição. Esses estudos identificam fatores de risco psicossocial
para o surgimento do câncer, dentre os quais o estresse, traços de
personalidade e hábitos pessoais.
O conceito de estresse* foi formulado nos anos 20 deste século pôr Hans
Selye, químico de origem austro-húngaro, que trabalhava na Universidade
de McGill, Montreal< Canadá. Selye, trabalhando com animais de
laboratório, percebeu que quando estes eram submetidos a situações
hostis, das quais não podiam se defender, apresentavam diversas

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alterações orgânicas, como o esgotamento de algumas glândulas e


importantes alterações da homeostase. Eram alterações severas quando
analisadas em profundidade, embora nem sempre a aparência dos animais
denunciasse os graves danos havidos. Esse importante achado de Selye
abriu caminho para muitos estudos que permitiram um conhecimento mais
aprofundado dos mecanismos de adoecimento orgânico a partir de
situações psíquicas.

*
O estresse

Derivada da palavra inglesa stress, o termo era originalmente


empregado em física, no sentido de traduzir o grau de deformidade
sofrido pôr um material quando submetido a
um esforço, ou tensão. Em 1936 Hans Selye introduziu a expressão no
jargão médico e biológico, expressando o esforço de adaptação dos

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mamíferos para enfrentar situações que o organismo perceba como


ameaçadoras a sua vida e a seu equilíbrio interior.
Para a adequada compreensão do papel que, ao longo dos próximos
capítulos, se atribuirá ao estresse, às emoções e aos conflitos
psíquicos na gênese das doenças, alguns aspectos fundamentais do
estresse – como originalmente proposto pôr Selye – precisam ser
aqui discutidos.
Em primeiro lugar, cabe lembrar que os seres vivos assim
permanecem – isto é, com vida – enquanto conseguirem manter um
estado de equilíbrio interior chamado pôr Cannon de homeostase.
Segundo tal concepção, qualquer modificação percebida pelo
organismo nesse status quo seria sentida como ameaça a sua vida –
enquanto sistema organizado – e desencadearia toda uma situação de
alarme e preparação para fazer face ao perigo.
À percepção dessa ameaça, o cérebro emitiria ordens para a
mobilização de defesas e o sistema simpático seria ativado, com a

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conseqüente descarga de catecolaminas no sangue. Imagine-se, para


facilitar a compreensão, a situação hipotética de um rato perseguido
pôr um gato.
Ao dar-se conta do perigo, todo o organismo do rato, em resposta à
descarga adrenérgica ordenada pelo cérebro através do simpático,
prepara-se para fazer face à ameaça: o coração “bate” mais rápido e
mais forte, de forma que mais sangue (energia) seja fornecido aos
músculos; a respiração se acelera e, consequentemente, mais
oxigênio é disponível; as pupilas dos olhos se dilatam, e assim o
animal enxerga melhor; os pêlos se eriçam na esperança (vã no caso)
de apresentar aspecto assustador ao inimigo. Todas essas alterações
caracterizam o estresse, ou a tensão a que o organismo do rato está
submetido naquele momento de perigo.
Ocorreu nele o que podemos chamar de “reação geral de alarme”,
aproximadamente similar à azáfama e movimentação que ocorreria
em um quartel, pôr exemplo, se soasse o alarme antiaéreo. Percebam

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que toda a tensão gerada no organismo do animal encontrará um


desaguadouro na utilização de seus músculos, isto é, na realização de
algum tipo de atividade física, visto que o rato: ou fugirá (mais
provável no exemplo dado) ou enfrentará o agressor. Percebam ainda
que, em qualquer das duas hipóteses, ele terá utilizado os músculos
que obedecem a sua vontade: o das patas e das mandíbulas, que são
músculos ditos “estriados” (pôr conter estrias).
Uma das importantes características do estresse é ser uniforme e
inespecífico. Isto é, a preparação do organismo será idêntica para
qualquer tipo de ameaça ou agressão, independente da natureza ou
do grau de perigo que represente.
Na verdade, a ocorrência do estresse não requer necessariamente
que haja perigo real mas apenas uma súbita mudança, ou ameaça de
mudança, no estado de equilíbrio. Desse modo, até uma boa notícia
pode ser causa de estresse.

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No caso dos seres humanos, o processo de estresse é basicamente o


mesmo verificado nos outros animais (inclusive no rato do exemplo),
com duas grandes diferenças: em primeiro lugar, as ameaças do
mundo externo ao “eu” do indivíduo são de múltiplas origens e em
sua percepção há um forte componente subjetivo – isto é, o
componente imaginário, provindo do interior da pessoa, é muito mais
significativo. Em segundo lugar, e não menos importante, a descarga
da tensão gerada pela sensação de perigo ocorre principalmente
sobre a musculatura que não depende de sua vontade: a chamada
musculatura lisa (isto é, sem estrias) que é justamente o tipo de
musculatura responsável pela movimentação do estômago, dos
intestinos, das artérias e do coração. (Neste último, o músculo não é
do tipo liso mas, como nesse tipo, tampouco obedece ao consciente
da pessoa.)
Tal como fizemos no caso do rato, imagine-se a situação de um
empregado que recebe, ou está em via de receber, uma violenta

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“bronca” do patrão. Seu organismo fica sob tensão e se prepara, da


mesma forma que ocorre com o rato do exemplo anterior, para
enfrentar a situação que vê e sente como ameaçadora e perigosa. Ou
seja, todo o seu corpo se apresta para duas reações naturais de
qualquer animal diante do perigo: agressão ou fuga.
A grande diferença é que esse empregado não sairá correndo, nem
agredirá fisicamente (salvo uma ou outra exceção) seu patrão, a
despeito do enorme desejo de fazê-lo. A conseqüência consistirá em
que venham a sofrer essa descarga – ou, em outras palavras,
funcionem como “órgãos de choque” – justamente aqueles órgãos
acima citados: estômago, intestinos, artérias, coração ,etc. Com a
repetição desse mecanismo ao longo da vida (nas mais diversas
situações) a pessoa adquirirá gastrite, úlcera, mau funcionamento do
intestino, “pressão alta” e infarto do miocárdio. Nas artérias – vasos
sangüíneos que conduzem o sangue rico em oxigênio do coração
para o resto do corpo, ao contrário das veias, que trazem sangue com

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pouco oxigênio do corpo para o coração - ,também regidas pôr


musculatura lisa, a constante tensão gerada pela ação das
catecolaminas acabará pôr “ferir” sua parede interna, possibilitando o
depósito de placas de gordura (chamadas ateromas) que finalmente
as obstruirão.
O potencial nocivo, ou causador de doenças, criado pelas situações
estressantes dependerá do tipo e da intensidade do estresse mas,
provavelmente, dependerá sobretudo de sua repetição e duração ao
longo da vida e da forma como cada um lida com ele.
Quanto ao tipo, pode-se didaticamente agrupar as fontes de estresse
nos três “compartimentos” em que se insere a vida de uma pessoa,
embora evidentemente as coisas não sejam tão simples e não se
passem como se tratássemos de divisões estanques. Esses
compartimentos são: a família, o trabalho e o ambiente em que vive a
pessoa. O último caso corresponde ao chamado estresse “social” ou
“ambiental”, no qual se incluíram os problemas com vizinhos, com o

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vendedor ou profissional que lhe presta serviços, as discussões no


trânsito, etc. Incluem-se ainda no estresse ambiental a sensação de
insegurança física vigente em nossas cidades e até as incertezas na
área da instável economia do país.
As situações estressantes relacionadas à família e ao trabalho são as
mais graves, não só pela natureza e multiplicidade das facetas que
encerram, mas principalmente pôr configurar, na maioria das vezes,
uma fonte permanente de tensão ao longo da vida. Ou seja,
configuram situações de estresse crônico e duradouro. Convidamos o
leitor a dar uma olhada na escala de Holmes-Rahe (Tabela 1), que se
propõe a “medir” o estresse gerado pôr diversos acontecimentos da
vida. Notem a freqüência com que comparecem e a elevada
pontuação que merecem os acontecimentos, bons e/ou maus,
relacionados à família e ao trabalho.
Segundo os autores da tabela, quem, nos últimos12 (ou, para outros,
24) meses, somar mais de 300 pontos, terá 79% de chances de

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contrair alguma doença grave em breve. Se a pontuação se situar


entre 151 e 299, tais chances são de 51%; abaixo de 151, as chances
de adoecer gravemente seriam pequenas. É óbvio que saúde não é
matemática, e o estresse não pode ser “medido” nem quantificado de
forma precisa. Sendo assim, essa escala, genérica como é, tem
utilidade apenas como um referencial e tem origem na verdadeira
compulsão de nossa sociedade moderna a tudo quantificar e traduzir
em números.

No que diz respeito ao câncer, os estudos em animais têm se mostrado


contraditórios. Há, no entanto, um dado que parece se confirmar. Estresse
em animais provavelmente influem no crescimento de tumores, mas não no
surgimento do câncer. Com relação às
pesquisas feitas com animais, interessantes estudos realizados em ratos
revelaram que os sujeitos do experimento que podiam controlar os
choques elétricos aos quais eram submetidos não desenvolveram os

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tumores que lhes tinham sido inoculados. Aqueles animais que, em função
de dispositivos da experiência, não podiam controlar os choques, entravam
em estado de desespero seguido de prostração, tendo aumentado o
crescimento dos tumores. Esse experimento deu origem ao “modelo de
desamparo”. Transposto para a espécie humana, o desamparo é
considerado pôr alguns autores como um dos elementos que pode
influenciar o desenvolvimento do câncer. A habilidade do indivíduo em lidar
com o estresse parece ser de importância nesse modelo. Assim, os
aspectos subjetivos de um determinado estressor para um determinado
indivíduo passam a ser mais importantes do que os aspectos objetivos do
estresse.
Trabalhos de psicanalistas preocupados com o doente somático e de
psicossomatistas que vêm trabalhando sob a ótica psicanalítica
proporcionam maior compreensão psicodinâmica dos processos
inconscientes envolvidos no adoecimento físico. Vamos comentar alguns
aspectos da visão de psicanalistas como Joyce McDougall5 ou

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psicossomatistas como Pierre Marty6, que, a partir dos trabalhos de


Alexander, acrescentaram conhecimentos clareadores a essas áreas,
facilitando a compreensão desses pacientes e o estabelecimento de
estratégias de abordagem dos mesmos.
Marty (1988)6 afirma que o homem é psicossomático pôr definição.
Confirma com essa sua declaração o que foi sendo delineado, desde os
autores da antigüidade: a existência da indissolúvel unidade mente/corpo.
Pensa também que a divisão mente e corpo pode ser construir num
problema, já que dificulta a compreensão do que ocorre com o homem de
uma forma mais integrada. Ele propõe também que se considerem os
movimentos psíquicos e somáticos, bem como as relações entre esses
movimentos. As observações de pacientes e reflexões a respeito do
observado permitiram que fossem se descortinando aspectos do
funcionamento inconsciente e da repercussão desse funcionamento sobre
a esfera orgânica. Dentre as várias afecções que têm sido estudadas pelos
autores da escola de Marty está o câncer. Para maior compreensão desses

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estudos, parece-nos necessário passar em revista alguns conceitos


básicos desenvolvidos pôr aqueles autores.
Tais pesquisadores trabalharam baseados na hipótese de que os pacientes
psicossomáticos apresentam uma construção incompleta ou um
funcionamento atípico do aparelho psíquico, construção ou funcionamento
que eram diferentes dos chamados neuróticos mentais. É a partir do
processo de mentalização que se desenvolvem os distúrbios de
funcionamento do aparelho psíquico. O conceito de mentalização foi
desenvolvido pela escola de Marty entre 1970 e 1975 e tomou a primeira
tópica de Freud como base. É em sua primeira tópica que Freud
conceitualizou o pré consciente, instância em que se manifestam as
representações e as articulações que estas mantêm entre si.
As representações começam a se formar a partir da relação que o bebê
tem com sua mãe. Posteriormente, as representações vão organizar a
relação que o indivíduo tem com o mundo e, mais adiante vão permitir a

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relação do indivíduo consigo mesmo pôr meio de um processo reflexivo


que permite que se estabeleça o contato com o seu mundo interno.
Muitos são os autores que têm assinalado que os pacientes com câncer
têm dificuldade em expressar suas emoções, principalmente aquelas
agressivas e hostis. Temos observado no trabalho com esses pacientes
que grande parte chega mesmo a desconhecer essas emoções. São
pessoas que não têm acesso a seu mundo interno, não identificam
sentimentos e emoções e, como conseqüência, não conseguem também
nomeá-los. A esse fenômeno, psicossomatistas de Boston deram o nome
de alexitimia, expressão vinda do grego ( a= sem; lexis= palavra; thymos=
coração, afetividade). Ainda com referência a essa questão, podemos
observar em muitos pacientes de câncer que, quando perguntados a
respeito do que sentem, usam o nome de outro sentimento que não aquele
que realmente sua linguagem corporal,
aliada ao desencadeante da situação, mostra ser o sentimento verdadeiro.
As representações, evocações das primeiras percepções do bebê, são

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acompanhadas de sensações essas que dão uma tonalidade afetiva


própria às representações.
A relação mãe/criança é de importância capital na formação do mundo
simbólico da criança. A mãe que tem um bom relacionamento com seu
bebê vai ajudá-lo a caminhar no processo de estruturação de seu
psiquismo, no qual começa a diferenciar seu próprio corpo do corpo
materno. O início da vida psíquica tem como característica experiências de
fusão e como tal as fantasias pôr parte do bebê de que há um corpo único
(e podemos pensar que também um único psiquismo). Mãe e bebê seriam
vivenciados como sendo um único ser e, portanto, indivisível.
McDougall (1991)5 afirma: “o prolongamento imaginário dessa experiência
vai não somente representar um papel essencial na vida psíquica do
recém-nascido, mas também reger seu funcionamento somato-psíquico.
Tudo aquilo que ameaça destruir a ilusão da indistinção entre o próprio
corpo e o corpo materno lança o bebê numa busca desesperada de
reencontrar o paraíso perdido intra-uterino. Assim, os gritos do bebê e seus

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sinais de sofrimento impelem a mãe a responder intuitivamente a essa


demanda urgente, trazendo um alívio ao seu lactente e recriando essa
ilusão do Um: ela emprega o seu calor, o ritmo, a proximidade protetora do
seu corpo e a música de sua voz para conseguir isso. Pôr sua capacidade
de manter essa ilusão, ela proporciona ao seu bebê a possibilidade de
integrar uma imagem interior essencial do ambiente maternal, que tem pôr
conseqüência o reconforto ou a simples possibilidade de se entregar
tranqüilamente ao sono”.
A boa relação mãe/filho, que leva também em conta a necessidade que o
bebê tem que se separar, vai ajudá-lo a estabelecer uma diferenciação
progressiva na estruturação do seu psiquismo, de forma que comece a
distinguir aquilo que é de seu próprio corpo daquilo que é sua primeira
representação do mundo externo, oriunda da experiência funcional com a
mãe. Ao mesmo tempo que isso ocorre, começa também a se estabelecer
na mente da criança a diferenciação entre o que é psíquico e o que é
somático. E é nesse constante movimento de fusão e separação, com

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novos instantes de fusão sempre que houver situações de sofrimento


seguidas novamente de separação, que o bebê vai estabelecendo seu
mundo de representações.
É nessa fase que a criança investe em alguns objetos a função de
substituir ilusoriamente a mãe (uma fralda, um paninho e, um pouco mais
tarde, o ursinho), podendo, com isso, estar tranqüila. Um pouco mais
adiante, começa a surgir a possibilidade da linguagem, quando então ela
passa a dar nomes aos objetos; geralmente, a primeira palavra a ser
balbuciada é “mãe”, evocando então, afetivamente, tudo o que ela
representa como proteção, agora mesmo na sua ausência. Nessa fase do
desenvolvimento do bebê, estabele-se as representações da coisas que
são oriundas das experiências sensório-perceptivas. As representações de
coisas são pouco mobilizáveis pelo aparelho psíquico e não participam de
forma significativa do processo de associação de idéias.
As representações de palavras, estas sim, constituem o elemento
fundamental das associações de idéias. A representação de palavras tem

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origem na percepção que a criança tem a linguagem dos outros. No início,


a representação de palavras é semelhante à representação de coisa, mas,
ao longo do desenvolvimento do indivíduo, vai mudando de qualidade,
adquirindo significados mais elaborados e permitindo que se instale a
comunicação simbólica.
Se, em decorrência de alguma vicissitude no desenvolvimento da criança,
houver uma perturbação desse processo, ficará comprometida sua
capacidade de “integrar e reconhecer, como seus, o seu corpo, os seus
pensamentos e seus afetos” (McDougall, 1991, p. 36) 5. A vicissitude pode
estar ligada a aspectos da mãe. Sendo esta, pôr exemplo, possuidora de
pensamentos carregados de afetos penosos e intoleráveis, estes podem
fazer com que seu filho tenha pensamentos proibidos ou mesmo fortuitos.
Mães com dificuldade de aceitar os
movimentos de separação de seus bebês podem dificultar também o
desenvolvimento das representações. Há outros caminhos que podem
também levar a perturbações das representações, como crianças com

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maior sensibilidade: mães com problemas que façam com que se rompa a
comunicação entre ela e seu bebê, quando ela deixa de perceber o que o
bebê lhe comunica e aí impõe a ele suas próprias idéias e desejos; mães
que não conseguem proteger seus bebês de superestimulação traumática
ou os submetem a uma sub-estimulação podem levá-los a não ser capazes
de distinguir as representações de si das do outro e, como decorrência,
leva a uma confusão em relação aos contornos de seu corpo.
Segundo Marty (1988)6, um indivíduo que tenha tido a oportunidade de
passar pôr um longo amadurecimento de seu aparelho psíquico e que,
além de usar mecanismos de defesa como condensações e
deslocamentos, é capaz de mobilizar representações pré - conscientes nos
vários níveis de desenvolvimento de forma que possa elaborar os lutos e
que, quando em regressões, se fixa em fases que situam à frente do
narcisismo primário, tem toda a chance de superar os efeitos
desorganizadores dos traumatismos antes que eles atinjam a esfera
somática.

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Se o desenvolvimento do psiquismo não se cumpre plenamente, podemos


ter a preponderância das características sensório - motoras, o que daria
um aspecto operatório ao psiquismo. A partir dessa observação, foi
definida pela escola de Marty o conceito de “pensamento operatório”, que
tem como características ser consciente e não ter ligações significativas
com movimentos representativos. O pensamento operatório nem sempre
permite a exteriorização da agressividade e revela empobrecimento na
organização do ego.
O pensamento operatório limita a capacidade do indivíduo de manter
atividades fantasmáticas e oníricas que permitam a integração de tensões
pulsionais. Sabe-se que as tensões pulsionais, quando não podem ser
integradas e, portanto, elaboradas, acabam pôr construir um fator
importante na desorganização somática, contribuindo para o adoecimento
físico.
Outros conceitos também foram desenvolvidos pela escola de Marty como
o de “depressão essencial” e o de “desorganização progressiva”.

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Depressão essencial foi um termo criado em 1966 para designar a


depressão psicossomática. Esta se caracteriza pôr um “rebaixamento do
tônus libidinal sem qualquer contrapartida econômica positiva” (Marty, 1993
p. 19)7. A depressão essencial tem a sua sintomatologia caracterizada pela
falta. A dinâmica mental está amplamente diminuída, não apresentando o
quadro colorido das outras depressões. Marty (1993) afirma que “sem a
contrapartida libidinal, portanto, como a desorganização e a fragmentação
ultrapassam sem dúvida o domínio mental, o fenômeno é comparável ao
da morte, onde a energia mental se perde sem compensação (...) sem
dúvida leva mais certamente à morte. O instinto de morte é o senhor da
depressão essencial. O tempo passado na depressão é cada vez mais
nefasto aos sujeitos. A depressão essencial é um indicador da
desorganização em que se encontra o indivíduo quando todas as suas
defesas mentais já sucumbiram. Ela constitui um importante sinal de
alarme que alerta para o alto risco de adoecimento físico e tem várias
características próprias que facilitam o diagnóstico diferencial com outras
depressões. Como já foi mencionado acima, é uma depressão que não

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apresenta o forte colorido das outras depressões, sendo, portanto, pouco


intensa. Diferentemente dos estados de luto, nela estão ausentes os
sentimentos de falta. Não aparecem rememorações ou saudades. Estão
ausentes os sentimentos de auto-acusação como na depressão
melancólica e também os de inferioridade e fraqueza. Há perda dos
interesses habituais, há perda dos projetos de futuro e o comportamento
fica automatizado. Ela pode ser breve e seguida de uma doença pouco
grave. Se a depressão essencial se prolonga, pode atingir severamente o
corpo. Geralmente, está presente também uma alteração de qualidade da
linguagem, que fica mais pobre, com perdas de metáforas, de imagens, de
criatividade. A linguagem, além de passar a apresentar um conteúdo mais
concreto, apresenta também uma
fala mais fatual e atual. O discurso passa a ter pobremente descritivo,
desvitalizado e preso à cronologia dos fatos. Os sonhos freqüentemente
estão ausentes, podendo aparecer, no entanto, de forma também
empobrecida e pouco elaborada.

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Outro conceito importante desenvolvido pela escola de Marty é o de


“desorganização progressiva”, que é definida como a destruição da
organização libidinal de um indivíduo; o movimento de desorganização,
assim progressiva, geralmente desemboca numa somatização. A
regressão que se fixa em algumas das fases do desenvolvimento permite
uma reorganização do indivíduo. Qualquer das fases a que se fixe o
indivíduo no processo de regressão age como um patamar de organização
e, quando isso ocorre, estabelece-se um elemento auxiliar de cura.
É ainda Marty (1993) quem afirma que as representações podem sofrer
perturbações que dizem respeito à qualidade e à qualidade, segundo os
indivíduos e segundo o momento de vida em que se encontra determinada
pessoa. Dessa forma, pode parecer que as representações estão
ausentes, reduzidas em sua quantidade. É como se as experiências
sensório-perceptivas não tenham resultado na formação de
representações. Podem também estar prejudicadas em sua qualidade, ou
seja, as representações de palavras não se desenvolveram de forma a

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ampliar o seu valor simbólico. Mantém-se uma pobreza de significados,


bem como da capacidade associativa do indivíduo. Essas pessoas
caracterizam-se pela ação, dada a limitação da capacidade de pensar. A
partir dessa característica, Marty (1993) conceituou o que chama de
“neurose malmentalizada”.
Marty (1990)8 considera também mais duas categorias: as “neuroses bem -
mentalizadas” e as “neuroses de mentalização incerta”. A primeira ocorre
em indivíduos que passaram pôr um processo de boa mentalização, sendo
possuidores de grande qualidade de representações, com boa articulações
entre elas, e, ao longo do processo de desenvolvimento, foram sendo
gradualmente enriquecidas de valores afetivos e simbólicos. Elas
apresentam diferenças em relação às neuroses mentais descritas pôr
Freud, já que têm sintomatologia “menos organizada e menos constante,
mostrando-se polimorfa, associando-se aos sintomas mentais, traços de
caráter e traços de comportamento. A Segunda categoria, a das neuroses

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de mentalização e outros momentos de má mentalização, com todos os


aspectos que esta categoria apresenta.
As deficiências do sistema de representação do indivíduo trazem como
conseqüência a dificuldade de escoamento adequado das excitações
instintivas e pulsionais, sendo essa insuficiência de escoamento a
responsável pelas somatizações, segundo já mencionado anteriormente.
As afirmações de Marty e colaboradores são concordantes com a de
muitos outros autores, desde a antigüidade até nossos dias. De acordo
com Marty (1990)8, mais do que as perdas em si (perda de entes queridos,
perda de liberdade, de ilusões ou de projetos, e também perdas de funções
em que haja um investimento afetivo e mesmo em virtude do
envelhecimento), a maneira pela qual o indivíduo lida com elas pode ter
efeito destruidor. Marty (1990)8 ainda acrescenta que, “quando as
excitações pós - traumáticas se mostram importantes e que, pôr outro lado,
o sistema de representações mostrar-se indispensável assistimos

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freqüentemente à eclosão de afecções evolutivas graves: canceres e


doenças auto-imunes, pôr exemplo”
Pesquisa desenvolvida pôr estudiosos franceses (Jasmin et al., 1990)9
tenta estabelecer evidências de que há ligação entre fatores psicológicos e
o risco de câncer de mama. Esses pesquisadores usaram método duplo –
cego e pesquisaram 77 mulheres com idade entre 35 e 65 anos. Foi um
estudo restrito a tumores de mama que, suspeita-se, tenha sua etiologia e
seu desenvolvimento influenciados pôr hormônios cuja regulação, pôr sua
vez, é afetada pôr fatores psicológicos.
Todas as pacientes da pesquisa eram portadoras de algum tumor de
mama, sem que fosse levado em conta, num primeiro momento, o
diagnóstico de malignidade.Todas as que permaneceram na pesquisa
foram submetidas previamente a uma avaliação psicossomática pôr meio
de uma entrevista adequada.
A avaliação psicossomática feita durante a entrevista levou em conta a
estrutura mental fundamental de cada paciente, seu funcionamento mental

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habitual, a sintomatologia recente e demais dados anamnésicos. Os


psicossomatistas que entrevistaram as pacientes distribuíram-nas em dois
grupos: um de alto risco de câncer de mama e outro de baixo risco.Só
então essas pacientes foram submetidas à mamografia e a exames
citológicos e a todos os dados submetidos a estudo estatístico adequado.
Marty e colaboradores estabeleceram uma correlação positiva significativa
entre risco de câncer de mama e prognóstico psicossomático. A pesquisa
revelou também que nenhuma das mulheres com quadro de neurose bem-
mentalizada teve diagnóstico de malignidade, diferentemente do grupo com
diagnóstico de neurose malmentalizada, no qual estavam todos os casos
diagnosticados de câncer de mama.
Dentre as características mentais pesquisadas, as que se mostraram
estatisticamente importantes como elementos de risco relativo para câncer
de mama eram angústia difusa, excessiva auto-estima, lutos antigos ou
recentes não resolvidos.

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Nas neuroses malmentalizadas ou nas neuroses de mentalização incerta, o


déficit funcional do pré-consciente dificulta a elaboração dos afetos do
psiquismo, criando a possibilidade de uma depressão essencial que pode
caminhar para uma desorganização progressiva do psiquismo e, se o
processo continuar, pode evoluir para uma desorganização somática com o
conseqüente
Surgimento de uma doença física, como pôr exemplo, o câncer.
Embora tenhamos apresentado aqui alguns comentários sobre o
adoecimento de câncer, em parte já apresentados em outro lugar
(Carvalho, 1994)3, tendo pôr base os autores do Instituto de
Psicossomática de Paris, não podemos deixar de referir que muitos outros
autores têm abordado o mesmo tema de diversos pontos de vista.

1 - Chiozza, L.A Un lugar para el encuentro entre medicina y


psicoanálisis.

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Buenos Aires, Alianza, 1995.


2 - Locke, S.; Colligan, D. The healer within. Nova York, 1987.
3 - Carvalho, V.A Personalidade e Câncer. In: Carvalho, M.M.M.J.,
(org.)
Introdução à psiconcologia. Campinas, Editorial Psy, 1994.
4 - Bovbjerg, D. H. Psychoneuroimunology implications for oncology.
Cancer,
67(Suppl.): 828-32, 1991.
5 – Mac Dougall, J. Teatros do corpo: o psicossoma em psicanálise.
São Paulo
Martins Fontes, 1991
6 – Marty, P. Disposition mentales de la première enfance et ancers de
l’age

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adulte. In: Seminário de psicossomática, Barcelona, Espanha, 11


jun. 1988
7 – Marty, P. A psicossomática do adulto, São Paulo, Artes Médicas,
1993
8 – Marty, P. A noção da mentalização, seu interesse em
psicossomática. Sabor,
Iugoslávia, 1990. [Palestra].
9 – Jasmin,C.; LÊ, M. G.; Marty, P.; Herzberg, R. Evidence for a link
between certain
psychological factors and the risk of breast cancer in a case
control study. Ann.
Oncol., 1990

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Bibliografia : CARVALHO, Vicente Augusto


PSICOSSOMA I – Psicossomática Psicanalítica – Casa do Psicólogo, 1997
Artigo apresentado no “I Simpósio de Psicanálise e Psicossomática”

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OS DISTÚRBIOS PSICOSSOMÁTICOS A PARTIR DE FREUD

Quando nos decidimos a dar atenção primordial ao que se passa com uma
pessoa na esfera da psique, o enigma que constitui o aparecimento
inopinado de distúrbios somáticos no mesmo indivíduo pode acarretar no
observador diferentes atitudes. Uma delas consistiria em dizer que se trata
de manifestações não pertencentes à sua alçada, e portando sem
interesse para si, podendo ser compreendida como um procedimento
bastante coerente do ponto de vista científico e, nessa perspectiva, uma
outra consistente no procedimento inverso, voltado para a compreensão e
até para a redução dos sintomas somáticos. Estes poderiam apresentar-se
talvez marcados pela fantasia de onipotência, na qual o controle – mesmo
relativo – do que se desenrola no cenário mental deveria ser acompanhado
pôr igual controle, no que concerne às manifestações na esfera corporal, aí
incluindo-se, pois, o aparecimento das doenças.

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Sem dúvida, poderíamos considerar que o reconhecimento de sintomas


ditos “psicossomáticos” atestam uma espécie de compromisso mais ou
menos extenso, conforme o caso, visando delimitar uma zona em que as
interações entre psique e soma poderiam chegar a quadros
sintomatológicos complexos, dando lugar a afecções somáticas precisas.
Parece que, de certo modo, é a esse tipo de compromisso que chegou o
ramo especializado da medicina, constituído pela psicossomática.
Entretanto, se nesse campo nos reportamos às posições de Freud,
chegaremos a uma constatação aparentemente muito distante de qualquer
forma de compromisso. Lembremos, com efeito, que foi num texto de 1895
que Freud deu ênfase ao que se chamarão distúrbios somáticos, opacos,
destituídos de significado, ligados a uma neurose atual ou uma neurose
traumática, e sintomas psiconeuróticos de tipo histérico (dos quais a
paralisia histérica constituirá um dos melhores exemplos) e que,
originando-se em uma neurose mental, são mantidos como tais somente
pela força do recalcamento. Eles irão desaparecer, pois, como que

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magicamente quando o sentido oculto for revelado pelo extinção daquele


mecanismo de defesa. Trata-se aí de uma distinção capital no que diz
respeito à natureza do sintoma somático, se poderia dizer, que ligado ao
recalcamento, em outro caso, e submetido à aparente magia de uma
interpretação correta.
O fato dessa distinção ter sido, de certa forma, esquecida pelos discípulos
de Freud enquanto este ainda era vivo se explicaria em grande parte pela
coexistência possível nos indivíduos humanos de uma sintomatologia
histérica de valor conversivo, que se aliaria a distúrbios somáticos mais ou
menos transitórios ou instalados de acordo com a época da vida. É o que
transparece do exame do caso de “Dora” tratado pôr Freud e publicado em
1905 nas Cinco psicanálises (p.8)1, com o subtítulo “Fragmento de uma
análise de histeria”. Caso retomado pôr P. Marty, M. de M’Uzan e Ch.
David em 19672 no programa do Simpósio de Psicossomática intitulado “O
caso Dora e o ponto de vista psicossomático”. De fato, verifica-se – pelos
vários sintomas somáticos apresentados pôr Dora – que enquanto certos

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distúrbios se mostram indiscutivelmente ligados a uma conversão histérica


(tosse, crises de afonia), outros (enxaqueca, astenia) pareceriam mais
puramente somáticos, não sendo mantidos pela força do recalcamento.
Isso leva os autores a falar da “existência de uma polissintomatologia em
Dora” indicando “uma multiplicidade de mecanismos etiopatogênicos:
fatores puramente orgânicos, mecanismos próprios das neuroses atuais,
identificações histéricas e alérgicas...”

Em resumo, esse polimorfismo, possível de confirmar com base nos


distúrbios somáticos, em certos sujeitos seria responsável pôr uma parte
das extrapolações abusivas feitas pôr certos psicanalistas, a despeito das
posições prudentes de Freud.
No que lhe diz respeito, - lembremos que, excetuando os trabalhos sobre
as neuroses atuais, - Freud centrou-se exclusivamente nos processos
psíquicos, deixando de lado os distúrbios somáticos propriamente ditos,
quando não lhe pareciam entrar no quadro da conversão histérica, e isto

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apesar de ter feito intervir fatores explicativos de natureza especulativa tais


como: complacência somática, diferenças quantitativas de libido herdadas,
fatores ligados à constituição ou à predisposição. Entretanto, a noção de
sintoma somático opaco, destituído de significado, nunca abandonou Freud
ao longo de seus trabalhos. Citamos como exemplo o que diz sobre o
assunto em 1916 na conferência n.º 24 “O nervosismo comum” em A
introdução à psicanálise3:

“Os Sintomas das neuroses atuais, cabeça pesada, sensações


dolorosas, irritação de um órgão, enfraquecimento ou interrupção de uma
função, não têm nenhum “sentido”, nenhum significado psíquico. Esses
sintomas são corporais, não apenas em suas manifestações(é o caso dos
sintomas histéricos, pôr exemplo), mas também quanto aos processos que
os produzem e que se desenvolvem sem a menor participação de qualquer
dos mecanismos psíquicos complicados conhecidos pôr nós” .

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Entre os discípulos de Freud, Paul Federn foi o primeiro, em 1913, a se


interessar pelos sintomas somáticos, tendo apresentado uma comunicação
á Sociedade Psicanalítica de Viena sobre um paciente asmático. Em
seguida Groddeck (1923)4 a tomar uma posição de certo modo extrema ao
escrever:

“A doença do coração nos fala de amor e de sua repressão, a úlcera


péptica decorre do que está no fundo da alma (pois foi no ventre que o id
colocou a alma), o câncer do útero evoca os pecados contra os deveres da
maternidade e da devassidão arrependida, assim como a sífilis os pecados
de uma moral sexual rígida... É o id que resolve se os ossos vão se
quebrar quando alguém cai”.

É fácil compreender que diante de tais asserções, marcadas pela


onipotência do inconsciente, as reações do mundo médico tenham sido

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extremamente negativas, tanto mais que os resultados terapêuticos obtidos


pelos psicanalistas que subscreviam a essas teses não eram, e nem de
longe, puramente negativos. Os trabalhos de Angel Garma (1957), na
Argentina de fato parecem inserir-se nessa linhagem, com a utilização de
interpretações de tipo Kleiniano, visando diretamente a sintomatologia
somática que é então tratada como se fosse uma sintomatologia mental.
O fato de tais interpretações poderem propiciar uma melhora, e até a
sedação do distúrbio somático – com Garma tratava-se principalmente de
uma patologia de úlcera gástrica – parece-nos que possa ser
compreendido de outra maneira do que como conseqüência de uma
interpretação considerada pertinente. De fato, não é a construção
interpretativa que se propõe ao paciente relacionado à gênese ou à
evolução somática de seu sintoma que nos parece conduzir de maneira
direta ao desaparecido do sintoma conversivo histérico, mas muito mais as
modificações que se produzirão na economia psicossomática geral do
paciente, através de caminhos complexos, em função da atenção global de

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que é objeto ao longo do tratamento psicoterápico, sendo a interpretação


mágica, afinal, apenas um dos elementos de um conjunto de inúmeros
variáveis.

De resto, a ampliação extremada das interpretações psicanalíticas de um


lugar em que são cabíveis para outro onde não o são, levará Franz
Alexander a uma crítica procedente e fecunda. Assim, escreve:

“A extensão da teoria da conversão histérica a todas as reações


psicossomáticas foi um exemplo típico de erro produzido freqüentemente
na história das ciências: a da aplicação acrítica de conceitos de um campo
onde são válidas a um outro não o são”.

Alexander e seus colaboradores descreveram a existência de “tipos


específicos de conflitos” (specific patterns o conflitcts) que estariam na
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origem de certo número de afecções somáticas como as úlceras


duodenais, colites, hipertensão, asma brônquica, dermites de origem
nervosa, artrite reumatóide, hipertiroidial. Para que o distúrbio
psicossomático apareça, é preciso que se reuna um tríplice conjunto de
fatores:

 um tipo específico de conflito;


 uma predisposição especial do corpo do sujeito chamada fator somática
X;
 uma situação atual de conflito;

É afirmar uma concepção totalmente dinâmica quando ao que preside à


instauração de um distúrbio somático, pois a noção de conflito está em
primeiro plano; mas é dizer também que a noção de “terreno” ou

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complacência somático – para conservar a expressão de Freud, aí


intervém igualmente. O aspecto de certa forma dúplice que toma aqui a
noção de conflito parece particularmente interessante: à situação de
conflito atual (na qual podemos observar uma espécie de referência à
noção de neurose atual de Freud) se junta a de sensibilidade própria, a
predisposição somática e a reativação ou a sobrecarga da situação atual
de vida, que irá nascer a doença somática. A insistência de Alexander em
reconhecer a importância das diferenças individuais é expressa no que
escreve:

“Pode ser estabelecido com certeza que a importância dos fatores


emocionais varia de caso para caso dentro da mesma categoria
diagnostica. Em conseqüência, o procedimento terapêutico pode ser
também altamente individual, a maioria dos casos requer uma
coordenação judiciosa dos diferentes métodos somáticos e
psicoterapêuticos”.

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A focalização sobre a especificidade individual de cada caso é combatida


pôr Flanders dunbar, aluna e antiga analisanda de Alexander, a qual passa
a descrever perfis psicológicos (personnality profils), que estariam
associados a um tipo especial de doença somática: doenças cardíacas,
úlcera, alergia, diabete, tuberculose, câncer, etc.

Perfis psicológicos associados a um tipo especial de doença


somática, um tema:
Referencial dos diabéticos

- Hereditariedade;
- Estado de saúde anterior;
- Vida familiar;
- Atitudes fora de casa;

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- Comportamento individual;
- Reação à doença;

“Há uma grande proporção de crianças ‘problemáticas’ entre os diabéticos


e um ciúme acirrado em relação a irmãos e irmãs.”

E ainda:

“Um número surpreendente desses pacientes fala de divórcio e separação


sem jamais passar a vias de fato. Sua freqüente repulsa ao ato sexual faz
com que muitos homens permaneçam solteiros e que os casados tenham
poucos filhos. As mulheres. Muitas vezes frígidas, se queixam com
freqüência de serem excessivamente solicitadas ao sexo pelos marido.”

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Na rubrica comportamento individual, observava-se:

“Em geral pouco precavidos quanto à saúde, acusam os outros pôr seus
possíveis distúrbios. Têm tendência a evitar os esporte competitivos e a
procurar um trabalho em que esperam não encontrar demasiada
competição. Diferem e adiam decisões procurando eximir-se de
responsabilidade para com os outros se isso acarretar conseqüências
nefastas.”

Se não nos parece útil multiplicar os exemplos nem dar pôr extenso as
páginas que tratam do perfil psicológico dos diabéticos, é porque essa
abordagem de tipo fenomenológico globalizante (mas que não é destituída
de referências à moral puritana anglo-saxônica da época) só nos parece
suscitar no leitor sentimentos ambivalentes. Estes nos parecem ter apenas
como equivalente a própria ambivalência do autor que, entregando-se a

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vastas generalizações, exprime uma ressalva, ao insistir no fato de que


não se enquadram as pessoas tomadas individualmente! Os exemplos
clínicos parecem passíveis de suscitar a mesma reserva, se bem que
Flanders Dunbar seja capaz de sensibilidade e precisão em suas
observações.
Com G. Engel e seus colaboradores (1955- 1960), a ênfase é posta na
noção de perda do objeto ( real ou imaginária ) e nos sentimentos de perda
da ajuda e da esperança, que a acompanham como elementos
desencadeantes da doença. É o que a língua inglesa pode exprimir em
uma síntese surpreendente pôr meio da dupla expressão: giving up/given
up e helplesness/hopelessness.
Essa abordagem encontrou confirmação nos trabalhos estatísticos feitos
nos Estados Unidos, os quais revelam um aumento significativo da taxa de
mortalidade no ambiente próximo de um sujeito, no ano seguinte ao de seu
falecimento.

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A. Mitscherlich (1965) desenvolve, pôr sua vez, a teoria de uma defesa


bifásica: as perturbações psicossomáticas aparecem quando os pacientes
portadores de distúrbios neuróticos não são mais capazes de enfrentar
uma perda de objeto, real ou imaginária, utilizando mecanismos de defesa
neuróticos. È a teoria da ressomatização dos afetos elaborada pôr Max
Schur (1955).
Em suma, para esses autores que, desde Alexander, constituem uma fase
mais científica de trabalhos feitos pôr psicanalistas a propósito de
pacientes com distúrbios somáticos, parece que esses distúrbios sejam
compreensíveis a partir do mesmo modelo que rege o conflito
intrapsíquico, podendo os doentes psicossomáticos parecer, via de regra,
portadores de neuroses particularmente severas.
Nesse caso, estaríamos tomando – se bem que de forma diferente – a
perspectiva antiga especialmente defendida pôr J. C. Heinroth, primeiro ao
introduzir, em 1818, a expressão “psicossomática” para designar os
distúrbios somáticos nos quais a origem psíquimica seria determinante.

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Perspectiva que foi rapidamente combatida pôr F. Jacobi com o termo


“somato-psíquico”, buscando pôr a ênfase na origem puramente somática
dos distúrbios, os quais podiam acarretar, mas apenas secundariamente,
repercussões psíquicas.
Aparentemente essa dupla abordagem pode ainda ser válida para
numerosos psiquiatras e psicanalistas contemporâneos, como atestam A.
Haynal e W. Pasini no recente Abregé de
médicine psychoso-matique no qual descrevem “as reações somato-
psíquicas” ligadas às repercussões de distúrbios somáticos crônicos sobre
a organização psíquica dos doentes, falando também de “doença
multifatorial com somatização dos problemas psíquicos, como no caso das
doenças somáticas mais importantes.”
Parece ser essa uma posição muito próxima à dos médicos que praticam a
medicina psicossomática – termo introduzido pôr Felix Deutsch em 1922 -;
posição que destaca e confirma – parece-nos – a dicotomia entre a psique
e o soma, pois torna a considerar os fatores psíquicos como hipotéticos na

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origem de certas doenças, dando primazia à dimensão psíquica, e sendo a


predominância de fatores somáticos indiscutível para outras doenças.
Sem dúvida, tentativas como a de M. Balint (1960) e grupos de discussão
de médicos, que se constituíram a partir de seus trabalhos, procuram
reduzir essa dicotomia, pois a ênfase é posta na relação estabelecida entre
o médico e o paciente; relação que com freqüência parece ter um papel
determinante quando à melhora do estado somático do doente. Mas essa
opção, que parece obter êxitos, terapêuticos, nem pôr isso se apoia em
uma teoria psicossomática solidamente alicerçada, diferentemente dos
trabalhos atuais, como o ponto de vista psicossomático definido pôr Pierre
Marty, ou ainda dos trabalhos dos alemães Th. E J. Van Uexkull (1966).
Esses autores tratam de uma teoria das unidades funcionais ou circulares
que, combinadas com o conceito de estresse, têm a vantagem de ser uma
real teoria psicossomática, incluindo as dimensões somática e psíquica. O
organismo ligado a seu ambiente constitui uma unidade funcional. Esta
será variável de pessoa para pessoa, pois o organismo utiliza os dados da

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percepção e da ação para formar seu meio ou sua realidade específica.


Defrontando com uma situação de estresse ( os autores se referem à teoria
do estresse de H. Selye (1956)-(pág.45), o organismo pode reagir com a
ativação de programas inatos (constitucionais) ou adquiridos
( imunológicos, pôr exemplo ) e até com a falência dos programas de que
dispõe, quando se trata de experiências passadas com base no
aprendizado ou na comunicação e que podem revelar-se inadequadas ou
incompatíveis com a situação presente. A resposta frente a essa “situação
de crise”, em que se trata de compreender e utilizar os significados,
envolverá
necessariamente e de forma inseparável, em variados níveis de organismo
e integração, os aspectos somáticos e psíquicos do sujeito. A capacidade
de criar novos programas graças à imaginação e a certa capacidade de
antecipação poderá permitir ao indivíduo humano enfrentar a situação sem
maiores sobressaltos. Se ao contrário isso for impossível, o organismo

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responderá com uma reação de alarme, podendo, no caso de


esgotamento, terminar em aparecimento de doenças e mesmo em morte.

1 – 1905, Cinq psychanalyses, Paris, P.U.F., 1970.


2 – Marty, P.; M’Uzan, M. e David, C. 1968, le Cas Dora et le point de
vue
psychosomatique, Revue française de psychanalyse, 32, 679-714
3 – 1916, la Nervosité commune, in Introduction à la psychanalyse,
Paris, Payot,
“Petite bibliothèque Payot”, 1972, p.356-369
4 – 1923, le Livre du Ça, Paris, Gallimard, “Tel”, 1973.

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Bibliografia : DEBRAY, Rosine – O Equilíbrio Psicossomático – Casa do


Psicólogo, 1995

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REGRESSÃO E ALGUNS DESTINOS

A complexa relação entre psicanálise e psicossomática suscita, de saída,


uma série de questões que tocam no “fundamento” e na delimitação
desses dois territórios: a psicanálise, com um século de existência e com
uma história rica e conturbada, e a psicossomática, tomada como uma
psicossomática psicanalítica, ganhando uma forma e uma consistência
crescente e sendo cada vez mais alvo de atenção nos nossos meios. As
doenças e distúrbios orgânicos podem ser tomados como “sintomas” a
serem abordados pôr um “tratamento pelo psíquico”? Ao procedermos
assim, estamos ainda em psicanálise ou nos afastamos dela? Será a
psicossomática um novo campo do saber que se distingue nitidamente da
psicanálise, ou podemos considerá-la uma extensão ou um
desenvolvimento da mesma? Buscaremos, aqui, apontar algumas direções
sobre o assunto.

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Não podemos dissociar, nem em psicanálise e nem em psicossomática, a


técnica psicoterápica, a teoria sobre os processos mentais e
psicossomáticos, a psicopatologia e o próprio processo de pesquisa. É
inconcebível falar em uma técnica – uma maneira de proceder no
tratamento – que não esteja estreitamente ligada ao modo como
compreendemos e concebemos os fenômenos em causa. Assim, não
cremos que quando lidamos com distúrbios orgânicos estamos
simplesmente aplicando uma nova técnica complementar e diferente da
técnica clássica. Cremos, sim, que há uma ampliação de todo o campo de
investigação que inclui teoria e concepções gerais e que atinge também,
naturalmente, o fazer do psicoterapeuta; essa ampliação não significa um
simples adendo a um corpo teórico já construído e imutável, mas implica
um rearranjo que nos coloca a tarefa de revisar todo o corpo teórico para
verificar o que se conserva e o que nele se transforma. E mais: deve-se
considerar também o que estava nele latente, embrionário ou presente nas
entrelinhas e que agora se explicita, desabrocha e se esclarece a partir do
estudo de novos fenômenos.

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Em relação à psicossomática, mais especificamente, temos um paradoxo


interessante. O estudo dos fatores psíquicos presentes no adoecer
somático nos coloca diante da tarefa de rever a clássica dissociação entre
mente e corpo que está presente na nossa tradição filosófica e científica.
Diante de uma problemática tão vasta, optamos pôr um recorte que visa
abordar o que da teoria do aparelho psíquico apresentada em A
interpretação dos sonhos1 pode ser resgatada para o campo da
psicossomática. Nesse recorte, daremos ênfase especial ao conceito de
regressão, pôr considerá-lo, pôr um lado, um dos pilares fundamentais da
armação metapsicológica criada pôr Freud para dar conta dos fenômenos
psíquicos pôr ele observados e, pôr outro, uma ferramenta teórica bastante
útil no que se refere à compreensão dos fenômenos psicossomáticos.
Poderíamos dizer, até, que a história da evolução desse conceito – desde
a formulação inicial de Freud, passando pelas suas transformações no
interior da própria obra freudiana, até a sua utilização de maneiras
diferentes pôr alguns analistas que o seguiram – nos ensina algo

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importante sobre a evolução da investigação psicanalítica: esta conduziu à


necessidade de um alargamento teórico-clínico que implicou o estudo,
compreensão dinâmica e tratamento de formas clínicas diferentes daquelas
que eram objeto inicial da análise, a saber, as neuroses de
transferência .Dentre estas formas, incluem-se não só os quadros de
somatização, mas também muitos outros, tais como a perversão, a
psicose, os casos-limite, as toxicomanias e outras adições etc.
A psicossomática está, aparentemente, construída sobre o problema de
representabilidade no funcionamento psíquico. É esse princípio que deve
ser questionado a partir do trabalho com as doenças orgânicas: no caso
das somatizações, é justamente o processo de representação que falha. O
que do modelo freudiano escapa a essa primazia do simbólico e pode ser
localizado como elemento precursor de um pensamento psicossomático?
Como se vê, a proposta é uma pesquisa daquilo que está inicialmente à
margem do pensamento oficial, os “restos não-resolvidos” do primeiro

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modelo freudiano do aparelho psíquico, e que já anunciam os problemas e


limites desse modelo.

A noção de regressão está no centro do primeiro modelo apresentado pôr


Freud. Na parte “B” do capítulo VII de A interpretação dos sonhos, Freud
dedica-se a demonstrar que no processo de formação do sonho se dá uma
regressão. Os pensamentos latentes sofrem um processo de elaboração
segundo uma lógica muito distante daquela do pensamento da vigília; eles
são objeto de deslocamento, condensação e de uma tendência à
figurabilidade que transforma os pensamentos verbais em uma linguagem
plástica, figurada e rica em potencial metafórico: trata-se do processo
primário. A elaboração onírica implica, portanto, uma regressão no modo
de funcionamento mental que abarca o aspecto “formal” do sonho. Ao
mesmo tempo, na análise do conteúdo do sonho, revela-se um material
que tem como fonte o infantil recalcado; o infantil refere-se ao

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reavivamento de marcas, lembranças e fantasias construídas e originadas


em um tempo “pré-histórico” da vida do sujeito, e o recalcado conduz à
formulação da hipótese de um lugar virtual no qual esse infantil está
alojado: o sistema inconsciente. Assim, temos também o aspecto temporal
e tópico da regressão, que vêm complementar o primeiro. Na verdade, o
aspecto da regressão primeiramente enfocado pôr Freud é o tópico, já que
ele propõe que no sonho se dá um fluxo regressivo das excitações no
interior do aparelho psíquico – contrariamente ao fluxo progressivo no
estado de vigília – que parte do pólo motor, passa pelas marcas mnêmicas
do sistema inconsciente e atinge o pólo perceptivo com a experiência
alucinatória do sonho.
Ora, esse modelo da regressão refere-se a um processo psíquico-
representativo, ou seja: a forma primitiva da expressão onírica é ainda
representacional, ainda que não-verbal, e o infantil recalcado implica
marcas mnêmicas que são, afinal, elementos primitivos do pensamento.
Enquanto processo psíquico, ele não concerniria ao âmbito somático.

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Trata-se, então, de um conceito que não se presta à psicossomática?


Vamos assinalar alguns aspectos que podem servir de subsídio para uma
interpretação diferente.

11.1 A pulsão como conceito-limite

Antes de prosseguir na discussão do problema da regressão, vamos


comentar brevemente o conceito freudiano de pulsão. Construído a partir
dos estudo da sexualidade humana, esse conceito fundamental nos faz
lembrar o tempo todo a base somática sobre a qual se assenta a
psicossexualidade humana. Enquanto conceito-limite entre o somático e o
psíquico, a pulsão implica uma força constante, uma quantidade de
excitação que, pôr sua origem interna em fontes somáticas, coloca ao
psiquismo atarefa contínua de buscar os meios de processá-la, derivá-la,
transformá-la; em suma, proporcionar a ela um destino.

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A concepção freudiana da primeira teoria das pulsões, que propõe a


existência de dois e apenas dois grupos de pulsões – as pulsões sexuais e
as de auto-conservação – ganha importância para o nosso tema se nos
recordarmos da noção de apoio. O universo auto-conservativo refere-se,
pôr um lado, às idéias de necessidade e de sobrevivência do indivíduo e,
pôr outro, ao corporal e ao somático. A vinculação entre auto-conservação
e corpo biológico não é direta e simples, e está sujeita a um
questionamento que varia com a interpretação que se faça da
conceitualização freudiana. Tem-se dado muita ênfase ao fato de que o
corpo que a psicanálise trata é o corpo erógeno, e de que a fonte da pulsão
(sexual) não é, a rigor, a zona corporal erógena, mas a própria função vital
(instinto); de maneira semelhante, o alvo da pulsão sexual não seria o ato
que implica um “fazer” com um objeto material (sugar, chupar, engolir),
mas uma operação psíquica apenas análoga a ele (introjetar, incorporar
metaforicamente um objeto psíquico), ou seja, um deslocamento do alvo do
instinto: a pulsão seria a perversão do instinto e, enquanto tal, estaria em
um registro em absoluto heterogêneo ao daquele (Laplanche, 1985).

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Pode-se pensar, no entanto, que não há razão plausível – a não ser a


vigência de um tabu – para não tocarmos no fato de que as pulsões de
auto-conservação se referem à existência biológica do indivíduo, e que pôr
um apoio sobre esse universo nascem a sexualidade e a vida psíquica
humana. O tabu que me referi tem a desvantagem de não nos permitir
pensarmos com liberdade no possível “trânsito” recíproco – seria uma
forma de “transferência”? – entre os dois grandes grupos de pulsões. O
alargamento do campo de investigação que essa “liberdade” propicia é o
que permitiu alguns desenvolvimentos que outorgaram à necessidade o
caráter de um conceito de grande poder operacional na clínica das
situações “não-neuróticas”. Esse é o caso evidente de Winnicott, mas
também podemos identificar um movimento análogo em Aulagnier (1985) 2,
que nos chama a atenção para a importância de considerarmos a
“necessidade de prazer” como uma questão de sobrevivência psíquica que
está aquém do “a mais” próprio da contingência do objeto e do universo do
desejo.

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As pulsões sexuais aparecem inicialmente apoiadas nas funções auto-


conservativas; logo, porém, encontram um rumo próprio, inicialmente no
auto-erotismo, mas também pela construção de um universo imaginativo e
de uma relação com os objetos e com o mundo que muito se distancia das
determinações biológicas de um suposto instinto stricto sensu. Ora, a
referência às funções auto-conservativas não deve, pôr isso, ser esquecida
ou suprimida; não podemos supor a possibilidade de um retorno da
sexualidade ao universo somático, em uma espécie de movimento
regressivo ? Ao falar dos distúrbios da visão nos casos de histeria, Freud
supõe a interferência da pulsão sexual sobre a função auto-conservativa,
uma vez que qualquer órgão ou parte do corpo é passível de servir zona
erógena (Concepção psicanalítica das perturbações psicogênicas da visão,
1910); mas, além do mecanismo de conversão, não poderíamos levantar
também o problema da somatizações – naturalmente, dentro de quadro
conceitual já modificado – nas quais seria subjacente um mecanismo que
implica uma transformação do âmbito do desejo para o da necessidade,
pôr um processo regressivo ?

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Essa transformação está presente também em outras formações clínicas,


como, pôr exemplo, na toxicomania. Nas adições, conforme já foi apontado
pôr diversos autores, encontra-se uma peculiar distorção da lógica
pulsional na qual, pôr uma estranha metamorfose, as características mais
básicas da pulsão sofrem uma alteração substancial. Essa “perversão da
pulsão” se dá em duas linhas principais: primeiro, pôr uma fixação
exacerbada ao objeto, à moda do fetichismo, transgride-se a lei da
contingência do objeto para a satisfação da pulsão; e, em segundo lugar,
ocorre uma transgressão que busca recolocar todo o universo do desejo –
“eu quero a droga para o meu deleite” – no nível da necessidade – “eu
preciso da droga para a minha sobrevivência” (Gurfinkel, 1986). A
dependência física e a síndrome de abstinência são apenas os sinais mais
evidentes dessa metamorfose. Ora, tal observação nos faz considerar a
necessidade de incluir o problema das somatizações no âmbito de uma
“clínica ampliada” que se dedique ao estudo de diversos quadros
psicopatológicos que se afastam das neuroses de transferência, no sentido
clássico (McDougall, 1994, 1991)3 . Poderíamos até nomear esse campo

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como “além do paradigma das neuroses”, pôr referência à obra de 1920,


que significou uma virada conceitual fundamental no pensamento de Freud
e teve ecos importantes no que se refere ao estudo desses novos
fenômenos clínicos.
Utilizar o conceito de regressão para descrever as somatizações é
simplesmente juntar um enigma ao outro – é mais fácil quebrar duas nozes
batendo uma contra a outra do que separadamente – e também tomar
esse conceito mais dentro do espírito que o anima do que pôr sua
utilização original. Nossa proposta seria, pois, transformar um tabu em
enigma.
Freud (1900, 1981), ao descrever os complexos mecanismos que estão na
origem do sonho e dos sintomas psiconeuróticos – o recalcamento, a
regressão, a relação entre os processos primário e secundário – faz
questão de enfatizar que não devemos esquecer a importância da
sexualidade como fonte das formações do inconsciente. Daí a necessidade
de estudarmos a teoria dos sonhos em conjunto com a teoria da

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sexualidade. Ora, se negligenciarmos a importância da pulsão enquanto


conceito-limite entre o somático e o psíquico, corremos o risco de tomar o
funcionamento mental como uma atividade independente e alienada da
base somática da qual se originou e na qual está apoiada.

11.2 Regressão na análise e alguns destinos

Retornemos, pois, a Freud. Queremos assinalar agora, mesmo que de


maneira sucinta, alguns aspectos do seu pensamento que podem ser
resgatados de maneira frutífera para o nosso tema, e que são elementos
que já apontavam, de maneira latente, para a necessidade da ampliação a
que nos referimos. Nosso ponto de referência é o modelo do aparelho
psíquico apresentado em A interpretação dos sonhos.
Em primeiro lugar, destacamos os chamados “sonhos de comodidade”,
aproximados pôr Freud dos sonhos de criança. O que os caracteriza é a

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sua simplicidade, a ausência da elaboração onírica, e a expressão quase


direta, não- deformada, de suas idéias latentes; esses sonhos de adultos
seriam justamente aqueles em que faltam a referência ao infantil sexual
recalcado, ou seja, eles seriam a expressão mais direta do desejo atual.
Ora, o tratamento dado pôr Freud a esses sonhos no capítulo III do livro
dos sonhos entra em franca contradição com o princípio de que em todo
sonho há necessariamente um desejo inconsciente – infantil recalcado –
que se associa aos restos diurnos ou ao desejo atual. Como compreender
essa contradição? Podemos recolocar o problema em termos do quê
determina a ausência total ou parcial da elaboração onírica – trabalho do
sonho – em determinadas situações: trata-se simplesmente da não
necessidade de deformação ou, também, de alguma deficiência no
funcionamento mental que interfere no caminho que vai do desejo
inconsciente até a sua manifestação no sonho manifesto ? Nesse caso, o
problema se localiza nas dificuldades de expressão, processamento e
derivação da excitação pulsional.

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Diversos analistas, dentre os quais devemos destacar Marty 4, acentuaram


o fato de que a pobreza da vida onírica pode ser um índice decisivo de
uma deficiência mais ou menos permanente nos processos de
simbolização, o que implica uma propensão mais ou menos estrutural para
a somatização, condicionada pela fraqueza, ineficiência ou ausência de
defesas psíquicas; se o sonho é a via régia no estudo do inconsciente, o
trabalho do sonho pode ser tomado como um instrumento precioso de
pesquisa sobre o pré-consciente e sobre suas falhas de simbolização. Se
Freud partiu do pressuposto de um aparelho psíquico constituído e
razoavelmente intacto na vida adulta – pelo menos até introduzir
tardiamente na sua obra o conceito de “dissociação do Eu” – podemos
levantar hoje o problema que ocorre quando esse “aparelho” falha, seja pôr
uma “falha básica” constitutiva, seja pôr movimentos dinâmicos que
determinam um “mau funcionamento temporário. O curioso é que, se os
sonhos de comodidade realizam desejos oriundos das pulsões de auto-
observação, é justamente a deficiência nos processos de simbolização que

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abre uma brecha pela qual a excitação psíquica pode refluir para o âmbito
do soma.
Em segundo lugar, ressaltamos o problema do sonho da angústia,
relacionado à interrupção do sono e à função do sonhar. Aqui atingimos a
questão crucial da relação do sonho com o sono, ou do sonhar com o
dormir. O sonho de angústia que provoca o despertar é justamente aquele
em que o afeto de desprazer vivido pelo Eu diante do desejo sexual
expresso no sonho não pôde ser contornado: o aparelho psíquico falhou no
processo de deformação, e o afeto, não-susceptível de ser metabolizado
pelo processo primário como ocorre com as representações, transforma-se
em angústia. Ora, se o despertar implica um fracasso da função do sonhar,
retornamos ao problema levantado anteriormente, a saber: o que
determina as falhas na elaboração onírica? O sonho, como guardião do
sono, é também possibilitador de uma existência psicossomática
equilibrada, já que o dormir é uma atividade vital para a saúde do
organismo. O desejo do Eu de dormir é, na verdade, uma necessidade

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relacionada com as funções vitais, já que o Eu não é nada mais do que o


representante da auto-conservação do indivíduo (Freud denomina as
pulsões de auto-conservação de “pulsões do Eu”).
Após insistir na origem necessariamente sexual da angústia desencadeada
pôr esse tipo de sonhos,, Freud ressalta que a teoria do sonho de angústia
pertence à psicologia das neuroses. Bem, a transformação de uma
excitação sexual incapaz de derivação psíquica em angústia é justamente
o ponto nodal do que Freud denominou neurose atual! Como se sabe, esse
tipo de neurose pode ser tomada como protótipo das estruturas clínicas
caracterizadas pela somatização, e o estudo da neurose de angústia e
suas vizinhas – neurastenia e hipocondria – deve ser passagem obrigatória
para quem se interessa pela psicossomática. A angústia é justamente a
formação sintomática que mais pode ser localizada na fronteira entre o
somático e o psíquico, e o aspecto “atual” da etiologia das “neuroses
simples” nos remete ao atual próprio dos sonhos de comodidade; nesse
sentido, atual e auto-conservativo se contrapõem a infantil e psicossexual.

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Em terceiro lugar, chamamos a atenção para os elementos acrescentados


à teoria do sonho pôr Freud com o surgimento do conceito de narcisismo
(Freud, 1915)5. Freud assimila o processo regressivo da formação do
sonho a uma retração narcísica que caracteriza o adormecimento: a libido
reflui ao Eu, em uma experiência de “encapsulamento” que todos
necessitamos viver diariamente. O modelo utilizado para expressar essa
forma de regressão narcísica é a existência intra-uterina; o sujeito que
dorme é como o embrião no seu ovo. Ora, essa regressão está distante de
uma regressão puramente psíquica, e alude muito mais a um estado
psicossomático de não-perturbação. Se o sonho implica uma realização
alucinatória do desejo, o dormir implica o silêncio da atividade psíquica,
uma pausa do viver no mundo. Assim, o sonho enquanto guardião do sono
procura dar conta da excitação residual que tende a impedir a regressão
narcísica, para que tal excitação se torne inócua: já que não pode ser
totalmente eliminada, que pelo menos seja neutralizada. O que podemos
observar é que o estudo do dormir, complementar ao do sonhar, mostra-
nos a impossibilidade de construir uma teoria do sonho que se limite ao

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estritamente psíquico; se assim fizéssemos, estaríamos operando uma


dissociação que trata a atividade mental como separada e independente,
conforme nos adverte Winnicott. Os distúrbios do sono talvez sejam o
protótipo de toda perturbação psicossomática, já que neles se verifica
como uma falência das funções psíquicas atinge as funções vitais.
Finalmente, é imprescindível dirigirmos nossa atenção para a revolução no
pensamento freudiano, que significou a introdução, em 1920, do conceito
de pulsão de morte. O sonho não é mais necessariamente uma realização
do desejo; o princípio do prazer deixa de ser o soberano absoluto da vida
mental. Há uma função arcaica do psiquismo que se manifesta nas
situações-limite de traumatismo violento e que busca, através dos
processos de ligação, dar vazão a um excesso de excitação que sobrepõe
o limite do tolerável e processável pelo psiquismo em condições normais.
Nesses casos, a realização alucinatória do desejo é posta em segundo
plano diante das exigências do “estado de emergência”.

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Além do princípio do prazer, a simbolização é um “a mais” que chega


sempre atrasado. Está aberto o campo de estudo para aquilo que
ultrapassa a capacidade de trabalho do aparelho psíquico e que,
potencialmente, pode atingir o soma. Qual é o sistema defensivo que o
psiquo-soma lança mão nos casos de traumatismo intenso?
Em outra direção, a teoria da pulsão de morte recoloca a problemática da
regressão em um plano mais geral que inclui a existência biológica. A
pulsão busca, como meta final, uma regressão ao estado anterior que é,
em última instância, o estado inorgânico. Aqui Freud introduz um enigma e
uma ‘pedra no sapato’ a quem procura fundar a sua disciplina exorcizando
qualquer referência à biologia e ao apoio do pulsional sobre o somático.
Em que direção aponta a desorganização psicossomática senão à do
estado inorgânico? A solução final da pulsão de morte-desejo de não-
desejo – não é, ao mesmo tempo, uma eliminação do trabalho do sonho
descrito pôr Freud na psicologia dos processos oníricos? Novamente,
estamos no campo do fracasso dos processos de simbolização; com a

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teoria da pulsão de morte, temos um rico material metapsicológico para


retrabalhar essa problemática.
Em uma das Novas conferências introdutórias, de 1932, Freud se dedica a
uma revisão da teoria dos sonhos. Após uma cuidadosa reexposição das
conclusões apresentadas no texto de 1900, põe em questão a sua tese
principal: o sonho é uma realização de desejos? O problema em foco são
os sonhos que aparentemente contradizem tal proposição. Se,
inicialmente, combate tal tentativa de refutação com argumentos clássicos
– “com a divisão entre sonhos optativos, sonhos de angústia e sonhos
punitivos” – em seguida reconhece os limites de sua tese principal no caso
dos sonhos traumáticos. Neles, há uma regressão – segundo suas próprias
palavras – a um acontecimento traumático muito penoso, sem que se
possa reconhecer qualquer realização de desejo; “Em um juízo, não
devemos fugir de confessar que neste caso falha a função do sonho”.
A modificação que Freud (1932)6 propõe é de que o sonho é uma tentativa
de realização de desejos que, não obstante, pode falhar. “Em

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determinadas circunstâncias, o sonho pode não conseguir – ou o faz muito


imperfeitamente – atingir o seu propósito, ou tem que abandoná-lo; a
fixação inconsciente a um trauma parece ser o principal desses
impedimentos da função do sonho. O sujeito sonha porque o relaxamento
noturno da cesura deixa entrar em atividade o impulso emergente da
fixação traumática; mas falha a função de sua elaboração onírica, que
pretendia transformar as marcas mnêmicas do acontecimento traumático
em realização de desejo. Nessas circunstâncias surge a insônia; o sujeito
renuncia dormir pôr medo do fracasso da função onírica”. O princípio do
prazer é nocauteado – ele falha – quando se dá uma regressão à fixação
inconsciente de um trauma ou, poderíamos agora acrescentar, quando se
presentifica uma “falha básica” concernente a acontecimentos ambientais
que romperam a barreira do sistema defensivo de pára-excitações
(conforme modelo da vesícula em Além do princípio do prazer).
Aqui estão em jogo alguns dos pontos anteriormente mencionados: a falha
da elaboração onírica e a problemática da insônia, à maneira dos sonhos

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de angústia, assim como a retomada do traumatismo a partir da proposição


da pulsão de morte. A questão do narcisismo pode ser depreendida
justamente no desmoronamento das defesas de um Eu impotente e na
ferida que daí decorre; a questão da regressão ao soma, conforme
propomos a partir dos sonhos de comodidade, é um passo adiante que
precisaríamos acrescentar. Ora, o que observamos aqui é como a teoria do
sonho sofre transformações – uma revisão – que estão evidentemente
determinadas pela evolução teórico-clínica do trabalho de Freud: esta
passou pelo estudo da psicose e pela introdução dos conceitos de
narcisismo, pelos impasses e limitações das análises e a formulação da
pulsão de morte e, nos dois casos, pela lenta e progressiva construção de
uma metapsicologia que incluísse a possibilidade de compreender o que
hoje chamamos de “limites da simbolização”. Nesse processo,
reconhecemos na regressão uma noção que esteve bastante presente
como pano de fundo, mesmo que tenha sido explicitamente trabalhada nos
termos aqui propostos.

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À maneira de síntese, podemos formular a idéia de uma série de


“formações sintomáticas” segundo o grau de simbolização nelas implicado.
Trata-se de um modo tosco de esquematizar uma realidade complexa e
multifacetada. Em uma ponta da série se encontra o sonho e, na outra, a
somatização. O modelo do sonho traumático e a teoria da angústia nos
proporcionam os meios para preencher, de modo mais ou menos provisório
e esquemático, os elos intermediários dessa cadeia. A ação, que em uma
formulação inicial é tomada como oposta à representação, encontra-se
agora em um lugar intermediário, mesmo porque a repetição transferencial
é justamente uma operação privilegiada em que se dá uma ação que
representa. A repetição compulsiva – sinal e efeito da pulsão de morte –
tende a esvaziar o sentido da ação pôr seu caráter evacuativo e nirvânico
e, nesse sentido, encontra-se um passo adiante na direção da
somatização. O sonho traumático guarda um potencial simbolizante
justamente pôr ser um sonho, ainda que nele se evidencie a falha básica
do princípio do prazer.

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A angústia, “formação sintomática” tão dificilmente tematizável, ocupa


também algum lugar intermediário nessa série do sonho ao soma. Ela é ao
mesmo tempo sinal e efeito da falha na elaboração onírica, que conduz à
interrupção do sono; podemos compreendê-la, em relação ao sonho
traumático, como um “corpo estranho” (quisto) de acúmulo de energia não
derivável, cuja impossibilidade de dissolução abre o caminho para a
compulsão repetitiva. A teoria da angústia vem, pois, complementar e até
certo ponto pôr em xeque a psicologia dos processos oníricos proposta em
A interpretação dos sonhos; nessa revisão, encontramo-nos curiosamente
diante da teoria do trauma psíquico que foi abandonada e posteriormente
retomada pôr Freud em outros termos. Sonho “de desejo”, repetição na
transferência, sonho traumático, angústia, compulsão à repetição –
incluindo o acting – ação pura e somatização: eis aqui uma fórmula
simples, uma “série” de formações heterogêneas a ser tomada de modo
não-linear. Poderíamos continuar nessa linha de pensamento buscando
encontrar o “lugar” de outros fenômenos clínicos; dentre eles, cabe
destacar as formações de caráter.

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O que aqui propomos é um modelo a ser submetido à verificação, mesmo


porque o essencial do enigma permanece de pé: como se dão o trânsito e
a transformação entre essas diversas formações? O que esse modelo
metapsicológico – fantasia científica – nos permite é pensar os fluxos
progressivos e regressivos em um funcionamento psicossomático,
buscando assim compreender seu equilíbrio, suas organizações, suas
falhas e desorganizações; uma de suas vantagens é considerar as
“formações sintomáticas” no plano de um funcionamento geral do
Psicossoma, como complemento e contraponto à tendência de considerar
prioritariamente as estruturas (personalidade somatizante, estrutura aditiva,
caso-limite, psiconeurose, etc.). O único ponto de apoio que temos é o
princípio econômico de Freud, segundo o qual há uma quantidade de
energia ou de excitação – neste caso, psicossomática – que circula no
psique-soma.
Ao destacar os quatro elementos do pensamento Freudiano – o sonho de
comodidade, o sonho de angústia, a retração narcísica do sono e o

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conceito de pulsão de morte – buscamos apontar alguns caminhos que, no


nosso entender, devemos seguir para promover uma ampliação do campo
com vistas a nele incluir o problema da psicossomática. Com esta
ampliação, a psicanálise certamente não sai ilesa; ela se transforma, se
enriquece e é, em certo sentido, colocada em xeque. A psicossomática, pôr
seu lado, encontra uma base sólida a partir da qual pode se desenvolver,
evitando ao mesmo tempo reproduzir o mesmo erro que busca corrigir: a
dissociação entre psique e soma. Procurando ressaltar, também, como
o conceito de regressão, se tomado de maneira ampliada e levando
em conta todo o seu potencial heurístico, é uma ferramenta essencial
para o estudo do fenômeno psicossomático.

1 – Freud, S. (1900) La interpretación de los sueños. Obras completas.


Madrid,
Biblioteca Nueva [OC-BN], 1981.

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2 – Aulagnier, P. Os destinos do prazer. Rio de Janeiro, Imago, 1985


3 – Mc Dougall, J. Teatros do corpo. São Paulo, Martins Fontes, 1991.
Cap. VI:
Afetos: dispersão e desafetação.
4 – Marty, P. Los movimentos individuales de vida y de muerte.
Barcelona,Toray, 1984.
5 – Freud, S. (1915) Adicion metapsicologica a la teoria de los sueños
6 – Freud, S. (1932) Nuevas lecciones introductorias al psicoanálisis.
op. cit.

Bibliografia : GURFINKEL, Decio


PSICOSSOMA I – Psicossomática Psicanalítica – Casa do Psicólogo, 1997
Artigo apresentado no “I Simpósio de Psicanálise e Psicossomática”

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A INVESTIGAÇÃO

A investigação psicossomática de um paciente reveste-se da mesma


importância que a investigação médica ou psicanalítica: deve estabelecer
um diagnóstico, do qual decorre a terapêutica que propõe. Diferentemente
da investigação médica atual, às vezes longa, repetida e com freqüência
completada pôr exames paramédicos e laboratoriais, exigindo diversos
deslocamentos do paciente, ela é extemporânea e apenas
excepcionalmente se apoia em testes psicológicos. Diferentemente
também da investigação psicanalítica, ela dá conta do duplo aspecto,
psíquico e somático, da economia do paciente.

A obra L’investigation psychosomatique1 de 1963 continha, em si mesma


ou em potencial, o espírito da psicossomática atual. Essa obra salientava a
importância da investigação, para que se evidenciasse uma série de

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personalidades relativamente novas no campo analítico: os pacientes


somáticos. A partir dos ensinamentos de Freud, adotando o espírito da
pesquisas freudiana, a psicossomática se punha à procura de um saber
adaptado a seu objeto. A partir de 1963, a teoria psicossomática ganhou
corpo, particularmente graças ao enriquecimento conceitual fornecido pelas
próprias investigações.

Uma investigação psicossomática dá conta, de fato, de um conjunto. Ela


não somente aprecia a evolução de um indivíduo, o paciente, como
também testemunha o saber teórico, clínico, e a arte prática do outro
parceiro do confronto: o investigador. Ela representa freqüentemente um
primeiro passo terapêutico. É, para aqueles que aceitam ouvir e ver além
de seus conhecimentos, uma experiência de pesquisa renovada sem
cessar. Direta ou indiretamente transmitida, a investigação constitui uma
base de discussão e de ensinamento da psicossomática.

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12.1 A relação

O investigador nada sabe de um paciente que encontra pela primeira vez.


E vai ter que saber muito. Como deverá proceder para conduzir a longa
busca de investigação, obrigatoriamente ativa em alguns momentos, sem
perturbar os ritmos naturais do paciente (ritmos de elaboração mental, de
expressões físicas, de permutas), os únicos que cuidam em princípio de
suas defesas e que evitam uma crise, talvez perigosa da doença somática
eventual?

O investigador ainda ignora como vai proceder quando conhecer melhor o


paciente. Assim, fica especialmente atento, nos primeiros minutos da
entrevista, ao hábito, às vestimentas, à mímica, aos movimentos, à postura
e, é claro às primeiras palavras de seu parceiro. Também evita falar em
primeiro lugar e sobretudo interrogar. Entretanto, encoraja a fala do

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paciente de maneira neutra através de “Sim ?”, de mímica, de gestos que


significam sua abertura. Com efeito, deve se deixar levar durante um
tempo pelo ritmo do outro, pelo ritmo que o outro adota e modula de acordo
com os conteúdos de seu discurso. As ações e reações do paciente lhe
indicam progressivamente, deste modo, a melhor maneira de intervir ou de
se calar. Uma atitude sistematicamente muda do investigador pode ser tão
nociva para o paciente quanto uma atitude de intervenções para outro. Mal
distribuídas em um mesmo sujeito, as duas posições podem se revelar
igualmente nefastas. Cada uma delas pode, com efeito, desencadear um
afluxo de excitações não elaboráveis mentalmente, mal exprimíveis
muscularmente. As excitações correm então o risco de transferir seus
efeitos para um setor somático silencioso no momento.
Considerando todos os sinais que recebe e através de uma conduta afetiva
cuja benevolência se adapta às necessidades (raramente aos desejos) do
paciente, o investigador desempenha seu papel inicial, papel que, às
vezes, poderá abandonar em seguida, ao menos parcialmente.

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Algumas investigações são evidentemente mais fáceis de conduzir do que


outras, que chegam a esgotar o médico. De qualquer maneira, um
investigador sabe, antes de mais nada, que um paciente, fugidio ou direto,
amigável ou agressivo, não inventa nada para ele. As lacunas, os silêncios,
as insuficiências, as inadequações e adaptações de diversas ordens
sempre reproduzem o aspecto de um confronto anterior do sujeito
(conforme a organização de sua personalidade, em diferentes idades) com
situações fundamentais ou ocasionais de sua vida, que se deverá
descobrir. Na expectativa, através de múltiplas identificações recíprocas, é
com consciência desse estado de fato que o investigador desprende seu
status daquele do paciente. Assim, as informações que procura não
ganharão corpo senão através da relação, pela relação.

12.2 A tarefa do investigador

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Cabe a ele adquirir, nas condições que acabamos de considerar, a soma


de informações necessárias para determinar ao menos a primeira forma de
terapêutica.
As perguntas que se faz o investigador e que determinam toda sua
concepção da economia, do dinamismo e das tópicas psicossomáticas
podem ser assim resumidas: como o paciente está organizado,
mentalmente em primeiro lugar (noção de estrutura) ? Como funcionou e
funciona habitualmente e menos habitualmente em sua vida íntima e
relacional (noção de particularidades habituais principais)? A que
referências de sua vida anterior (de sua primeira infância e de sua infância
sobretudo) as evoluções das patologias somáticas passadas, recentes ou
atuais podem remeter? Permanece uma última questão, que
freqüentemente será considerada apenas após o final da investigação: pôr
que este tipo ou estes tipos de doenças somáticas, neste sujeito?

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Os pacientes que consultam não estão em condições de responder a tais


perguntas. Assim, o investigador, vigilante antes de tudo, adota a seguinte
estratégia: deixar o paciente andar sozinho o máximo possível, evitar as
rupturas de seu ritmo relacional, aproveitar os elos associativos (anamnese
associativa) que se apresentam, reconduzir aquele que se perde aos
problemas centrais, não fazer perguntas demasiado complexas, do estilo
das anteriores, a não ser no final da investigação. De acordo com os
pacientes, alguns desses diferentes termos prevalecem naturalmente sobre
outros.

A maneira de falar do paciente informa rapidamente:

- sobre seu hábito, ou não, de se comunicar, assim como seus níveis


verbal e cultural;

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- sobre a qualidade de sua relação. Demasiado franca, despejando


diretamente conteúdos afetivos, a relação verbal indica uma ausência de
defesas neuróticas. Defensiva, ela procura ocultar conflitos (que situa
também). Os traços de caráter com freqüência se anunciam no estilo do
discurso e nos tons da voz. As defesas intelectuais facilmente são lidas;

- sobre a qualidade de sua organização pré-consciente, de acordo com as


associações espontâneas (cujos níveis são retidos);

- sobre a presença subjacente do inconsciente (lapso, indecisão ou


suspensão do verbo, pôr exemplo). Sobre sua exclusão: o fatual e o
atual estão em primeiro plano e os fatos anteriores relatados em um
estilo direto, que não testemunha uma disposição dramática, mas uma
pobreza associativa;

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- sobre o lugar ocupado pela doença: considerável, negligenciáveis, objeto


de denegação ou de recusa às vezes;

- sobre o valor objetal da doença, afetivamente investida (preenchendo um


vazio objetal ou substituindo “de modo útil” um objeto desaparecido, mas
eventual marca hipocondríaca também).

12.3 A expressão corporal

A expressão da motricidade em primeiro lugar e suas variações, elementos


mais ou menos inconscientes, mas consideráveis, da apreensão corrente
de qualquer relação, fornece, já se sabe, inúmeras informações ao
observador. Alguns sujeitos neuróticos, graças ao trabalho mental, fazem
com que tudo de sua afetividade e de seus conflitos passe para
mecanismos de defesa observáveis no discurso. Em outros (neuróticos mal
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mentalizados, neuróticos de comportamento), ao contrário, tudo passa para


atividades físicas ou expressões corporais. Para a maioria, elaboração
mental e expressões corporais andam juntas, desigualmente repartidas no
tempo, segundo a intensidade das excitações. O investigador, atento aos
sistemas privilegiados dos sujeitos, aprecia seus movimentos, suas
alternâncias, suas reciprocidades, bem como sua evolução no decorrer da
entrevista.

A hipertonia muscular é particularmente legível. Mostra-se como o sinal


mais imediatamente sensível dos transbordamentos do aparelho mental
pelas emoções. Uma significativa tonicidade da postura (axial e periférica),
da gestualidade, da mímica, dá conta de início da tensão interna do sujeito.
À medida de seus conflitos habituais reativados pela consulta, ainda não
expressos (agressividade diretamente muscular de tipo primário colocando
a elaboração mental em curto-circuito), ela acompanha freqüentemente
uma ansiedade difusa (agressividade psíquica contida) que reconhecerá

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mais tarde, talvez, seu objeto. É acompanhada de tremores, sobretudo das


mãos; opõe-se a uma facilidade relacional que trai quando esta última é
falsa.
Também se descobrem, além da motricidade, manifestações ditas vago-
simpáticas, que testemunham os mesmos excessos de excitações. Os
risos e os choros revelam-se em geral de fácil interpretação. A mímica de
fantasia era objeto de um estudo particularmente justificado em
L’investigation psychosomatique de 1963. A mímica de fantasia indica a
existência ou, pelo menos, a tentativa de uma elaboração mental.

Estando sua relação com o paciente progressivamente instalada, já


estando informado, devido à vigilância do status, ao menos atual, sobre
este, o investigador, cujos conhecimentos e arte clínica vão poder se
desenvolver, vai recolher, mais ativamente se for preciso, as informações
necessárias. Deve agora conhecer da melhor maneira: as qualidades
fundamentais, habituais e atuais, da organização e do funcionamento

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mental; as relações temporais entre mudanças ocorridas no setor mental e


a evolução da doença somática; a natureza dos traumatismos (situações
ou acontecimentos) que fizeram o habitus mental do sujeito variar
(passagem do habitual ao atual); a relação entre a natureza e o peso dos
traumatismos em questão e a organização da personalidade em seu
desenvolvimento anterior. De fato, é o essencial da vida interior e relacional
do paciente que deverá ser descoberto progressivamente.

12.4 A estrutura fundamental

A estrutura fundamental resulta, esquematicamente, primeiro da qualidade


psíquica segundo a organização dos dois sistemas tópicos freudianos, a
seguir das relações complexas entre o funcionamento mental e os
comportamentos. As diversas proposições são complementares. Uma
organização do Ego de acordo com a Segunda tópica (neuroses mentais e

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neuroses bem mentalizadas) implica uma organização satisfatória do Pré-


consciente da primeira tópica, ao mesmo tempo que exclui a prevalência
do comportamento. A ausência de um Superego pós-edipiano, ao
contrário, assinala a fragilidade do Ego, assim como os riscos de uma má
mentalização e da prevalência do comportamento (neuroses mal
mentalizadas e neuroses do comportamento). Dificuldades clínicas
diferenciais apresentam-se. As mais significativas são: distinguir a ferida
narcísica causada pôr uma perda de objeto de um complexo de castração,
distinguir as ofensas narcísicas ou a vergonha (muitas vezes intituladas de
“culpabilidade” pelos próprios pacientes) de uma culpabilidade pós-
edipiana, distinguir o Superego pós-edipiano dos imperativos de outras
origens, distinguir enfim as atividades comportamentais de aparência
edipiana daquelas de uma organização genital da fase edipiana.
As qualidades do Pré-consciente (espessura das camadas de
representações, ligações entre representações, permanência do
funcionamento) bem como a comunicação entre Inconsciente e Pré-

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consciente que a isto se relaciona são, definitivamente, as melhores


garantias de uma organização mental, senão defensiva face aos conflitos,
pelo menos adaptada à elaboração dos conflitos e aberta à relação (à
eventual relação psicoterápica, pôr exemplo, que aqui interessa
particularmente). O conjunto dessas características aparece através das
associações (que o investigador pode provocar agora, até mesmo ele
próprio estabelecer abertamente, dos sonhos espontaneamente descritos
ou solicitados (seu conteúdo, sua textura), dos produtos imediatos de
recalcamentos (lapsos, pôr exemplo), do simbolismo das representações.

12.5 Particularidades habituais, características atuais

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Diferentemente da estrutura fundamental considerada como inamovível na


idade adulta, aqui se trata portanto de variáveis para um mesmo indivíduo.
A avaliação sintomática mostra-se particularmente delicada em
psicossomática, à medida que, para apreender as transformações
ocorridas paralelamente à doença, as características atuais devem ser
comparadas às particularidades habituais. Com efeito, estas últimas não
são automaticamente evidentes para o investigador, que dedica pois sua
atenção às marcas mais precisas e mais amplas (elas se entrelaçam nas
outras) da economia habitual e atual do paciente, como também a seus
movimentos, que se referem em particular:
- à sintomatologia neurótica, de caráter, de comportamento. Semiologia
das angústias, das fobias, das depressões, da agressividade, da
culpabilidade;

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- aos investimentos ativos e passivos e aos contra-investimentos, internos


(lugar da doença, aceitação ou não das regressões, entre outros) e
externos (familiares, profissionais, sociais). A determinação dos lugares e
dos momentos mostra-se freqüentemente frutífera e reveladora;

- à atividade sexual e suas qualidades (essencialmente orgástica,


complexa, sublimada, perversa);

- à economia mental (que repousa em uma estrutura que ela define):


insuficiência fundamental do aparelho psíquico, com facilidade de
desorganizações, irregularidades do funcionamento mental
(transbordamentos momentâneos das possibilidades de elaboração pôr
excesso de excitações ou repressão de representações), regressões,
desorganizações no decorrer de depressões essenciais.

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12.6 Os traumatismos

A descoberta dos traumatismos que foram a origem das doenças


somáticas e particularmente da doença atual constitui uma fase rica da
investigação. Essa fase é, às vezes, isolada porque se trata de uma busca
sistemática do investigador. Em outros casos, ela se dispersa, tanto ao
sabor das associações prudentes do terapeuta.
Os traumatismos permanecem nos quadros econômicos individuais que
estabelecemos anteriormente. Oriundos de uma excitação excessiva dos
instintos ou pulsões que a organização psicossomática dos sujeitos não
pode encarar, os traumatismos se definem pela quantidade de
desorganização que produzem e não pela qualidade do acontecimento ou
da situação que os produzem. Assim, um traumatismo decorre da relação
entre a excitação e a defesa psicossomática do sujeito em questão.

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Percebe-se, nestas condições, que a descoberta dos traumatismos que


levaram às desorganizações mais ou menos significativas dos pacientes
representa uma fase privilegiada da investigação, no sentido de que
finalmente revela: a sensibilidade dos sujeitos a certos tipos de
acontecimentos ou situações; seus níveis de excitabilidade, isto é, no setor
mental, seus investimentos, seus desejos, suas defesas e seus conflitos
profundos (despertados pelos acontecimentos); as fraquezas de suas
organizações (e, através disso mesmo, suas organizações) mentais e
somáticas. No setor do comportamento não elaborado psiquicamente
(neurose mal mentalizadas e de comportamento), não se trata muito de
conflitos internos. O traumatismo corresponde à dura perda (todavia difícil
de descobrir às vezes) de um objeto (pessoa, organização conjugal,
profissional ou de amizade, pôr exemplo) diretamente investido enquanto
presença real.
Os traumatismos sofridos pelo sujeito durante a investigação (paciente mal
recomendado, quadro imposto, evocação dolorosa de traumatismos

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anteriores, inabilidades do investigador, pôr exemplo) causam ao


investigador o mesmo problema de apreciação das excitações e das
defesas particulares do sujeito, com a vantagem, entretanto, de uma
possibilidade imediata da dosagem das excitações e das pára-excitações.
As pára-excitações não podem naturalmente intervir senão no sentido de
um reforço ao menos passageiro das defesas habituais do paciente. A
iniciativa de um deslocamento provisório da situação perigosa do sujeito
para uma posição mais calma, mais “operatória”; a explanação de seu
próprio exemplo de sensibilidade e de reações, continuam a ser, em todo
caso, sistemas de intervenções pára-excitantes quase sempre ao alcance
do terapeuta.

Sempre é necessário fiscalizar de modo particular o final de uma


investigação.

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Qualquer uma das excitações anteriores, mais ou menos dissimulada,


pode de fato permanecer ou ressurgir após o tratamento. Além disso, o
investigador, interlocutor de peso, vai desaparecer. A perda do objeto que
representou far-se-á sentir diferentemente, conforme a estrutura dos
sujeitos, mas a freqüência originará um momento depressivo. O médico
sabe, em geral, como o paciente vai poder negociar – ou não – essa
depressão. Submetendo o paciente à proximidade da separação, tomará
então, enquanto houver tempo, as últimas medidas pára-excitantes. A
essas se acrescentará quase sempre a abertura terapêutica, nova
esperança pôr vezes considerável, tranqüilizadora e anti-depressiva. Não
se deve contudo exagerar os riscos traumáticos de uma investigação cujo
conjunto, via de regra, acalma os pacientes.

12.7 Os antecedentes

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O interesse pelas origens mais ou menos distantes e pela evolução, na


vida do paciente, de qualquer elemento de sua organização constitutiva,
dinâmica ou econômica, é permanente. Pode dar lugar a uma busca
sistemática, a propósito de períodos ou de momentos relativamente
recentes, ou mais antigos, da idade adulta, da adolescência, da puberdade,
do período de latência, da infância ou da primeira infância: períodos ou
momentos relativos, a maioria das vezes, ou a fatos de ordem “traumática”
(acontecimentos familiares, pôr exemplo), ou a fenômenos naturais do
desenvolvimento (de ordem edipiana inicial, ou da puberdade, pôr
exemplo) relacionados a certas idades determinadas pelo investigador.

Assim, a atenção recai ao menos:

- Quanto à estrutura, sobre o desenvolvimento organizador do Pré-


consciente e de seus pontos de partida inconscientes: relações com a

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mãe, desde a gravidez até um ano, nos setores de excitações e pára-


excitações, conforme as funções em ponta evolutiva; separações; mães
substitutas; figura paterna; freqüência e idades das mudanças de
situação; acontecimentos que favorecem ou desfavorecem as
organizações da sensório-motricidade, das linguagens e, globalmente,
de todas as ligações internas e externas habituais.

- Quanto às particularidades habituais, sobre as idades de aparecimento


dos sintomas e sobre as motivações perceptíveis dos sistemas de
defesa: as idades críticas do desenvolvimento sugerem pôr si sós
adaptações definitivas. As marcas neuróticas mentais (angústias,
sintomas clássicos) remetem às fases da evolução libidinal. As marcas
caracteriais, com freqüência relacionadas a uma insuficiência das
defesas mentais, mas igualmente ativadas pela evolução libidinal,
remetem ao mesmo tempo a acontecimentos, a situações, a encontros
familiares ou outros.

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- Quanto à organização econômica e dinâmica atual da vida: sobre a


organização mental progressiva e o aparecimento das defesas de
diversas ordens, sobre a sucessão dos investimentos (em todos os
sentidos da palavra), dos contra-investimentos e dos sobre-investimentos
e sobre as motivações que se podem perceber destes.

- Quanto à patologia somática, sobre as diversas afecções a partir da


primeira infância, sobre sua natureza, sobre seu parentesco ou não com
a afecção atual, sobre o processo de seu surgimento, sobre sua
evolução, suas complicações, sobre sua correspondência no tempo com
outros acontecimentos.

A exploração, ocasional ou mais sistemática dos diferentes estados da


família antiga e atual, da escolaridade, da evolução da sexualidade, da
profissão e de sua história, das distrações e dos diversos interesses de

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qualquer época, revela na maior parte das vezes indícios que permitem
provocar associações reveladoras. Essas associações do paciente, a
propósito de lembranças ricas de seu inconsciente, informam sobre as
atmosferas afetivas do passado, finalmente mais confiáveis que as próprias
lembranças. O entrelaçamento de dois tipos de informações: de um lado,
associações do sujeito a propósito de lembranças e, de outro, testemunhos
de fatos de natureza diversa encaixando as lembranças em lugares e
momentos relativamente definidos, dá ao investigador, sem dúvida, um
sentimento mais ou menos adequado dos acontecimentos considerados.

Em um esquema técnico, pode-se dizer que a atitude do investigador


consiste sucessivamente: em determinar os lugares e idades dos fatos
alegados; em encaixar (em fixar provisoriamente) o paciente nesses
lugares, idades e fatos; em provocar, em momentos posteriores,
associações a seu respeito; em remontar, enfim, o tempo, na perspectiva
de contra-desenvolvimento que convém.

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12.8 Limites, dificuldades, armadilhas da investigação

Beirar o essencial vital de um indivíduo em menos de duas horas de uma


investigação parece às vezes um desafio. De qualquer modo, para que o
psicoterapeuta posterior, ele próprio ou um outro, não fique desorientado
pôr um paciente que não corresponde ao tipo inicialmente examinado ou
que lhe foi transmitido, é necessário conhecer os limites, as dificuldades e
as armadilhas da investigação.
As dificuldades da investigação revelam-se sobretudo de ordem
semiológica. Já citamos exemplos significativos concernentes à apreciação
do nível do funcionamento mental, dos equilíbrios entre a mentalização e
os comportamentos, da qualidade essencial das defesas aparentes, da
castração, do èdipo, do Superego, da culpabilidade (a distinguir das feridas
narcísicas). Sem dúvida, é na avaliação dos diversos tipos de depressões,
de angústias, de sadomasoquismos, e na determinação da continuidade ou

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não do funcionamento mental que ainda se corre o risco de cometer o


maior número de erros.

Quanto às depressões, deve-se saber distinguir, na atualidade, uma


depressão essencial de uma depressão sintomática (mentalizada), saber
determinar a permanência e a antigüidade de uma depressão sintomática
latente, saber medir a qualidade das depressões anteriores (uma
depressão essencial recente, mesmo de longa duração, pode ter
desaparecido no momento da consulta, enquanto que uma doença grave
prossegue seu curso).
Quanto às angústias, difusas ou objetais, às vezes dos dois tipos,
sabe-se que vão da expressão de uma aflição do bebê (a regressão a esse
estado é freqüente em certos sujeitos) até o “sinal de alarme das angústias
objetais acompanhando a agressividade edipiana.

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Quanto aos sadomasoquismos, narcisos, relacionais, morais, mentais ou


de comportamento, convém considerar seu valor econômico com ligação
erótica ou sem ligação (do tipo das neuroses de destino) onde se observa
a ausência de uma integração de satisfações passivas, onde os riscos
somáticos são graves.
Para determinar as descontinuidades do funcionamento mental, além das
noções de depressões essenciais anteriores ou de cefalalgias marcadas, a
dificuldade é grande. Pode-se determinar alguns momentos de
descontinuidade durante a própria investigação e descobrir, às vezes, sua
origem: organização mental frágil, interrompida à menor variação afetiva ou
ruptura do ritmo da relação; inibição, evitação ou repressão das
representações, sobretudo eróticas ou agressivas. Disso se deduz,
empiricamente, de acordo com o contexto, que pode ocorrer
habitualmente, há mais ou menos tempo, a mesma coisa.

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As armadilhas da investigação encontram-se antes de mais nada na


apreciação do nível de funcionamento mental do paciente. Alguns
investigadores têm horror ao vazio mental, mesmo parcial, do outro; outros
procuram a qualquer preço. Todas as projeções são então possíveis. Entre
as inúmeras fontes de erros, a sedução, às vezes primeiramente unilateral,
depois freqüentemente recíproca, figura em primeiro plano. O contrário, a
rejeição, também existe.
Um dos maiores enganos provém da melhora transitória do funcionamento
mental do paciente durante a investigação, verdadeiro revigoramento que
se deve à presença atenta, até mesmo excitante, do terapeuta.

O fenômeno revelaria dois aspectos de uma duvidosa onipotência do


investigador: o própria satisfação mais ou menos consciente deste, e
também a do paciente que se sente renascer. Ainda que depois pouco
reste, no paciente, de sua ressurreição mental (porém se abriu sem dúvida
uma perspectiva neste sentido), o terapeuta corre o risco de se decidir

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cedo demais pôr uma facilidade terapêutica. Passada para o futuro


terapeuta, essa facilidade apenas aparente vai finalmente desorientá-lo.

Um bom meio para não cair nas armadilhas de uma investigação e


transmitir eventualmente ao terapeuta dados mais seguros, é aplicar
rapidamente a classificação psicossomática ao sujeito que se acaba de
examinar (os testemunhos da consulta revelam-se então muito úteis).
Porque fragmentários, parcelares (o que se pode, pôr outro lado,
justamente reprovar), seus títulos e sua ordem retificando com freqüência a
opinião espontânea do terapeuta, remetem-no a uma realidade semiológica
pôr vezes mais severa que a de sua afetividade. Isto é particularmente
perceptível nos check-up com valor preventivo que podem ser provocados.
A investigação psicossomática realiza-se, no fundo, em uma série de
representações psico-afetivas do terapeuta, a propósito do paciente que
tem diante de si. Essas representações se constituem no mesmo momento
a partir de uma identificação com o sujeito e a partir de associações

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próprias. O investigador, que permanentemente elabora suas impressões,


procura progressivamente delimitar, ao mesmo tempo, no paciente: suas
dimensões tópicas mentais (qualidade e nível evolutivo máximo do
funcionamento); suas dimensões dinâmicas mentais (pulsões, elaboração,
conflitos, defesas); suas dimensões dinâmicas de expressão corporal; o
equilíbrio econômico que liga entre si as dimensões anteriores. A
relatividade de tal equilíbrio econômico encontra-se assim diretamente
percebida pelo investigador, que, a cada vez, verifica as bases de seu
sentimento, através de novas informações espontâneas ou pôr ele
provocadas.
Aquém de seus conhecimentos da teoria psicossomática, as qualidades de
empatia e as possibilidades – necessárias à elaboração – de
desengajamento da empatia, são pois, como na psicanálise,
indispensáveis no investigador.
A síntese finalmente econômica dos dados tópicos mentais, dinâmicas
mentais e de expressões, tiradas da investigação, representa o diagnóstico

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do especialista em psicossomática. Esse diagnóstico, que carrega um valor


prognóstico, revela-se próprio, à medida que o paciente é capaz de ver seu
estado melhorar consideravelmente, às vezes, através de um
psicoterapeuta que o faça encontrar ou reencontrar a plenitude e o
equilíbrio de sua vida libidinal.

1 – Marty, P.; M’Uzan, M e David Ch. (1963), L’Investigation


psychosomatique, Paris
Presses Universitaires de Françe, 264 p.

Bibliografia : MARTY, Pierre – A Psicossomática do Adulto – Artes


Médicas, 1993

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CLÍNICA E PRÁTICA TERAPÊUTICA

A prática psicossomática apenas se exerce no leito do hospital, ou na casa


do paciente, quando este não pode ser transportado. O melhor é que o
paciente venha pôr seus próprios meios ou seja levado ao lugar onde
atende o especialista em psicossomática. As investigações e as
psicoterapias armam armadilhas clínicas suficientes, semiológicas em
particular, e técnicas, para que a isso se acrescentem as incertezas
afetivas ou as atitudes sistemáticas de defesa que, na maioria das vezes,
as situações excepcionais de encontro acarretam diante do médico.
A síntese finalmente econômica dos dados tópicos mentais, dinâmicas
mentais e de expressões, tiradas da investigação, representa o diagnóstico
do especialista em psicossomática. Esse diagnóstico, que carrega um valor
prognóstico, revela-se próprio, à medida que o paciente é capaz de ver seu
estado melhorar consideravelmente, à vezes, através de um
psicoterapeuta que o faça encontrar ou reencontrar a plenitude e o

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equilíbrio de sua vida libidinal. Embora uma grande descoberta diagnóstica


não é uma certeza, não é apenas um encontro, é um caminho a ser
percorrido pôr toda a singularidade inerente a qualquer ser humano, que a
torna único em sua forma de ser e agir. A busca da certeza nos deixa
presos e tolhidos, enquanto a possibilidade de conhecer gera o vir-a-ser,
no qual nos encontramos enquanto sujeito, sob condições impostas pela
vida. Ao procurar a certeza o homem acaba encontrando a morte, única
certeza em sua condição de objeto participante da infinita rede que o
envolve, ou ainda o suficiente para que possam saber que o eu não é
senhor em sua própria casa, como diz Freud, e que a consciência, tão
privilegiada nada mais é do que uma pequena fração da completude do
sujeito.
Sem a noção do funcionamento do consciente é muito difícil compreender
as formações estruturais do sintoma psíquico, para que possa pelo menos
orientar o paciente e encaminhá-lo devidamente, para um tratamento que
não o reduza a um sintoma, tratado dissimuladamente. Devem-se dar

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condições ao paciente a partir de uma boa orientação, de começar a


reconhecer seus sintomas em sua origem inconsciente, para dessa forma
restabelecer seu desenvolvimento pessoal, obstruído e paralisado pelas
circunstâncias.

13.1 As psicoterapias

As psicoterapias psicossomáticas são instituídas para auxiliar os sujeitos a


estabelecer ou restabelecer o melhor funcionamento possível de seu
psiquismo. Elas se dirigem, com efeito, a pacientes cujo hipo-
funcionamento mental, localizado ou geral, bem diferente de um caso para
outro, se apresenta de maneira passageira ou crônica.

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13.2 Psicoterapia Individual

A psicoterapia individual realiza-se de hábito frente à frente. Apesar do


acanhamento que o efeito de se encontrar objeto direto de atenção pode
criar no paciente, a situação lhe dá meios de defesa consideráveis: ele
pode perceber as atitudes, as ações e as reações do terapeuta, pode fazer
gestos facilmente e mudar de postura. O face à face permite ao terapeuta,
pôr outro lado, possibilidades de intervenções não verbais sob forma de
expressões, de excitações ou de pára-excitações gestuais ou mímicas.
Quando ele próprio não procedeu à investigação psicossomática do
paciente, médico ou não, interroga-se mais ou menos, conforme seu grau
de experiência, sobre a tarefa a ser realizada. Qualquer que seja o respeito
que dedica ao investigador que o precedeu e que lhe confiou o paciente, o
psicoterapeuta deve, em primeiro lugar, examinar novamente este último.

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Cada psicoterapeuta levanta problemas novos a todos os terapeutas.


Contudo, os jovens especialistas, saídos mais ou menos recentemente da
atividade psicanalítica, correm o risco de nem mesmo ter idéia da
necessária flexibilidade de adaptação que contrasta com um certo rigor,
clássico, de sua tarefa habitual. Trata-se aqui de acompanhar o paciente
ao menos durante um tempo, fiscalizar as eventualidades qualitativas de
seu funcionamento mental para modificar, se for preciso, sua própria
atitude, não contar obrigatoriamente com uma transferência, não pensar
sempre na interiorização mental dos conflitos, levar em conta às vezes a
doença somática.
Médicos ou não, os psicoterapeutas ficam freqüentemente impressionados,
no início, com o cuidado dos pacientes somáticos graves.
De qualquer modo, os médicos correm o risco de serem demasiados
tranqüilos ou demasiados inquietos, em razão dos esquemas médicos que
os retêm e os embaraçam em seu trabalho. Outras vezes, também correm
o risco de perderem a esperança, enquanto participam – sem abandonar

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absolutamente seus conhecimentos – de novas pesquisas, ao menos na


perspectiva terapêutica. Os não-médicos podem ficar desorientados pela
esperança de uma afecção somática, cuja natureza profunda e evolução
habitual lhe são estranhas, como pela existência eventual de terapêuticas
médicas associadas. Também podem negligenciar uma certa vigilância de
seus pacientes, sem apelar suficientemente. Como e quando for preciso,
para o saber de seus colegas ou correspondentes médicos.
A psicoterapia individual repousa permanentemente sobre a qualidade, pôr
outro lado variável, da relação do paciente com o terapeuta e representa,
para este último, obrigações de fiscalização, de acompanhamento e de
intervenções de diversas ordens.

Na prática, as psicoterapias individuais dos pacientes somáticos efetuam-


se tanto em instituições quanto em consultórios particulares. Sem
regulamento institucional que determine isto, os tratamentos podem
portanto ser gratuitos ou cobrar honorários. Geralmente, os problemas

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levantados pela gratuidade revelam-se em psicossomática menos


sensíveis do que na psicanálise.
De qualquer maneira, deve-se considerar primeiramente, aqui como em
outras situações, o peso da demanda do paciente, amplamente composto
em princípio, aqui, pelo peso da doença somática. Mas esse princípio nem
sempre corresponde à realidade, longe disso.
As psicoterapias dos pacientes somáticos efetuam-se no mais das vezes
ao ritmo de uma sessão pôr semana. Essa medida, arbitrária pelo fato de
não corresponder à variedade dos casos tratados, justifica-se pela
necessidade de horários definidos para todos. Duas sessões pôr semana é
demais, na maioria dos casos. Com efeito, convém considerar a
dificuldade, para numerosos pacientes, de suportar a intrusão do
psicoterapeuta e assimilar o efeito terapêutico e, simultaneamente, a
capacidade, para o terapeuta, de suportar os múltiplos pacientes
desprovidos fundamental ou ocasionalmente de faculdades relacionais
atraentes.

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Quarenta e cinco minutos representam a duração normal das sessões.


Reduzir essa duração dependerá da facilidade e da ineficácia, de fato, a
cada vez é necessário um certo tempo antes que um terapeuta chegue a
conhecer realmente o estado das funções mentais do sujeito, par saber
como intervir. Em meia hora, com freqüência apenas se marca presença e
se desembaraça então dos lugares profundos de comunicação. Pôr outro
lado, é durante uma sessão, ao final de algumas semanas, de alguns
meses, que se revelam enfim no paciente novas possibilidades mentais,
até mesmo um renascimento psíquico. Como responder à evolução de um
sujeito que, pôr exemplo, um dia, no meio de uma sessão, apresenta de
maneira inesperada um sonho, como lhe mostrar o interesse desse sonho,
levá-lo a descobrir a existência de sua vida inconsciente e de seu
funcionamento mental, quando se previu meia hora somente de sessão
sob o pretexto de que esse paciente seria ou se encontra demasiado
enfadonho ou extenuante ?

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Às vezes se é levado, em certos períodos do tratamento, no início deste e,


em algumas passagens difíceis, a ver os pacientes com mais freqüência
para delimitar melhor seu estado ou suas modificações, a vê-los também
com menos freqüência no final, para prolongar o período de “desmame”. O
“desmame” dos pacientes somáticos, de cuja existência ou permanência
do funcionamento mental se duvida, é sempre delicado. Ele é, de antemão,
uma das causas do ritmo lento dos tratamentos. Uma grande freqüência
das sessões vai obrigar a diminuições secessivas de seu número, a
separações renovadas do objeto que se tornou privilegiado, o terapeuta.

13.3 A vigilância do paciente

A vigilância do paciente pode ser comparada com o que seria uma


investigação passiva contínua. Ela informa o terapeuta em todos os
momentos e permanece capaz de orientar diferentemente sua linha de

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conduta. A vigilância é exercida sobre a economia e sobre a dinâmica do


paciente (mudança e andamento dos instintos e pulsões), em sua vida
exterior, assim como durante as sessões de psicoterapia. Consiste em uma
atenção constante, sem provocação ou displicência, e em uma freqüente
determinação pôr parte do terapeuta das fontes de excitações, dos
sistemas de pára-excitação do sujeito, das regressões que utiliza e dos
efeitos desorganizadores que sofre, enfim, da evolução desses fenômenos
e de suas inter-relações no decorrer de toda a psicoterapia.
Alguns erros iniciais de avaliação, pôr vezes decorrentes das armadilhas
da investigação, desaparecem progressivamente. Com as expressões
corporais que observa e graças às informações que lhe são transmitidas
verbalmente, de maneira direta ou indireta, com o sistema de relação de
seu paciente, cujo conjunto e movimentos particulares se lhe tornam
familiares, o terapeuta analisa regularmente a natureza e as variações dos
conflitos, dos comportamentos , do funcionamento mental e do estado
somático do paciente. Assim, fiscaliza sem cessar seu próprio trabalho.

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O terapeuta determina pouco a pouco, primeiramente para si mesmo, o


teor dos conflitos (permanece atento às suas mudanças de forma) que,
animando ou desanimando o paciente, viraram freqüentemente, tanto
anteriormente quanto recentemente, somatizações: traumatismos
relacionados a acontecimentos ou situações das quais o paciente mais ou
menos participou (ferida e culpabilidade); conflitos de realidade
(progressão eventual do grau de interiorização mental); conflitos de idade
em relação a modificações fisiológicas (superação e meios utilizados para
fazê-lo); conflitos internos de tipo neurótico; conflitos atuais agudos ou
latentes; conflitos antigos (memorizações verbais sucessivas) latentes ou
avivados; conflitos novos também, externos ou internos, em relação com a
psicoterapia.
No nível dos comportamentos, o terapeuta fiscaliza sempre particularmente
sua ligação e sua dissociação em relação ao funcionamento mental do
paciente. Também aprecia sua natureza ativa (às vezes patológica:
hiperatividades de esgotamento libidinal, hiperatividades sexuais ou

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agressivas, agitações hipomaníacas, verbais, etc.) ou passiva (regressão,


repouso, mas também falso masoquismo do tipo daquele das neuroses de
destino, pôr exemplo), a relação do tempo decorrido entre uns e outros,
assim como o peso da afetividade investida em cada um deles.
O terapeuta considera os comportamentos em conexão, necessária ou
não, com as doenças somáticas e se interessa, especialmente no decorrer
das doenças ou durante acidentes metabólicos, pela energética elementar
do paciente, desde a alimentação até o consumo, principalmente muscular.
As variações qualitativas e quantitativas das manifestações de
comportamento constituem permanentemente importantes pontos de
referência.
No trabalho psicoterápico, o terapeuta vê sua ambição limitada, às vezes
(neuroses de comportamento, neuroses mal mentalizadas) e, no entanto, a
riqueza e a disponibilidade do funcionamento mental representam sempre
um ideal em direção ao qual o terapeuta faz seu paciente tender. Assim,
ele dá uma atenção constante aos dois níveis principais dos bloqueios

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possíveis desse funcionamento: o do acesso das pulsões às


representações, nos numerosos casos de isolamento do Inconsciente
(depressão essencial), o do acesso das representações e dos
pensamentos latentes à consciência (inibições, evitações, repressões).
A modificação das características de pensamento primeiramente
observadas, a retomada dos sistemas psíquicos anteriores à doença, a
aquisição eventual de novos funcionamentos permitem situar em cada
instante o estado mental do paciente.
Ao contrário, como é comum no decorrer de uma psicanálise, a retomada
de sistemas mentais antigos (algumas vezes patológicos), agora anteriores
à doença somática, é freqüentemente um bom augúrio, durante uma
psicoterapia psicossomática.

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Com efeito, em numerosos casos, os perigos somáticos estão próximos e o


paciente encontra-se sem possibilidades de ligações representativas.
Considera-se então como convenientes:

- Sob o ângulo da objetalização, as passagens da depressão essencial às


sintomatologias depressivas, as das angústias difusas (estados de
aflição) às angústias objetais, as das fobias de ambientes às fobias de
objeto, as das feridas narcísicas e dos sentimentos de vergonha à
culpabilidade, do mesmo modo que se considera favoravelmente o
aparecimento de um complexo de castração e, evidentemente, de um
complexo edipiano.

- Sob o ângulo instintivo-pulsional, as passagens dos comportamentos de


descarga às condutas mentalmente relacionadas, as retomadas mais ou
menos manifestas de uma sexualidade (ostentando às vezes, no início,

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uma forma homossexual pré-genital) ou de uma agressividade face a


objetos externos ou ao próprio terapeuta (que, sobretudo, não deve se
defender dela mas, ao contrário, salientá-la) e, naturalmente, a retomada
de desejos sob forma algumas vezes larvar.

- Sob o ângulo do esclarecimento dos conflitos, as tentativas, auxiliadas


pelo terapeuta, de verbalização dos elementos traumáticos e
conflituais; após, a interiorização dos conflitos (passagens de
representações rudes de coisas a representações de palavras
manipuláveis e analisáveis); em seguida, tanto quanto possível, a
representação dos desejos e das defesas internas sob as formas
maiores dos complexos de castração e de Édipo – o habitual da
psicanálise clássica – a verbalização dos traumatismos e dos conflitos
da infância, particularmente importantes em psicossomática, tendo
também aqui seus limites.

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A fiscalização do funcionamento mental efetua-se finalmente através das


associações de representações e de pensamento cuja existência,
multiplicação, qualidade, riqueza (recuperando o valor simbólico das
palavras) e regularidade são sem cessar observadas no conjunto esperado
dos movimentos progressivos do paciente, movimentos entre os quais a
aceitação das regressões ocupa uma grande parte. Em último lugar, é o
investimento pelo sujeito de seu próprio pensamento que, nos melhores
casos, coroa o trabalho terapêutico.
Um dos meios de direcionar o paciente para o investimento de seu
pensamento é interessá-lo ampla e repetidamente pôr sua atividade
onírica, até que este atinja uma forma, uma qualidade e um ritmo
convenientes. Os sonhos representam, de fato, especialmente para a
psicossomática, os testemunhos: pôr sua presença (não isoladamente do
inconsciente), de uma atividade mental do paciente, fora de sua relação
direta com o terapeuta; pôr sua comunicação, do estado dessa relação
(demonstrando ao menos uma certa confiança ou confiança afirmada –

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relação de base ou transferencial); pôr seu conteúdo, da qualidade (da


mais operatória ou “crua” ou pobre, à mais simbólica) dos sistemas de
representações e dos agrupamentos de seus diferentes níveis evolutivos;
pelas associações de que os sonhos são objeto, do grau das ligações em
todo o funcionamento mental; pôr sua sucessão (desigual), das variações
(progresso, estagnação ou recuo) da economia psíquica.

Dois textos sobre os sonhos dos pacientes somáticos justificaram nosso


propósito:
No primeiro, de ordem mais geral, uma espécie de escala de valores
encontra-se exposta. Recomendava-se uma necessária prudência técnica.
Convém organizar a existência dos sonhos neles próprios, para mantê-los
algumas vezes como testemunhos, noutras, como precursores de um
funcionamento mental reencontrado ou novo, e não barrar o caminho à
evolução da atividade psíquica com intervenções e sobretudo com
interpretações traumatizantes (riscos de reavivar uma desorganização

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anterior, pela manipulação de conteúdos conflituais inelaboráveis em


certos momentos ou em certos sujeitos). Às vezes, deve-se, mostrando os
benefícios que o par paciente-terapeuta tira disso, encorajar os pacientes e
felicitá-los (durante um tempo) pôr sua produção onírica.
O segundo texto, especificamente consagrado aos doentes somáticos,
discutia, primeiramente, nos pacientes mal organizados ou desorganizados
mentalmente, questões clínicas e teóricas levantadas pôr: ausência de
sonhos, sonhos operatórios, sonhos repetitivos, sonhos “crus”.
Em cada caso eram considerados a evolução dos sonhos em suas
relações com a evolução das doenças somáticas, bem como os problemas
de técnica terapêutica correspondentes.

A fiscalização do estado somático dos pacientes efetua-se geralmente,


como as outras, em surdina. Ela reúne as informações dadas pelo sujeito,
excepcionalmente com as que, nos casos graves, vêm de terceiros. Não

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permite intervenções diretas a não ser em caso de riscos imediatos. A


demonstração dos possíveis riscos revela-se necessária quando o paciente
se encontra abertamente em situações perigosas ou se abandona a elas
( em casos em que o Ego-ideal é potente ou nos casos semelhantes às
neuroses de destino, pôr exemplo). A demanda, formulada ao sujeito, de
uma fiscalização médica clássica imediata pode então ocorrer.

Em 1980, consideramos alguns problemas gerais que se apresentam à


psicossomática e a seus terapeutas, acerca dos tratamentos médicos
conjuntos dos pacientes. Alguns desses tratamentos são necessários,
outros, desigualmente úteis. A maioria deles requer reajustes de suas
dosagens, tanto no sentido de aumento quanto no de diminuição, até
mesmo suspensão progressiva, à medida das variações do equilíbrio
psicossomático dos pacientes no decorrer das psicoterapias. Hoje,
confrontamo-nos de modo particular com os anti-depressivos receitados,
parece, facilmente. Ao mesmo tempo que se avalia seu sofrimento,

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convém não aniquilar sistematicamente as expressões depressivas dos


sujeitos, último recurso dos deprimidos para não ficar totalmente isolados
afetivamente e para conservar uma vida relacional, sobretudo aquela de
que necessitam as psicoterapias.

13.4 As intervenções

Já consideramos, no quadro da fiscalização, algumas intervenções


liminares do terapeuta. As intervenções psicoterápicas são, de fato,
destinadas, erguendo as barreiras existentes, a animar, a ampliar e a
enriquecer o funcionamento mental do paciente até o nível mais
desenvolvido possível. Esse projeto, que passa pelo canal da manutenção
e da organização progressiva da relação do terapeuta com o paciente
deve, para se realizar, evitar que o terapeuta crie obstáculos ao avanço (às

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vezes de importância vital) do sujeito. Poder-se-ia definir o papel de


organização progressiva da relação entre o terapeuta e o paciente.
A função materna prevalece – pelo menos pôr precaução – no início de
inúmeras terapias. Prevalece pôr muito tempo com os pacientes
desorganizados (depressão essencial) e quase sempre com aqueles que
são mal organizados mentalmente (neuroses de comportamento e
neuroses mal mentalizadas, casos somáticos mais ou menos evolutivos e
freqüentemente graves). As intervenções e interpretações de estilo
psicanalítico prevalecem em geral, ao cabo de um tempo diferentemente
longo, nos pacientes bem mentalizados (objetos de regressões) e
particularmente naqueles que apresentam traços neuróticos de caráter
(casos somáticos com freqüência reversíveis, também de ordem
regressiva) ou, nos finais de tratamentos, nos pacientes que recuperaram
um bom funcionamento psíquico após uma desorganização.
De qualquer maneira, um especialista deve esperar pôr mudanças, até
mesmo pôr reviravoltas da organização de seus pacientes e, sem se

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precipitar jamais ele mesmo em mudanças de sua atitude, dispor de toda a


escala de suas posições de acordo com a relação presente do paciente
com ele. Isto desde a depressão, as angústias difusas, uma inércia afetiva
relacional, todas primárias (como a violência mais ou menos contida), que
necessitam um acompanhamento de tipo maternal, até uma eventual
transferência que necessitasse da interpretação.

13.5 A função maternal

A função maternal, que repousa sobre as possibilidades maternais do


terapeuta homem ou mulher consiste, ao contrário de uma
responsabilização diretiva, em um acompanhamento sobretudo, mas não
exclusivamente, verbal que margeia, segue ou precede de perto os
estados e os movimentos do sujeito.

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Da natureza desigual do parceiro ressaltam diferenças marcadas entre a


função da mãe face ao bebê (tomado como exemplo inicial) e a função
maternal do terapeuta. No exercício de sua função maternal, cujo êxito
depende de sua aptidão a uma identificação renovada com o paciente (de
sua qualidade de empatia), o terapeuta dispõe da situação face à face, que
lhe permite mímicas, atitudes, gestos, capazes de constituir intervenções
mínimas facilmente apreendidas pelo paciente na maioria das vezes. Ele
dispõe principalmente de sua fala (cujo sentido se lê também em seu rosto)
e, sem julgamentos de valor ou se servindo de alguns deles apenas
esboçados, comenta suas próprias palavras e ações...como comenta o que
seu paciente lhe conta sobre o que se passa durante as sessões ou fora
delas (nos dois casos, como uma mãe faz). Essa relação descritiva
aparentemente igualitária (o terapeuta não expõe, é claro, tudo o que
pensa) e as correlações eventuais que cada um pode fazer das
declarações do outro são capazes de assegurar as primeiras bases de
uma proximidade bilateralmente identificatória.

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Nestas condições, o terapeuta, dando-se conta das projeções primárias do


paciente e respeitando-as, pode se propor (incitação dissimulada) como
exemplo de uma conduta ao mesmo tempo paralela à do paciente e,
entretanto, bem diferente dela (disso podem resultar traços mnésicos no
mínimo superficiais e provisórios); ele não se propõe sobretudo como
modelo. Oferecendo assim seus próprios sistemas elementares de
sensibilidade, de comportamentos e de representações (eventualmente de
defesas rudimentares), progressivamente desempenha o papel das
funções fragilizadas (primeiramente expressivas de instintos às vezes
violentos) no sujeito, abandonando esse papel assim que perceber os
primeiros sinais de independência, a revivescência das funções em
questão.
A função maternal do psicoterapeuta – ou até mesmo do especialista em
psicossomática – não é acompanhada, de ordinário (fora das relaxações),
de nenhuma aproximação física particular com o paciente.

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13.6 Intervenções pouco interpretativas

O terapeuta percebe sem seus próprios afetos as linguagens do paciente.


Ele lhes dá, em seus próprios termos, uma significação que remete ao
paciente, sob forma de intervenções diversamente explicativas. Pôr essa
razão, as intervenções contêm sempre uma certa dose de interpretação.
Todavia, há uma grande distância entre as intervenções descritivas e
iniciativas da função maternal e as interpretações de tipo psicanalítico.
As intervenções terapêuticas distanciam-se daquelas do início da função
maternal quando, após uma desorganização, o paciente tiver recuperado
uma parte de seu funcionamento psíquico libidinal – mesmo regressivo –
(em oposição ao funcionamento operatório), ou quando apresentar de
saída tal funcionamento. Ele dá então testemunho de representações pré-
conscientes oriundas de afetos, perceptivas senão figurativas, mas de
qualquer maneira sujeitas à elaboração, assim como de identificações e de
interiorizações objetais mais ou menos superficiais. A reserva mental de

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tipo anal secundária do paciente, os mecanismos de introjeção e de


projeção, mantidos até a existência de uma transferência, permitem
verdadeiras interpretações justamente ditas “na transferência” mas, na
maioria das vezes, afastamo-nos então do tratamento dos estados ou
crises somáticas de grandes riscos vitais. O conjunto dos fenômenos
atinentes merece um exame.

Para chegar ao cerne da questão, devemos citar Catharine Parat 1 que,


com as úteis referências freudianas, trata nossos problemas terapêuticos
no quadro analítico.”...O efeito terapêutico encontra-se ligado a dois
elementos relacionais, a transferência e a relação (que se pode chamar
também de ‘transferência de base’)...”É supérfluo definir aqui a
transferência e as resistências pela transferência e à transferência cuja
análise hic et nunc constitui o próprio corpo da técnica analítica...a relação
corresponde ao investimento pelo paciente da pessoa do analista,
investimento marcado pôr confiança...Esse investimento baseia-se em

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elementos subjetivos, projetivos..., elo espontâneo, inter-humano, de


tonalidade positiva, que deriva dos primeiros vínculos e se enriquece com
vivências secundárias, e também em elementos objetivos percebidos pelo
paciente desde os primeiros contatos, imprecisos ou sutis...Na situação
analítica mais clássica, a relação pode se tornar evidente apenas no final
do tratamento, quando as projeções transferenciais desapareceram,
mostrando a corrente inter-relacional. Se a situação sofá-poltrona facilita a
transferência, a situação face à face descobre mais depressa a relação...
“As psicoterapias de pacientes atingidos pôr afecções somáticas
inscrevem-se entre aquelas onde a relação ocupa um lugar primordial.
Com efeito, trata-se primeiramente aqui de auxiliar para o restabelecimento
de um equilíbrio homeostático. Os meios utilizados têm pôr objetivo uma
reorganização tópica (no sentido da primeira e Segunda tópicas
freudianas), que se encontra habitual ou temporariamente deficiente.
Considerando a ação desorganizada da interpretação transferencial

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clássica, sua utilização encontra-se reduzida em detrimento da


manutenção, até mesmo da cultura de uma relação.”

Deixemos de lado os problemas referentes à transferência, amplamente


discutidos em outros textos, para retomar o objetivo, os meios e os modos
de aplicação das intervenções pouco interpretativas. Essas se dirigem,
portanto, ou aos sujeitos insuficientemente mentalizados, inaptos a atingir
uma posição transferencial, ou aos sujeitos no decorrer de reorganização
mental, ou àqueles cuja organização mental permanece incerta e que não
atingem senão fugidiamente essa posição. Neste último caso, de
irregularidades agudas e repetidas do funcionamento psíquico onde, de
repente, a relação do paciente, evidentemente transferencial, acompanha
um período de plena mentalização infelizmente sem futuro, o terapeuta
desconfia bastante tempo antes de interpretar “na transferência”, em razão
dos riscos de precipitar a desorganização de um nível que parecia atingido.

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O objetivo das intervenções pouco interpretativas é assim, antes de


qualquer análise profunda (a do conflito edipiano, pôr exemplo), fazer com
que desapareçam os estados de aflição e as depressões essenciais,
geradoras e mantenedoras de doenças somáticas freqüentemente graves,
organizando ou reorganizando da melhor maneira, até uma disponibilidade
regular e durável, se possível, o aparelho psíquico mau, medíocre ou
incerto dos pacientes.
Os meios dessa ambição, cuja distância se mede com freqüência e que
passam pela animação da relação paciente-terapeuta (e das relações
externas do paciente). Trata-se, entre outras coisas, de não encerrar o
sujeito no sistema atual da relação (maternal ou de base, pôr exemplo),
nem de aí se encerrar a si mesmo. Os meios passam também pela
manutenção do funcionamento psíquico existente e pôr sua abertura a um
desenvolvimento mais amplo. Auxiliando o paciente a verbalizar,
considera-se: a solução progressiva dos conflitos; sua colocação em
evidência; em seguida, sua interiorização mais realizável em termos de

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castração e de Édipo, no que diz respeito ao essencial. Também se


considera o reequilíbrio dos investimentos (narcísicos, objetais, eróticos,
agressivos, sublimatórios) segundo as necessidades, os desejos e as
capacidades do paciente, graças ao sentimento que este último adquire de
sua economia pessoal e da organização possível desta (princípios de
prazer e da realidade).
Os modos de intervenção do psicoterapeuta consistem eventualmente: em
fazer perguntas ao paciente para saber mais dele; em responder às
perguntas para que o paciente saiba o que se faz com ele; em ensinar ao
paciente, com intenção narcisante (sem ultrapassar, a cada vez, seus
desejos imediatos de saber), os mecanismos globais da psicoterapia, que
procuram fazer com que se conheça mais; em fazer o sujeito tomar
consciência de seus funcionamentos mentais, de comportamento,
somáticos também e, para fazê-lo, em explicar até mesmo didaticamente,
sem temer demonstrar posições intelectuais.

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As tentativas de fazer o sujeito tomar consciência de seus funcionamentos


mentais não têm, pôr vezes, nenhum risco; em outras, estão cheias de
armadilhas. Parecem não ter riscos: quando se desenvolvem os
movimentos gerais da primeira tópica (Ics, Pcs, Cs), bem como os de
recalcamento, servindo-se de exemplos imediatos fornecidos pelo
paciente; quando se demonstra a violência universal do Id, o lugar limitado
que é melhor reservar a suas expressões de comportamento e a ampla
porção desejável a suas elaborações mentais, a freqüência de uma
ambivalência dos sentimentos dos sentimentos, as formas extremas das
angústias, as funções globais do Ego, o valor das instâncias temporizadas
e moderadoras (pára-excitações) diante das necessidades ou das
exigências, com freqüência primeiramente exteriores, depois interiores;
quando se explica e se ilustra com as próprias produções do sujeito a
formação da representações e a circulação associativa destas pôr ocasião
de afetos; quando se interessa o paciente pôr suas atividades oníricas
cujos diferentes mecanismos são desmontados; quando se expõe, sempre
com exemplos provenientes do sujeito, os diferentes sistemas de imitação,

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de identificação e de interiorização dos diversos níveis que se pode


perceber.
As tentativas de fazer o sujeito tomar consciência de outros fenômenos
psíquicos tornam-se às vezes perigosas: quando se recupera a forma
conflitual do nível mais ou menos interiorizado que desencadeou
anteriormente uma desorganização psicossomática, quando se descobrem
as projeções, quando se colocam em jogo as posições caracteriais, pôr
exemplo. Nestes casos, convém sobretudo agir com “a prudência do
desarmamento de uma mina”, não forçando a liberdade do paciente para
afastar os problemas em questão, deixando-o em sua deriva e se retirando
da tentativa inicialmente engajada.
Outros modos de intervenção: utilizar métodos comparativos entre o
paciente e o próprio terapeuta, métodos que favoreçam as identificações e,
além das interiorizações, as introjeções e as idealizações (mantidas
entretanto em um nível exato); explorar os interesses comuns da ordem
das sublimações artísticas, artesanais, profissionais, sociais pôr exemplo,

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permutando um e outro, conforme a competência, as técnicas, suas


precissões seu valor na economia de cada um; justificar tanto as
regressões quanto as progressões, salientando os benefícios desses
movimentos, explicar também a razão das retomadas sintomáticas;
encorajar freqüentemente as transferências laterais, marcando, no entanto,
ao final de um tempo, seu nível e seu valor de adaptação ao paciente
(sabe-se que, em certos casos, é um investimento lateral ao do terapeuta
que, desenvolvido convenientemente, com a retirada deste, permite a
interrupção – às vezes pôr muito tempo, até mesmo definitivamente- da
psicoterapia); encorajar da mesma maneira os benefícios narcísicos
secundários, sem hesitar em ressaltar todavia, se for preciso, o alcance
algumas vezes anulador destes.
Digamos, sobre às intervenções não analíticas, que estas podem dizer
respeito ao estado somático dos pacientes. Pode-se com freqüência
explicar, com os meios de que dispõe simultaneamente o terapeuta e o
paciente, em que consiste a doença, sua evolução e seu desenvolvimento

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habituais, assim como as ambições do tratamento psicoterápico. Uma


intenção precisa do terapeuta é circunscrever a doença para constituí-la
em objeto representável, que figura entra as outras representações do
sujeito. Pode-se também interessar o paciente pelas relações de seus
processos psíquicos e de seus processos somáticos, tanto acerca do
desencadeamento, das recaídas ou das estagnações da doença quanto a
cerca das melhoras de seu estado. Deve-se salientar particularmente as
marcas de reversibilidade da afecção e sua motivação, quando uma
melhora se delineia.

13.7 Incidentes e acidentes do tratamento psicoterápico

Numerosos acontecimentos mais ou menos imprevistos, que podem


ocorrer ao longo da psicoterapia, foram anteriormente considerados.
Assim, vamos apenas agrupá-los e esquematizá-los:

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As quedas de nível do funcionamento mental alertam o psicoterapeuta.


Elas são, com efeito, capazes de desencadear novas manifestações
somáticas, às vezes relativamente benignas (crises da doença habitual
reversível, pôr exemplo); outras, mais ameaçadoras (aparecimento de uma
nova patologia ou retomada de uma afecção evolutiva, pôr exemplo). Com
as doenças reversíveis, não é raro que a doença somática se manifeste
sob forma de uma crise, antes mesmo que uma variação do funcionamento
mental tenha podido ser percebida.
O que importa, antes de mais nada, é encontrar a causa das modificações
mentais ou somáticas que se produziram. A exploração efetua-se em dois
setores. O da sobrevinda de acontecimentos traumatizantes novos
exteriores à terapêutica, o mais das vezes: mudança na organização
familiar ou social, inoportunidade de parceiros novos, inabilidades,
equívocos ou reviravoltas (mais ou menos interpretadas) na atitude de um
interlocutor (inclusive médico) habitual. O da sobrevinda de conflitos no
próprio interior da psicoterapia, em relação a inabilidades do terapeuta:

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seja em razão de excesso ou de insuficiência de excitações ou de pára-


excitações, seja em razão de uma negligência de atitudes de contra-
relação ou de contra-transferência, seja no enleamento de uma
psicoterapia de rotina.
O alerta dado pôr uma queda de nível do funcionamento mental ou pôr
novas manifestações somáticas do paciente permite ao terapeuta, na maior
parte do tempo, dirigir melhor a caminhada terapêutica. Contudo, e desta
vez sem que o terapeuta possa apreciar suas motivações profundas,
rupturas inopinadas dos tratamentos podem ocorrer quando estes já estão
amplamente engajados. Elas podem responder às sobrecargas conflituais
anteriormente evocadas.
Em uma outra ordem de idéias e de sentimentos, há entretanto fatalidades,
às quais o terapeuta quase não pode se opor. Estas provêm, na maioria
das vezes,: ou da evolução, subjacente a seu trabalho e mais ou menos
silenciosa, de uma doença evolutiva que, pela autonomia de seu
desenvolvimento (canceres, pôr exemplo), pôde escapar à hierarquia

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funcional da ordem psicossomática habitual; ou da manutenção de uma


pressão conflitual exterior demasiado grande ou do acúmulo dos conflitos
de realidade dos quais o paciente não pode se libertar, mesmo com a
ajuda psicoterápica; ou da ruptura (perda de parentes próximos ou
mudança de disposições administrativas, pôr exemplo) de uma assistência
familiar ou social necessária aos pacientes em um estado crítico. Para
nunca se desencorajarem, os psicoterapeutas devem conhecer a
existência da tais fatalidades.
A cura espontânea (com freqüência indiretamente relatada) de certos
pacientes, mesmos graves, serve de objeto de estudo (se possível de
ordem econômica) aos terapeutas. A remissão dos sintomas, no decorrer
das psicoterapias, desperta a atenção do terapeuta e quando o paciente
não se aproveita disso para romper (muitas vezes ele se enganaria ao
fazê-lo), aviva sua fiscalização do mesmo modo que os outros incidentes e
acidentes do tratamento.

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13.8 Situações particulares e excepcionais

A prática psicoterápica realiza-se na maioria das vezes face à face no lugar


(institucional ou particular) onde trabalha o psicoterapeuta. Estes podem
entretanto ser obrigados a adotar certas medidas particulares, menores ou
maiores, que rompem com seu exercício habitual.

Trocas de cartas ou contatos telefônicos, regulares (antecipadamente


determinados) ou irregulares (ao sabor dos pacientes que geralmente não
abusam disso) permitem manter uma certa relação freqüentemente
necessária com os pacientes graves.
Em outras circunstâncias, pacientes ausentam-se de suas sessões durante
longo tempo, hospitalizados pôr causa de uma crise de sua doença ou pôr
causa do aparecimento de uma afecção intercorrente. O terapeuta desloca-
se então para que a psicoterapia não seja totalmente interrompida.

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Alguns terapeutas trabalham em emergências médicas ou cirúrgicas.


Acham-se confrontados com pacientes que acabam de passar pôr crises
penosas, na véspera ou no dia que se segue intervenções sérias,
pacientes freqüentemente desorientados, às vezes em estado de choque,
até mesmo pré-comatoso. Seu trabalho, na linha geral que desenvolvemos,
repousa em uma sensibilidade de percepção e de interpretação dos sinais
(e de suas variações) que traduzem a situação afetiva, as necessidades e
os desejos dos pacientes (conforme a função maternal) e proporciona
intervenções precisas. O auxílio dos especialistas em psicossomática aos
pacientes de urgência (e às emergências correspondentes) revela-se
indispensável em vista dos resultados positivos, até mesmo inesperados,
que pode proporcionar.
O relaxamento – Em um texto inédito, Carmem Colsy observa: “O
relaxamento tornou-se há vários anos uma noção à qual freqüentemente
se apela em uma linguagem corrente...Utilizado pôr Ambroise Paré no
século XVI, o verbo relaxar desapareceu do vocabulário médico e, como

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muitos outros termos, retornou, sob forma de substantivo, dos países


anglo-saxões, com o sentido de repouso que lhe conferimos atualmente.

Vejamos agora uma recente conferência de Gisèle de M’Uzan 2 e


citemos algumas passagens:

“... Se todos os métodos de relaxamento agora existentes assemelham-se


à técnica de Schultz, eles se enriquecem singularmente com Ajuriaguerra e
sua equipe, nos anos 50-60, fazendo da experiência tônica um elemento
da relação com outrem. Foi sobre essa abordagem que baseei minha
experiência, na qual a redescoberta pelo sujeito de seu próprio corpo inclui
uma relação significativa com o terapeuta... O relaxamento torna-se assim
um relaxamento psicoterápico engajando um processo que aciona toda
uma dinâmica relacional... Uma formação analítica clássica (do terapeuta)
é praticamente necessária, mesmo que a técnica se refira o mais das

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vezes a casos que não podem ser abordados diretamente pela psicanálise
ou pôr uma psicoterapia analítica... Considerando a particular sensibilidade
do paciente somático às excitações, reduzi-las tanto quanto possível, é
uma necessidade. As próprias condições do tratamento de relaxamento
reagem a isso. Do mesmo modo, a atitude do terapeuta deve responder a
essa exigência, não sendo nem demasiado neutra, nem demasiado
frustrante, nem demasiado intrusiva... No que concerne às afecções
somáticas com graves alterações biológicas, minha técnica é utilizada de
modo a permitir uma regressão profunda, na qual sujeito-objeto ficam
confundidos, dando preferência às intervenções que englobam a própria
corporalidade do paciente... Em geral e em todos esses casos, esses
tratamentos desenvolvem-se amplamente sobre um plano infra-verbal,
tendo o paciente que manter contato com o objeto idealizado em uma
relação a-conflitual. É claro que os conflitos nunca estão ausentes... evito,
tanto quanto possível, a negativação da relação contra-transferencial. Com
esse intuito, eu me organizo para que toda a negatividade seja projetada
ou colocada fora da relação terapêutica, servindo-me, se for preciso, de

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transferências laterais... Quando o engajamento na terapia torna-se mais


profundo, não se deve hesitar em puxar tudo para a transferência... O
silêncio, a penumbra, a posição deitada e também o toque quando do
controle, a mobilização dos membros, o ritmo da respiração, do coração,
constituem fatores de regressão específicos do relaxamento, já que se
dirigem ao processo de organização do esquema corporal... É talvez
justamente através do conhecimento do valor do toque do terapeuta sobre
o paciente que se produzirá o fenômeno de base que vai instalar uma certa
qualidade de aceitação ou de rejeição do terapeuta... As instruções do
tratamento situam-se primeiramente no nível fisiológico. A busca do
relaxamento é então fundamental... O importante é que essa busca... dê ao
paciente a possibilidade de tomar consciência de suas modificações
tônicas...
“ A autora considera então os tipos extremos de evolução dos pacientes e
das modalidades técnicas que se adaptam a eles: “... Não há substituição
de uma modalidade pôr outra mas (pode se instaurar) uma alternância

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entre dois tipos de funcionamento, um onde uma redução transferencial é


possível e outro onde é necessário retornar com o paciente à pura busca
do repouso... Assim, (o paciente) fará uso do relaxamento, enquanto não
tiver adquirido a riqueza fantasmática e as possibilidades de elaboração
(mental) suficientes... Quando a mentalização não se opera (neuroses de
comportamento, pôr exemplo)... convém se ater geralmente aos resultados
positivos... do repouso...
“G. de M’Uzan determina a seguir alguns aspectos da técnica: evitação do
recurso à sugestão, modalidades do final das sessões, do final do
tratamento, “desmame”, conselhos aos pacientes “... para adquirir uma
autonomia maior (a fim de que) a responsabilização não seja excessiva...
para introduzir no (no exterior) os exercícios em outras posições mais
habituais: sentado, em pé, só, acompanhado, em todas as situações ativas
da vida... O controle cessa assim que o paciente toma ele próprio
consciência de seu relaxamento global.

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“Finalmente, ela salienta as indicações nos pacientes somáticos: “... Se


concebermos facilmente a utilização do relaxamento no que é dominado
pôr uma sintomatologia que afeta a sensório-motricidade, a experiência
nos ensinou que mesmo quando a limitação à consideração dos problemas
tônicos e musculares é exigida, atingimos outros níveis; humorais em
particular... quanto mais a circulação entre as diferentes partes do aparelho
psíquico se encontrar barrada, mais o relaxamento psicanalítico será uma
indicação preferencial na escolha terapêutica”.
Adotamos as idéias de G. de M’Uzan2 e pensamos que um tratamento de
relaxamento é desejável para os especialistas em psicossomática, tanto
para si mesmos quanto para sua prática.

1 – Parat C. (1966), L’organisation génitale du stade oedipien, in


Revue française
de psychanalyse, 167, 31, nº 5, p. 743-812.

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2 – M’Uzan G. de (1981), Relaxation et psychanalyse, in Revue


française
de Psychanalyse, XLV, nº 2, p. 379-390

Bibliografia : MARTY, Pierre – A Psicossomática do Adulto – Artes


Médicas, 1993

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CONCLUSÃO

Do início desta reflexão até agora, tendo pôr referência o texto utilizado, o
percurso foi sempre o de analisar como um indivíduo se comporta em
relação à vida e seus atributos favoráveis ou desfavoráveis ao alcance da
felicidade, as maneiras peculiares como ele pode driblar as dificuldades
que se lhe apresentam (e que dependem fundamentalmente de suas
características psíquicas peculiares) e, paralelamente, em que o fato de ele
viver em comunidade e tentar construir uma civilização que o sustente e o
direcione paradoxalmente dificulta a busca dessa felicidade. A
impressionante atualidade das reflexões de Freud, mais de meio século
depois, só pode ser explicada se pudermos perceber que, antes de mais
nada, a essência de tudo o que aparece no texto reside no humano e seus
paradoxos, para além dos conceitos psicossomáticos, mas extremamente
bem consubstanciado pôr eles. Vivemos em meio a uma pandemia que,
pôr si, só pode existir se existirmos e nos relacionarmos intimamente. E

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que surge alguns anos após uma explosão em busca da liberação de


instintos básicos, de conquistas imediatas de prazer; que surge
concomitantemente a uma generalização da violência, que se expande
para o cotidiano da cada um, mormente àqueles que vivem aglomerados
nas grandes metrópoles que, pela característica que têm de aglomerar um
número imenso de pessoas tão diferentes entre si em um mesmo “espaço
social”, expõe mais abertamente os paradoxos da vida humana. Não é
difícil, desse ponto de vista, imaginar a ocorrência de uma doença que
aparece inicialmente em grupos socialmente marginalizados, como uma
reprodução simbólica do desejo da sociedade em se livrar daquilo que
nunca quis que existisse, mas que, pôr ser humano, nunca deixou de
existir. Todas as sociedades em todas as épocas tiveram de conviver com
pessoas ou grupos, maiores ou menores, contra os quais têm de lutar para
impor as regras do momento, ou dos quais se escondem de tal forma que
parecem eles os marginalizados, tamanha exuberância do desejo que
carregam diante da medíocre máscara social do correto e do aceito pôr

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uma ou outra “seita” política, racial, econômica e, principalmente,


intelectual.
Esta foi a proposta desta monografia e nesta conclusão, ... é um
contínuo princípio, ... pela magnitude do ser humano, e tudo recomeça...
Trato Gastrintestinal1 – Bom exemplo de transtorno psicossomático que a
psicanálise interpreta como resultado físico de uma atitude inconsciente é a
úlcera péptica, tal qual a vê o trabalho de pesquisa feito pelo Chicago
Psychoanalytic Institute.
As pessoas que têm atitude exigente receptivo-oral, cronicamente
frustrada, e que a reprimiram, manifestando com freqüência
comportamento muito ativo do tipo da formação reativa, mostram,
inconscientemente, “fome de amor” permanente; para ser mais exato,
pode-se até dizer que “têm fome das provisões narcísicas necessárias”, a
palavra “fome” sendo de empregar-se, neste contexto, literalmente. Esta
fome permanente faz que procedam como procede quem está realmente
esfomeado. A mucosa gástrica começa a secretar, do mesmo modo que no

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caso de quem está esperando comida, sem que esta secreção tenha
qualquer outra significação psíquica específica. A hipersecreção crônica é
a causa imediata da úlcera; e esta é a conseqüência fisiológica incidental
de uma atitude psicogênica; não é satisfação disfarçada de instinto
reprimido.
Pode-se questionar a validez desta etiologia para todos os casos de
úlcera. É possível que as alterações funcionais resultante em certos casos,
do erotismo oral reprimido, se originem, em outras situações, de causas
puramente somáticas.
É fácil compreender que uma colite resulte de impulsos anais
inconscientes, continuamente atuantes, do mesmo modo que a secreção
do suco gástrico é produzida pôr exigências orais inconscientes. Colite
desta ordem é conseqüência da pressão eliminativa e retentiva que
cronicamente atua sobre o organismo, assim como uma úlcera pode
seguir-se a pressão receptiva crônica. O próprio conflito entre tendências
eliminativas e retentivas pode determinar-se de várias formas: representa

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simples conflito entre excitação sexual (anal) e o medo; ou representam as


fezes objetos introjetados que a pessoa quer tanto conservar quanto
eliminar.
As crianças que gostam de prolongar a defecação (pelo prazer da
retenção ou pelo medo) vêm a desenvolver, mais tarde, constipação; a
retenção, voluntária de início, tornou-se sintoma psicossomático. A
persistência de uma constipação tem de influenciar a musculatura lisa do
trato intestinal. Um cólon espástico, ou seja, a propensão a reagir a vários
estímulos com constipação, ou diarréia, ou uma coisa e outra, tanto pode
ser equivalente da ansiedade quanto sinal de que o paciente se fixou na
fase anal do seu desenvolvimento libidinal. Seja qual for o estímulo que
tenha iniciado a excitação, a execução é intestinal. Também pode ser
sintoma de agressividade permanente e reprimida; às vezes, vingança de
frustrações orais. Assim, pois, em estrato mais profundo, a diarréia
exprimirá generosidade ou disposição para o sacrifício; ou reflitirá fantasias
que dizem respeito a objetos internalizados.

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Na neurastenia, a constipação é um dos sintomas característicos,


conseqüente ao fato de que a “retenção”, caracteriza o estado de
represamento, básico da neurastenia. Também entre os sintomas
psicossomáticos, se vêem com freqüência sintomas de retenção. Os
sintomas psicossomáticos são também, contudo, “descargas de
emergência”. Uns tantos são compromissos entre retenção e eliminação;
há casos de colite espástica em que a constipação e a diarréia alternam.
Certos tipos de defecação patológica revelam angústia de castração,
deslocada para a esfera anal.
Alexander partiu da relação entre a úlcera e a colite para sugerir a idéia
de que seria possível compreender em sua índole específica as neuroses
em geral e os transtornos psicossomáticos em particular medindo a
participação relativa das três direções básicas segundo as quais atuam as
tendências do organismo para o mundo exterior; recepção, eliminação,
retenção. Chamou análise vetorial a investigação da participação relativa

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destes três fatores em determinado fenômeno. O seu ponto de vista é útil,


pôr exemplo, quando se estuda a etiologia diferencial de úlcera e colite.
“A dimensão representada pela economia psicossomática, parece
explicável pelo fato de dizer respeito a todos os seres vivos e pôr isso
mesmo ir ao encontro das preocupações atuais dos biólogos,
imunologistas e biofísicos”.
Abordar o problema geral, que podemos enunciar assim, “ o que é que
nos permite continuar vivos, ou o que nos faz morrer e pôr que?”.
É a luta contínua do ser humano, pesquisas, achados, deduções e
conclusões; um assunto inesgotável ... O ser humano!

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1 - Fenichel, Otto “Teoria Psicanalítica das Neuroses”, Cap. 13 pág.


229-230

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