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Biblioteca Melanie Klein

06 - PRINCÍPIOS PSICOLÓGICOS DA ANÁLISE INFANTIL


(1926)
No seguinte artigo me proponho examinar em detalhe certas diferenças entre a vida
mental dos meninos pequenos e a dos adultos. Estas diferenças requerem que usemos uma
técnica adaptada à mente do menino pequeno, e tratarei de demonstrar que há uma verdadeira
técnica de jogo analítica, que cumpre com este requisito. Esta técnica está planejada de acordo
com certos pontos de vista que examinarei com algum detalhe neste artigo.

Como sabemos, os meninos formam relações com o mundo externo dirigindo para os
objetos dos que se obtém prazer à libido originalmente afeiçoada exclusivamente ao próprio eu
do menino. A relação do menino com estes objetos sejam viventes ou inanimados, é em
primeiro lugar narcisista. No entanto, é deste modo como os meninos chegam a ter relações com
a realidade. Quisesse agora ilustrar com um exemplo a relação dos meninos pequenos com a
realidade.

Trude, uma menina de três anos e três meses, foi-se de viagem com a mãe depois de
uma única sessão de análise. Seis meses depois reiniciei a análise. Foi só depois de tempo
considerável que falou de algo que tinha passado nesse intervalo, e a ocasião em que a fez foi
durante o relato de um sonho. Sonhou que estava novamente em Itália com sua mãe, num
restaurante familiar. A garçonete não lhe dava xarope de fruta, porque não ficava mais. A
interpretação deste sonho mostrou, entre outras coisas, que a menina sofria ainda da privação do
peito materno imposta pelo desmame; ademais, revelou sua inveja a sua irmã. Pelo geral, Trude
me contava toda classe de coisas aparentemente irrelevantes, e também mencionava
repetidamente detalhes de sua primeira sessão analítica, seis meses atrás, mas era só a conexão
com as frustrações que tinha experimentado o que lhe fazia pensar em suas viagens, que por
outra parte não tinham interesse para ela.

Numa idade muito temporã os meninos começam a conhecer a realidade através das
privações que esta lhes impõe. Defendem-se a se mesmos contra a realidade repudiando-a. No
entanto o fundamental e o critério de toda capacidade anterior de adaptação à realidade, é o grau
em que são capazes de tolerar as privações que resultam das situações mesmas. Daí que
inclusive em meninos pequenos, um repúdio exagerado da realidade (com freqüência encoberto
sob uma aparente "adaptabilidade" e "docilidade") é uma indicação de neurose e difere da
fugida da realidade do adulto neurótico só nas formas em que se manifesta. Portanto, inclusive
na análise de meninos pequenos, um dos resultados finais a obter é a adaptação exitosa à
realidade. Uma forma em que isto se manifesta nos meninos é a modificação das dificuldades
que apresentam em sua educação. Em outras palavras, estes meninos se fizeram capazes de
tolerar frustrações reais.

Podemos observar que os meninos mostram com freqüência, já ao principio de seu


segundo ano, uma marcada preferência pelo progenitor do sexo oposto e outros indícios de
tendências edípicas incipientes. Quando começam os conflitos subseqüentes, isto é, em que
ponto o menino chega a estar realmente dominado pelo complexo de Édipo, é menos claro, já
que deduzimos sua existência só de certas mudanças que advertimos no menino.
A análise de um menino de dois anos e nove meses, outro de três anos e três meses, e
variados de arredor de quatro anos, levou-me à conclusão de que neles o complexo de Édipo
exerceu uma profunda influência já em seu segundo ano de vida 1. Ilustrarei isto com o
desenvolvimento de uma pequena paciente. Esta mostrou preferência por sua mãe até o começo
de seu segundo ano; depois mostrou uma atraente preferência pelo pai. Por exemplo, aos quinze
meses repetidamente pedia ficar só com ele na habitação, sentar-se em seus joelhos, olhar livros
junto com ele. Mas aos dezoito meses, sua atitude mudou novamente, e preferiu outra vez à
mãe. Simultaneamente começou a sofrer terrores noturnos e medo aos animais.

1 Com esta conclusão está estreitamente conectada uma segunda, que só posso indicar aqui. Numa série
de análise de meninos descobri que a eleição da menina do pai como objeto de amor seguia ao desmame. Esta
privação, que é seguida da aprendizagem de hábitos higiênicos (processo que se apresenta ao menino como um novo
e penoso retiro de amor), afrouxa o vinculo com a mãe e faz que comece a funcionar a atração heterossexual,
reforçada pelas carícias do pai, que são agora interpretadas como sedução. Como objeto de amor, também o pai serve
em primeiro lugar ao propósito de gratificação oral. No articulo que li no Congresso de Salzburgo em abril de 1924,
dei exemplos para mostrar que os meninos concebem e deseja o coito ao princípio como ato oral. Creio que o efeito
destas privações no desenvolvimento do complexo de Édipo nos varões é ao mesmo tempo inibitório e propulsor. O
efeito inibitório destes traumas se vê no fato de que é a eles aos que o menino retrocede em seguida, quando trata de
escapar de sua fixação à mãe; e reforçam sua atitude edípica investida. A circunstancia de que estes traumas, que
preparam o caminho para o complexo de castração procedam inclusive da mãe é também, como pude ver a razão de
por que em ambos os sexos é a mãe a que nos estratos mais profundos do inconsciente é especialmente temida como
castrador. Ademais, por outra parte, as privações orais e anais de amor parecem promover o desenvolvimento da
situação edípica nos varões, já que os impulsionam a mudar sua posição libidinal e a desejar à mãe como objeto de
amor genital.

Desenvolveu uma excessiva fixação à mãe e uma muito profunda identificação com o
pai. Ao começo de seu terceiro ano manifestou crescente ambivalência, e era tão difícil criá-la
que quando tênia dois anos e nove meses foi trazida ao tratamento analítico. Nesta época tinha
mostrado por alguns meses uma considerável inibição no jogo, incapacidade para tolerar
frustrações, excessiva sensibilidade à dor e marcado mau humor. As seguintes experiências
contribuíram a este desenvolvimento. Até a idade de quase dois anos Rita dormiu na habitação
de seus pais, e os efeitos da cena primária se mostraram claramente em sua análise. No entanto,
a ocasião da irrupção de sua neurose foi o nascimento de seu irmãozinho. Pouco depois disto se
manifestaram dificuldades ainda maiores que aumentaram rapidamente. Não pode ter dúvidas
de que há uma estreita conexão entre a neurose e efeitos tão profundos do complexo de Édipo
experimentados em idade tão temporã. Não posso determinar se é a meninos neuróticos a quem
a atuação temporã do complexo de Édipo afeta tão intensamente, ou silos meninos se voltam
neuróticos quando este complexo se instala demasiado cedo. É, no entanto, seguro que
experiências como as que mencionei aqui fazem o conflito mais grave, e que portanto ou
incrementam a neurose ou provocam sua irrupção.

Selecionarei agora deste caso os rasgos que as análises de meninos de diferentes


idades me ensinaram que são típicos. Se os vê mais diretamente na análise de meninos
pequenos. Em vários casos nos que analisei ataques de angústia em meninos muito pequenos,
estes ataques resultaram ser a repetição de um terror noturno que tinha ocorrido na segunda
metade do segundo ano e ao começo de seu terceiro ano. Este temor era ao mesmo tempo um
efeito de uma elaboração neurótica do complexo de Édipo. Há muitas elaborações deste tipo,
que nos levam a estabelecer conclusões firmes sobre os efeitos do complexo de Édipo 2 .

Entre estas elaborações, nas que era muito clara a vinculação com a situação edípica,
deve recalcar-se a forma em que os meninos freqüentemente se caem e se magoam sua
hipersensibilidade, sua incapacidade de tolerar frustrações, suas inibições de jogo, sua atitude
ambivalente para ocasiões festivas e presentes, e finalmente diversas dificuldades na criação que
com freqüência fazem sua aparição a uma idade surpreendentemente temporã. Mas encontro
que a causa destes fenômenos muito comuns é um sentimento de culpa particular mente forte,
cujo desenvolvimento examinarei agora com detalhe.

2 A estreita conexão de tais elaborações com a angústia já foi demonstrada por mim em minha capitulo
sobre " Análise infantil", no que examinei a relação entre angústia e inibição.

Mostrarei com um exemplo quão intensamente o sentimento de culpa opera inclusive


no terror noturno. Trude, à idade de quatro anos e três meses, jogava constantemente durante a
sessão a que era de noite. Ambas tínhamos que nos ir a dormir. Depois saía ao que chamava sua
habitação, vinha discretamente para mim e me fazia toda classe de ameaças, ia-me a apunhalar a
garganta, arrojar-me ao pátio, queimar-me ou entregar-me à polícia. Tratava de atar minhas
mãos e pés, levantava a cobertura do sofá e dizia que estava fazendo "po -cocô-cucú" 3 .

Resultou que estava olhando no "popo" da mãe para ver se tinha cocôs, que para ela
representavam o menino. Outra vez quis colar-me no estômago e declarou que estava sacando
as "a-a" (fezes), e deixando-me pobre. Depois sacou os almofadões, aos que repetidamente
chamava "meninos" e se escondeu com eles no rincão do sofá, no que se agachou com intensos
signos de medo, cobriu-se, seccionou o polegar e se urinou. Esta situação seguia sempre a seus
ataques para mim. Sua atitude era, no entanto, similar à que, quando ainda não tinha dois anos,
tinha adotado na cama quando começou a sofrer de intensos terrores noturnos. Também nesta
época costumava correr repetidamente à habitação de seus pais durante a noite sem poder dizer-
lhes que era o que queria. Quando nasceu seu irmão tinha dois anos, e a análise conseguiu
revelar que tinha em sua mente nessa época e também quais eram as causas de sua angústia e do
urinar e sujar a cama. A análise conseguiu também abolir estes sintomas. Nessa época já tinha
desejado roubar a sua mãe, que estava gestante, os filhos, matá-la e tomar seu lugar no coito
com o pai. Estas tendências ao ódio e a agressão eram a causa de sua fixação à mãe (que, à
idade de dois anos, estava-se voltando particularmente intensa), e também de seus sentimentos
de angustia e culpa. No período em que estes fenômenos eram tão proeminentes na análise de
Trude, se as arrumava para magoar-se quase sempre justo antes da sessão. Descobri que os
objetos com os que se magoava (mesas, armários, estufas, etc.) significavam para ela (de acordo
com a primitiva identificação infantil) à mãe, ou às vezes ao pai, que a castigava. Em geral
descobri, especialmente em meninos muito pequenos, que "estar constantemente em guerra" e
cair e magoar-se está estreitamente conectado com o complexo de castração e o sentimento de
culpa.

3 Popo: traseiro - Cocô: fezes - Cucú: olhar.

Os jogos dos meninos nos permitem formular certas conclusões especiais sobre o
temporão sentimento de culpa. Já em seu segundo ano, os que estavam em contato com Rita se
surpreendiam de seu arrependimento por qualquer travessura, por pequena que fora, e de sua
hipersensibilidade a qualquer tipo de reproche. Por exemplo, estourava em lágrimas quando seu
pai, jogando, ameaçava a um urso de um livro de lâminas. Aqui, o que determinou sua
identificação com o urso foi seu medo ao reproche do pai real. Também sua inibição de jogo
procedia de seu sentimento de culpa. Quando tinha dois anos e três meses declarava
repetidamente, quando jogava com sua boneca (jogo do que não desfrutava muito), que ela não
era a boneca-bebê de sua mãe. A análise revelou que ela não se animava jogar a ser a mãe
porque a boneca-bebê representava para ela entre outras coisas, a seu irmãozinho, que fala
desejada arrebatar a sua mãe, inclusive durante a gravidez. Mas aqui a proibição do desejo
infantil já não provia da mãe real, senão da mãe, cujo papel representou ante mim em diversas
formas, e quem exercia uma influência mais severa e cruel sobre ela que o que sua mãe real
tivesse feito nunca. Um sintoma obsessivo que Rita desenvolveu aos dois anos foi um ritual
noturno que implicava muita perda de tempo.

Seu ponto principal era que fazia questão de ser fortemente arrumada com o lençol por
medo a que "um rato ou uma butty (borboleta) poderiam vir através da janela e arrancar com os
dentes seu butty (genital)" 4. Seus jogos revelaram outros determinantes: a boneca tinha que ser
sempre arrumada igual que Rita mesma, e numa oportunidade pôs um elefante junto à cama da
boneca. Supunha-se que este elefante ia impedir que a boneca se levantasse; se não, entraria
furtivamente à habitação de seus pais e lhes faria dano ou lhes tiraria algo. O elefante (imago
paterna) tinha que tomar a parte do que punha obstáculos. Este papel o tinha representado o pai
introjetado dentro dela desde a época em que, entre os quinze meses e os dois anos, tinha
querido usurpar o lugar da mãe com o pai, roubar à mãe o menino com que estava gestante, e
danar e castrar os seus pais. As reações de ira e angústia que seguiam ao castigo à "menina"
durante esses jogos mostraram, ademais, que Rita estava representando internamente ambos os
papéis: o das autoridades que julgam e o do menino que é castigado.

4 O complexo de castração de Rita se manifesta numa série de sintomas neuróticos e no desenvolvimento


de seu caráter. Também seus jogos mostravam claramente sua forte identificação com o pai e seu temor a fracassar no
papel masculino, angústia que se originava no complexo de castração.

Um mecanismo fundamental e universal no jogo de representar um papel serve para


separar estas identificações operantes no menino, que tendem a formar um tudo único. Pela
divisão de papéis o menino consegue expulsar ao pai e à mãe que na elaboração do complexo de
Édipo absorveu dentro de si, e que agora o atormentam internamente com sua severidade. O
resultado desta expulsão é uma sensação de alívio, que contribui em grande parte ao prazer
extraído do jogo. Ainda que este jogo de representar parecesse com freqüência muito simples e
ser expressão só de identificações primárias, esta é só a aparência superficial. É de grande
importância na análise de meninos penetrarem por trás desta aparência. No entanto, pode ter um
pleno afeto ou terapêutico só se a investigação revela todas as identificações e elementos
subjacentes e, antes de qualquer coisa, se tenho os encontrado o caminho para o sentimento de
culpa que está aqui em ação.

Nos casos que analisei o efeito inibitório dos sentimentos de culpa foi evidente a uma
idade muito temporã. O que encontramos aqui corresponde ao que conhecemos como o
superego em adultos O fato de que suponhamos que o complexo de Édipo atinge seu ponto
culminante para o quarto ano de vida e que reconheçamos o desenvolvimento do superego como
o resultado final do complexo, parece-me que não contradiz de nenhum modo estas
observações. Esses fenômenos definidos, típicos, cuja existência pode reconhecer na forma mais
claramente desenvolvida quando o complexo de Édipo atingiu seu ponto culminante e que
precede a sua declinação, são somente a terminação de um desenvolvimento que dura anos. A
análise de meninos muito pequenos mostra que estes quanto surge o complexo de Édipo,
começam a elaborá-lo e daí a desenvolver o superego.

Os efeitos deste superego infantil sobre o menino são análogos aos do superego do
adulto, mas pesam bem mais sobre o débil eu infantil. Como nos ensina a análise dos meninos,
fortificamos este eu quando o procedimento analítico freia as exigências excessivas do
superego. Não pode ter dúvidas de que o eu de meninos pequenos difere do dos meninos
maiores ou do dos adultos. Mas, quando liberamos o eu do menino pequeno da neurose, resulta
perfeitamente adaptado às exigências da realidade que encontra exigências ainda menos graves
que as que se fazem aos adultos 5 .

5 Os meninos não podem mudar as circunstâncias de sua vida, como com freqüência fazem os adultos ao
final de sua análise. Mas um menino foi muito ajudado se, como resultado da análise, capacitamo-lo para sentir-se
mais cômodo nas circunstâncias existentes, e deste modo a desenvolver-se melhor. Ademais, fazer desaparecer as
neuroses nos meninos diminui com freqüência as dificuldades de sua mente. Por exemplo, repetidamente comprovei
que as reações da mãe eram muito menos neuróticas quando tinham lugar mudanças favoráveis em seus filhos depois
da análise.

Bem como a mente dos meninos pequenos difere da dos meninos maiores, assim
também sua reação à psicanálise é na temporã infância diferente da reação posterior.
Surpreendemo-nos com freqüência da facilidade com que em certas ocasiões são aceitas nossas
interpretações: inclusive às vezes os meninos expressam considerável prazer ante elas. A razão
pela qual este processo é diferente do que encontramos em análise de adultos é que em certos
estratos da mente infantil há uma comunicação bem mais fácil entre a consciência e o
inconsciente, e por conseguinte é bem mais fácil voltar sobre os passos do um ao outro. Isto
explica o rápido efeito de nossa interpretação, que por suposto nunca é formulada exceto
envelope a base de material adequado. No entanto, os meninos com freqüência produzem este
material com surpreendente rapidez e muita variedade. O efeito, ademais, é com freqüência
surpreendente, inclusive quando o menino não pareceu receber de nenhum modo a
interpretação. Se reinicia o jogo interrompido por causa da instauração das resistências; se o
transforma e ampla, e se expressam estratos mais profundos da mente, restabelece-se o contato
entre o menino e o analista; o prazer no jogo, que segue visivelmente à formulação de uma
interpretação, deve-se também ao fato de que o gasto requerido pela repressão não se precisa já
depois da interpretação. Mas cedo encontramos outra vez resistências durante algum tempo, e
aqui o assunto já não é tão fácil como descrevi. Em realidade, nesses momentos temos que lutar
contra grandes dificuldades. Isto sucede especialmente quando encontramos um sentimento de
culpa. Em seu jogo os meninos representam simbolicamente fantasias, desejos e experiências.
Emprega aqui a mesma linguagem, o mesmo modo de expressão arcaica, filogeneticamente
adquirido com o que estamos familiarizados graças aos sonhos. Só podemos compreendê-lo
plenamente se o enfocamos com o método que Freud desenvolveu para decifrar os sonhos. O
simbolismo é só uma parte dele; se queremos compreender corretamente o jogo do menino em
conexão com todo seu comportamento durante a sessão, devemos ter em conta não só o
simbolismo que com freqüência aparece tão claramente em seus jogos, senão também todos os
meios de representação e os mecanismos empregados no trabalho do sonho, e temos que ter em
conta a necessidade de examinar o nexo total dos fenômenos 6 .

6 Minhas análises revelam uma e outra vez quão diferentes significados podem ter as coisas, por exemplo
bonecos, no jogo. Às vezes representam o pênis, às vezes o filho roubado à mãe, às vezes ao paciente mesmo, etc.
São só examinando os mínimos detalhes do jogo, e sua interpretação, que podem fazer-se claras as conexões e eficaz
a interpretação. O material que os meninos produzem durante a sessão, a média que passam de jogo com brinquedos a
dramatizar em sua própria pessoa já jogar com água, cortar papel, ou desenhar. O modo em que fazem isto, a razão
pela que mudam de um jogo a outro, os meios que elegem para suas representações, toda esta miscelânea de fatores,
que tão miúdo parece confusa e sem sentido, é vista como coerente e plena de significado, e se nos revelam as fontes
e pensamentos subjacentes, se os interpretamos exatamente como os sonhos. Ademais, os meninos com freqüência
representam em seu jogo o mesmo que apareceu em algum sonho que narraram antes, e com freqüência produzem
associações por meio do jogo que lhe segue, e que é sua forma mais importante de expressar-se.

Se empregarmos esta técnica cedo encontramos que os meninos produzem não menos
associações com os rasgos diferentes de seus jogos, que o que fazem os adultos com os ele
mentos de seus sonhos. Os detalhes de seu jogo assinalam o caminho para um observador
atencioso; e enquanto, o menino conta toda classe de coisas que devem valorizar-se plenamente
como associações.

Além deste modo arcaico de representação, os meninos empregam outro mecanismo


primitivo, isto é, substituem com ações (que foram os precursores originais dos pensamentos) às
palavras: nos meninos, atuar representa uma parte proeminente. Em "Da história de uma
neurose infantil" 7, Freud diz: "Uma análise feita num menino neurótico deve, por suposto,
parecer mais confiável, mas não pode ser muito rico o material, devem prestar-se ao menino
demasiadas palavras e pensamentos, e inclusive assim os estratos mais profundos podem
resultar impenetráveis à consciência."

7 Ou.C., 17

Se enfocarmos a análise infantil com a técnica adequada ao dos adultos seguramente


não conseguiremos penetrar nos níveis mais pró fundos da vida mental do menino. Mas são
precisamente esses níveis os importantes para o sucesso e valor de uma análise. No entanto, se
tomar-nos em conta as diferenças psicológicas entre meninos e adultos e recordamos o fato de
que nos meninos encontramos o inconsciente atuando ainda junto ao consciente, as tendências
mais primitivas junto aos desenvolvimentos mais complicados do que conhecemos, como o
superego, isto é, se compreendemos corretamente a forma de expressão do menino,
desaparecem todos estes pontos duvidosos e fatores desfavoráveis, já que encontramos que com
respeito à profundidade e amplitude da análise, podemos esperar tanto dos meninos como dos
adultos. E mais ainda, na análise dos meninos podemos retroceder a experiências e fixações que
na análise de adultos só podemos reconstruir, enquanto nos meninos se as representa
diretamente 8. Tomemos por exemplo o caso de Ruth que, de bebê, tinha sofrida fome durante
um tempo porque a mãe tinha pouco leite para dar-lhe. Aos quatro anos e três meses, ao jogar
com o lavatório, chamou à tampa de água, tampa de leite. Declarou que o leite ia parar às bocas
(os buracos da tubulação), mas que só corria muito pouco. Este desejo oral insatisfeito apareceu
em inumeráveis jogos e dramatizações e se manifestou em toda sua atitude. Por exemplo,
assegurava que era pobre, que só tinha um casaco, e que tinha muito pouco que comer;
nenhuma destas afirmações tinha o mais mínimo acordo com a realidade. Outra pequena
paciente (que sofria de neurose obsessiva) era Erna, de seis anos, cuja neurose se baseava em
impressões recebidas durante o período de aprendizagem de hábitos higiênicos 9. Dramatizava
para mim estas impressões com o máximo detalhe. Uma vez pôs um boneco sobre uma pedra,
jogou a que estava defecando e colocou outros bonecos ao redor, que se supunha que o estavam
admirando. Depois desta dramatização Erna trouxe o mesmo material, num jogo de
representação. Queria que eu fora um bebê de longas roupas que se sujava, enquanto ela era a
mãe. O bebê era um menino mau amado e objeto de admiração. Isto foi seguido por uma reação
de ira em Erna, e ela representou o papel de uma professora cruel que golpeava ao menino.
Nesta forma Erna representou ante mim um dos primeiros traumas em sua experiência: o forte
golpe que recebeu seu narcisismo quando imaginava que as medidas utilizadas para ensinar-lhe
hábitos de limpeza significavam a perda do excessivo afeto que se lhe deu em sua infância.

8 No Oitavo Congresso Psicanalítico Internacional, celebrado em Salzburgo em 1924, mostrei que um


mecanismo fundamental no jogo dos meninos e em toda sublimação subseqüente é o dês ônus de fantasias
masturbatórias. Isto antecede a toda atividade lúdica e serve como estímulo constante do jogo (compulsão à
repetição). As inibições de jogo e aprendizagem se originam na repressão exagerada destas fantasias, e com elas de
toda fantasia. Experiências sexuais estão sócias com fantasias masturbatórias e, com estas, conseguem expressão e
abreviação no jogo. Entre as experiências dramatizadas, jogam um papel proeminente as representações da cena
primária, que regularmente aparecem em primeiro plano na análise de meninos pequenos. É só depois de
considerável análise, tendo-se revelado parcialmente a cena primária e o desenvolvimento genital, que chegamos a
representações de experiências e fantasias pré-genitais.

Em geral, na análise de meninos não podemos sobreestimar a importância da fantasia


e da tradução à ação por efeito da compulsão à repetição. Naturalmente, os meninos pequenos
usam bem mais o recurso da ação, mas inclusive os maiores recorrem constantemente a este
mecanismo primitivo, especialmente quando a análise anulou algumas de suas repressões. É
indispensável para levar a cabo a análise, que os meninos obtenham o prazer que está unido a
esse mecanismo, mas o prazer deve seguir sendo sempre só um meio para um fim. É justamente
aqui onde vemos a predominância do principio do prazer sobre o princípio de realidade. Não
podemos apelar ao sentido de realidade em pacientes pequenos como podemos nos maiores.

Bem como os meios de expressão dos meninos diferem dos adultos assim também a
situação analítica na análise de meninos parece ser inteiramente diferente. No entanto, é em
ambos os casos essencialmente a mesma. Interpretações adequadas, resolução gradual das
resistências, e persistente descoberta pela transferência de situações anteriores: isto constitui nos
meninos tanto como nos adultos a situação analítica correta.

9 Esta aprendizagem, que Erna tinha sentido como o mas cruel ato de coerção, foi realizado em realidade
sem nenhuma estranhes e tão facilmente que ao ano se mantinha perfeitamente limpa. Um forte incentivo foi sua
ambição, que se desenvolveu inusitadamente temporão, a que, espero, a fazerela sentir todas as medidas utilizadas
para treiná-la como um ultraje, desde o princípio. Esta ambição temporã foi à condição primária de sua
susceptibilidade aos reproches e do precoce e marcado desenvolvimento de seu sentimento de culpa. Mas é freqüente
ver estes sentimentos de culpa jogar já um grande papel na aprendizagem do controle esfincteriano, e podemos
reconhecer neles os primeiros princípios do superego.

Disse já que na análise de meninos pequenos vi uma e outra vez quão rapidamente
surtem efeito as interpretações. É um fato atraente que, ainda que tenha numerosas indicações
inequívocas deste efeito (o desenvolvimento do jogo, a consolidação da transferência, a
diminuição da angústia, etc.), no entanto, durante bastante tempo o menino não elabora
conscientemente as interpretações. Mas pude provar que esta elaboração se é ocorrida realmente
depois. Por exemplo, os meninos começam a distinguir entre a mãe "imaginada" e a mãe real, e
entre o bonequinho de madeira e seu irmão como bebê vivo. Então insiste firmemente em que
queriam fazer tal ou qual dano só ao bebê de joguete; dizem que por suposto amam ao bebê real.
Só quando foram superadas resistências muito poderosas e de longa data os meninos se dão
conta de que seus atos agressivos estavam dirigidos para os objetos reais. Então, quando se
admite isto, o resultado, inclusive em meninos muito pequenos é geralmente um passo notável
para a adaptação à realidade. Minha impressão é que ao princípio a interpretação só é
inconscientemente assimilada. É só depois quando a relação desta com a realidade penetram
gradualmente no entendimento do menino. O processo de esclarecimento é análogo. Durante
longo tempo a análise só revela o material de teorias sexuais e fantasias do nascimento, e
interpreta este material sem nenhuma "explicação". Assim, o esclarecimento tem lugar pouco a
pouco com a remoção de resistências inconscientes que atuavam contra ele.

Daí que o primeiro que sucede como resultado da psicanálise é que melhoram as
relações emocionais com os pais; o entendimento consciente só surge quando isto teve lugar.
Este entendimento é admitido ante o mandato do superego, cujas exigências são modificadas
pela análise de maneira que pode ser tolerada e comprazida por um eu menos oprimido e,
portanto mais forte. Deste modo, o menino não é subitamente confrontado com a situação de
admitir um novo conhecimento de sua relação com os pais, ou em geral, de ser obrigado a
absorver um conhecimento que o abruma. Sempre foi minha experiência que o efeito de tal cone
alicerce gradualmente elaborado, é em realidade aliviar ao menino, estabelecer uma relação
fundamentalmente mais favorável para seus pais e incrementar assim sua capacidade de
adaptação social.

Quando isto teve lugar os meninos são também bastante capazes de substituir em certa
medida a repressão por uma rejeição. Vemos isto em que num estado posterior da análise, os
meninos avançaram tanto desde os diversos anseios sádicos-anais ou canibalescas (que num
estádio anterior eram ainda tão poderosos), que agora podem adotar às vezes uma atitude de
crítica humorística para eles. Quando isto sucede ouço inclusive a meninos muito pequenos
fazer anedotas sobre que, por exemplo, faz um tempo ou eles realmente queriam comer-se a sua
marmita ou cortá-la em pedaços. Quando têm lugar estas mudanças, não só está diminuindo
inevitavelmente o sentimento de culpa, senão que ao mesmo tempo os meninos são capazes de
sublimar os desejos que previamente estavam totalmente reprimidos. Isto se manifesta na
prática no desaparecimento de inibições de jogo e na iniciação de numerosos interesses e
atividades.

Para resumir o que disse: as especiais características primitivas dos meninos requerem
uma técnica especial adaptada a eles, consistente na análise de seus jogos. Por meio desta
técnica podemos atingir as experiências e fixações reprimidas mais profundas e isto nos
permitem influir fundamentalmente no desenvolvimento dos meninos.

Trata-se só de uma diferença de técnica, não dos princípios do tratamento. Os critérios


do método psicanalítico propostos por Freud, isto é: que usemos como ponto de partida a
transferência e a resistência, que devemos tomar em conta os impulsos infantis, a repressão e
seus efeitos, a amnésia e a compulsão à repetição e ademais, que devemos descobrir a cena
primária, como o exige em "Da história de uma neurose infantil'', todos estes critérios se
mantêm integralmente na técnica do jogo. O método do jogo conserva todos os princípios da
psicanálise e leva aos mesmos resultados que a técnica clássica. Só que nos recursos técnicos
que utiliza está adaptado à mente dos meninos

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