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Marty observou que esse tipo de discurso pobre era reflexo de um tipo de
estruturação psíquica igualmente precária, que ele chamou de “pensamento operatório”,
“funcionamento operatório” ou “vida operatória”. Trata-se de um tipo de psiquismo
que faz uso das representações como meros instrumentos de descrição da realidade
externa.
Por outro lado, Marty (1990) utilizou o conceito de mentalização como sendo
um conjunto de operações de representação e simbolização através das quais o aparelho
psíquico busca regular as energias instintivas e pulsionais, libidinais e agressivas. Desta
forma, atuaria como um recurso psíquico regulador da economia psicossomática,
gerenciando “à quantidade e à qualidade das representações psíquicas dos indivíduos”
(p.11). Pode-se dizer de maneira ampla, que, para ele, uma boa mentalização protege o
corpo das descargas de excitação, à medida que esta encontra abrigo nas representações
existentes no pré-consciente. Um grau insuficiente de mentalização, ao contrário, deixa
o corpo biológico desprotegido, entregue a uma linguagem primitiva basicamente
somática.
Concluindo
Os Estados Unidos o interesse pela psicossomática surge por volta dos anos 30,
consolidando-se em meados deste século com Alexander e Dunbar da Escola de
Chicago. Esses dois autores dirigiam seus trabalhos no sentido de buscar estabelecer
relações entre conflitos emocionais específicos e estruturas da personalidade com alguns
tipos de doenças somáticas, como úlceras, enxaquecas, alergias, asma e distúrbios
digestivos. Eles consideram que os transtornos psicossomáticos seriam “consequência
de estados de tensão crônica, relativa à expressão inadequada de determinadas
vivências, que seriam derivadas para o corpo” (Cardoso, 1995, p.10).
Cerchiari (2000) diz que apesar desses estudos atuais demonstrarem que essa
maneira peculiar de se comunicar não é específica dos pacientes com doenças
psicossomáticas clássicas, a contribuição de Nemiah e Sifneos é de importância
fundamental, pois chamaram a atenção para um aspecto do funcionamento psíquico e
apontaram , uma direção a tomar sobre a exploração da vida intra-psíquica via estudo da
comunicação entre paciente e analista.
4 - Psicossomática: Joyce McDougall
Essa autora é desconhecida pela maior parte dos leitores. Sua produção teórica é
bastante recente e só a partir de meados dos anos 90 seus escritos começaram a gerar
algum impacto em terras brasileiras. McDougall é de nacionalidade neozelandesa, mas
radicada na França onde seguiu durante muito tempo o Seminário de Lacan, embora
não seja lacaniana. Em seus textos, é possível encontrar o uso de termos e ideias de
diferentes autores, em especial Winnicott e Lacan.
Ela começa por observar em pacientes desse tipo um modo peculiar de lidar
com os próprios afetos. Tais indivíduos pareciam agir como se seus afetos não
existissem. Seu discurso era mecânico, sem vida e frente a acontecimentos intensos de
sua existência eram capazes de reagir com toda a resignação do mundo. Ao mesmo,
comportando-se dessa forma, faziam com que no analista brotassem os mais vivos
afetos. Havia, portanto, três termos para os quais McDougall deveria elaborar uma
equação se quisesse entender tais pacientes: o sintoma psicossomático, a ausência de
afetos e a estimulação de afetos no analista.
Logo ao nascer, o bebê não dá conta de drenar a energia pulsional que desde o
nascimento já dá o seu ar da graça porque ele ainda não possui representações para as
quais drenar o afluxo energético. Mas a mãe as possui! E por possuí-las, ela deve
exercer para o bebê a tarefa que McDougall denominou de “pára-excitação” a qual, em
termos simples, significa fornecer ao bebê palavras, significantes, representações aos
quais o bebê possa investir a energia pulsional e se libertar do poder ameaçador dela.
Para dar um exemplo, as mães fazem isso sem saber quando brincam de nomear
as partes do corpo da criança: “Esse é seu pezinho; esse é seu narizinho” e durante as
“conversas” com o bebê ainda quando esse não sabe falar. É importante lembrar que
para que a palavra cumpra sua função de representação, o bebê não precisa enunciá-la,
basta que ele a ouça. Pois bem. Nem todo indivíduo conta com um ambiente que
funciona adequadamente assim. E aí, quando o bebê não conta com essa função de
pára-excitação, não há ferramentas (representações) com as quais trabalhar, logo o
indivíduo só tem contato com a força! E essa força excede a tal ponto as capacidades de
resistência do bebê que passa a ser sentida por ele como uma angústia inominável, isto
é, que não se tem palavras para descrever.
Desafetação
Em tais casos, a única saída que resta para o bebê se constituir minimamente é se
cegar para não ver a pulsão, o que McDougall chamou de “ejetar o afeto do psiquismo”
ou “desafetação”. É óbvio que a pulsão continua presente, mas o indivíduo passa a viver
como se ela não existisse, de modo que ele utiliza dela apenas o mínimo suficiente para
se manter vivo, mas sem fazer dela uso libidinal algum, concebendo-a como
potencialmente aniquiladora. São esses os pacientes somatizantes que McDougall
encontrou na clínica. É justamente por isso que eles aparentam não sentir nada. É que
qualquer afeto um pouco mais intenso é sentido por eles como semelhante à situação de
desespero que viveram quando bebês. Eles utilizam então a mesma defesa que outrora:
ejetam do psiquismo o afeto, tornando-se desafetados.
O problema é que o afeto que foi expulso do psiquismo não foi destruído, mas
retornou a seu lugar de origem. Que lugar é esse? O próprio corpo, fonte da pulsão.
Entretanto, o corpo não é capaz de suportar tamanha carga energética, pois nós não
somos apenas corpo. Somos corpo e psiquismo. Assim, boa parte dessa carga energética
deveria ter sido distribuída entre as representações. Por não dar conta de comportar
tamanho volume afetivo ressomatizado, o corpo irá sofrer prejuízos. Com efeito, quanto
maiores forem as cargas afetivas ressomatizadas, maior impacto o corpo sofrerá e mais
graves serão as lesões produzidas.
Concluindo
O problema é que tudo aquilo que dizem sobre nós, todas as fantasias que têm
sobre nós (S1) só faz sentido em relação a todo o resto da linguagem, que a gente
poderia chamar de S2. O que acontece, então, é que nosso ser ficará alienado na
linguagem, pois aquilo que dizem que somos (S1) só pode ser entendido pela referência
a S2. Essa é a primeira etapa da constituição do sujeito que Lacan chamou de alienação.
A segunda operação, chamada de separação, virá à luz quando essa ligação entre
S1 e S2 for posta em questão. É nesse momento que nos apercebemos da falta no Outro.
Se o Outro não é capaz de dizer tudo sobre nós, se tudo o que ele diz precisa de outro
significante para fazer sentido, e esse de outro e assim sucessivamente, isso significa
que esse Outro é incompleto. Há uma falta essencial nele que faz com que sempre se
necessite de outro significante para dar sentido ao que se diz. Essa é a própria natureza
da linguagem. Só podemos explicar o que é um significante utilizando outros
significantes. Como S1 é o representante dos significantes iniciais que nos fizeram crer
que éramos o objeto do desejo do Outro, é esse S1 que servirá de referência para os
demais significantes que buscaremos para descobrir o que satisfaz o desejo do Outro.
Em outras palavras, o S1 se tornará o significante-mestre de nossas vidas e essas só
terão sentido por ter esse significante como eixo, como centro.
Concluindo