Você está na página 1de 18

PSICOPATOLOGIA

A psicopatologia percorreu um caminho extremamente difícil até se tornar uma ciência


autônoma. Psicopatologia e Psicologia científica se iniciaram através de Wundt, Kraepelin e
Pavlov, os quais começaram seus caminhos juntos nos mesmos laboratórios. Muito rápido,
seguiram rumos diferentes. Não encontrando na Psicologia recursos descritivos e explicativos
suficientes para o comportamento anormal, a psicopatologia foi buscá-los na Filosofia, na
Retórica e na Literatura, tentando encontrar uma linguagem que a Psicologia não
proporcionava. Segundo Isaías Paim, “não é fácil descobrir a origem do termo psicopatologia. É
possível que o seu criador tenha sido Jeremy Bentham, filósofo inglês (Londres, 1748-1832),
que, ao preparar uma lista das motivações humanas, reconheceu a necessidade da
organização de uma psychological pathology (1817)” . Cheniaux (2002) refere que Esquirol e
Griesinger, com seus trabalhos publicados, respectivamente na França (em 1837) e na
Alemanha (em 1845), é que seriam considerados os criadores da psicopatologia. Para Hervé
Beauchesne, a psicopatologia teria surgido no século XX, na França, no momento em que a
psicologia, enquanto disciplina científica começou a se separar da filosofia. “Com algumas
raras exceções, os psicólogos de meu país (França) deixaram aos alemães as pesquisas
psicofísicas, aos ingleses o estudo da psicologia recebe, seleciona, transforma, armazena e
recupera dados. Os transtornos podem ser explicados a partir de um mau funcionamento de
alguns componentes desse sistema.

Psicopatologia biológica

A ênfase é colocada na influência das modificações morfológicas ou funcionais do sistema


nervoso sobrea gênese dos transtornos mentais. A tese de que as afecções mentais possuem
um substrato orgânico é antiga, e a obra de Kraepelin é considerada como o apogeu da
psiquiatria organicista. A evolução posterior implica o aparecimento de duas correntes: a
psicobiologia de Adolf Meyer (que considerava a patologia como uma patologia funcional da
adaptação) e o organodinamismo de Henry Ey. Nesta abordagem os transtornos mentais são
enfermidades cerebrais, que podem ser, de acordo com Buss (1962), causadas por um agente
externo (por exemplo, um vírus) que ataca o organismo (enfermidade infecciosa), um mau
funcionamento de algum órgão (enfermidade sistêmica) ou trauma (enfermidade traumática).

Psicopatologia existencialista

Procura ver o paciente tal como é realmente, descobri-lo enquanto ser humano, enquanto ser
no mundo e não como uma simples projeção de nossas teorias sobre ele. Interessados pela
decisão e vontade humana, os existencialistas insistem sobre o fato de que o ser humano pode
influir na sua relação com o próprio destino. Coloca em questão a fronteira entre
anormalidade e a patologia, fazendonos descobrir uma psicopatologia da média.

Psicopatologia fenomenológica

Apresenta origens da filosofia alemã nas obras de Husserl e de Heidegger. Temos dois
métodos: o primeiro que se pode qualificar de descritivo (Biswanger) e o de Karl Jaspers. Nesse
caso, a psicopatologia ocupa-se, sobretudo, do que os doentes vivem, estuda seus estados de
espíritos, visa a desvelar significações. 5

Psicopatologia psicanalítica

Leva em conta os conceitos fundamentais da psicanálise, a saber, o inconsciente, a


transferência, a pulsão e a repetição.

Classificação: Uso Interno


Psicopatologia social ou Psiquiatria social

Estudo do papel dos fatores sociais na etiologia das manifestações psicopatológicas (ou a
sociogênese destas) e as repercussões da doença mental sobre as relações do paciente com
seu meio ambiente.esse fenômeno psíquico primário os seus pensamentos, seus desejos, sua
vontade e suas ações”. “As alucinações não são nem falsas sensações, nem ilusões dos
sentidos, nem percepções errôneas, nem erros da sensibilidade orgânica”. Afirmava que não
se devem confundir as alucinações com as ilusões, “essas últimas supõem a presença de
objetos exteriores, enquanto nas alucinações não existem objetos externos agindo atualmente
sobre os sentidos”. “Na alucinação tudo ocorre no cérebro: [ela] dá corpo e atualidade às
imagens, às ideias que a memória reproduz sem a intervenção dos sentidos. Nas ilusões ao
contrário, a sensibilidade das extremidades nervosas está alterada, debilitada ou pervertida; os
sentidos estão ativos, as impressões atuais solicitam uma reação do cérebro. Os efeitos desta
reação estão submetidos à influência das ideias e paixões que dominam a razão dos alienados,
estes enfermos se equivocam sobre a natureza e as causas de suas sensações atuais” 6 Para
Esquirol, os órgãos do sentido e as vias sensoriais não estariam implicados no fenômeno
alucinatório, pensando que tudo ocorre no interior, no cérebro, na alma. Diz: “nas alucinações
não há nem sensação, nem percepção”. É um fenômeno essencialmente psíquico e a sua
sensorialidade resulta secundariamente de uma anomalia da atividade psíquica. Baillarger em
trabalho publicado em 1846, interrogando-se sobre a natureza mesma da alucinação, introduz
uma distinção que lhe é original, qual seja, a oposição entre alucinações psicosensoriais e as
alucinações psíquicas. Para ele: “... devemos admitir dois tipos de alucinações, umas
completas, compostas de dois elementos que são o resultado da dupla ação da imaginação e
dos órgãos dos sentidos – são as alucinações psicosensoriais; as outras, devidas somente ao
exercício involuntário da memória e da imaginação, são completamente alheias aos órgãos dos
sentidos, lhes falta o elemento sensorial e são por isso mesmo incompletas: são as alucinações
psíquicas também chamadas de pseudo-alucinações” Com Baillarger, a alucinação que Esquirol
havia definido por seu caráter psíquico se define agora por seu caráter sensorial. As
verdadeiras alucinações deveriam sempre comportar a sensorialidade. A transformação
sensorial da imagem ou da ideia será explicada pela estimulação interna dos centros das
imagens, conforme a neurofisiologia dos centros cerebrais da época. Por outro lado, as
alucinações psíquicas seriam fenômenos que concernem unicamente à esfera do pensamento.
A partir das ideias de Baillarger observamos uma concepção sensorial da alucinação que será
sustentada por diversos autores. A essência do fenômeno consiste na criação psíquica de um
falso objeto tendo os atributos de um objeto verdadeiro – com característica de objetivação,
ou seja, com qualidades espaciais e 7 sensoriais – e sem relação com um objeto do mundo
externo. Tal concepção permitiu a Ballelaborar a sua clássica definição da alucinação: “a
alucinação é uma percepção sem objeto”. Tal definição é a mais conhecida e clássica na
psicopatologia. Entretanto, incorre em duas questões: 1. É incorreta e contraditória porque, se
falamos em percepção, supomos sempre a presença de um objeto no mundo externo capaz de
afetar os sentidos. 2. É incompleta por não se referir a qual alteração da consciência seria
capaz de alterar o juízo de realidade fazendo com que o alucinado descarte a irrealidade do
fenômeno, aceitando-a como real. Séglas publica um livro em 1892 denominado Dês Troubles
du langage chez les aliene), onde enumera as teorias sobre as alucinações dos diversos autores
no século XIX. São elas: a) teoria periférica ou sensorial – alucinação como decorrente de
alteração dos órgãos do sentido; b) teoria psíquica – alucinação como um fenômeno
puramente intelectual, um fato idéico; c) teoria mista ou psico-sensorial; d) teoria que atribui a
alucinação aos centros perceptivos corticais. É a partir da quarta teoria que Séglas buscará

Classificação: Uso Interno


teorizar o conceito de alucinação levando-o a estabelecer as relações da alucinação com a
função da linguagem. Em seu livro ele assinala que nas alucinações psíquicas haveria dois
fenômenos importantes. São eles: 1. os impulsos verbais do tipo onomatomania 2. as
alucinações psicomotoras que se dividem em: 8 a) lucinações psicomotoras verbais
(alucinações que se formam na fala mesma do alucinado – nascem da articulação mesma das
palavras, ou acompanham a formulação nascente das palavras no pensamento); as alucinações
psicomotoras auditivas (trata-se de vozes interiores, de murmúrio, de transmissão de
pensamentos, de eco do pensamento. O alucinado escuta seus pensamentos no espaço
imaginário de sua consciência como se procedessem de outro, o que dá a impressão de roubo
de pensamento, de divulgação do pensamento). Para Séglas, as alucinações psíquicas implicam
necessariamente em “uma desagregação mais ou menos completa da personalidade”. Como
podemos apreender, o mais importante para este autor no fenômeno alucinatório não é a
sensorialidade, mas a relação do sujeito com a sua palavra. Conclui referindo que “por mais
singular que possa parecer à primeira vista que um indivíduo possa falar em voz alta, sem ter
consciência, e atribuir a outras pessoas as palavras que acaba de pronunciar ele mesmo, o
fenômeno não deixa de existir” . Jaspers, em seu livro Psicopatologia Geral de 1913, define a
alucinação como: “falsas percepções corpóreas que não são originadas de percepções reais
por meio de transformações, mas de modo inteiramente novo, e que se apresentam paralelas
e conjuntamente com percepções reais”. Marca já uma diferença em relação ao conceito de
Ball, entretanto se deixa aprisionar pelo dilema percepção/representação, ou a existência real
do objeto e a sua relação com o percebido ou com sua imagem. Estabelece uma oposição
entre o verdadeiro (existência real do objeto) e o falso (alucinação); o falso adquire valor de
patológico. Entretanto, o falso aparece ao enfermo como realidade, através de uma crença
inabalável. Jaspers se mantém assim na oposição percepção/representação, que 9 se desdobra
numa série de outras como: mundo externo/mundo interno; objetivo/subjetivo; fora/ dentro;
objeto/eu; dualidades em oposição que a Fenomenologia da Consciência abarca, na tentativa
de resolver os paradoxos perceptivos recorrendo à separação entre Consciência e mundo, e
reduzindo o real à dicotomia sujeito-objeto. A onomatomania foi descrita por Charcot e
Magnan como uma obsessão cujo elemento ideico se refere a palavras ou grupo de palavras.
Pode acompanharse da busca ansiosa da palavra, impulso irresistível de pronunciar certa
palavra, impulso a rechaçar ou expulsar a palavra parasita como um verdadeiro corpo
estranho. Para Jaspers, a realidade não depende essencialmente de uma conceituação lógica:
"a realidade pensada só é convincente quando se experimenta um modo de presença que a
própria realidade traz consigo". Ela implica numa vivência, portanto, a Erlebniss termo
fundamental da fenomenologia. A vivência da realidade tem por requisitos: a) a percepção
corpórea = real é o que percebemos corporalmente; b) a consciência do ser = é preciso não só
que eu perceba corporalmente, mas que tenha consciência da minha existência enquanto
percipiens; c) e a partilha com outrem = só vale como real o que é acessível ao conhecimento
de todos, e não apenas subjetivamente provado. O que na prática é realidade é sempre um
processo de significar as coisas, as situações, os acontecimentos. Na significação apreendo a
realidade. A partir da vivência da realidade devemos chegar aos juízos de realidade. Estes
provêm da elaboração pelo pensamento das experiências imediatas. Para Jaspers, a realidade
repousa nas significações, e não na corporeidade ou na vivência 10 imediata da realidade.
Considera então a alucinação apenas ponto de apoio dentro da vivência primária que seria o
delírio. Entre 1920 e 1926, Gaetan Gatian De Clérambault, estudando clinicamente as psicoses
delirantes alucinatórias crônicas, isolou uma síndrome básica – a síndrome de automatismo
mental, que precede as manifestações alucinatórias propriamente ditas e as delirantes.
Considera a alucinação como fenômeno mecânico, que constitui o pilar ou a base sobre a qual

Classificação: Uso Interno


se constrói a estrutura do delírio – uma superestrutura. Clérambault destaca o caráter de
automatismo mecânico e o anideísmo da síndrome. Isso significa que uma voz alucinatória
irrompe subitamente no pensamento do sujeito (forma mecânica), sem ser deduzida de outra
ideia ou de uma constelação afetiva. O caráter anideico não significa que não haja ideia, senão
que põe o acento justamente no aspecto automático e mecânico: “não conforme a uma
sequência de ideias” é como Lacan o define. A propósito dos fenômenos alucinatórios,
Clérambault faz a seguinte observação: “O sujeito parece ter caído em uma rede telefônica em
que várias conversações se cruzam”, sublinhando o caráter de passividade, impotência e
perplexidade do sujeito. A voz alucinada se impõe ao sujeito de fora e é dotada de uma certeza
subjetiva inabalável. Pouco importa que sua experiência traga a marca da CLÉRAMBAULT, G.G.
Definição do automatismo mental. Na descrição que faz da síndrome podemos dividi-la em: 1.
O pequeno automatismo que tem início com a presença de fenômenos sutis, primeiramente
abstratos, e que depois vão se aproximando da forma verbal. Observamos aqui: a) fenômenos
de intrusão no pensamento como os refrãos verbais, palavras absurdas, não-senso, repetição
de palavras em ladainhas, entonações bizarras; 11 b) fenômenos de mentismo como o fluxo
irreprimível de representações visuais, fenômenos hipermnésicos, desfiladeiro mudo de
recordações (as pessoas relatam que suas próprias lembranças lhes são mostradas); c)
fenômenos intelectuais como os falsos reconhecimentos, percepções perpétuas de
semelhanças e sentimentos de estranheza (os pensamentos são levados a ver semelhanças em
toda parte, a estranheza das coisas e das pessoas; o sujeito acha que as pessoas são um pouco
bizarras, que têm uma postura esquisita, sem que isso seja um fenômeno interpretativo),
dedéjàvu, de revelação iminente; d) fenômenos de inibição com detenção dos pensamentos,
esquecimentos, vazios do pensamento, desaparecimento dos pensamentos, perplexidade sem
objetos, fadiga. Aqui o pensamento se apresenta para o sujeito e desaparece antes de ser
claro; o sujeito percebe interrupções em seu pensamento, percebe fragmentos de
pensamentos, substituição de pensamento. Os fenômenos presentes no pequeno
automatismo têm como característica fundamental uma perturbação da relação do enunciado
com a enunciação, que emancipa uma fonte parasita. O sujeito não se reconhece como sujeito
da enunciação de seus enunciados. O paciente lê no mundo signos que lhe são destinados,
embora não possa precisar sua significação, o que o deixa com um sentimento de
perplexidade. À medida que a tendência à verbalização vai progredindo o pequeno
automatismo mental passa a apresentar fenômenos ideoverbais. Aqui o sujeito tem a
sensação de que seu cérebro é alterado por influências externas alheias, que é invadido por
ideias estranhas, que seu pensamento ou linguagem interna se repete (eco do pensamento ou
sonorização do pensamento), vivendo seus atos e ideias como impostos ou mandados
(vivências de influência). Essa divisão dentro de seu 12 Eu tem um caráter de indiscrição que
surpreende e irrita o enfermo (cisão do Eu), logo, não vivencia tais fenômenos como seus,
como emanados do seu próprio Eu. 2. Grande automatismo ou automatismo tríplice: uma vez
instaurado o pequeno automatismo com as vivências que conduzem à cisão do Eu, surgem as
alucinações verbais, tornando-se cada vez mais claras as vozes. Clérambault assinala quatro
características para as vozes: são verbais, objetivas, individualizadas e temáticas. Para ele,
essas alucinações carecem de sensorialidade e o pensamento, ao ser vivenciado como alheio,
continuaria sendo diferenciado e não sensorial. Logo podemos dividir os fenômenos do grande
automatismo mental em: a) automatismo mental: presença das alucinações verbais,
individualizadas, temáticas, objetivas e individualizadas; b) automatismo motor: alucinações
psicomotoras verbais, emissões verbais involuntárias, sensações de movimento, fenômeno de
inibição motora, atos automáticos irredutíveis; c) automatismo sensitivo: alucinações
cenestésicas, alucinações genitais. Fenômenos que concernem ao corpo como decomposição,

Classificação: Uso Interno


influência, desmembramento, separação ou estranheza em relação ao próprio corpo. Em
Clérambault temos, pois, uma correlação significativa entre as vozes, a vivência de influência
(alteração da Consciência da atividade do Eu) – que faz com que o Eu não reconheça como
seus os pensamentos, afetos e atos. Henri Ey, em 1930, desloca o fenômeno alucinatório da
esfera sensorial, ao considerar a alucinação uma expressão da dissolução da consciência que
origina o delírio, do qual o fenômeno alucinatório é um dos modos de sua manifestação. A
teoria de Ey 13 comunga com a teoria de Jaspers a idéia de que, para ambos, o fenômeno
fundamental da loucura é a alienação, entendida como uma modificação radical das relações
do sujeito com a realidade, dando a isso o nome de delírio (em Jaspers, transformação na
consciência da realidade), sendo a alucinação para ambos os autores uma das expressões
dessa alteração fundamental (Ey = desestruturação da Cs e Jaspers = transformação na Cs da
realidade) Com Henri Ey podemos distinguir a alucinação da alucinose a partir do juízo crítico
(capacidade de criticar as falsas percepções no momento mesmo de sua ocorrência). Desta
forma refere dois grandes grupos de falsas percepções: 1. Distúrbios perceptivos compatíveis
com a razão – ou seja, onde há a manutenção do juízo crítico – decorrentes de causa orgânica
(alucinose); e 2. As alucinações delirantes, onde encontraríamos as alucinações e as
pseudoalucinações. As alucinações delirantes são divididas em duas espécies, segundo Ey: a)
as experiências delirantes e alucinatórias como manifestações positivas da desestruturação do
campo da consciência (estar consciente), presentes nas psicoses agudas, como, por exemplo,
nos quadros crepusculares, nas psicoses confusooníricas (delirium); b) as alucinações noético-
afetivas, que manifestam o trabalho de elaboração de psicoses delirantes crônicas, expressão
da desorganização da personalidade (ser consciente). Ele divide essas alucinações em: 1. de
forma sistemática, presente nos quadros paranoicos, nos delírios de interpretação); 2. de
forma fantástica, presente na parafrenia e; 3. de forma autística, presente na esquizofrenia. 14

Características das alucinações

Podemos então definir a alucinação como: trata-se de um fenômeno novo, estranho ao ser,
proveniente de fora de sua personalidade, equivalendo a uma falsa percepção pela ausência
do objeto, apesar de sua inequívoca realidade para o sujeito e, por isso mesmo, possuindo
uma irresistível força de convencimento. Além disso, é ininfluenciável pela vontade de quem a
experimenta, tendo o sujeito, no entanto, a capacidade de discriminar as verdadeiras
percepções das falsas percepções. a) falsa percepção, entremeada com percepções reais, e
cuja falsidade se deve ao fato de não corresponder a nenhum objeto real; b) fenômeno novo
para o paciente, com caráter de percepção, que se apresenta como um fato estranho para a
personalidade do enfermo; c) possui irresistível força de convencimento para o paciente que a
sofre; d) sua natureza é estésico-espacial e sensorial; Instituto de Psicologia – PUC Minas e)
tem seu conteúdo caráter de corporeidade e de poder ser deslocado ao espaço externo, ou
seja, é extrajetado; f) é a expressão de uma experiência psicológica interna como manifestação
de uma alteração psico-sensorial; g) presença de um transtorno da atividade psíquica que se
expressa, fundamentalmente, por uma perda do juízo de realidade, para que tal fenômeno
possa ser aceito pelo enfermo como uma senso percepção normal. 15

Classificação das alucinações

Alucinação visual: falsas percepções visuais que podem ser elementares como a fotopsia e
complexas como a visão de figuras, cenas de forma estática ou em movimento. A alucinação
visual pode ocorrer com alteração no tamanho dos objetos – tamanho diminuído (alucinações
liliputientes), tamanho aumentado (alucinações guliverianas). Temos ainda neste grupo as
alucinações denominadas extracampinas, que têm lugar fora do campo visual, e a alucinação

Classificação: Uso Interno


negativa, definida como a falta de visão de objetos reais por condições psicógenas – por
exemplo, na histeria, quando o paciente se sente humilhado pela presença de uma pessoa
excluindo-a de seu mundo consciente, não a vendo mesmo estando dentro de seu campo de
visão, como efeito de recalque. 2. Alucinação auditiva: injúrias, comunicações, repetição do
pensamento (eco do pensamento), descrição dos atos dos pacientes, comentários de seus
atos, vozes dialogantes que comentam as ações do paciente, etc. Presente na esquizofrenia,
nos quadros de alucinose alcoólica, como também pode ser encontrada nas psicoses afetivas e
em outros quadros psicóticos. 3. Alucinação olfativa e gustativa: ocorrem nos estados
confusionais ou crepusculares da consciência. Podem ocorrer no curso de delírios de
perseguição com uma tonalidade afetiva desagradável e em crises parciais epilépticas. 4.
Alucinação tátil: temos as alucinações epidérmicas, como sensação de queimaduras, sensação
de frio, de movimento, e as alucinações hipodérmicas, como sensação de formigamento, de
movimento de parasitas cutâneos, etc. Ocorrem no delirium tremens, e com o uso de cocaína
ou anfetamina. 16

Alucinação cenestésica e do esquema corporal

Por vezes trata-se de alucinações gerais que dão lugar a uma síndrome de despersonalização
(transformações corporais) ou percepções de possessão diabólica; outras vezes são parciais
como alucinações da sensibilidade visceral e segmentária. Temos aqui as alucinações genitais
com sensação de orgasmo, de manuseio, violações diretas ou à distância. Temos alucinações
mais sistematizadas ou localizadas que fazem parte da patologia do esquema corporal, como
as distorções dos membros, metamorfose, membro fantasma e deslocamento dos membros.
Estão presentes na esquizofrenia e, com frequência, estão associadas a delírios de influência e
à síndrome de Cotard.

Alucinação motora ou cinestésica

Falsas percepções de movimento, ativo ou passivo, de todo o corpo ou só de um segmento.


Podemos encontrá-la na esquizofrenia catatônica, nos delírios persecutórios e de influência,
nos quadros de delirium tremense outros quadros de etiologia orgânica.

Algumas formas especiais de vivências alucinatórias:

Eco do pensamento e sonorização do pensamento: ouvir os próprios pensamentos ditos em


voz alta não mais os reconhecendo como seus no espaço objetivo externo. Esse fenômeno
pode se dar antes, no momento ou depois do ato de pensar (aqui caberia a denominação de
eco do pensamento). Tal fenômeno pode ser vivido com uma vivência de influência,
pensamento feito. Como, por exemplo, um braço ou a cabeça são vivenciados como enormes,
crescendo ou encolhendo. 17 e) Pacientes que sofreram amputações de membros: podemos
observar o fenômeno do membro fantasma. f) Pacientes com dismorfobia: percebem
distorcidamente, como horríveis e fonte de vergonha, partes de seu corpo como nariz, orelha,
seios etc., ou pequenos defeitos físicos que passariam despercebidos pela maioria das pessoas.
Devido a essa percepção distorcida, insistem junto a médicos cirurgiões para que estes os
operem. g) Pacientes com anorexia nervosa: alteração marcante do esquema corporal.

Classificação: Uso Interno


Pensamento

Elementos constitutivos do pensamento: 1. Conceito: forma-se a partir das representações,


sem elemento de sensorialidade, é puramente cognitivo, exprime os caracteres mais gerais
dos objetos e fenômenos. 2. Juízo: é o processo que conduz ao estabelecimento de relações
significativas entre os conceitos básicos – afirmação de uma relação entre dois conceitos. 3.
Raciocínio: relaciona os juízos; a ligação entre juízos permite a formação de novos juízos e
dessa forma o raciocínio e o próprio pensamento se desenvolvem. Chamamos de associação
de ideias, segundo Iracy Doyle, à função psíquica encarregada do estabelecimento de relações
entre as diversas representações e dados do conhecimento. Englobamos no conceito de
associação de ideias dois elementos importantes: a união associativa e a integração
significativa. A união associativa consiste numa simples conexão passiva que se estabelece
entre dois ou mais dados do conhecimento, que tenham sido simultaneamente objeto da
nossa consciência, integrando uma vivência ou experiência subjetiva (processo inconsciente). A
integração significativa estabelece 18 união entre os dados do conhecimento que possuem
atributos comuns resultando em novas unidades ou elementos de conhecimento, que facilitam
a integração das experiências concretas em conceitos mais abstratos e universais (processo
consciente que obedece à lógica). Temos quatro leis que regulam o processo associativo que
são: 1. Lei da associação por continuidade temporal: os conteúdos representativos
correspondentes a estímulos que impressionaram o nosso psiquismo simultaneamente
tendem a ser evocados conjuntamente. (Ex.: a lembrança de uma música recorda a pessoa que
a executou). 2. Lei da associação por contiguidade espacial: os conteúdos representativos
pertencentes a estímulos que se projetam em pontos próximos do espaço ambiental tendem a
ser evocados conjuntamente (Ex.: se recordamos do céu, pensamos nas estrelas). 3. Lei da
associação por semelhança externa: os dados representativos, cujas imagens sensoriais se
pareçam, tendem à evocação conjuntamente. (Ex.: uma baleia nos faz pensar em peixe). 4. Lei
da associação por semelhança interna: as representações feitas de conteúdos de significação
idêntica evocam-se ou tendem a evocar-se conjuntamente. (Ex.: a lembrança de um frasco de
remédio nos recorda uma caixa de injeções). Processo de pensar ou momentos do
pensamento: 1. Curso do pensamento: é o modo como o pensamento flui, a sua velocidade,
seu ritmo ao longo do tempo. 2. Forma do pensamento: é a sua estrutura básica. 3. Conteúdo
do pensamento: aquilo que dá substância ao pensamento, seus temas predominantes, o
assunto em si. 19 Alterações do curso do pensamento 1. Taquipsiquismo ou aceleração do
pensamento: pensamento flui de forma acelerada, uma ideia se sucedendo à outra
rapidamente. Ocorre na mania, em alguns esquizofrênicos, na ansiedade intensa, nas
intoxicações por estimulantes do SNC. 2. Bradipsiquismo ou lentificação do pensamento:
pensamento flui com lentidão, de forma dificultosa. Ocorre nos quadros depressivos, sob
efeito de depressores do SNC, nos quadros que cursem com rebaixamento do nível da
consciência e quadros demenciais. 3. Interrupção do curso do pensamento ou bloqueio do
pensamento: abruptamente, e sem qualquer motivo aparente, o paciente interrompe a sua
fala, deixando de completar uma ideia. Algumas vezes a interrupção se dá no meio da frase, ou
mesmo no meio de uma palavra. Após um intervalo o paciente pode retomar sua fala
completando seu pensamento ou inicia um novo ciclo de pensamento. Ocorre quase que
exclusivamente na esquizofrenia. Por vezes tal experiência é atribuída pelo paciente a um
roubo do pensamento. Alterações da forma do pensamento. 1. Fuga de ideias: alteração
secundária ao taquipsiquismo, na qual uma ideia segue a outra de forma extremamente rápida
alterando as associações lógicas entre os juízos e o raciocínio. Na fuga de ideias as associações

Classificação: Uso Interno


das ideias são realizadas por associações por assonância (som das palavras) e a partir dos
estímulos externos. Ocorre na mania. 2. Empobrecimento do pensamento ou concretismo:
alteração secundária ao bradpsiquismo; ocorre a inibição do raciocínio com diminuição da
velocidade e do número de juízos e representações que são usados no processo de pensar. O
pensamento torna-se lento, com poucas associações, pouco produtivo. O 20 discurso torna-se
pobre em conceitos abstratos, metáforas e analogias. Ocorre nos quadros depressivos graves,
no retardo mental e nos processos demenciais. 3. Desagregação do pensamento: profunda e
radical perda dos enlaces associativos do pensamento, total perda da coerência do
pensamento ou perda do sentido lógico na associação de ideias. Mistura aleatória de palavras,
que nada comunicam ao interlocutor. Formação de neologismo. Fases avançadas da
esquizofrenia. 4. Pensamento incoerente: é uma perturbação do pensamento que acompanha
as patologias onde se observam alterações quantitativas da consciência (da claridade da
consciência). O pensamento é confuso, contraditório e ilógico em função de o raciocínio não
levar em conta as leis da lógica, razão pela qual o pensamento se manifesta em franca
discordância com a realidade objetiva. Encontramos nos quadros de deliriume nos estados
oníricos. 5. Pensamento prolixo: o paciente não consegue chegar a qualquer conclusão sobre o
tema que está tratando, dá longas voltas, não sabe discernir entre o essencial e o supérfluo, há
uma falta de capacidade de síntese. Encontrado na epilepsia, nos deficientes mentais,
indivíduos com lesões cerebrais. 6. Perseveração do pensamento é a repetição automática e
freqüente de representações que são introduzidas como material supérfluo nos casos em que
existe um déficit na evocação de novos elementos ideológicos. Revela-se através da linguagem
pela dificuldade que o paciente apresenta em abandonar o tema que inutilmente procura
desenvolver e, também, pela dificuldade de encontrar as palavras necessárias à expressão do
pensamento. Encontramos a perseveração nos quadros orgânicos como em pacientes
epilépticos, deficientes mentais, pacientes com lesões cerebrais e quadros demenciais. 21 7.
Pensamento obsessivo: predominam ideias ou representações que, apesar de terem um
conteúdo absurdo e repulsivo para o sujeito, impõem-se à consciência de modo persistente e
incontrolável. Isto determina uma luta constante. Encontrado na neurose.

Linguagem

Podemos considerar a linguagem como o elo final da cadeia de processos psíquicos, que se
iniciam com a percepção e terminam com a palavra falada ou escrita. Desta forma, é
impossível admitir a separação entre a linguagem e o pensamento. Pode-se afirmar que a todo
pensamento corresponde uma expressão verbal. Alterações da linguagem secundárias a
processos orgânicos cerebrais: ocorrem associadas a acidentes vasculares cerebrais, tumores
cerebrais, malformações arteriovenosas e quadros degenerativos do SNC. a) afasia: perda da
linguagem falada e escrita por incapacidade de compreender e utilizar os símbolos verbais.
Perda da habilidade linguística que foi previamente adquirida pelo sujeito, decorrente de uma
lesão neuronal do SNC. Temos dentro das afasias: 1. Afasia sensorial de Wernicke: o transtorno
se centraliza na recepção dos sinais verbais. Neste tipo de afasia, observam-se cegueira verbal,
surdez verbal, perturbação da palavra espontânea, da leitura e da escrita. O afásico de
Wernicke consegue falar, mas geralmente fala numa linguagem destituída de sentido lógico e
pronuncia as palavras de maneira defeituosa ou emite uma série de palavras sem ordem
gramatical, o que torna a linguagem inteiramente incompreensível. 2. Afasia motora: o
paciente conserva a linguagem, porém não pode falar, embora não apresente alterações da
musculatura que intervém na articulação das 22 palavras. A perturbação tem origem central. O
sintoma observado nesse tipo de afasia é a impossibilidade do paciente de pronunciar

Classificação: Uso Interno


palavras: ele compreende o que ouve porque conserva a imagem mental das palavras, no
entanto, não pode falar. A leitura e a escrita estão conservadas. 3. Afasia de Broca: aqui todas
as modalidades de linguagem estão perturbadas em maior ou menor grau, mas há sempre
predominância da perturbação da palavra articulada, da leitura e da escrita. O afásico desse
tipo não articula nenhuma palavra ou apenas poucas palavras, não compreende bem, não lê e
não escreve bem. É um afásico de expressão e de compreensão. Pode ser observada na
demência na doença de Pick. b) agrafia: perda por lesão orgânica da linguagem escrita. c)
alexia: perda da capacidade previamente adquirida para a leitura. d) disartria: incapacidade de
articular corretamente as palavras, devido a alterações neuronais referentes ao aparelho
fonador como na paralisia geral progressiva, AIDS, paralisias bulbares. Alterações da linguagem
associadas a transtornos psiquiátricos a) Disfemia ou tartamudez ou gagueira: dificuldade ou
impossibilidade de pronunciar certas sílabas no começo ou ao longo de uma frase, com
repetição ou intercalação de fonemas. Ocorre devido a defeitos mecânicos da fonação em
decorrência de fatores emocionais como ansiedade e timidez. b) taquifasia ou logorréia:
produção aumentada e acelerada da linguagem verbal, associada ao taquipsiquismo. Comum
em todos os casos de excitação psicomotora, principalmente nos quadros maníacos e
hipomaníacos, e na embriaguez alcoólica. 23 c) bradifasia ou bradilalia: fala muito vagarosa,
associada ao bradpsiquismo. Encontrada nas depressões graves, nos estados demenciais, na
esquizofrenia e em casos de parkinsonismo pós-encefálico. d) mutismo: ausência de resposta
verbal oral por parte do paciente. Comum em quadros de estupor, catatonia e depressão
grave. e) estereotipia verbal: consiste na repetição automática de uma palavra, sílaba ou som,
que se intercala entre as frases sem nenhuma finalidade. As características da estereotipia
verbal são: fixidez, duração, inutilidade e inadequação às circunstâncias. Comum dos pacientes
esquizofrênicos, deficientes mentais, demência na doença de Pick e no parkinsonismo. f)
ecolalia: repetição como um eco da última ou últimas palavras do entrevistador, de forma
automática, involuntária. Comum na esquizofrenia catatônica, demência. g) palilalia: repetição
de forma automática, sem controle, da última ou últimas palavras que o próprio paciente
emitiu. Ocorre na demência de Pick e Alzheimer. h) logoclonia: repetição automática e
involuntária das últimas sílabas que o paciente pronunciou. Encontrada na demência de Pick e
Alzheimer. i) mussitação: o paciente fala como que para si, apenas movendo discretamente os
lábios, emitindo fonemas pouco compreensíveis e repetitivos. Comum na esquizofrenia
catatônica. j) fenômeno das para-respostas: o conteúdo da resposta é disparatado em relação
ao que foi perguntado. Ocorre na esquizofrenia. k) neologismo: consiste em palavras novas,
criadas pelo paciente, ou palavras existentes às quais é atribuído um novo significado l)
coprolalia: o discurso é caracterizado pela presença de palavras obscenas, vulgares ou relativas
a excrementos. 24

Memória

A memória é a capacidade de registrar, manter e evocar os fatos já ocorridos. A capacidade de


memorizar relaciona-se intimamente com o nível da consciência, com a atenção e com o
interesse afetivo. Os requisitos para a memória são: 1. Registro – é a capacidade de
acrescentar novos materiais ao armazenamento da memória. 2. Retenção ou fixação – é a
habilidade de armazenar conhecimento que pode subsequentemente retornar à consciência.
3. Recuperação – é a capacidade de obter o material armazenado na memória. 4. Evocação – é
o retorno para o consciente da informação armazenada para o consciente em um momento
selecionado. 5. Reconhecimento – é a sensação de familiaridade que acompanha o retorno do
material armazenado à consciência. Temos uma memória de fixação ou para fatos recentes ou

Classificação: Uso Interno


de curto prazo ou anterógrada: refere-se à capacidade de reter a informação por um período
curto de tempo. 25

Memória de evocação ou para fatos passados ou de longo prazo ou retrógrada

É a capacidade de evocação de informações e acontecimentos ocorridos no passado. Os


esquecimentos podem ocorrer por três vias: 1. esquecimento fisiológico ou normal por
desinteresse do indivíduo ou por desuso. 2. esquecimento por repressão – quando se trata de
material desagradável ou pouco importante para o sujeito. 3. esquecimento por recalque –
certos conteúdos mnêmicos, devido ao fato de serem emocionalmente insuportáveis, são
banidos da consciência, podendo ser recuperados apenas em circunstâncias especiais.

Lei da regressão mnêmica de Ribot de 1882

O indivíduo que sofre uma lesão cerebral tende a perder os conteúdos da memória na ordem e
no sentido inverso que os adquiriu. 1. Alterações quantitativas da memória 1. Hipermnésia de
fixação: aumento da capacidade de fixação. Ocorre em pacientes autistas para dados seletivos.
2. Hipermnésia de evocação: os elementos mnêmicos afluem rapidamente, em tropel,
ganhando em número, mas perdendo em clareza e precisão. Ocorre em quadros maníacos, em
indivíduos sob efeito de drogas excitantes do SNC e em pacientes autistas. 3. Amnésias ou
hipomnésias: perda ou redução da memória, seja na capacidade de fixação ou de evocação. A
amnésia anterógrada ocorre na síndrome de Korsakoff e 26 nos quadros demenciais, como
também no delirium, estados crepusculares, nos estados de ansiedade e agitação e em
pacientes deprimidos.Temos quadros de amnésia (hipomnésia) generalizada que afetam todas
as recordações de grande parte do passado, compreendendo os últimos meses, como temos a
amnésia denominada de lacunar ou localizada, onde a falha da memória abrange
especificamente um determinado espaço de tempo, de limites relativamente precisos, durante
o qual houve um prejuízo na capacidade de fixação. Entre as amnésias lacunares temos: a)
Amnésia psicogênica: há perda de elementos mnêmicos focais, que têm um valor psicológico
específico, o indivíduo se esquece de um evento de sua vida, mas consegue lembrar-se de tudo
que ocorreu ao seu redor. Ex.: amnésia retrógrada em quadros dissociativos psicogênicos
como a amnésia dissociativa e fuga dissociativa. b) Amnésia orgânica: bem menos seletiva em
conteúdo, perde-se a capacidade de fixação e em estados avançados da doença o indivíduo
começa a perder conteúdos antigos como nos quadros de demência. Ex.: amnésia de fixação
nos traumatismos craniencefálicos, e na síndrome de Korsakoff (secundária ao alcoolismo
crônico, associado ao déficit de tiamina – vitamina B1-tiamina). 27

Alterações qualitativas da memória

Ilusões mnêmicas ou alomnésias: há o acréscimo de elementos falsos a um núcleo verdadeiro


de memória, por isso a lembrança adquire um caráter fictício. Ocorre na histeria, na
esquizofrenia, paranoia, transtornos da personalidade. 2. Alucinações mnêmicas ou
paramnésias: são verdadeiras criações imaginativas com a aparência de lembranças e não
correspondem a nenhuma lembrança verdadeira. Ocorre na esquizofrenia, paranoia. 3.
Criptomnésia: falseamento da memória na qual as lembranças aparecem como fatos novos ao
paciente, que não as reconhece como lembranças. Ex.: Alzheimer. 4. Ecmnésia: é a
recapitulação e revivescência intensa, abreviada e panorâmica da existência, uma recordação

Classificação: Uso Interno


condensada de muitos eventos passados, que ocorre por um breve período de tempo. Ex.:
pacientes epilépticos, em indivíduos normais em situação relacionada à iminência de morte
por acidentes, e na histeria. 5. Falsos reconhecimentos: quando o paciente identifica o médico
como uma pessoa de sua família, ou como um velho conhecido. 6. Falsos desconhecimentos:
há o não-reconhecimento de pessoas muito familiares, em que o paciente afirma não
conhecer, por exemplo, sua esposa, sua mãe. Tanto o falso reconhecimento como o falso
desconhecimento ocorrem na esquizofrenia, depressão grave, deliriume demência de
Alzheimer. 7. Fenômeno do jamais visto: o paciente, apesar de já ter sido familiarizado com
determinada experiência, tem a nítida sensação que nunca viu, ouviu, pensou ou viveu tal
experiência. Ocorre nos estados de esgotamento, intoxicações, epilepsia. 28 8. Fenômeno do
já visto: o paciente tem a nítida impressão de que o que estávendo, ouvindo, pensando ou
vivenciando no momento já foi experimentado por ele. 9. Pseudologia fantástica: o paciente
recorda uma experiência imaginária passada como se tivesse ocorrido verdadeiramente.
Ocorre em pessoas sugestionáveis, deficientes mentais, e com transtorno de personalidade
antissocial.

1. Afetividade

A vida afetiva dá cor, brilho a todas as vivências humanas. A afetividade é um termo genérico
que engloba várias modalidades de vivências afetivas como o humor ou estado de ânimo, as
emoções, os sentimentos, os afetos e as paixões. Jean Delay, citado por Paim em 1993, define
o estado de ânimo ou humor como “a disposição afetiva fundamental, rica em todas as
instâncias emocionais e vitais, que dá a cada um de nossos estados de ânimo uma tonalidade
entre dois pólos, um patético e outro apático. NA esfera tímica, que engloba todos os afetos, o
humor representa um papel similar ao que a consciência tem na esfera noética, que engloba
todas as representações; é, portanto, a mais elementar e ao mesmo tempo a mais geral”. Para
Bleuler, o humor consiste na “soma total dos sentimentos presentes na consciência em dado
momento” . Podemos dizer que o humor é o tônus afetivo do indivíduo, o estado emocional
basal e difuso no qual se encontra a pessoa num determinado momento. O humor é vivido
corporalmente. A emoção é um estado afetivo intenso e complexo, proveniente de uma
reação, ao mesmo tempo psíquica e orgânica, do indivíduo inteiro contra certas excitações
internas ou externas. A emoção está na dependência dos centros diencefálicos 29 e
acompanha-se normalmente de reações neurovegetativas (motoras, secretoras, viscerais,
vasomotoras) e psíquicas, que se manifestam objetivamente pela expressão da emoção. É um
estado afetivo intenso, de curta duração, acompanhado de reações somáticas. Desta forma,
podemos dizer que o humor e a emoção são experiências psíquicas e somáticas ao mesmo
tempo; revelam sempre a unidade psicossomática básica do ser humano. O sentimento é um
estado afetivo atenuado, estável,duradouro e organizado com maior riqueza e complexidade
do que os elementos representativos. Estão geralmente associados a conteúdos intelectuais,
valores, representações, não implicam concomitantes somáticos. Scheler classificou os
sentimentos em: a) sentimentos sensoriais: localizados em determina das partes do corpo, tais
como a dor e o prazer; b) sentimentos vitais, como o bem-estar e o mal-estar, o sentimento de
saúde e de enfermidade, a calma, a tensão, a alegria, a tristeza e a angústia; c) sentimentos
psíquicos ou anímicos, considerados como sentimentos do Eu; d) sentimentos espirituais ou da
personalidade, como, por exemplo, a beatitude, o desespero, o remorso, a paz e a serenidade
espiritual. O afeto é a qualidade e o tônus emocional que acompanham uma ideia ou
representação mental. Acoplam-se às ideias anexando a elas um colorido afetivo. Por último,

Classificação: Uso Interno


temos a paixão definida como a “tendência predominante e geralmente exclusiva, que exerce,
de maneira mais ou menos constante, uma ação diretriz sobre a conduta e o pensamento,
dirigindo os juízos de valor e impedindo o exercício de uma lógica imparcial”. 30

Catatimia = a influência da vida afetiva sobre as demais funções psíquicas.

Alterações do Humor:

Humor triste ou hipotimia: diminuição da excitabilidade e na intensidade dosafetos, como nos


quadros depressivos e melancólicos, acompanhados de pensamentos de culpa, ruína,
hipocondria, morte, etc. 2. Hipertimias: correspondem ao aumento em intensidade e duração
d os afetos, geralmente associados à aceleração da atividade psíquica. Ocorrem nos chamados
hiperemotivos, nervosos, supersensíveis e no início das intoxicações exógenas (álcool,
anfetamina). Nos quadros maníacos, a hipertimia, quer dizer, exacerbação do humor – logo,
exaltação do sentimento vital, com vivências de alegria intensa, excitabilidade afetiva e elação
onde vemos, além da alegria patológica, uma expansão do Eu, uma sensação subjetiva de
grandeza e de poder. 3. Humor disfórico: tonalidade afetiva desagradável, mal-humorada. Se f
alarmos de depressão disfórica ou de mania disfórica, estamos falando de um forte
componente de irritação, amargura, desgosto ou agressividade. 4. Humor pueril: caracteriza-se
por seu aspecto infantil, regredido, o indivíduo ri ou chora por motivos banais, sua vida afetiva
é superficial, carece de afetos profundos, consistentes e duradouros. É comum na
esquizofrenia hebefrênica, déficit intelectual, quadros histéricos e em personalidades
imaturas. 5. Humor ansioso: estado de humor desconfortável, uma apreensão negativa em
relação ao futuro, uma inquietação interna desagradável. Inclui manifestações somáticas e
fisiológicas e manifestações psíquicas (angústia). 31

Alterações das Emoções e dos Sentimentos

Embotamento afetivo: nos processos esquizofrênicos avançados surge o chamado


embotamento afetivo, ou apagamento afetivo, caracterizado principalmente pelo
enfraquecimento dos sentimentos que geram e consolidam os laços e nexos afetivos
familiares. 2. Labilidade afetiva: instabilidade e mutabilidade freqüente nas reações afetivas.
Comum na adolescência, nos neuróticos histéricos, nos alcoólatras, na psicopatia e em idosos.
3. Incontinência afetiva: incapacidade de regular e controlar as emoções, quesurgem sob a
forma de pranto convulsivo ou riso incontido. Ocorre nos neuróticos, alcoólatras, portadores
de enfermidades somáticas crônicas e como sintoma precoce da arteriosclerose cerebral. 4.
Paratimias: sentimentos paradoxais e inadequados exibidos por esquizofrênicos. 5. Neotimias:
ocorrem nas síndromes de despersonalização, principalmente de natureza esquizofrênica: é o
aparecimento de sentimentos novos, inusitados e extravagantes – sentimento de estranheza,
de transformação corporal, etc. 6. Ambivalência afetivaou ambitimia:sintoma tipicamente
esquizofrênico, tem sua origem na ruptura da unidade vivencial. Caracteriza-se pela
coincidência no tempo e no espaço de sentimentos opostos e inconciliáveis. Dois sentimentos
ou duas vontades (ambitendência) opostas, inconciliáveis e simultâneas. 7. Anedonia: é a
incapacidade total ou parcial de obter e sentir prazer com determinadas atividades e
experiências da vida. Ocorre nas síndromes depressivas, esquizofrênicos crônicos e em formas
graves de neurose. 32 8. Apatia ou indiferença afetiva: se estende a todas as emoções
agradáveis e desagradáveis. 9. Fobias: medos determinados psicopatologicamente,

Classificação: Uso Interno


desproporcionais e incompatíveis com as possibilidades de perigo real oferecidas pelos
desencadeantes chamados objetos ou situações fobígenas.

Vontade

De maneira prática e objetiva, poderemos admitir que a vontade é a faculdade de agir


racionalmente. A atividade voluntária é: reflexiva, por agir com conhecimentos de causa; livre,
por supor alternativas de escolha; e eficaz, por poder efetivar decisões. O processo volitivo
compreende quatro fases: a) Fase de intenção ou propósito = nesse momento, os impulsos,
desejos e temores inconscientes exercem influência decisiva sobre o ato volitivo. b) Fase de
deliberação = componente intelectual do ato volitivo, constitui uma das condições
indispensáveis para a realização de um ato verdadeiramente voluntário. c) Fase de resolução =
atos formais da vontade, pelos quais se resolve por uma das alternativas, ou de se executar ou
de se inibir o ato. d) Fase de execução = é a realização ou não do ato, sendo a consequência
lógica da resolução. 33

Distúrbios da vontade

Abulia = ausência de vontade, seja quanto à decisão, seja quanto à execução. Ocorre em
quadros depressivos, em intoxicações e esquizofrênicos, principalmente em catatônicos. 2.
Hipobulia = diminuição da vontade com queda da livre determinação e predomínio do
automatismo das ações. Ocorre em neuróticos deprimidos. 3. Negativismo = resistência
gratuita às solicitações externas e internas. Será considerado ativo quando o paciente
contraria as solicitações; e passivo quando nada diz, permanece imóvel, mudo. Ocorre na
catatonia. A sitiofobia é a recusa sistemática de alimentos revelando um negativismo
profundo. Encontrado em depressivos graves, delírios de envenenamento. 4. Obediência
automática = o indivíduo obedece como um robô às solicitações de pessoas que entrem em
contato com ele. Ocorre na catatonia. 5. Fenômenos em eco (ecolalia, ecopraxia, ecomimia e
ecografia) = o indivíduo repete de forma automática. Comum na catatonia e nos quadros
psicoorgânicos. 34

Consciência

Para Husserl, o fundamental da consciência é ser profundamente ativa, visando ao mundo e


produzindo sentido para os objetos que se lhe apresentam. A consciência é sempre
“consciência de algo”. A intencionalidade da consciência, isto é, o visar a algo, o dirigir-se aos
objetos, de modo ativo e produtivo, é próprio da consciência na visão fenomenológica. Na
definição psicológica, a consciência é a soma total das experiências conscientes de um
indivíduo em um determinado momento. É a dimensão subjetiva da atividade psíquica do
sujeito que se volta para a realidade. Na relação do eu com o meio ambiente, a consciência é a
capacidade de o indivíduo entrar em contato com a realidade, perceber e conhecer seus
objetos. Aprosexia abolição total da capacidade de atenção, por maisfortes e variados que
sejam os estímulos que se utilizem. Ocorre em quadros avançados de Demência como a da
doença de Alzheimer. A hipervigilância com hipotenacidade encontramos nos quadros
maníacos e hipomaníacos e nas crianças hiperativas. Os pacientes esquizofrênicos costumam
ter alterações da atenção, particularmente dificuldade em filtrar e “anular” adequadamente

Classificação: Uso Interno


estímulos sensoriais irrelevantes, enquanto realizam determinada tarefa; são assim muito
suscetíveis de se distraírem com estímulos visuais e auditivos externos. 35

Orientação

A orientação é uma função psíquica que permite ao indivíduo situar-se quanto a si mesmo e ao
ambiente. A orientação autopsíquica é aorientação do indivíduo em relação a si mesmo.
Revela se o paciente sabe quem é, como se chama, que idade tem, qual sua nacionalidade,
profissão, religião, etc. A orientação alopsíquica diz respeito à capacidade de orientar-se em
relação ao mundo, isto é, quanto ao tempo e quanto ao espaço. Temos vários tipos de
desorientação, de acordo com a alteração de base que a condiciona. Nos quadros orgânicos a
desorientação ocorre primeiramente quanto ao tempo, depois quanto ao espaço e só com o
agravamento do quadro é que o indivíduo desorienta-se quanto a sua própria pessoa (Lei de
Ribot). Alterações da orientação: 1. Desorientação confusional ou amencial: consequente à
redução do nível de consciência. O rebaixamento da consciência produz uma alteração da
atenção e da capacidade de integração de estímulos ambientais, impedindo que o indivíduo
apreenda a realidade de forma clara e precisa. 2. Desorientação amnéstica: por déficit de
memória de fixação o indivíduo não consegue fixar as informações, perde a noção do fluir do
tempo, do deslocamento no espaço. Ocorre nos diversos quadros demenciais e na síndrome
de Korsakoff. 3. Desorientação apática ou abúlica: ocorre por apatia e/ou desinteresse em
função de uma alteração do humor e da vontade. Por falta de motivação e interesse em
função de um quadro depressivo, o indivíduo não se atém aos estímulos ambientais e torna-se
desorientado. 36 4. Dupla orientação delirante: ocorre em pacientes esquizofrênicos e
paranoicos nos quais a orientação falsa, delirante, coexiste com a orientação correta.

Os sistemas diagnósticos

Classificação das doenças mentais Estabelecer um diagnóstico em medicina, no quadro de uma


atividade médica, é coisa fácil. Há sinais funcionais, físicos, biológicos, etc., que referidos ou
não a uma etiologia conhecida permitem classificar um doente numa categoria única. A
doença é uma diferença em relação a um estado que se define como sendo a saúde. Em
psiquiatria é muito mais difícil seguir o procedimento médico. Não há sinal objetivo algum e a
patologia mental, como regra, se inscreve num distúrbio de comportamento em relação a uma
norma. Mas onde está o padrão de referência? Não existe norma em si, mas somente um
consenso do grupo cultural sobre o que é comportamento normal, e o que é comportamento
desviado. A norma varia com o meio e com a cultura. Mas a influência do grupo exprime-se,
sobretudo, nas modalidades de expressão comportamental. Assim, para alguém emitir um
diagnóstico, o seu contexto e suas finalidades devem ser definidos. Por exemplo, temos: No
meio hospitalar o diagnóstico permite comunicar acerca de um doente. É o caso de uma
aproximação descritiva, hic et nunc, essencialmente baseada sobre uma descrição dos
sintomas para mais ou para menos em relação a um estado anterior. Faz-se, pois, uma
aproximação descritiva de sintomas que obstruem a atividade do doente, e o diagnóstico é
uma convenção aceita pelo grupo, permitindo a comunicação no interior desse grupo. O
objetivo habitual do tratamento é fazer desaparecer os sintomas. Nas pesquisas em
psiquiatria, o 37 diagnóstico tem como objetivo comparar grupos de pacientes entre si. É uma
aproximação que se pretende objetiva. O fim não é tanto obter um diagnóstico "verdadeiro",
mas ter grupo de pacientes o mais semelhante possível. É um sistema de pura convenção a
priori. A avaliação dos resultados será estatística, para apagar as diferenças individuais. De
toda forma, os critérios diagnósticos são importantes como vimos para a pesquisa, pois criam

Classificação: Uso Interno


uma linguagem comum que permite a comparação de dados de diferentes estudos, e também
na clínica para a indicação de um tratamento adequado. Classificações na Psiquiatria Henri Ey,
em 1948, referia que nas classificações das doenças mentais existia uma alternância ao longo
da história de influências entre as tradições hipocrática (vertente dinamista, com uma visão
global do homem) e galênica (vertente mecanicista, com uma concepção atomística do
organismo concebido como soma de órgãos), levando a propostas de classificações categoriais
(vertente galênica) e de classificações dimensionais (hipocrática). Na classificação categorial
estabelecemos diferenças quantitativas entre as diversas classes das doenças mentais, com
critérios homogêneos de inclusão e de exclusão dos casos, partindo da teoria binária da
psicose Kraepeliana que estabelece de forma clara a distinção entre a Psicose Maníaca
Depressiva e a Esquizofrenia no que diz respeito ao curso da doença e de seu prognóstico. Na
classificação dimensional avaliam as diferenças quantitativas entre os indivíduos com relação a
uma determinada variável com distribuição ao longo de um contínuo por partir da teoria
unitária da psicose de Griensiger. Independentemente do tipo de classificação empregada é
importante lembrar que “os vários conceitos e categorias diagnósticas que construímos são
apenas ferramentas que escolhemos para observar e interpretar o mundo real”. ”Não são em
si realidades” (Millon,1987). 38 A classificação em psiquiatria se dá a partir do diagnóstico
sindrômico (e não baseada na etiologia das doenças – como na medicina). A identificação da
síndrome é feita pela observação clínica e pela experiência clínica do entrevistador, bem como
pelos critérios de exclusão e inclusão que decorrem de estudos de acompanhamento e da
resposta terapêutica aos psicofármacos. As classificações se constituem em um conjunto de
hipóteses formando construtos provisórios que não devem ser reificados, tomados como algo
concreto. Jaspers em 1911 dizia: “Cada manifestação, como a alucinação, a ideia delirante,
tem nuances variadas conforme os diferentes doentes”. 1. Classificação na psiquiatria clássica
A classificação das doenças mentais na psiquiatria clássica mantém uma oposição entre duas
categorias principais: a das neuroses e a das psicoses. Psicose como Neurose são conceitos
aplicados a categorias de entidades nosológicas. Sabemos que os quadros nosológicos não
descrevem os indivíduos, mas trabalhamos com conceitos, com quadros psicopatológicos que,
embora possam partir da observação clínica, são modelos teóricos, são sistemas concebidos
pelos psiquiatras para organizar, interpretar, medir, trabalhar com os dados. Reconhecemos,
identificamos a situação do paciente, em função de quadros diagnósticos, de padrões
estabelecidos pelo saber psiquiátrico. O grupo das Psicoses na Psiquiatria é dividido
classicamente nas chamadas psicoses endógenas e psicoses exógenas. Bleuler e Jaspers já
criticavam a independência desses conceitos fundados ambos num equívoco essencial: o da
divisão e autonomia do mundo interno por um lado e do mundo externo por outro. 39 Bleuler
considerava a ideia de uma psicose endógena embaraçosa mesmo para o pensamento de seu
tempo – um pensamento comprometido com o discurso científico e com a filosofia moderna.
Tomando partido da racionalidade, Bleuler defendia a tese da causalidade suficiente, isto é, da
existência universal e necessária de uma síntese que constitui o elo, a ligação, o liame causal.
Coerente com seus pressupostos, afirmava que se frequentes e graves transtornos mentais
ocorrem sem que se possam definir as relações causais. Isso indica não que tais causas não
existam, mas apenas que elas não foram ainda encontradas e que portanto falar em
transtorno mental endógeno é falar em alteração mental de gênese desconhecida, sem nexo
causal conhecido. À crítica de Bleuler vem se juntar Jaspers que sustentava a dupla tese da
causalidade necessária e da ação recíproca entre interno e externo, teses que articuladas
desautorizavam a pretensão de dividir e classificar as psicoses em endógenas e exógenas. A
tese da causalidade necessária faz Jaspers enunciar que a enfermidade psíquica é um intricado
de fios cuja trama se tece a partir de um fundo corporal. O nexo causal é aí tão necessário

Classificação: Uso Interno


quanto ignorado: presumem-se fundamentos corporais, mas se está longe de apreender a
infinidade de elos desconhecidos entre o fundamento suposto e a alteração psíquica final. No
grupo das psicoses denominadas exógenas, orgânicas ou somatógenas incluem: a) Psicoses
sintomáticas: psicoses que não são mais do que sintomas de uma enfermidade somática, uma
enfermidade corporal qualquer, que atinge transitória e reversivelmente o psiquismo dos
indivíduos enfermos; ou ainda aparece como decorrência de alguma intoxicação, experimental
ou acidental. As alterações que estão em relevo nessas psicoses são a turvação, a perturbação
da consciência, 40 entendendo a consciência como aquele “todo momentâneo da vida
psíquica”, o conjunto do psiquismo num corte transversal. Quando esta consciência está
obnubilada ou turva, está perturbada, entorpecida, isto definiria o quadro central,
fundamental, que compõe as psicoses sintomáticas. São também chamadas de reações
exógenas agudas e de delirium. É facilmente reconhecida pela desorientação do sujeito,
inicialmente alopsíquica e posteriormente autopsíquica. Existe no quadro uma dificuldade da
fixação mnêmica; existe uma abundância de pseudo-alucinações, já que a alucinação
verdadeira só ocorre com a clareza de consciência. Podem aparecer ideias anômalas, ideias
deliróides, que são secundárias a uma alteração fundamental, que é a alteração global da
consciência. Aqui também estão presentes os distúrbios da psicomotricidade, a impulsividade,
a agitação psicomotora. b) Psicoses orgânicas: o quadro se caracteriza pela demência, aqui
reconhecida como deterioração intelectual, que tem como base, como fundamento, uma
alteração psíquica, uma alteração mental, e diria mais ainda, uma alteração ao nível do S.N.C.,
que é irreversível e duradoura. A demência é o fenômeno central das psicoses orgânicas,
ladeado pela labilidade do humor, que marcha inexoravelmente para uma situação de
indiferença afetiva. No grupo das psicoses denominadas endógenas ou funcionais, temos: a)
Esquizofrenia: Bleuler dizia que o delírio e a alucinação não são apanágio da esquizofrenia,
falando dos sintomas fundamentais que seriam: a ambivalência (coexistência no mesmo
indivíduo de afetos, desejos e pensamentos antagônicos em relação a um mesmo objeto), o
autismo, a desagregação do pensamento e a inadequação afetiva. Jaspers dava ênfase especial
às chamadas alterações da consciência do Eu: da atividade, da unidade, da identidade e a
consciência do Eu em oposição ao mundo externo. Para ele, as 41 alterações psicopatológicas
fundamentais do processo esquizofrênico estavam localizadas no nível da consciência do Eu. b)
Parafrenia: a parafrenia é entendida pela Escola Francesa como sendo algo parecido com a
Esquizofrenia, mas havendo aí uma predominância de delírios e alucinações, que ocorrem
paralelamente a uma atividade psíquica bastante preservada nos seus vários planos.
Parafrenia seria, então, uma psicose delirante crônica de conteúdo fantástico, que evolui
paralelamente a uma boa preservação das atividades psíquicas, a uma boa conservação da
conduta, a uma boa preservação do estar no mundo do paciente. c) Psicose Maníaco-
Depressiva: caracterizada pelos distúrbios quantitativos do humor, ocorrendo com ideias
deliróides. d) Paranoia: a paranoia que para a psicanálise equivale ao próprio conceito de
psicose, curiosamente na Psiquiatria tem um pequeno espaço. Ela está lá como sendo uma
entidade nosológica rara que se caracteriza por um estado delirante crônico, sistematizado,
uma psicose monossintomática em que o delírio é fundamental e as alucinações inexistem;
existe uma coerência muito grande, algo de muito convincente no delírio desses sujeitos ditos
paranoicos que faz com que eles possam convencer uma, duas ou mais pessoas. É também
denominada de desenvolvimento paranoide porque teria uma compreensibilidade. 2.
Classificação da APA – DSM Em 1917, o Comitê para estatísticas da Associação Psiquiátrica
Americana (APA), juntamente com a Comissão Nacional para a Higiene Mental, formulou um
sistema de classificação estatística das doenças mentais que visava servir primariamente para
o diagnóstico de pacientes internados com transtornos psiquiátricos e neurológicos severos

Classificação: Uso Interno


baseado na classificação proposta por Kraepelin. 42 Em 1952 a APA publica o DSM I a partir de
insatisfações com a classificação proposta pelo CID VI em 1948 pela Organização Mundial da
Saúde. A classificação do DSM I foi baseada no conceito de reação de Meyer, do conceito
sociodinâmico de Menninger e de alguns conceitos psicanalíticos freudianos. Divide os quadros
psiquiátricos em dois grandes grupos, as patologias resultantes de disfunção cerebral e as
resultantes da inabilidade do indivíduo em adaptar-se às situações da vida. Os transtornos
mentais eram entendidos como reações da personalidade a fatores psicológicos, sociais e
biológicos. Em 1968 é publicada a DSM II propondo uma classificação baseada na teoria
psicanalítica, onde os transtornos mentais eram vistos como expressões simbólicas de
realidades psicológicas ou psicossomáticas. De 1968 a 1980 tiveram lugar diversos fatores que
viriam a influenciar a organização do DSM III. São eles: a) necessidade de critérios operacionais
para a pesquisa farmacológica; b) o refinamento das técnicas estatísticas, aquilo que
possibilitava a identificação de agrupamentos de sintomas comuns a uma determinada
categoria diagnóstica. Em 1980 é publicado o DSM III, que abandona os conceitos
psicodinâmicos de Freud como neurose e histeria, afirmando que Freud usava tais termos para
descrever e indicar um processo etiológico. Como os autores americanos não conseguiram
consenso na questão da etiologia da neurose, preferem usar o termo "distúrbios neuróticos"
quando o clínico quer indicar a noção de processo etiológico. Mas não usam mais "neurose"
como grupo de doenças. Usam assim “neurótico" como qualificativo, e não "neurose" como
categoria. O mesmo ocorre em relação à Psicose, onde não usam o termo "psicótico" como
base de classificação dos distúrbios mentais não orgânicos, para evitar classificar como
"psicose" os Distúrbios 43 Afetivos Maiores, pois tais distúrbios não apresentam
habitualmente características psicóticas. O DSM III apresenta cinco eixos diagnósticos que são:
1. Síndrome clínica 2. Transtorno da personalidade 3. Transtorno e condições físicas 4.
Gravidade dos estressores psicossociais 5. Funcionamento adaptativo (incapacidade ou não
laboral) Várias críticas surgiram ao DSM III como: - pretensa ateoricidade teoria
comportamental implícita - sacrifício da validade diagnóstica em favor da confiabilidade -
classificação a partir da dimensão categorial em detrimento do dimensional - pouca
importância ao curso evolutivo - abandono de conceitos psicodinâmicos como neurose e
histeria - representação do pensamento de um grupo seleto de profissionais - privilégio do
aspecto sindrômico O DSM IV é publicado em 1994 apresentando uma abordagem categorial;
os diagnósticos podem ser múltiplos ou provisórios. E cada categoria diagnóstica contém os
aspectos diagnósticos; aspectos de especificidade em relação à cultura, sexo, idade de
começo; dados epidemiológicos; curso; complicações; fatores predisponentes. Existem 17
classes diagnósticas principais, subdivididas em cinco eixos: Síndrome clínica; Transtorno da
personalidade; Condições médicas; Problemas profissionais e ambientais; e Funcionabilidade.
Diz-se ateorético. O DSM IV utiliza na classificação o termo transtorno assim definido:
"‘Transtorno’ não é um termo exato, 44 porém é usado aqui para indicar a existência de um
conjunto de sintomas ou comportamentos clinicamente reconhecível associado, na maioria
dos casos, a sofrimento e interferência com funções pessoais.” 3. Classificação Internacional
das Doenças – CID O CID foi criado com o propósito de ser um instrumento essencialmente
epidemiológico, a partir de todas as enfermidades registradas em países integrantes da
Organização Mundial da Saúde (OMS). É apenas na sua 6ª edição em 1948 (CID – VI) que se
incluiu em seu capítulo V a enfermidade mental. Em 1992 é publicado o CID X, com caráter
eminentemente descritivo e critérios de diagnóstico específicos, muito influenciado pelo DSM
III. As descrições não pressupõem implicações teóricas nem tampouco pretende abarcar todos
os conhecimentos dos transtornos mentais e do comportamento. Representam conjuntos de
sintomas que tiveram consenso de um grande número de clínicos e pesquisadores de

Classificação: Uso Interno


diferentes países, os quais abandonam a diferença entre psicose e neurose como princípio
organizador da classificação. Mesmo não utilizando a divisão tradicional entre neurose e
psicose, o termo "neurótico" ainda é mantido para uso ocasional como, por exemplo, os
transtornos neuróticos. Ao invés de seguir a dicotomia neurótico-psicótico, os transtornos são
arranjados em grupos de acordo com os principais temas comuns ou semelhanças descritivas,
o que dá ao uso uma conveniência crescente. "Psicótico" foi mantido como um termo
descritivo conveniente. Seu uso não envolve pressuposto acerca de mecanismos
psicodinâmicos, porém simplesmente indica a presença de alucinações e delírios ou de um
número limitado de várias anormalidades de comportamento, tais como excitação e
hiperatividade grosseiras, retardo psicomotor marcante e comportamento catatônico. 4

Classificação: Uso Interno

Você também pode gostar