Você está na página 1de 2

FRAYZE-PEREIRA, J.A. O que é loucura. 3. ed. São Paulo: Editora Brasiliense, 1984.

Resenha do livro "O que é loucura", de João Augusto Frayze-Pereira


Caroline Gheller1
João Augusto Frayze-Pereira é Professor Livre-docente aposentado do Instituto de
Psicologia da Universidade de São Paulo, Psicanalista pela Instituto de Psicanálise da
Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo (SBPSP-IPA), Pós-Doutor em Estética pela
École des Hautes Études en Sciences Sociales de Paris. Durante sua tragetória acadêmica, o
autor adquiriu experiência de pesquisa nas áreas da arte, loucura e psicologia. A obra intitulada
como “O que é loucura” publicada pela editora Brasiliense em 1984, foi escrita após sua tese
de doutorado, a qual, aproximou-o da temática. A escrita do livro também foi influenciada pela
leitura de obras de Michel Foucault e outros autores.
No primeiro capítulo, denominado “Uma questão problemática” o autor expõe
perspectivas sobre a loucura, envolvendo áreas do conhecimento bastante distintas como: a
ciência, a sociologia e a filosofia. Ao entrevistar diferentes jovens universitários, constatou que
existem duas visões extremas e problemáticas: a loucura uma forma de conhecimento da
verdade e a loucura como uma falha. Na primeira, o problema está em enaltecer
comportamentos e pensamentos que podem ser prejudiciais para o indivíduo e ao entorno. Já a
segunda está em desumanizar o indivíduo, tratando ele como inferior. Os dois casos excluem o
louco do universo comum dos normais.
No capítulo “Doença mental ou desvio social”, o autor descreve o conceito psiquiátrico
de “doença mental", e também, a concepção da loucura como “desvio social”. Dentro do
contexto da saúde, apresentou as duas principais perspectivas da teoria da loucura: o
organicismo e a psicofuncional. O organicismo é o dogma da psiquiatria clássica, que a norma
objetiva do processo saúde-doença está estritamente relacionada com o bom funcionamento dos
processos fisiológicos do organismo. Já a visão psicofuncional, defende que a harmonia entre
as relações das funções psiquicas é o fator determinante. Ambos ignoram os fatores relacionais
e procuram tratar a loucura como o fato isolado, porém, a doença sempre é definida a partir de
uma relação: se está doente em relação a algo ou alguém. O anormal só existe por causa da
definição do que é normal. Na perspectiva cultural, esses conceitos são relativos à adaptação
do individuos as normas estabelecidas por aquele grupo, sendo elas uma forma de regular a
diversidade da existência. Por outro lado, as doenças mentais podem se manifestar conforme o
estágio das perturbações do funcionamento da “personalidade individual”. Trazendo mais dois
novos conceitos para o debate: as psicoses e as neuroses. Já a Etnopsiquiatria (referente a grupos

1 Acadêmica do curso de Licenciatura em Ciências Biológicas da Universidade Federal de Pelotas


etnicos e culturais), estuda a universalidade do processo de dessocialização dos loucos e procura
meios de avaliar a loucura de forma metacultural. A loucura é uma criação cultural, porém as
normas que a definem são independentes de quaisquer conteúdos culturais particulares. Todas
as abordagens citadas desconsideram o fato de que “a loucura é muito mais histórica do que se
acredita geralmente, mas muito mais jovem também”.
O terceiro capítulo “Uma lição etnológica” aborda o fato da Etnologia considerar que
todas as culturas fazem parte de uma infinita diversidade de soluções para problemas
semelhantes. Sintomas de doenças ocidentais, para algumas culturas antigas, possuem
significados místicos, pois consideram o corpo humano como veículo do sagrado. Portanto,
seria inadequado analisar fenômeno da possesão (sobrenatural) através de termos psiquiatricos.
A partir dessa perspectiva somos obrigados a admitir que o vínculo entre loucura e patologia
não é universal.
No penúltimo capítulo, titulado de “A determinação histórica da loucura”, vai além da
história da loucura para medicina, buscando o marco zero, onde a loucura e a não loucura, a
razão e a não razão se definiram. Diferente do passado, hoje o homem da razão e o homem da
loucura não se comunicam mais, pois foi designada a psiquiatria para lidar com o louco. O autor
divide a gênese da loucura em três momentos: (1) Loucura e sabedoria andam juntas. Até o
século XV, a arte era extremamente religiosa, mas partir dessa época, é possível perceber o
fascínio humano pela arte da loucura. Durante o Renascimento ela é representada por exemplo,
através de pinturas, teatro e na literatura. A partir do final da Idade Média, a compreensão sobre
a loucura muda de patamar, passa a representar os erros, os vícios e fraquezas humanas. Loucos
eram isolados e transportados em navios que navegavam por toda parte. (2) No decorrer do
século XVII, a loucura se fixa no hospital, nas casas de internação. (3) Após a revolução
francesa, fica a encargo exclusivo da Psiquiatria lidar com os loucos.
Finalizando o capítulo e o livro, o autor retrata que a loucura é tratada como uma ameaça
no mundo ocidental por causa da impossibilidade de convivencia o diferente, tornando esses
indivíduos marginalizados e excluídos da sociedade. O livro ainda conta com três páginas de
indicações para leitura e a biografia do autor.
A loucura é um tema que provoca interesse e pavor a diferentes indivíduos e culturas.
Em poucas páginas, o livro permite ao leitor à reflexão sobre aspectos ligados à loucura e como
eles se relacionam à medicina, cultura, sociedade e indivíduo. É ideal para diversos públicos,
principalmente aos interessados em filosofia da psicologia.

Você também pode gostar