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Reflexões Inicias
Carmen Esther Rieth
“No pólo oposto a esta natureza de trevas, a loucura fascina porque
é um saber. É saber, de início, porque todas essas figuras absurdas
são, na realidade, elementos de um saber difícil, fechado, esotérico.
[...] Este saber, tão inacessível e temível, o Louco a detém em sua
parvoíce inocente. Enquanto o homem racional e sábio só percebe
desse saber alguma figuras fragmentárias - e por isso mesmo mais
inquietantes - , o Louco o carrega inteiro em uma esfera intacta...”
Michel Foucault (1987)
ciou trabalhando com fontes a partir do século XVI. Suas pesquisas trou-
xeram dados muito importantes, pois revelam que a loucura passou a
receber um status de doença mental apenas em nossa história recente.
A experiência da loucura era, antes do século XIX, no mínimo bastante
variável: percebida como problemas no âmbito da espiritualidade, da mo-
ralidade, etc.
No séc. XVI havia tolerância, condescendência e aceitação em re-
lação ao louco. Ele circulava livremente na sociedade, fazendo parte da
experiência cotidiana. Era visto como tendo um saber especial, alguém
que via e sabia de coisas que não eram acessíveis aos homens comuns.
Os loucos não eram internados em hospitais especiais. Quando havia ne-
cessidade de internação, permaneciam em hospitais comuns e recebiam
o mesmo tratamento que os demais pacientes da época: sangria, banhos,
ventosas e purgações. Não havia preocupação em dominar a loucura
(Bock, Furtado e Teixeira, 1999).
Em meados do séc. XVII ocorre urna mudança bastante brusca
deste cenário, iniciando o processo de exclusão. Em todos os cantos da
Europa são criadas instituições destinadas à internação dos loucos e de
todos os indivíduos diferentes, como: inválidos pobres, velhos pobres,
mendigos, portadores de doenças venéreas, libertinos de todos os tipos
e religiosos que haviam cometido alguma infração. Observa-se que os
critérios utilizados para o confinamento referiam-se à transgressão da lei
e da ordem moral. Cada cidade constrói o seu Hospital Geral, onde não
existe a intenção de tratamento, apenas a intenção de excluir aqueles que
já não podem mais fazer parte da sociedade. Não havia tratamento. O
hospital ainda não havia se transformado em uma instituição médica. O
tratamento neste período estava em consonância com o mundo burguês
em processo de constituição, onde o vício maior era a ociosidade. Basta
que observemos que a grande internação deste período confinou todos os
que não produziam. O tratamento, portanto, consistia em trabalho força-
do, fiação e fabricação de objetos. O trabalho também tinha um papel de
controle moral (Foucault, 1994 ).
Na segunda metade do século XVIII, a loucura começou a ser ob-
jeto de questionamentos e estudos da Medicina e Filosofia. Ocorre a
criação do asilo, projetado apenas para abrigar os loucos. A separação
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dos doentes mentais dos demais presos foi vista na época como uma ne-
cessidade, pois se considerava incorreto e mesmo prejudicial para os de-
mais presos a convivência com os loucos. Os métodos terapêuticos utili-
zados na época baseavam-se na religião, no medo, na culpa e no trabalho
forçado, servindo como forma de punição para condutas não condizentes
com o esperado. A ação da Medicina passou a ser essencialmente mo-
ral. Um representante expressivo deste período na França foi o médico
Philippe Pinel (1745-1826). Uma das primeiras ações de Pinel no Bicêtre
(hospital para pacientes do sexo feminino), foi libertar as doentes mentais
de suas correntes. Ele também é conhecido por tentar analisar e classificar
os sintomas e pela sua aplicação do tratamento moral. Pinel entendia a
insanidade como um distúrbio do autocontrole e da identidade (Kaplan,
1984 ). William Tuke (1732-1822) compartilhava das ideias de Pinel e
procedia de modo semelhante na Inglaterra. Como a loucura passa a ser
vista como algo que acontecia dentro do próprio homem, o louco começa
a ser percebido como recuperável, curável, sendo que para a cura havia
a necessidade do isolamento e da vigilância (Bock, Furtado e Teixeira,
1999). Existe neste período uma tentativa de restaurar um ambiente mais
humano em torno do louco, um lugar onde possa sentir-se bem, num
meio quase familiar. Entende-se que o que falta ao louco são exatamen-
te sentimentos de dependência, humildade, culpa e reconhecimento, ou
seja, valores morais familiares. Para conseguir reincutir no louco estes
sentimentos, muitas vezes utilizavam-se estratégias terapêuticas como:
ameaças, humilhações, privações alimentares, etc. O objetivo era infanti-
lizar e culpabilizar o louco. Instrumentos e práticas antigas, usados com o
objetivo de aliviar o sintoma, muitas vezes eram utilizados como punição
(banhos frios, etc). Inicia a medicalização e abre-se espaço para uma nova
especialidade: a psiquiatria.
A psiquiatria passa a ser essencialmente descritiva. Seguidores de
Pinel, como por exemplo, o psiquiatra francês J. E. Esquirol (1772-1840),
preocupam-se em descrever sintomas e enquadrar os pacientes dentro
destes sintomas, síndromes, doenças ou padrões de comportamento.
Esquirol também conseguiu um avanço importante na compreensão da
doença mental ao atribuir às causas psíquicas um papel importante na
origem das doenças mentais.
Na Alemanha, também a meados do século XVIII, ocorre um
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Para Heinroth, o termo Psicossomático tinha o sentido de designar as doenças
somáticas que surgiam rendo como fator etiológico os aspectos mentais. Atual-
mente, define-se Distúrbio Psicossomático, de acordo com os critérios do Ma-
nual Diagnóstico e Estatístico de Doenças Mentais, como fatores psicológicos
que afetam a condição física, resultantes de estímulos ambientais psicologica-
mente significativos e relacionados ao início ou exacerbação de urna condição
física ou distúrbio específico.
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Sugestões:
Filme:Crazy People; Os contos proibidos do Marquês de Sade
Leitura: Eu só vim telefonar. ln: Contos Peregrinos de Gabriel Garcia
Marquéz O Alienista
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