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Normalidade e Patologia:

Reflexões Inicias
Carmen Esther Rieth
“No pólo oposto a esta natureza de trevas, a loucura fascina porque
é um saber. É saber, de início, porque todas essas figuras absurdas
são, na realidade, elementos de um saber difícil, fechado, esotérico.
[...] Este saber, tão inacessível e temível, o Louco a detém em sua
parvoíce inocente. Enquanto o homem racional e sábio só percebe
desse saber alguma figuras fragmentárias - e por isso mesmo mais
inquietantes - , o Louco o carrega inteiro em uma esfera intacta...”
Michel Foucault (1987)

A maioria das pessoas já se perguntou, em algum momento de sua


vida, sobre sua sanidade mental. A loucura sempre foi objeto de interes-
se e fascínio entre os seres humanos já tendo ocupado vários papéis na
história. Estes, por sua vez, retratavam os conflitos, a ordem moral, os
valores e as normas vigentes de uma determinada sociedade em um de-
terminado período histórico. Em cima destes fatores constituía-se e cons-
titui-se o que se entende por normalidade.
A loucura na história
Michel Foucault (1926-1984), filósofo francês, preocupou-se em
conhecer a constituição histórica do conceito de doença mental. Suas
pesquisas com documentos encontrados em prisões e hospitais possibi-
litaram a compreensão do papel desempenhado pelo indivíduo portador
de sofrimento mental, bem como da sociedade em relação ao louco em
diversos períodos da nossa história. Com este intuito buscou aprofundar
também a forma como a arte da época retratava a loucura, procuran-
do em pinturas, óperas e escritos as referências feitas a ela. Foucault ini-
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ciou trabalhando com fontes a partir do século XVI. Suas pesquisas trou-
xeram dados muito importantes, pois revelam que a loucura passou a
receber um status de doença mental apenas em nossa história recente.
A experiência da loucura era, antes do século XIX, no mínimo bastante
variável: percebida como problemas no âmbito da espiritualidade, da mo-
ralidade, etc.
No séc. XVI havia tolerância, condescendência e aceitação em re-
lação ao louco. Ele circulava livremente na sociedade, fazendo parte da
experiência cotidiana. Era visto como tendo um saber especial, alguém
que via e sabia de coisas que não eram acessíveis aos homens comuns.
Os loucos não eram internados em hospitais especiais. Quando havia ne-
cessidade de internação, permaneciam em hospitais comuns e recebiam
o mesmo tratamento que os demais pacientes da época: sangria, banhos,
ventosas e purgações. Não havia preocupação em dominar a loucura
(Bock, Furtado e Teixeira, 1999).
Em meados do séc. XVII ocorre urna mudança bastante brusca
deste cenário, iniciando o processo de exclusão. Em todos os cantos da
Europa são criadas instituições destinadas à internação dos loucos e de
todos os indivíduos diferentes, como: inválidos pobres, velhos pobres,
mendigos, portadores de doenças venéreas, libertinos de todos os tipos
e religiosos que haviam cometido alguma infração. Observa-se que os
critérios utilizados para o confinamento referiam-se à transgressão da lei
e da ordem moral. Cada cidade constrói o seu Hospital Geral, onde não
existe a intenção de tratamento, apenas a intenção de excluir aqueles que
já não podem mais fazer parte da sociedade. Não havia tratamento. O
hospital ainda não havia se transformado em uma instituição médica. O
tratamento neste período estava em consonância com o mundo burguês
em processo de constituição, onde o vício maior era a ociosidade. Basta
que observemos que a grande internação deste período confinou todos os
que não produziam. O tratamento, portanto, consistia em trabalho força-
do, fiação e fabricação de objetos. O trabalho também tinha um papel de
controle moral (Foucault, 1994 ).
Na segunda metade do século XVIII, a loucura começou a ser ob-
jeto de questionamentos e estudos da Medicina e Filosofia. Ocorre a
criação do asilo, projetado apenas para abrigar os loucos. A separação

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dos doentes mentais dos demais presos foi vista na época como uma ne-
cessidade, pois se considerava incorreto e mesmo prejudicial para os de-
mais presos a convivência com os loucos. Os métodos terapêuticos utili-
zados na época baseavam-se na religião, no medo, na culpa e no trabalho
forçado, servindo como forma de punição para condutas não condizentes
com o esperado. A ação da Medicina passou a ser essencialmente mo-
ral. Um representante expressivo deste período na França foi o médico
Philippe Pinel (1745-1826). Uma das primeiras ações de Pinel no Bicêtre
(hospital para pacientes do sexo feminino), foi libertar as doentes mentais
de suas correntes. Ele também é conhecido por tentar analisar e classificar
os sintomas e pela sua aplicação do tratamento moral. Pinel entendia a
insanidade como um distúrbio do autocontrole e da identidade (Kaplan,
1984 ). William Tuke (1732-1822) compartilhava das ideias de Pinel e
procedia de modo semelhante na Inglaterra. Como a loucura passa a ser
vista como algo que acontecia dentro do próprio homem, o louco começa
a ser percebido como recuperável, curável, sendo que para a cura havia
a necessidade do isolamento e da vigilância (Bock, Furtado e Teixeira,
1999). Existe neste período uma tentativa de restaurar um ambiente mais
humano em torno do louco, um lugar onde possa sentir-se bem, num
meio quase familiar. Entende-se que o que falta ao louco são exatamen-
te sentimentos de dependência, humildade, culpa e reconhecimento, ou
seja, valores morais familiares. Para conseguir reincutir no louco estes
sentimentos, muitas vezes utilizavam-se estratégias terapêuticas como:
ameaças, humilhações, privações alimentares, etc. O objetivo era infanti-
lizar e culpabilizar o louco. Instrumentos e práticas antigas, usados com o
objetivo de aliviar o sintoma, muitas vezes eram utilizados como punição
(banhos frios, etc). Inicia a medicalização e abre-se espaço para uma nova
especialidade: a psiquiatria.
A psiquiatria passa a ser essencialmente descritiva. Seguidores de
Pinel, como por exemplo, o psiquiatra francês J. E. Esquirol (1772-1840),
preocupam-se em descrever sintomas e enquadrar os pacientes dentro
destes sintomas, síndromes, doenças ou padrões de comportamento.
Esquirol também conseguiu um avanço importante na compreensão da
doença mental ao atribuir às causas psíquicas um papel importante na
origem das doenças mentais.
Na Alemanha, também a meados do século XVIII, ocorre um
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avanço na psiquiatria descritiva, pois, a partir de uma visão de totalidade


da pessoa doente, buscam um entendimento mais dinâmico da mente.
Um representante desta fase é J. C. Heinroth (1773-1843) que procura
compreender os conflitos psicológicos frisando a unidade dos fenômenos
mentais. Ressalta que a personalidade tem que ser vista em sua totalidade.
Heinroth também foi o primeiro psiquiatra a empregar o termo psicosso-
mático1 (Kaplan, 1984). Ele também antecipa a ideia estrutural da mente,
descrita posteriormente por Freud. Neste período, a Psicologia também
consegue estabelecer-se como ciência separada da filosofia (vide cap. 1).
A crítica aos modelos tradicionais: antipsiquiatria, psi-
quiatria social, psiquiatria existencial
No final do séc. XX começam a surgir teorias que se opunham à
psiquiatria clássica, como a Antipsiquiatria, a Psiquiatria Existencial e a
Psiquiatria Social. Todas elas sugerem a extinção dos hospitais psiquiátri-
cos e buscam restaurar a humanidade da pessoa institucionalizada. Estas
teorias “denunciam a manipulação do saber científico, a retirada da hu-
manidade e da dignidade do louco, as condições perversas de tratamento
e reclusão dele e, principalmente, a concepção da loucura como fabricada
pelo próprio indivíduo e no seu interior” (Bock, Furtado e Teixeira, 1999,
p. 355). Estas novas concepções passam a ver e buscar também as causas
fora do indivíduo que possam gerar a doença: condições sociais, trabalho,
lazer, sistema educacional competitivo, falta de estrutura familiar, violên-
cia urbana, etc.
A atenção à saúde mental no Brasil
O Brasil recorre a modelos europeus ao instituir sua forma de
atender pessoas em situação de sofrimento psíquico e constrói seu pri-

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Para Heinroth, o termo Psicossomático tinha o sentido de designar as doenças
somáticas que surgiam rendo como fator etiológico os aspectos mentais. Atual-
mente, define-se Distúrbio Psicossomático, de acordo com os critérios do Ma-
nual Diagnóstico e Estatístico de Doenças Mentais, como fatores psicológicos
que afetam a condição física, resultantes de estímulos ambientais psicologica-
mente significativos e relacionados ao início ou exacerbação de urna condição
física ou distúrbio específico.
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meiro hospital psiquiátrico em 1841, na cidade do Rio de Janeiro. Outras


instituições s se somam no intuito de reprimir e exercer um controle so-
cial,
“voltados a disciplinar a mão-de-obra excedente, a pobreza, a re-
produção da raça negra e a ativa rebelde pretensão do livre arbítrio
humano de desqualificar os valores morais e sociais dominantes, seja
quanto ao padrão de conduta sexual, d e gênero, de opção política e
ideológica, entre outros” (Boarini, 2000, p. 36).

Várias reformas surgiram ao longo da história brasileira, mas to-


das mantinham intacta a lógica da exclusão. “O atendimento em saúde
mental no Brasil, até por volta da década de 70, era sinônimo de hospitais
psiquiátricos e terapêuticas que privilegiavam o internamento prolonga
do e a medicação” (Boarini, 2000, p. 66). No final da década de 70, emba-
lada pelo fim da ditadura militar começam a surgir críticas relacionadas
às instituições psiquiátricas clássicas. Num processo de redemocratiza-
ção da sociedade, acontece em 1986 a 8ª Conferência Nacional de Saúde
onde uma nova concepção de saúde emerge: a saúde como um direito
do cidadão e dever do Estado (Amarante, 1995). Nesta época também
ocorre a organização dos trabalhadores em saúde mental que pleiteiam
melhores condições de trabalho e de familiares de pacientes que recla-
mam por melhores condições no tratamento. Denúncias sobre a situação
de abandono e maus tratos vividos pelos pacientes internados, começam
a ser veiculadas pelos meios de comunicação. No final da década d e 80
surge a Luta Antimanicomial, comandada por profissionais, familiares e
pacientes, que discutem não somente a extinção dos hospitais psiquiátri-
cos e a necessidade da criação de serviços que substituam os existentes,
como também a necessidade de se buscar a humanização no atendimento
ao paciente.
No ano de 2002 foi aprovada a Lei Federal da Reforma Psiquiátrica,
10.216, de autoria do deputado Paulo Delgado. A lei propõe a extinção
gradativa de hospitais psiquiátricos e a implementação de uma rede alter-
nativa de atendimento ao doente mental (ambulatório de saúde mental,
núcleo de assistência psicossocial, centro de atenção psicossocial, hospi-
tal-dia, pensões protegidas, centro de convivência, etc).
O processo de reforma psiquiátrica no Brasil está no entanto, apenas
iniciando na maioria dos estados e cidades.

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O conceito básico da reforma da assistência em saúde mental hoje é


o de devolver a autonomia, de devolver a “voz”, a identidade, as habilida-
des, o futuro, o papel social, ao paciente institucionalizado, procurando
desta forma reabilitá-lo para o convívio na sociedade.
Luta-se também para que os pacientes não cheguem a cronificar sua
relação com as instituições, buscando-se alternativas anteriores, dentro
da própria comunidade e junto às famílias (apoiando-as e não as culpan-
do), com políticas de saúde mental que permitam uma rede de atendi-
mento diferenciada, com diagnósticos individualizados, que possibilitem
um atendimento eficaz e mais humano. Num âmbito ainda maior, busca-
-se formas de lidar com o estigma que existe na sociedade, especialmente
entre os próprios profissionais da saúde.
Estamos no início desta jornada de trabalho. Há muito o que fazer!
O que é normal? Serei eu normal?
A maioria das pessoas concorda que lugar de louco é no hospício
mesmo. No máximo, aceita-se a permanência do louco fora das institui-
ções, desde que em lugares específicos, destinados a eles, mantendo-se
inalterada a lógica da exclusão. A loucura tem um aspecto diferenciado
das demais doenças. Esta diferença se dá exatamente porque o contato
com a loucura do outro nos coloca em contato direto com nossa pró-
pria loucura, com nosso lado, digamos assim, mais obscuro. Todos nós
conhecemos alguma pessoa que se tornou incapacitada por problemas
psíquicos. Permanece dentro de cada um de nós a pergunta: Pode algo
assim acontecer comigo? Ao reconhecermos nossa própria loucura, so-
mos capazes de admitir sua existência e passamos a não entender mais o
sentido da exclusão da loucura, já que esta tem como propósito ocultar e
mitificar a realidade.
Conta uma lenda espanhola que em uma determinada aldeia as
pessoas começaram gradativamente a desenvolver caudas. Os primeiros
habitantes deste lugar assustaram-se com o que lhes estava acontecen-
do e tudo faziam para que ninguém descobrisse seu segredo: amarra-
vam firmemente as caudas junto aos seus corpos, usavam roupas muito
largas para que não se percebesse o volume da cauda, evitavam tomar
banho de rio, etc. Enfim, a cauda havia se tornado algo com o qual as

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pessoas estavam constantemente preocupadas. No entanto, lentamente


os habitantes começaram a relaxar em seus cuidados com relação ao seu
segredo, pois haviam descoberto que muitas pessoas também tinham de-
senvolvido caudas. Com o passar do tempo, as caudas eram exibidas aber-
tamente e com muito orgulho. Afinal, as caudas tinham inúmeras utili-
dades práticas. As caudas passaram a ser apreciadas e enfeitadas. Artigos
de beleza e adornos foram desenvolvidos especialmente para as caudas:
fitas e muitos outros adereços. Aconteceu então um fato interessante: as
pessoas que não tinham caudas começaram gradativamente a se sentirem
inferiores e diferentes. Caudas postiças foram inventadas, mas o proble-
ma continuava e as pessoas sentiam-se excluídas em muitos momentos.
Esta pequena lenda ilustra de forma clara o papel desempenhado
por uma sociedade nas questões relativas ao conceito de normalidade. A
palavra norma se origina do termo grego métron. Era utilizada em estó-
rias para mostrar quais eram os limites possíveis para u m mortal (Ama-
rante, 2002, p. 105).
A história de Ícaro ilustra bem este fato. Dédalo, seu pai, além de
construir o labirinto, constrói para o filho asas artificiais, dando-lhe sem-
pre a indicação do meio-termo, o centro, ou seja, não voar tão baixo, pró-
ximo às ondas do mar, onde as asas, pela umidade, se tornariam muito
pesadas; nem tão alto, porque os raios do sol derreteriam a cera que as
asas continham. Ícaro, ao voar, não resiste à aproximação com o céu, e por
ir além de si mesmo, tendo a cera de suas asas derretida pelo sol, por estar
demasiado perto de seus raios. Ao ultrapassar o métron, transpor a justa
medida, cai no mar Egeu.
Se buscarmos o conceito de normalidade no Dicionário de Psicolo-
gia encontraremos três abordagens apontadas para identificar o compor-
tamento normal e anormal:
Na primeira, a normalidade é assumida quando o comportamento é
aceito como usual ou de ocorrência frequente
(...) Uma segunda definição de comportamento normal considera-
-o assim aquele comportamento que se conforma às normas ou às
demandas sociais aceitas (...) A terceira abordagem concentra-se no
comportamento estatisticamente comum, independente de consenso
(Stratton e Hayes, 1 993, p.451 ).

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Aqui se evidencia o quanto são relevantes os fatores culturais em


determinada sociedade, especialmente quando se pergunta pelo concei-
to de normalidade. Tomemos como exemplo a forma como cada cultura
trabalha o luto ou a forma como encara a homossexualidade. Existem
relatos e pesquisas acerca de patologias de contornos bem precisos, que
são encontradas apenas em zonas geográficas bem definidas denomina-
das Síndromes culturalmente específicas. Como exemplo, podemos citar
uma síndrome relativamente frequente na Indonésia, o koro. Embora re-
lativamente comum nesta região, é totalmente desconhecida no mundo
ocidental. A doença (o koro) surge em forma de crises e acomete homens
que acreditam e temem que seu pênis se retraia até o abdômen e que mor-
rerão em função disto (Ionescu, 1997). Grandes estudos transculturais
em saúde mental apontam para o fato das doenças mentais terem, por
um lado, sintomas bastante semelhantes nas diversas culturas, e, de outro,
evolução bastante distinta.
Parece inquestionável que ser diferente da maioria das pessoas que
vivem ao nosso redor deva ser considerado como um argumento para
definir um distúrbio psicológico. Mas será apenas isto? Somos inclinados
a crer que ser diferente não é critério para definir qualquer distúrbio.
Examinemos os critérios de alguns autores para definir patologia:
Segundo Bock (1999), o critério para definir patologia não é a desadapta-
ção social e sim o mal-estar psicológico vivenciado e avaliado pela pessoa
como tal.
Em Davidoff (2001), encontramos autores que sugerem existir ou-
tros critérios a serem considerados para definir patologia:
Funcionamento cognitivo deficiente. As atividades cognitivas ou
intelectuais como memória, percepção e consciência, são afetadas inten-
samente.
Comportamento social deficiente: a conduta está muito distante dos
padrões aceitos pela sociedade.
Autocontrole deficiente: espera-se que as pessoas consigam e sai-
bam quais os momentos em que devem se controlar e também que sai-
bam quando podem ser espontâneas. Pessoas sem controle ou controle
exagerado são consideradas desajustadas.

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Sofrimento: sentimentos com o tristeza, raiva e ansiedade são senti-


mentos normais e inevitáveis. Quando a pessoa não consegue lidar com
estes sentimentos e sofre intensa, frequente e persistentemente, será con-
siderada desajustada.
Aqui nos deparamos, com questões extremamente difíceis de res-
ponder: o que é um comportamento desajustado? Com o se define um
comporta mento socialmente adequado? Novam ente surge a questão dos
padrões culturais de cada sociedade, que definem os padrões: o que é
aceito e o que é rejeitado.
Em Myers (1999), os critérios não divergem dos acima apontados,
porém o autor faz algumas considerações que podem ajudar a elucidar a
questão da normalidade. O comportamento para ser considerado psico-
logicamente perturbado, deve ser:
- atípico: parece claro que não é sinônimo de patológico. Para que
seja considerado desajustado este comportamento atípico deve também
perturbar outras pessoas;
- pernicioso: um comportamento atípico tem mais chance de ser
considerado como um distúrbio quando for pernicioso;
-injustificável: quando o comportamento não pode ser explicado/
compreendido racionalmente por outras pessoas, quando surge com o
absolutamente ilógico;
- angustiante ou incapacitante: mesmo um comportamento consi-
derado pela sociedade como típico, quando se torna incapacitante ou gera
angústia em demasia, poderá estar indicando um distúrbio psíquico;
- provoca desadaptação; talvez o elemento mais importante para de-
finir um distúrbio. Os comportamentos são experienciados pela pessoa
associados a sofrimento, este sofrimento incapacita a pessoa, e/ou a ex-
põe a risco bastante aumentado de sofrimento ou morte.
Como vimos, os critérios v ariam entre os diversos autores. Este fato
está relacionado também à linha teórica à qual pertence o autor e o pro-
fissional da saúde.
Pudemos ver que definir e distinguir normalidade de anormalidade
é algo bastante complexo, especialmente se nos baseamos em diretrizes
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Conceitos, Teorias e Discussões Atuais em Psicologia

absolutas. Exatamente em função disso, muitos profissionais especializa-


dos, que trabalham com saúde mental, evitam esta terminologia. Falam
em comportamento desajustado ou desajustamento, pois esta terminolo-
gia permite que não esqueçamos os padrões culturais, que, como vimos,
determinam em grande parte esta questão.

Referências Bibliográficas
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Sugestões:
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Leitura: Eu só vim telefonar. ln: Contos Peregrinos de Gabriel Garcia
Marquéz O Alienista
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