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Reforma Psiquiátrica: Panorama Sócio-histórico, Político e Assistencial.

by Dayana Lima Dantas Valverde on 21 de novembro de 2010 in Aspectos


Históricos do Campo Psi

INTRODUÇÃO
O presente trabalho visa abordar o processo histórico, social, político e
assistencial da Reforma Psiquiátrica, desde os primórdios, por meio dos elementos
que se fizeram necessários e emergenciais na atuação dos projetos de medidas
para mudanças na área da saúde mental.
Ressalta sobre os movimentos reformistas que participaram ativamente neste
processo, nos períodos pré e pós reforma, com seus impactos e conseqüências
diante do contexto da luta antimanicomial, assim como a questão do reconhecimento
da necessidade de se combater a autonomia e poder de conhecimento absoluto da
psiquiatria nesta realidade.
Visa rastrear desde o princípio da historia da saúde mental, em todos os seus
processos evolutivos, através dos movimentos políticos e sociais até aos dias atuais,
e a sua realidade ainda em construção de mudanças.

REFORMA PSIQUIATRICA: PANORAMA SÓCIO-HISTÓRICO POLÍTICO E


ASSISTENCIAL.
De acordo com os textos lidos, a loucura existe há muitos anos. Na Grécia
Antiga, o "louco era considerado como uma pessoa com poderes diversos. Era tida
como uma manifestação dos deuses, sendo, portanto, reconhecida e valorizada
socialmente, não havendo necessidade de seu controle e/ ou exclusão.
No inicio da Idade Média, época marcada pela lepra e o medo, a loucura era
vista como expressão das forças da natureza, sendo algo não humano. Existe diante
dela, um misto de terror e atração. Sendo mais tarde, considerada como possessão
por espíritos maus. Existia aí um controle ligado à religião, a igreja controlava.
"Durante todo o período da Antiguidade e da Idade Média o louco gozou de um certo
grau de "extraterritorialidade" e a loucura era no essencial "experimentada em
estado livre…, circulava… fazia parte do cenário e linguagem comuns…"
.(RESENDE,1987, p.20)
Com o Racionalismo, a loucura deixa de pertencer ao âmbito das forças da
natureza, assumindo o status de desrazão, sendo o "louco" aquele que transgride ou
ignora a moral racional. Com um caráter moral, a loucura passa a ser algo
desqualificante com irresponsabilidade. (ALVES, 2009 et.al.).

Com o surgimento do Mercantilismo, muda-se também a visão da população em


relação ao "louco". Nesse momento, todos aqueles que não podiam contribuir para
o movimento da produção, comércio e consumo, começam a ser encarcerados, sob
a prerrogativa do controle social a tudo que fosse desviante.

A partir da Revolução Francesa, inicia-se um processo de reabsorção dos excluídos,


até então isolados em setores próprios dos Hospitais Gerais. Esses Hospitais eram
ao mesmo tempo, um espaço de assistência pública acolhimento, reclusão e
correção. Nesta época, os conceitos de saúde e doença situavam-se numa
perspectiva social, subordinada às normas do trabalho industrial e da moral
burguesa, com vistas à manutenção a ordem pública. (ALVES, 2009 et.al.).

Nesse sentido, Rodrigues et.al (2010, p.1616) contribui: Historicamente, o pacto


social que caracterizou o nascimento do capitalismo durante a passagem do século
XVII ao século XVIII levou à expulsão de um grande contingente de pobres e
doentes do mundo do trabalho. Na Revolução Francesa do século XVIII, na qual se
instalou o slogan "Fraternidade, liberdade e igualdade" como signos de uma suposta
universalização dos direitos dos homens, o pacto social do capitalismo selecionou
parcelas da população consideradas desajustadas socialmente. Esta população foi
levada para as instituições beneficentes, sendo direcionadas posteriormente para o
mercado de trabalho as pessoas em melhores condições de exercê-lo, como
aproveitamento de mão de obra barata.
A mesma autora acima citada (op.cit) confirma que "a partir destas
instituições, os mesmos permaneceram confinados e excluídos até a instalação dos
primeiros hospitais psiquiátricos, já no século XIX, junto ao nascimento da
psiquiatria."
Como já foi citado anteriormente, sabe-se que a Revolução Francesa tornou-
se um símbolo de transformação, significou a derrubada do Estado Absolutista e do
poder do clero, o advento da burguesia e inaugurou os ideais de liberdade,
igualdade e fraternidade.
Assim, as instituições sociais deveriam ser radicalmente transformadas. Nesse
contexto, Philippe Pinel foi indicado para ser o reformador de um hospital em Paris.
Nesse sentido, o saber produzido no hospital permitiria ao médico agrupar as
doenças e assim observá-las, produzindo um saber sobre as doenças que até então
não havia sido possível.

Pinel manda desacorrentar os alienados e inscreve suas "alienações" na nosografia


médica. Desse modo, a loucura, enquanto doença deveria ser tratada medicamente.
As idéias de Pinel terminal por reforçar a separação dos loucos dos demais
excluídos, a fim de estudá-los e buscar a cura. Assim, a tecnologia pineliana propõe
isolar para conhecer. "O isolamento consistiria em uma medida de ordem cientifica
que possibilitaria um contato exclusivo, especifico, com o objeto a ser estudado."

Embora o conceito de alienação não significasse ausência abstrata de razão, mas


somente contradição na razão, como atentava Hegel, essa contradição
impossibilitaria a Razão absoluta. Portanto, aquele em cuja razão existisse tal
contradição seria um alienado, o que tornaria incapaz de julgar, de escolher; incapaz
mesmo de ser livre e cidadão, pois a liberdade e a cidadania implicavam no direito
de possibilidade a escolha. (AMARANTE, 2009).

O mesmo autor acima citado (op.cit) diz que o manicômio seria como expressão de
um modelo que se calça na tutela, na vigilância, no tratamento moral, na imposição
de ordem, na punição corretiva, no trabalho terapêutico, na custodia e interdição.
Assim, enquanto alienado, ele estaria incapaz até mesmo de decidir pelo próprio
tratamento, motivo este que justificaria que fosse tomada a decisão em seu lugar.

Pinel trouxe mudanças significativas no pensamento médico de seu tempo. A origem


moral da alienação, propondo que sua essência era o desarranjo de funções
mentais, destoava do pensamento vigente. O fato de se estimar como causa da
loucura as paixões exacerbadas criou bastantes resistências no meio científico da
época.

Na virada do século XVIII para o século XIX, começou a haver uma predominância
do pensamento ligado à doutrina organicista. O apego aos tratamentos físicos
resultou das dificuldades práticas do tratamento moral e a urgências determinadas
pela superpopulação nos manicômios. O desenvolvimento da anatomia patológica
influenciou fortemente o pensamento da psiquiatria da época, fazendo com que os
alienistas buscassem causas orgânicas da loucura e desenvolvessem
conseqüentemente, procedimentos terapêuticos físicos e medicamentosos.
Diante disso mudou-se a forma de se pensar acerca das causas da loucura,
as críticas ao modelo fechado e autoritário, que continuava presente nos hospícios
da época, fizeram surgir à proposta de criação de colônias de alienados. Essas
colônias tinham como objetivo por um lado, neutralizar as denúncias de
superlotação, aprisionamento e violência presentes nos hospícios, e por outro,
transformar o modelo assistencial.

Soares apud Amarante assim corrobora:


As colônias atualizam, então, o compromisso da psiquiatria emergente com a
realidade do contexto sócio-histórico da modernidade. Na prática, o modelo das
colônias serve para ampliar a importância social e política da psiquiatria e neutralizar
parte das críticas feitas ao hospício tradicional. No decorrer dos anos, as colônias,
em que pese seu princípio de liberdade e de reforma da instituição asilar clássica,
não se diferenciam dos asilos pinelianos. (SOARES 1997 apud AMARANTE, 1995,
p. 28).
A partir do período após a 2ª Guerra Mundial que surgiram na Europa e nos
Estados Unidos, os primeiros movimentos que buscavam uma transformação mais
efetiva do modelo vigente. Com a reconstrução dos países da Europa, após a vitória
dos Aliados, os hospícios passaram a sofrer críticas a seus atos violentos e
excludentes no tratamento da loucura, e em alguns locais buscaram-se formas de
transformação que pudessem se adequar à nova ordem, onde o pensamento de
participação democrática e do bem estar social se tornaram presentes.

Diante disso surgiram algumas iniciativas de modificação das práticas institucionais


que passaram a ser denominadas Reforma psiquiátrica. Essas se diferenciam em
seus conceitos, suas práticas e abordagens, porém com alguns pontos em comum.
Também podem foram divididas em grupos; a comunidade terapêutica e a
psicoterapia institucional, a psiquiatria de setor e a psiquiatria comunitária e a
antipsiquiatria e a psiquiatria democrática Italiana. Esses movimentos surgiram para
se contrapor ou superar o modelo vigente, em um período de reconstrução da
Europa, onde os grandes hospícios eram comparados aos campos de concentração
nazistas, e quando se necessitava de mão de obra para a reconstrução dos países.

A primeira experiência de Reforma psiquiátrica foi à comunidade terapêutica. Este


tipo de intervenção tinha sua lógica baseada na democracia das relações,
participação e papel terapêutico de todos os membros da comunidade, com ênfase
na comunicação e no trabalho, como instrumentos essenciais no processo de
recuperação dos internos.

Segundo Alves (2009), outras experiências como, a Psicoterapia Institucional e a


Psiquiatria de Setor, tinham por objetivo, a promoção da restauração do aspecto
terapêutico do hospital psiquiátrico e a recuperação da função terapêutica da
Psiquiatria, sendo que, esta última, não acreditava ser possível tal obra dentro de
uma instituição alienante, promovendo as ações comunitárias, tendo na internação
apenas uma das etapas do tratamento.
A Reforma Psiquiátrica Italiana
Surge na Itália através do veneziano Franco Basaglia, que assumiu em 1961
a direção do Hospital de Gorizia, manifestando-se com insatisfação em relação ao
sistema psiquiátrico adotado na época, onde ele não aceitava o estilo de vida dos
internos, assim como os métodos coercitivos e violentos de tratamento aos mesmos.
Desta forma, Basaglia passou a adotar medidas que visavam a humanidade
do paciente, com o objetivo de resgatar a dignidade e direitos aos mesmos como
cidadãos. Inicialmente a proposta era a de transformar o manicômio em local de
cura, por meio da introdução de mudanças no seu interior que possibilitasse a
humanização dos pacientes, criando ao mesmo tempo espaços coletivos que
proporcionasse a participação de profissionais e pacientes, pois apesar de
reconhecer as mudanças realizadas através da Comunidade Terapêutica dentro do
hospital, Basaglia percebia a ineficácia em função do problema maior, que era a
exclusão imposta pela instituição psiquiátrica.
Neste período a doença mental começa a ser reconhecida como uma questão
muito além do restrito campo do saber médico, onde eram adotadas medidas vistas
apenas por meio de soluções técnicas. A partir daí, passa a ser reconhecida a
relação entre a psiquiatria e a justiça, pelo vínculo nas funções de natureza jurídica e
policial, na manutenção da ordem pública. Surgem também questões relacionadas à
classe social dos internos, os quais na maioria eram pessoas mais carentes. Há o
reconhecimento da não neutralidade da ciência, quando passa a se manifestar
contra o saber absoluto da psiquiatria, e também o reconhecimento do papel e da
função dos profissionais como agentes empoderadores e de controle na instituição.
Basaglia passa a entender a questão da loucura muito além da patologia em
si. Ele acredita que o transtorno mental diz respeito a tudo que se sobrepõe à
doença, ou seja, a atributos que não são próprios da condição de estar doente, mas
sim de estar institucionalizado ou estigmatizado. Desta forma, ele defendia que o ato
terapêutico mais fundamental consistia em descobrir a pessoa, o sujeito que sofria,
encoberto por rótulos e conceitos produzidos socialmente de que todo louco é uma
ameaça à sociedade, e que esta construção é reflexo do sistema institucional que
produzia assim a exclusão do mesmo.
Desta forma, Basaglia passa a propor a desinstitucionalização como forma de
negação da psiquiatria como ideologia, que vai desde a negação da instituição
manicomial, do poder absoluto do saber médico psiquiátrico, assim como a negação
e denúncia da violência aos pacientes dentro e fora da instituição.
Surge a partir daí uma trajetória de lutas em busca da desconstrução do
hospital psiquiátrico e de toda a cultura manicomial. A situação se expandiu aos
âmbitos de questão política, enfrentando limites e contradições. As propostas foram
divulgadas em toda a Itália no final dos anos 60, em lutas estudantis em 1968 e na
luta operária de 1969, possibilitando intensa repercussão mundial na época.
Em 1971, Basaglia dar início ao trabalho de transformação do hospital
psiquiátrico de San Giovanni em Trieste, que posteriormente este processo passou a
ser chamado de desinstitucionalização, que levou ao fechamento completo do
manicômio e a construção de uma rede de atenção territorial. Neste processo, o
programa vigente possibilitou outra estrutura da assistência psiquiátrica, englobando
e redimensionando a prevenção e a inserção social.
Ainda neste trabalho, se inicia a desconstrução da prática institucionalizada e
seu respectivo processo de socialização, onde começa a ser produzido os
"territórios", em que os pacientes se formalizavam na condição de hóspedes.
Em 1974, com a finalidade de proporcionar trabalho aos ex-pacientes, que
passaram a ser hóspedes, foi construída a Cooperativa dos Trabalhadores Unidos.
Neste momento, houve processos significativos não apenas para os operadores de
Trieste, mas técnicos, estudantes, voluntários, de toda a Itália e de várias partes do
mundo, incluindo aí o Brasil, com estudantes brasileiros participando, os quais foram
de relevante importância para as idéias que colaboraram na Reforma Psiquiátrica
Brasileira.
A luta pela desconstrução do processo manicomial abarcaria ainda problemas
a serem questionados em busca de resoluções. Reconhece-se neste momento a
necessidade da reconstrução da subjetividade do paciente, na reconstrução do
cotidiano do mesmo. Para o paciente era necessário casa, trabalho, espaço social,
assim como vias de expressão da sua própria condição. A partir destas
necessidades, começa a funcionar os primeiros Centros de Saúde Mental de base
territorial, assumindo a responsabilidade de prevenção tratamento e reinserção, com
um caráter assistencial, social e terapêutico.
Após muitos anos de lutas antimanicomais, em 1978, o Parlamento Italiano
aprovou a Lei da Reforma Psiquiátrica, conhecida como Lei 180 ou Lei Basaglia.
Esta foi posteriormente englobada na Lei da Reforma Sanitária.
A Lei 180 trata-se da primeira lei que prevê e cria condições de
possibilidades, efetivamente, para a extinção do modelo manicomial, corroborando
para as idéias até então tidas como absurdas e impossíveis de serem
operacionalizadas socialmente, quando estas demonstraram ser possível tratar o
transtorno mental de uma forma muito inovadora, com responsabilidade, dignidade e
cidadania ao paciente, contribuindo para a transformação dos demais modelos de
assistência psiquiátrica, assim como para a ressignificação do conceito e da prática
da reforma psiquiátrica em todo o mundo, inclusive o Brasil de forma muito
particular.

A Reforma Sanitária e Psiquiátrica no Brasil


A saúde pública iniciou-se no Brasil entre os séculos XIX e XX, onde a partir
daí manteve-se em extensão num processo de elaboração de normas e
organizações sanitárias e de mudanças de práticas dominantes até então.
Vários períodos foram compostos por marcos administrativos e políticos na
saúde pública brasileira, em que foi possível evidenciar a duplicidade entre a
assistência e a previdência, onde era caracterizado o privilégio exercido pela prática
médica curativa, individual, assistencialista e especializada, em detrimento da saúde
pública, assim como o desenvolvimento de um sistema que dava prioridade a
capitalização e a sua produção privada.
A VIII Conferência Nacional de Saúde em 1986 foi sem dúvida, o grande
marco histórico na Reforma Sanitária Brasileira, onde contou com participação de
vários setores organizados da sociedade e na qual houve um consenso de que para
o setor de saúde no Brasil não era suficiente uma mera reforma administrativa e
financeira, mas sim uma mudança em todo o arcabouço jurídico-institucional vigente,
que contemplasse a ampliação do conceito de saúde de acordo os preceitos da
reforma sanitária.
Na carta de 1988 foram anunciadas garantias de sistematização das ações e
dos serviços destinados à promoção, preservação e recuperação da saúde
individual e coletiva, onde esta passa a ser instituída como um direito de todos e
dever do Estado, regida através do Sistema Único de Saúde (SUS) como
assistência aos princípios básicos de universalidade, integralidade e equidade à
população.
Neste momento, o grande desafio do Movimento da Reforma Sanitária passa
a ser a promoção do sistema desintegrado, no que diz respeito à articulação dos
campos de governo, e centralizado, ora em serviços médicos hospitalares privados,
ora em programas verticalizados, para outro sistema com comando único em cada
esfera governo.
Desta forma, em um processo construtivo, se evolui para a instalação de
instâncias de participação social como os Conselhos Municipais, Estaduais e
Nacional de Saúde, podendo-se admitir grandes evoluções nos processos de
descentralização e municipalização do setor da saúde, com uma estrutura de um
SUS no Brasil fundado nos princípios da solidariedade e da justiça social.
Neste sentido, a Reforma Psiquiátrica Brasileira vem acompanhando os
princípios e a evolução junto à Reforma Sanitária, de acordo com o marco inicial de
todo o processo de desinstitucionalização fundado e instituído na Reforma Italiana.
De acordo Hirdes, (2009), um marco histórico para o setor de saúde mental
que possibilitou mudanças ao nível do Ministério da Saúde, foi a Conferência
Regional para a Reestruturação da Assistência Psiquiátrica, realizada em Caracas,
em 1990, onde cita que os países da America Latina, inclusive o Brasil
comprometem-se a promover a reestruturação da assistência psiquiátrica, rever
criticamente o papel hegemônico e centralizador do hospital psiquiátrico,
salvaguardar os direitos civis, a dignidade pessoal, os direitos humanos dos usuários
e propiciar a sua permanência em seu meio comunitário.
Foi na "Declaração de Caracas" que os organizadores reconhecem e
reafirmam a validade dos princípios de cidadania dos portadores de transtornos
mentais e a necessidade da construção de redes de serviços alternativos aos
hospitais psiquiátricos, assim como advertem para o aumento da vulnerabilidade
psicossocial e das diferentes modalidades de violência.
Desta forma, passou-se a privilegiar a criação de serviços substitutivos ao
hospital psiquiátrico como as redes de atenção a saúde mental, os Centros de
Atenção Psicossocial (CAPS), leitos psiquiátricos em hospitais gerais, oficinas e
residências terapêuticas, buscando respeitar as particularidades e necessidades de
cada local.
Na desinstitucionalização busca-se deslocar o centro da atenção da
instituição para a comunidade, o distrito ou território, seguindo assim os princípios da
Reforma Psiquiátrica Italiana.
O mal obscuro da psiquiatria está em haver separado um objeto fictício, a
"doença", da "existência global complexa e concreta" dos pacientes e do corpo
social. Sobre esta separação artificial se constrói um conjunto de aparatos
científicos, legisladores, administrativos (precisamente a "instituição"), todos
referidos a "doença" (ROTELLI, apud HIRDES, 2009).
Segundo Amarantes (2009), o Movimento da Reforma Psiquiátrica Brasileira
se inspira na tendência caracterizada pela crítica epistemológica ao saber médico, e
este movimento por sua vez, identifica-se com a trajetória de desisnstitucionalização
prático-teórica desenvolvida por Franco Basaglia, na Itália.
Já no final da década de 70, chegam ao Brasil as idéias de Basaglia, em
virtude da repercussão internacional da luta antimanicomial do processo psiquiátrico
italiano.
Ainda segundo as idéias de Amarante (2009), pode-se dizer que há uma forte
relação da reforma sanitária por uma perspectiva inicial de crítica quanto a natureza
do saber médico, torna-se um conjunto de medidas de cunho administrativo, sem o
questionamento das abordagens técnicas centradas quase que exclusivamente em
sintomas, no especialismo, na cultura medicalizante e no intervencionismo
diagnóstico e terapêutico.
Pode-se considerar que o movimento pela reforma psiquiátrica foi mais além,
pois foi em busca de transformações qualitativas no modelo de saúde e não apenas
de reorganização administrativa.
Segundo idéias de Rotelli e colaboradores (2009), a base dos projetos de
desinstitucionalização reside na ruptura da causalidade linear da doença-cura,
problema-solução e na reconstrução do objeto enquanto sujeito histórico. Ainda
ressalta que as novas instituições deverão estar à altura da complexidade da tarefa
de intervir na sua existência-sofrimento, remetendo ao processo da constante
reconstrução do sujeito.
Esta realidade só se é possível de concretizar abarcando a necessidade de
espaços coletivos, lugares de reflexão crítica, produção de subjetividade e
constituição de sujeitos. Estes espaços devem ser concretos com lugar e tempo
determinados, abertos a comunicação, com escuta e oportunidades de expor seus
interesses e a sua realidade pessoal, assim como proporcionar situações favoráveis
à tomada de decisão com suas prioridades, projetos e contratos, e é nesta
perspectiva que a saúde mental no Brasil vem avançando em busca de evoluções
ao respeito e dignidade social ao paciente portador de transtorno mental.

CONCLUSÃO
A Reforma Psiquiátrica vem no decorrer dos tempos enfrentando lutas e
persistentemente continua no processo de busca de mudanças favoráveis ao
reconhecimento da cidadania do doente mental. É óbvia a situação de limitações
que torna o doente um ser social carente de atenção e respeito, porém a busca pelo
espaço de cidadania destes torna-se cada vez mais real.
Reconhece-se que a iniciativa por meio da Reforma Italiana foi a principal
influenciadora do processo na luta antimanicomial, onde o doente mental era visto
pela sua subjetividade num contexto biopsicossocial. Sendo assim, este ser social
passa a ser analisado e avaliado por um processo global e não apenas restrito à
doença, buscando resgatar desta forma o seu espaço na sociedade respeitando as
suas limitações.
Todas as conquistas antimanicomiais conseguiram seus êxitos e avanços
através das experiências de desisntitucionalização, entretanto reconhecemos a
necessidade de constantemente redimensionarmos a nossa atenção para as
práticas regentes, com o intuito de mantermo-nos em equilíbrio com as propostas
estruturais da Reforma Psiquiátrica Italiana.
A ênfase das ações de saúde nos territórios constitui-se na própria essência
da desinstitucionalização da psiquiatria. Entretanto, estas devem transpor a
centralização das ações no modelo biomédico, na doença, através de uma
abordagem que articule o tratamento, reabilitação psicossocial, clínica ampliada e
projetos terapêuticos individualizados, sem esquecer a necessidade de investimento
na instrumentalização dos profissionais para avançar na inclusão do cuidado à
saúde mental no Sistema Único de Saúde, com vistas à reversão do modelo
assistencial.
No Brasil a reforma psiquiátrica tem sido favorecida pelas possibilidades de
novas abordagens, novos princípios, valores e olhares às pessoas em situação de
sofrimento psíquico, impulsionando assim formas mais adequadas de cuidado ao
transtorno mental no seu âmbito familiar, social e cultural, isto devido a criação de
novos dispositivos e inserção de ações de saúde mental na saúde pública.

REFERÊNCIAS
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