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AVALIAÇÃO I

RESENHA CRÍTICA (peso 10)

Nome: Raquel Ferreira da Rosa


Data: 17/04/2022
Disciplina: Saúde Coletiva
Curso: Psicologia
PACIENTES PSIQUIÁTRICOS E O TRATAMENTO OFERECIDO NOS
MANICÔMIOS: PROMOÇÃO DA SAÚDE OU CRUELDADE VELADA?

O documentário “Holocausto brasileiro” retrata o genocídio cometido


contra pacientes psiquiátricos no Hospital Colônia, em Barbacena, Minas
Gerais. Uma história triste, que retrata a desumanização sofrida por pessoas
que eram enviadas para este hospital, para serem tratadas, mas que na
verdade ali sofriam torturas das mais diversas. Ele acaba por mostrar também
a realidade de outras instituições psiquiátricas brasileiras.
O documentário é uma adaptação do livro escrito por Daniela Arbex, e
traz relatos de ex-funcionários, pacientes sobreviventes, médicos e gestores da
época, trazendo imagens comoventes e retratando as barbáries que
aconteciam no local, com uma série de elementos divulgando as mais de 60 mil
mortes que aconteceram em um espaço que deveria servir para tratamento.
Essas mortes aconteceram entre 1930 e 1980. Esses eventos ficaram
conhecidos então como “Holocausto brasileiro”.
As pessoas eram encaminhadas de trem para este hospital psiquiátrico,
e ali eram literalmente esquecidas. Crianças e adultos conviviam em condições
insalubres de higiene, alimentação precária e eram tratadas com remédios e
técnicas precárias, e por pessoas com condições mínimas de trabalho.
O abandono era nítido. A forma indigna de condições dadas às pessoas
que adentravam nos “porões da loucura” era visível. E não eram somente os
doentes em sofrimento psiquiátrico que ali eram recolhidos: todos aqueles que
de alguma maneira perturbavam a ordem social vigente – homossexuais,
mulheres solteiras grávidas, alcoólatras, mendigos, negros, pobres, militantes
políticos. Estima-se que 70% das pessoas que chegavam ao hospital não
possuíam nenhum tipo de transtorno psiquiátrico. Haviam questões sociais que
predominavam na escolha dos pacientes encaminhados para lá. Sem contar
que como instituições privadas, quanto maior o número de pacientes, mais
dinheiro entrava, que era nitidamente mal administrado.
Havia também a questão do comércio de corpos, que eram vendidos
para faculdades de medicina. Os parentes não eram procurados para fazer o
sepultamento dos entes queridos, e muitos eram enterrados como indigentes
ou comercializados como objetos de estudo.
A culpa é coletiva. O isolamento a que essas pessoas eram submetidas
e a forma de tratamento desumano, a violação de direitos e a omissão de todos
que compactuaram com a situação dos pacientes neste modelo hospitalar de
reclusão são retratos de uma sociedade falha, de um Estado omisso.
Sabe-se que a realidade mostrada neste hospital psiquiátrico, em
especial, não era restrita somente a ele. Em outras instituições que atendiam
pacientes com transtornos psiquiátricos no país, a realidade não era muito
diferente. O modelo de internação que vigorava reproduzia o recolhimento dos
pacientes e atendimentos precários.
Ao analisar a história da loucura, cada época tratou deste fenômeno de
modo particular, marcado pelo viés racional, cultural, social e político que
preponderavam em determinado momento.
No final do século XVII e início do século XVIII, os ditos improdutivos
eram internados, daí começou a surgir o modelo manicomial que era vigente na
época retratada no documentário, e foi tida como o momento das grandes
classificações psicopatológicas. Na Idade Moderna, a loucura passou a ser
vista como um problema social e antropológico. O modelo manicomial e o
nascimento dos hospitais psiquiátricos consistiram em isolar os indivíduos com
características semelhante, que destoavam na época, fazendo-os levar assim
uma vida reclusa, administrada formalmente.
No século XVIII, mais especificamente ao final deste, a loucura passou a
ter status de doença, e o tratamento era embasado no isolamento do paciente,
com a ideia principal de corrigir e recuperar a sanidade mental, ou seja, a
racionalidade moral, levando o sujeito a “cura”.
Mas esse modelo começou a ser revisto após a Segunda Guerra
Mundial, com o surgimento das Comunidades Terapêuticas, que enfatizavam o
trabalho em benefício da recuperação da saúde laboral dos tidos como doentes
mentais, estimulando a convivência grupal.
Após, a psicoterapia institucional, surgida na França, levou ao
entendimento de que a reestruturação dos hospitais psiquiátricos era a melhor
maneira de lidar com a crise que a Psiquiatria estava enfrentando.
Outros países também tiveram importante participação nas reformas
psiquiátricas que foram sendo estabelecidas mundo afora. A Itália foi um deles,
repensando a questão da institucionalização dos doentes mentais.
No Brasil, em especial, a Reforma Psiquiátrica teve suas bases
epistemológicas consideradas para direcionar os novos rumos no tratamento a
esses pacientes. A questão da desinstitucionalização começou a ser pensada
no sentido não somente de modificar as formas de atenção à loucura, mas
produzir modificações na cultura, na sociedade exclusora das diferenças,na
racionalidade social sobre este fenômeno, e assim ser realmente efetiva.
No ano de 1978, mais especificamente, iniciou-se o movimento social
pelos direitos das pessoas com doenças mentais. A denúncia contra a violência
que existia nos manicômios, o comércio da loucura, a prevalência de uma
hegemonia da rede privada de atendimento a esses pacientes, que levava
alguém lucrava muito com tudo isso, e a crítica contumaz do sistema de
tratamento hospitalar a que eram submetidas essas pessoas começou a ser
enxergada com outro viés.
A criação do primeiro CAPS (Centro de Atenção Psicossocial), em 1987,
na cidade de São Paulo, veio a ser um importante fator nesta etapa de reforma
psiquiátrica brasileira. Esse serviço de saúde de caráter comunitário e aberto,
oferecido àqueles em sofrimento mental ou com problemas por uso abusivo do
álcool e outras drogas, com equipe multiprofissional empregando diversas
formas de acolhimento e intervenções terapêuticas, busca ainda preservar a
cidadania e os direitos das pessoas com sofrimento mental e também dar
suporte aos seus familiares, procurando reestabelecer os vínculos sociais dos
que ali adentram. Foi um importante ponto a contribuir na redução de leitos nos
hospitais psiquiátricos.
Após, a expansão e qualificação dos Centros de Atendimentos
Psicossociais (CAPS), a inclusão das ações de saúde mental na atenção
básica, a consolidação do Programa de Volta para Casa, bem como a
expansão das residências terapêuticas foram determinantes para a revisão do
atendimento psiquiátrico no país.
A formação e qualificação dos recursos humanos também foi um
diferencial na reforma psiquiátrica, assim como a orientação aos familiares dos
seus direitos.
O incentivo à participação no cuidado e promoção da saúde, as políticas
de redução de danos à saúde mental, reorientação dos manicômios judiciários,
e atenção diferenciada aos usuários de álcool e drogas foram ações que
direcionaram novas políticas de cuidados psiquiátricos no país.
Considerando o momento atual, percebe-se que a “loucura” está mais
associada a um padrão tido como “normativo”, mais presente na realidade
mundial, que se traduz em pessoas ansiosas, pessoas depressivas, pessoas
“doentes”. Parece-se nos mais “normal” ser assim do que fugir a essas
psicopatologias da modernidade. A questão da medicalização, das
psicopatologias, do acesso facilitado aos medicamentos tidos como
“controlados” (vá ao psiquiatra e diga que você está ansioso e, pronto, já sai de
lá com um ansiolítico indicado), além de um ritmo frenético de vida, conduz a
sociedade a uma dependência exacerbada de remédios.
A hospitalização ainda é um recurso a ser utilizado, mas com a política
de redução de leitos nos hospitais psiquiátricos, fez com que os tratamentos
girassem em torno da dependência de substâncias, tidas como “lícitas”,
remédios que provocam tão ou mais apego do que as drogas ilícitas.
Então, se a pessoa tem um padrão de vida saudável, que busca
alternativas diversas aos medicamentos, ela é quem está fugindo à regra. O
mundo, tal como está, globalizado, com informações rápidas e facilitadas, vem
gerando indivíduos desequilibrados sim, doentes da “alma”, a quem a
psicologia teria muito a contribuir, numa proposta preventiva.
Quando o sujeito necessita, e sabemos que há casos em que sim, há a
necessidade efetiva, a medicalização ou mesmo a internação vem a contribuir,
mas elas não podem e não devem ser um fim em si mesmas. Há outros
recursos, e a conversa entre psicologia e psiquiatria, bem como outros
profissionais que venham a somar ideias na busca por técnicas e tratamentos
alternativos, devem ser investimentos com retornos garantidos.
A criação do SUS (Sistema Único de Saúde) trouxe investimentos e
financiamentos para a promoção da saúde mental, bem como
acompanhamento e avaliação das instituições hospitalares que atendem esse
público, para que barbáries como foram retratadas no documentário não
venham mais a ocorrer.
Todo esse processo que ocorreu no setor psiquiátrico no país,
principalmente a partir dos anos 90 do século anterior, foi acompanhado de
intensas discussões entre especialistas, escolas profissionalizantes, teóricas,
familiares, assim como a população em geral. Muitos estigmas foram deixados
de lado, preconceitos vencidos, no que tange à inclusão desses pacientes,
considerando especialmente os casos em que as residências terapêuticas
auxiliaram na reinserção social dos indivíduos que por ali passaram, projetos
culturais, de geração de renda, atividades diversas com fins terapêuticos
vieram a contribuir para mudanças nessa área, desmistificando o modelo
assistencial.
É assim que deve ser, há muito ainda a ser feito. A dívida da sociedade
com as pessoas acometidas por problemas mentais é gigantesca, e precisa
estar em constante revisão no intuito de promover melhorias na busca pelo
tratamento adequado e para a inclusão social das mesmas.

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