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A loucura entre nós

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Renata Ellen Vieira dos Santos 28/02/2022 Profº Msc. Thiago Viana

“A loucura entre nós” é um curta-


metragem brasileiro que aborda
histórias de pacientes diversos,
dentro do contexto prático da
Reforma Psiquiátrica Brasileira.

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“A loucura entre nós” é um curta-metragem brasileiro que aborda histórias de pacientes diversos, dentro
do contexto prático da Reforma Psiquiátrica Brasileira. Conhecemos cada paciente intrinsecamente,
com suas particularidades e vivência dentro do contexto das doenças psicossomáticas que cada um traz.
O curta traz relações familiares abaladas por conta de internações e diagnósticos, pacientes que já estão
adaptados, -não por opção, mas por necessidade- àquela vida e o conceito de loucura e como lidar com a
mesma.
O documentário traz uma humanidade que nunca foi presente aos estigmatizados pelo diagnóstico de
doença mental, “loucos”. A diretora mostra uma visão mais crua e realista de que os “loucos” são
pessoas com sentimentos e vontades, que são mães e filhos e que precisam, antes do tratamento médico,
de afeto e amor.
Existe uma personagem/paciente marcante, dona Leonor. É diagnosticada com bipolaridade e, durante o
filme, vemos os altos e baixos que a doença traz até ela, o excesso de pensamentos reflexivos, a tristeza,
momentos de acalento. Ela sempre está vagando dentro dessas variáveis, sempre trazendo uma reflexão
e cativando o espectador.
Dona Elisângela é outra personagem marcante do filme. é mãe, filha e luta para ter uma vida normal,
novamente, com sua família, sem crises, sem retornos e sem internações. Ela vai relatando a aceitação
da família e a esperança da mesma em relação ao tratamento, as idas e vindas pela instituição Criar
Mundo, os laços feitos na instituição e as tentativas de ser uma mãe presente.
Além disso, temos outros pacientes pela instituição que marcam o filme, abandonados à sorte por seus
familiares, vivendo em uma realidade diferente, surpreendendo quem está lá dentro e quem vê de fora.
O trabalho artesanal e braçal é um dos pontos importantes abordados, tratado como um meio terapêutico
e de reinserção desse paciente na sociedade através da arte, além da própria liberdade expressiva e da
sensação de felicidade deles em poder estar fazendo isso.
Na crítica de Wilson Franco, que aborda a loucura e comenta sobre o documentário, ele diz:

“Ali, no documentário, estão as mesmas questões: a Reforma, a cidade, as pessoas, seus

discursos, a manicomialização e a luta pela circulação, tudo isso de que falamos e que

discutimos. Temos que falar, e discutir, temos que lutar por uma saúde mental pública, por uma

sociedade, por um lugar. Mas no documentário também se fala sobre duas pessoas, se fala

sobretudo sobre duas pessoas, uma mais pra pobre outra mais pra classe média, uma mais pra

sobrevivente a outra mais pra suicidada, uma mais pra outra e outra mais pra uma, e todas elas,

e o cara que as acompanha na ala, e a documentarista e o Marcelo Veras, sobre vocês, e eu, e

sobre a loucura entre nós. Acho que temos que falar sobre isso, e o documentário me pareceu

um bom convite a que falemos disso.”

Lidar com a loucura não é fácil. É um misto de coisas e sentimentos e ações que são difíceis

de serem discernidas, analisadas e explicadas. E quando essa loucura traz o estigma da doença

mental, quando ela segrega, involuntariamente, em vez de acolher e leva ao esquecimento o

sentimento de humanidade, precisa ser repensada, ser reavaliada. A Reforma psiquiátrica foi

um grande passo num Brasil tão pobre em cuidado com essa parcela da população, mas ainda

está longe de ser perfeito. Que os profissionais e a sociedade olhem com compaixão e bondade

a esses pacientes, que providenciem uma assistência de qualidade e uma reinserção ativa e

eficaz.

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RESENHA

Autora: Renata Ellen Vieira dos Santos, discente da matéria Ensino Clínico em Saúde
Mental e Graduanda em Enfermagem pelo Centro Universitário Estácio de Sergipe.

ENTRE LOUCOS E MANICÔMIOS: HISTÓRIA DA LOUCURA E A REFORMA


PSIQUIÁTRICA NO BRASIL

FIGUEIRÊDO, Marianna lima; DELEVATI, Dalnei Minuzzi; TAVARES, Marcelo Góes.


Entre loucos e manicômios: história da loucura e a reforma psiquiátrica no Brasil. Ciências
humanas e sociais | Maceió | v. 2 | n.2 | p. 121-136 | Nov. 2014 | periodicos.set.edu.br

O presente artigo traz uma análise sobre o conceito de loucura das mais variadas épocas, o
nascimento e a evolução das instituições psiquiátricas e os movimentos de Reforma
Psiquiátrica no Brasil. Dados da OMS relatam a grande incidência de enfermidades
neuropsiquiátricas em todo o mundo, envolvendo, além dos transtornos mentais, o aumento
disparado de problemas psicossociais de atenção pública, como o abuso de álcool.
Essa incidência relatada abre alas para a concepção de estigmas pela sociedade perante os
acometidos. Ideais de incapacidade, improdutividade e indiferença são os mais citados pelos
enfermos, pois sentem isso da sociedade a qual estavam inseridos. O preconceito está
enraizado no meio social desde que a ideia de loucura se tornou conhecida e divulgada.
FOUCAULT cita que “A loucura não é um fato da natureza, mas da civilização”, aborda o
embate entre razão VS desrazão e como uma é fortalecida ao custo da outra.
O conceito de loucura se data de muito tempo atrás, remetido aos dramas gregos, perpassando
pelo Renascimento e se solidificando não como uma bobagem, mas sim um problema de
saúde pública. Hipócrates é o primeiro a abordar a Loucura como disfunção somática, uma
patologia onde o delírio era o diagnóstico principal.
Com a chegada do século XIX, a loucura ganhou um foco clínico, com diagnóstico e
tratamento. O manicômio foi a peça-chave da época e em primeiro ponto seria utilizado como
asilo para o paciente, onde o mesmo faria o tratamento e depois seria reinserido na sociedade.
Contudo, com o retorno de uma visão orgânica sobre a loucura, o manicômio sai de um meio
de reabilitação para um meio de segregação social e sofrimento.
Os manicômios foram amplamente defendidos pelo mundo como opção principal e
majoritária para o tratamento das mais diversas doenças mentais. Apesar dos pontos
negativos serem mais destacados na época (tratamento degradante, violência,
encarceramento, abusos), o mundo justificava como um mal necessário, uma única opção
viável.
O mundo passou a enxergar a problemática social em torno dos manicômios no período pós
2º Guerra Mundial, quando movimentos antipsiquiatria surgiram para dar voz e vez àqueles
já muito esquecidos nestas instituições. No Brasil, o movimento ganhou força no final de
1970, com a instituição do MTSM que possuía ideais baseados indiretamente nos
pensamentos de Foucault.
A realidade da assistência brasileira a estes pacientes era entristecedora: as redes
especializadas trabalhavam com modelos precários, onde os pacientes eram isolados e
utilizados como cobaias no uso irrestrito e indiscriminado de psicofármacos. Não se tinha
amparo legal para validar as internações, elas ocorriam de forma automática e repressiva,
privando o paciente de sua liberdade e encarcerando-o.
Em 1980, já no final, a assistência psiquiátrica teve uma reviravolta positiva no Brasil: novas
opções assistenciais foram criadas para promoção de uma assistência de qualidade e,
sobretudo, humanizada. Os CAPS/RAPS são a representação da Reforma Psiquiátrica
Brasileira, ofertando consultas médicas, atendimento multidisciplinar psicológico e
ocupacional e serviço social. Estão situados entre o Hospital e a comunidade, onde o foco
principal é reinserir e readaptar o usuário à convivência em sociedade.
Após a criação dessas duas vias principais de assistência, ainda se via a necessidade de uma
rede de apoio integral e centralizada no paciente. O NAPS surgiu no início da década de 90,
em conjunto com a Luta Antimanicomial, com o objetivo de desconstruir o ideal manicomial
de exclusão e segregação. Estratégias educativas, de regionalização e de projetos terapêuticos
são os pontos principais do núcleo.
De 1990 até 2001 tivemos dois marcos importantes dentro da Reforma: a Luta
Antimanicomial, pautada em conjunto com o PL Nº 3657 e a Lei Nº 10.216, de 2001,
chamada de Lei da Reforma Psiquiátrica, proporcionando respaldo legal e mudanças aos
pacientes psiquiátricos em relação a tratamento e melhores condições de convivência em
sociedade.
Diante de tudo que foi citado aqui, dos vieses históricos da loucura até as lutas e reformas
psiquiátricas, se finca a importância e a necessidade de se debater cada vez mais sobre a
mesma, sobre as doenças mentais e sobre como a sociedade deve caminhar em conjunto com
essa população que tanto precisa de suporte. Ainda temos estereótipos enraizados de outrora,
em que o cidadão portador de doença mental ainda é taxado pejorativamente como louco, que
deve estar recluso e sob efeito de medicações para não trazer vergonha à sua família e essas
barreiras dificultam o tratamento e o cuidado humanizado que essa parcela da população
necessita.

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