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esdeArajo

proceS$Ode
indijviduacão no
autismo
Criado com Scanner Pro
Ceres Alves de Araujo

O processo de individuação no

autis mo
|CORTESIADA
LEDITORA

memnon
edicõescienti cas
São Paulo, 2000.

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© Ceres Alves de Araujo, 2000.

ISBN 85.85462-38-8

Supervisão editorial:
Silwana Santos

Editoração:
Leandro Ribeiro Dias

Capa:
Catarina Ricci

Reservados todos os direitos de publicação por

memnon
edicões cienti cas
Praça Carvalho Franco 67
04019-060 São Paulo - SP
Telefax (11) 5575.8444
E-mail: memnon@memnon.com.br

Catalogação na Fonte do
Departamento Nacional do Livro
A663p
Araujo, Ceres Alves de.
O processo de individuação no autismo / Ceres
Alves de Araujo. - São Paulo : Memnon, 2000.

ISBN 85-85462-38-8

Inclui bibliogra a.

1. Autismo. 2. Autismo - Pacientes - Psicologia. 3.


Crianças autistas - Psicologia. I. Titulo

CDD-616.8982

Impressono Brasil / Printed in Brazl

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Ao Sérgio, com carinho.

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:

Este texto foi originalmenteapresentado


como monogra a para a conclsão do
Curso de Formação de Analistas da
Sociedade Brasileira de PsicologiaAnalitica,
a quem sou muito grata pelos anos deestudo
que ela me propiciou. oA

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Sumário

1. Introdução 1

Conceito e Epidemiologia 4
3. Histórico 8
3.1 O autismo como psicose 8
3.2 O autismo não mais como psicose 17
3.2.1 As teorias cognitivas 20
3.2.2 As teorias afetivas 26
4. Etiologia: hipóteses atuais 32
5. A consciência ea estruturação do ego 45
5.1 As bases do desenvolvimento humano 48
5.2 O desenvolvimento humano sob a 50
égide do princípio matriarcal
5.3 Uma atipia do desenvolvimento 56
6. Uma agenesia da estruturação matriarcal da 61
consciência
7. Uma estruturação patriarcal 67
7.1 Os bebês 69
7.2 A primeira infäncia 71
7.3 A segunda infância 73
7.4 A pré-adolescência e a adolescência 79
7.5 A vida adulta 83
8. Considerações nais 89
Referências biíbliográ cas 95

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1. Introdução

Na praia dos mares


demundossemfn
cranças bricam...

Tagore

Eu conheci crianças que não brincavanm. Crianças que


não falavam ou não respondiam às minhas perguntas. Cri-
anças que pouco ou não me olhavam, que não sorriam e
que não se davam conta da minha existência, bem junto a
elas.

Eram crianças estranhas, para as quais nada signi ca-


vam minha sala de ludoterapia e meus brinquedos.
Eram crianças cujos movimentos eram diferentes das
demais. Pareciam não "vestir" o próprio corpo, não estar
dentro da própria pele. Repetiam, repetiam gestos, dos quais
aparentemente não tỉnham consciência. Nada construíam,
nada destruíam. Carregavam, com freqüência, objetos de
especí co interesse - um pau, um molho de chaves, um livro
que não era aberto, um estojo vazio ete.- e permaneciam
isoladas.

Eram crianças com múltiplas de ciências que compro-


metiam a adaptação na família, na escola, mas eram crian-
ças tidas como inteligentes.

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Eram crianças semn diagnóstico, na época, mas quepre-
cisavam de toda a ajuda.
Eram crianças que eu me propunha a ajudar, mascujas
reações não conseguia compreender, interpretar. Elas me
faziam viver insegurança, confusão, impotência evazio.Elas
me paralisavam.
Aprendi de fato com elas o que é contra-transferência.
Sei que, justamente pela vivência do vazio e pelasensação
da paralisia, pude começara compreendė-las.
Silenciosamente, limitei-me a olhá-las; depois percebi
que usava todos os meus órgãos dos sentidos para comuni-
car-me com elas. Sabendo que, ao nível da consciência, tal
comunicação era unilateral, desejava acreditar que ao nível
do inconsciente fosse diferente.
Emprestei-lhes minhas mãos, primeiro para repetir os
mesmos gestos, depois para tentar dar funcionalidade à es-
tereotipia.
Junto a elas, sempre me vinha a evocação do que Jung
(1938) relatara nos Serninários de Interpretaçāo de Sonhos
de Crianças, a respeito de um povo africano que, quando ti-
nha uma plantaçāo de arroz que não se desenvolvia, junto à
raiz da plantinha, contava a ela como o arroz crescia, desde
tempos imemoriais.
Percebi que minhas mãos, junto às delas, começaram a
brincar como os bebês brincam, como as crianças sempre
fzeram.
Dentro dos estranhos interesses especí cos destas
anças, uma série de estímulos puderam ser encontrados, e
eu me vi vivendo com elas em estranhos mundos - dos di-
nossauros, dos peixes, dos números, das histórias em qua-
drinhos, das histórias dos víideos, das histórias da mitologia
etc. E nesses mundos, pude brincar junto a elas, da manei-

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ra delas, e pude ajudá-las a descobrir como o ser humano
cresce.
Eram crianças que posteriomente receberam a hipótese
diagnóstica de autismo de bom rendimento ou de portado-
ras de Sindrome de Asperger.
Na literatura da psicologia analitica, desde Fordham
(1976), que ainda aceitava o fator psicogênico na etiologia do
autismo, creio, nada foi publicado.
Conhecer, orientar, tratar crianças e adolescentes com
autismo, com certeza, me fez melhor psicoterapeuta para os
pacientes não autistas. Foi uma preciosa escola, talvez uma
preciosa troca.
Estou focando o livro nas relações afetivas no autismo.
Antes, tecerei algumas considerações sobre o histórico do
autismo e a respeito de conceitos atuais do que hoje é no-
meado por "Transtorno Invasivo do Desenvolvimento".

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2. Conceito e
epidemiologia

Há os anjos serm asas e as madornas sem mãos.


ea sandália serndança
e háo alaúdesenmos dedos, o Tome sem a pessoa,
OCantoO Sen v0Z
emuito mais lúgrinas queolhos.

Cecília Meireles
"As escadas medievais..."

O autismo é um distúrbio do desenvolvimento, que se


manifesta mediante uma síndrome comportamental, repre-
sentante de disfuncões da maturacão neurobiológica e do
funcionamento do sistema nervoso central, de etiologiage-
ralmente indeterminada.
Os critérios atuais para a defnicão do autismo sebasei-
am na coexistência de prejuízos no desenvolvimentosocial,
no desenvolvimento da comunicação e da capacidade paa
imaginação, manifestos de vários, mas relacionadosmodos.
ng
Tais critérios estão baseados nas pesquisas de WngSe-
Gould (1979) que argumentaram a favor da primaia
veros prejuízos sociais, notadamente a falta de procidade
social, e mostraram que tais prejuízos invariavelmentecoe-
capacidadepara
xistem com prejuízos na comunicação e na

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imaginação e com uma tendência ao engajamento em vários
comportamentos repetitivos.
Dada a grande escala e severidade das incapacidades
experimentadas pelos individuos com autismo, não é sur-
preendente que eles sejam vulneráveis a muitos tipos de
distúrbios de comportamento como hiperatividade, distúrbio
de atenção, fenômenos obsessivo -compulsivos, auto-injúria,
estereotipias, tiques e sintomas afetivos. Incluem-se entre os
sintomas afetivos: a labilidade afetiva, respostas afetivas
descontextualizadas, ansiedade e depressão. Os autistas
considerados de bom rendimento ou alto funcionamento, os
que têm inteligência preservada e os portadores da Síndro-
me de Asperger, pela consciência de suas di culdades, têm
maior possibilidade de desenvolver depressão. Têm elevada
taxa de suicidio.
A condição pode estar associada com muitas anormali-
dades biológicas, tais como epilepsia, retardo mental e uma
variedade de patologias do sistema nervoso. Existe tambếm
uma base genética, uma vez queo risco de autismo ou de
problemas relacionados é maior em gêmeos e imãos.
Segundo Volkmar e colaboradores (1997), um consenso
sobre a validade do autismo como uma categoria diagnósti-
ca, para clínicos e pesquisadores, foi possível pela conver-
gência de dois sistemas de classi cação diagnóstica:
quarta edição da Associação Psiquiátrica Americana (APA)
do Manual de Diagnóstico e Estatistica de Doenças Mentais
(DSM-IV; 1995) e a décima edição da Organização Mundial
de Saúde (WHO) da Classi cação Internacional de Doenças
(CID-10;1993). Tratam-se de sistemas de base losó ca dife-
rentes. O DSM-IV é um sistema focado nos sintomas, os
quais posteriormente de nem categorias. O CID-10 é um
sistema que busca de nir um único nível diagnóstico capaz
de explicar os problemas do paciente.
As condições classi cadas como Pervaswe Developmental
Disorders foram traduzidas como Distúrbios Globais do

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Desenvolvimento pelo DSM-IV e como Transtornos Invasivos
do Desenvolvimento pela CID-10.
Os indivíduos com autismo são vitimas de uma vulnera-
bilidade genética e/ou biológica que interfere com a matura-
ção normal do cérebro e têm um impedimento para o desen-
volvimento da comunicação social. Existem crianças que
não preenchem todos os critérios para a classi cação do
autismo infantil, mas que exibem distúrbios precoces, múl-
tiplos e severos do desenvolvimento. São crianças com des-
envolvimento atípico. Estas condições provavelmente re e-
tem um conjunto de padrões patogênicos que determinam
desarmonias e interferem na sintonia das capacidades ma-
turacionais, biologicamente programadas. São classi cadas
como sendo portadoras de Distúrbio Global do Desenvolvi-
mento, não especi cado pelo DSM-IV, e de Transtorno Inva-
sivo do Desenvolvimento, năo especi cado pela CID-10.
Pertencem aindaà categoria mais ampla: a Síndromede
Rett, o Distúrbio Desintegrativo da Infância e a Sindrome de
Asperger.
Os Transtornos Invasivos do Desenvolvimento, quais-
quer que sejam, são considerados as mais severas de todas
condições psicopatológicas da infância.

EPDEMIOLOGIA

O autismo é uma patologia que ocorre em todo lugar do


mundo e é independente de raça, etnia, classe social e clas-
se cultural.

As pesquisas iniciais apontavam a prevalência de quatro


a cinco indivíduos autistas para 10.000 nascimentos. Estu-
dos recentes mostram que o autismo ocorre de quatro a 15
crianças a cada 10.000, segundo Baron-Cohen e Swetten-
ham (1997), e em uma a cada 1.000 crianças, segundo

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Bryson (1997). Não se trata de um aumento na prevalência
do autismo, mas re ete fatores como melhor identi cação e
modi cação nos critérios para diagnóstico.
A proporção entre meninos e meninas afetados varia
também em função dos critérios pelos quais o autismo é de-
nido. Antes se aceitava a proporção de quatro meninos
para uma menina; hoje se aceita a proporção três meninos
para uma menina, ao se considerar a categoria mais ampla
de Distúrbios Globais do Desenvolvimnento.
Estudos anteriores indicavam uma pior evolução para os
quadros de autismo. Apenas 10% a 15% dos casos conse-
guiam adquirir algum nível de possibilidade de trabalho.
Hoje os estudos nesse sentido são mais promissores. Medi-
das de permanência na escola, de status pro ssional e de
adaptação social sugerem uma evolução melhor. Isto prova-
velmente se deve a diagnósticos mais precoces e a atendi-
mentos psicoeducacionais mais adequados.
Indivídu0s com autismo, mas com nível intelectual mais
alto e com aquisiçāo de linguagem funcional antes dos cinco
têm prognóstico melhor. A presença de distúrbios psi-
quiátricos adicionais pode prejudicar a evolução.
No presente, o autismo é uma patologia que acompanha
a vida toda. Parece se atenuar um pouco coma idade e com
o nível do desenvolvimento, Se a criança receber os benefcios
de uma série de intervenções educacionais e terapêuticas,e
aprender estratégias para se adaptar ao mundo social.
É possivel que a melhora com a idade re ita mudanças
na patologia subjacente. Tal fato pode ocorrer se os meca-
nismos neuronais, ao invés de permanecerem dani cados
permanentemente, começarem a funcionar após um atraso
substancial.

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3. Histórico

3.10 AUTISMOCOMOPSICOSE

"...una criança tinha sido roubada de seuberço. Osduendes tihamposto.


em seu lugar, un bebê substituto, com uma cabeçaenormee un ohw fuo eque
só queria comer e beber, mais nada. Em sua desolação, a mãe coreu para a vizi
nha, em busca de conselho. A vzinha disse-lhe para lear oChangeling'àcozt
nha, colocá-lo perto dofogão, acender o fogo e pôr água paraferver dentrodeduas
cascas deouo.A mulher fez oquea vizinhaIhe haviadito.Quandoelapôsascas
cas dosounssobreofogo,opequeroexclamou:Eu que teno aidadedaFloresta
de Wester, nunca hawia visto alguém cozinhar casca deouol",e elese pôs art.
Uma multidão de duendes chegou trazendo de volta a verdadetracriançaqueeles
coloowunperto dofogão. Eles,então lexramo Chgeihng'embora'.

Imãos Grtmm
"O terceiro conto dosduendes"

(Rosenberg (1991), num artigo sobre o histórico do autismo, relatou que as pes
soas no início do século, na França, notavam que as crianças que hoje corres
ponderiamà descrição do autismo eram chamadas de criaças,fada.A armçt
fada seria aquela que foi trocada por uma fada. Nos contos de fada daIrlandahà
um personagem chamado Changeling" - o transmutado humano. O teno apt
ca-se a crianças que teriam sido raptadas pelas fadas e gnomos quedetxariam,
em lugar da criança, um substituto sicamente idêntico, porm compersonali-
dade muito diferente. Tal rapto ocoreria muito precocemente,mas amãe valre
conhecer a troca, porque a criança detxou de ser afetiva, passou a seragressivae
a ignorar).

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A descrição do đistúbio autístico do contato afetivo
por Kanner (1943), denominação que preferiu substituir
posteriormente para autismo infantil precoce, trouxe mo-
di cações nos critérios até então utilizados para diagnosticar
as severas desordens mentais da criança, caracterizadas por
uma distorção marcante nos processos de desenvolvimento.
Ao invés de referenciais baseados na psicose do adulto, os
critérios de diagnóstico foram reformulados em termos das
alterações comportamentais especi cas da criança.
Kanner (1943) descreveu um grupo de onze crianças que
apresentavam um quadro clinico único, por ele considerado
raro, no qual a desordem fundamental era a incapacidade
para relacionamento com pessoas e situações desde o início
da vida (são crianças que não se comunicam pelo olhar). Es-
sas crianças demonstravam ausência de movimento anteci-
patório, falta de aconchego ao colo e alterações importantes
na linguagem como: repetição automática, descontextuali-
zação no uso das palavras, ecolalia imediata e tardia, litera-
lidade e inversão pronominal. Acusavam ainda distúrbios na
alimentação, atividades e movimentos repetitivos, resistên-
cia à mudança (mesmice), limitação da atividade espontânea
e, apesar de tudo, tinham boa relação com os objetos. Este
grupo ainda mostrava indícios de bom potencial intelectual,
e os pais dessas crianças foram descritos como extrema-
mente intelectualizados, revelando-se "muito poucos os pais
e mães reamente qfetuosos". O autor ainda inferiu nessas
crianças "uma incapacidade inata para fazer contato afetivo
rormal CormpessOas - um dado biológico - assin como outras
criançaschegamao undo com de ciêcias sicas ou itelec-
tuais inatas". E considerou duas alterações básicas como
critérios para diagnóstico do autismo infantil: 1. o isola-
mento extremo e 2. a insistência ansiosamente obsessiva na
preservação da mesmice.
Nos anos que se seguiram a essas descrições de Kanner,
diferentes publicações sobre o autismo infantil mostraram
que seus autores, baseados em distintos pressupostos teóri-

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cos, estudaram crianças com manifestações patológicas se-
melhantes, xando-se em aspectos que cada um julgou
mais signi cativos, daí resultando formulações teóricas es-
pecí cas, indicações terapêuticas diversas e até maneiras
peculiares de nomear e classi car os quadros do autismo.
Ainda que relacionasse a natureza básica do autismo à
esquizofrenia infantil, considerando até a possibilidade do
autismo infantil ser uma manifestação precoce da esquizo-
frenia infantil, Kanner (1971) postulava que os dois quadros
deveriam ser vistos como distintos, mas considerava o au-
tismo "una verdadeira psicose". Quase trinta anos depois de
sua primeira publicação ele manteve o quadro do autismo
infantil dentro do gupo das psicoses infantis, e propunha
investigações bioquímicas que pudessem trazer novas pers-
pectivas ao estudo do autismo infantil.
Tal posição de Kanner re ete as controvérsias surgidas
desde os anos 50 relativas à posição nosológica que o au-
tismo infantil deveria ocupar nas classi cações da psicopa-
tologia.
Segundo Alvarez (1994), tanto a teoria etiológica organi-
cista sobre o autismo quanto a teoria ambientalista deriva-
ram suas consistências de duas conclusões contrastantes
do notável artigo original de Kanner.
Kanner teria inferido uma etiologia ambiental ao se refe-
rir à grande obsessividade e preocupação com abstrações n
ambiente familiar e também aos pais frios e intelectualiza-
dos. Isto culpabilizou por décadas os pais das crianças au-
tistas e promoveu o desenvolvimento das teorias a respeito
de causas psicodinâmicas. Ao falar sobre a incapacidade
inata para o contato afetivo, Kanner pendeu para o lado or-
ganicista.
Assim, organicistase psicodinamicistas dividiram-se ori-
ginalmente em relação às questões de etiologia e tratamento:
por defenderem causas neurológicas e bioquímicas, os orga-

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nicistas indicavam tratamento medicamentoso e comporta-
mental, enquanto os psicodinamicistas, por responsabiliza-
rem o ambiente, recomendavam psicoterapia ou comunida-
des terapêuticas.
Desde Kanner (1943), os distúrbios autísticos vêm sendo
relacionados a um dé cit crônico nas interações sociais. A
descrição de Kanner, quali cando os pais das crianças e
tudadas em sua primeira pesquisa como frios e intelectuali-
zados, provocou o aparecimento de teorias ambientalistas
que aventaram hipóteses sobre mãæs esquizofrenogênicas e
que exploraram causas psicogênicas simnplistas. Isto ocorreu
particularmente entre os pensadores psicodinamicistas
norte-americanos.
Entretanto, o mesmo não ocorreu entre os autores psi-
codinamicistas ingleses, que não se prenderam a uma visão
estritamente ambientalista.
A seguir, serão descritos alguns pontos essenciais da
perspectiva teórica de alguns autores ditos psicodinamicis-
tas, mantendo-se a terminologia que Ihes é própria. Mais do
que uma revisão histórica, conmo objetivo se pretende alinhar
conceitos que são signi cativos e relevantes para o pensa-
mento contemporāneo sobrę o desenvolvimento da mente no
autismo.
Dentre os autores psicanalistas, Melanie Klein foi a pio-
neira no reconhecimentoe tratamento da psicose em crian-
ças. Ela não distinguia os quadros de autismo infantil e da
esquizofrenia infantil. Em 1930, descreveu o caso de uma
criança de quatro anos de idade, chamada Dick, que apre-
sentava um quadro altamente sugestivo de diagnóstico de
autismo. Isto ocorreu catorze anos antes das primeiras pu-
blicações de Kanner; mas Klein percebeu que Dick era dife-
rente das outras crianças psicóticas com as quais lidava, e o
diagnosticou como sofrendo de dementia praecox.

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São importantes as seguintes considerações de Klein
(1981) na descrição dessa criança em 1930:
As condições patológicas da criança seriam devidas
mais a uma inibição no desenvolvimento do que a uma re-
gressão, e esta constataçāo a conduzia à suposição de serem
constitucionais na sua origem.
Um dé cit na capacidade de simbolizar poderia ser
pressuposto como central à desordem.
• O desenvolvimento do processo simbólico estaria im-
pedido pelo excesso de ansiedade, possivelmente ligado
exercício muito intenso do instinto de morte, designado na
época como sadismo máximno. Por ser adepta da dualidade
pulsional, Klein considerava a angústia primitiva da criança
psicótica como expressão da luta entre o instinto de vida eo
instinto de morte.
As defesas do ego prematuras e excessivas contra o
sadismo bloqueavam a relação com a realidade e o desen-
volvimento da vida de fantasia, determinando uma estrutura
mental alterada desde o início da vida.
• A retirada defenstva do ego e as incapacidades de-
terminadas constitucionalmente seriam os dois fatores pre-
dominantes a serem considerados para o surgimento da
patologia.
• A patogênese deste quadro incluía também a relação
entre os fatores sỐcio-afetivos, cognitivos e motivacionais.
Mahler, outra autora, teve seus trabalhos publicados a
partir da década de 50 e provavelmente entrou em contato
com Kanner e suas descobertas. É dela a hipótese de que o
estágio mais primitivo da infância é um estado autistico
normal. Segundo Mahler (1983) ocorTrem dois tipos de psico-
se infantil, clínica e psicologicamente distintos:
1. a psicose autística infantil ou síndrome autística,
equivalente ao autismo de Kanner, que seria resultado de

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distúrbios no estágio autístico normal da primneira infância,
e com aparecimento muito precoce;
2. a psicose simbiótica infantil ou síndrome da psicose
simbiótica, resultante de distúrbios no estágio simbiótico
normal e com manifestação mais tardia, ao redor do terceiro
para o quarto ano de vida.
Na psicose autistica infantil, a mãe parece jamais ter
sido percebida emocionalmente, enquanto, na psicose sim-
biótica infantil, a relação com a mãe é observada, mas não
evolui até o estágio do seu reconhecimento como objeto se-
parado.
Quanto à etiologia, é suposto um aparelho regulador de
tensão inerentemente defeituoso, que levaria a uma "predis-
posição de citária" para utilizar a mãe como agente catali
zador para a homeostase. Talvez algo inato, constitucional e
provavelmente hereditário, ou ainda adquirido muito preco-
cemente, nos primeiros dias da vida extra-uterina. São pala-
de Mahler (1983):"Pareceexistir uma falta inata, primá-
ria, ou una perda da prúnordial diferenciaçãoentre a matéria
vWae anão vwa.
A incapacidade da criança autista para se relacionar
com outros poderia estar associada à inabilidade para ver o
objeto humano no mundo externo, isto é, à falha para per-
ceber as expressões corporais de outra pessoa como expres-
sões vivas e pessoais.
A fortíssima resistência da criança autista às demandas
externas para contato humano e social não é considerada
causa do autismo, mas uma manobra defensiva que ainda
aumenta a incompreensão e a insensibilidade quanto às
pessoas.
Na revisão dos pontos de vista sobre a psicose autistica e
sobre a psicose simbiótica, Mahler preferiu vē-las nas suas
últimas formulações como ocupando extremos de um mes-
mo spectrum

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Em síntese, pode-se inferir das elaborações da autora
que à criança autista parece faltar as bases biológicas para
reagir às aparências e comportamentos dos outros através
de padrões coerentes de emoções e ações, o que determina-
ria falência nas trocas afetivas e cognitivas Com o mundo.
A psicose simbiótica de Mahler foi considerada por mui-
tos autores, dentre eles Tustin (1990), como uma possivel
condição préesquizofrênica.
Meltzer e colaboradores (1975), seguindo o pensamento
kleiniano, descreveram o funcionamento psíquico do autis-
mo, levantando hipóteses concernentes à sua patologia,
notadamente quanto às di culdades de identi cação intro-
jetiva de um objeto continente. São os seguintes os conceitos
mais sigi cativos no que diz respeito à aquisiçāo damente:
Os processos autisticos criam um estado psíquíco de
não-integração, semn vida mental, de desmantelamento e
são, por isso, mutilantes.
É suposto um erro primário na função continente do
objeto externo, mas os fatores que dão surgimento ao estado
autístico são considerados intrínsecos à criança.
O desmantelamento da mente, clivagem nmuito espe-
cí ca e passiva, destrói o processo de introjeção dos objetos.
A ausência de um objeto interno con ável determina
a ausência de um espaço interno ao eu e aó objeto.
O desmantelamento, a dissociação da consensuali-
dade causa uma dispersão dos diversos modos de sensoria-
lidade e impede os registros dos eventos aos quais a criança
está exposta. Não há mente ou menória ou cadeias deasso-
ciação.
• Os processos autísticos e o desmantelamento da
mente, ao impedirem a evolução do conceito de espaço inte-
rior ao eu e ao objeto, desordenam os processos de introje-

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ção e de projeçãoe inviabilizam o desenvolvimento da sim-
bolização.
Desta forma, Meltzer e seus colaboradores não assumi-
ram nem inferiram uma origem psicogênica para o autismo,
ao a rmarem que os estados de angústia não são derivados
de mecanismos de defesa contra a angústia, mas que ten-
dem a ser determinados pelo bombardeamento das sensa-
Ções diante de um equipamento inerentemente inadequado
e do fracasso da relação de dependência.
Tustin destaca-se como uma das mais in uentes psica-
nalistas no estudo do autismo. Seguidora da escola kleinia-
na, tudo indica ser a autora que mais se preocupou em re-
ver continuamente seus pontos de vista sobre a compreen-
são da criança autista. Inicialmente Tustin (1975) classi cou
o autismno em quatro tipos:
1. Autismo primário normal, como fase neonatal nor-
mal de solipsismo:
2. Autismo primárioanormal, Como permanência
anormal do autismo primário;
3. Autismo secundário encapsulado, no qual a forma de
defesa é a inibição;
4. Autismo secundário regressivo, no qual a forma de
defesa é a regressão.
A autora acreditara que, ao nascer, a criança seria inse-
rida em uma matriz social que criaria condições para que
ela vivesse a ilusão de continuidade com a mãe, embora si-
camente separada. Se, por algum motivo, a criança tvesse a
percepção precoce desta situação, aconteceria o que Tustin
chamou de catástrofe, por não ter um aparelho egóico su -
cientemente desenvolvido, ou su cientemente integro, a cri-
ança poderia sofrera depressão psicótica.
Fordham(1976) conceituouo autismo infantil no quadro
de referëncia da psicologia analitica. Foi in uenciado pela

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escola kleiniana e buscou comparar suas conceituações
frente aos pressupostos junguianos, demonstrando sua
aplicabilidade no estudo da criança. Considerou que:
O autismno é um desordenado estado de integração,
que aparece antes do nascimento ou por ocasiāo deste
evento.
Oautismo édeterminado por uma falha noprocesso
de de-integração do Self. O Selfé conceituado como a uni-
dade primordial, constitucional, responsável peladiferencia-
ção das estruturas psíquicas. O autismo é umadesordemjá
na constituiçãopsíquica.
No autismo nenhuma das funções do Self operar
com su cienteharmonia; a deintegração nãoocorTe,ou
apenas Oconteceparcialmente.
Na nutrição, o aparato neuro siológico pode operar
sem a sua contra-parte psíquica,e a integraçãonestenível
se torna rígida e tambémnegativa.
A criança autista não recebe nem organiza o uxo de
estímulos provenientesdo Selfe do mundoexterno paraor-
ganizar a percepção.
Há afalência nodesenvolverdacapacidadederela-
cionar-se como uma unidade aos estimulos externos e in-
ternos, o que obstrui o desenvolvimento mental.
O mundo interno, quando se desenvove,o fazde
modo incipiente; cam impedidas a possibilidade para fan-
tasia e a capacidade para simbolizar.
A imagem corporal, base para a estruturação doeu,
permanece não diferenciada, não organizada.
Fragmentos do eu podem se desenvolver, sendo que
os estágios do desenvolvimento talvez se sucedam, mas
como não-integrados, o que impede o desenvolvimento da
capacidade de resolução de con itos a nível individual.

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Na literatura junguiana pouco se escreveu sobre o au-
ismo depois de Fordham. Sidoli (1989), discípula de For-
dham, estudou as desordens do Self nos estados autisticos,
explicando a incapacidade para desenvolver vida simbólica e
as alterações no lidar com as emoções, características do
autismo como decorrentes de um desordenado estado de
integração, cuja etiologia seria constitucional do ponto de
vista psíquico.

3.2 O AUTISMO NÃO MAIS COMO PSICOSE

Nos anos 70 iniciou-se um questionamento a respeito do


autismo como psicoce. Desde Rutter (1979), o autismo pas-
sou a ser de nido como uma síndrome comportamental de
um quadro orgânico. Em conseqüência, iniciou-se uma mu-
dança na abordagem do autismo até então classi cado como
uma psicose infantil. A prevalência começou a ser dada aos
dé cits cognitivos, em relação ao dé cit social, considerado
como primário, ainda que se destacassem os prejuízos da
linguagemne do comportamento social.
O estudo de Wing e Gould (1979) com 35 mil crianças
tornou claro que as características anteriormente tidas como
típicas do autismo na verdade formavam uma tríade, impli-
cando noção de prejuizo:
severo prejuízo social;
severas di culdades nas comunicações, tanto verbais
quanto não-verbais;
ausência de atividades imaginativas, inchuindo o
brincar de faz-de-conta, substituídas pelos comportamentos
repetitivos.
Desde então, tem-se tentado explicar que características
subjacentes a estes três aspectos poderiam ter uma relação

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comum, e qual seria o fator que os uniria. Distintosestudos,
baseados em abordagens teóricas diferentes, buscaramdes-
cobrir o dé cit primário.
Alvarez (1994) mostrou que muitos autores, tantoonga-
nicistas como psicodinamicistas, tendem agora a aceitar a
rcausação múltipla de natureza complexa e interativa.
Com o passar do tempo, em função das diferentesetiolo-
gias supostas, do grau de gravidade e das caracteristicas es-
peci cas ou não usuais, o autismo deixou de serconsidera-
do um quadro especi co e único, e cada vez mais cou evi-
dente que se tratava de uma síndrome, comportando
subtipos.
Wing (1988) sugeriu a hipótese de ser a síndrome de
Kanner parte de um continuum ou spectrun de desordens
autísticas. Por de nição, é necessário e su ciente, para dia-
gnosticar uma desordemneste cortinum, um prejuíz0in-
trinseco nodesenvolvimento parao engajamentonaintera-
ção socialrecíproca, o qualéfundamentalmente
diferente
dos prejuízos descritos nas neuroses ou nos distúrbiosde
conduta. Tal prejuizo para interação social recíproca pode
Ocorrer isolado, mas freqüentemente vem acompanhadopor
prejuízos de outras funções psicológicas, algumas mais co-
muns que outras. As alterações comportamentais variam
muito em tipo e enm severidade, e todos os tipos de combina-
ções de prejuízos podem ser vistos na prática clínica. Muitas
destas combinações têm sido nomeadas comno síndromes,
mas são poucas ainda as que receberam uma identidade em
separado. Desta forma, o termo contiruum representaum
Conceito de complexidade considerável, mais do que uma
simples escala do mais severo ao mais leve.
Segundo Gillberg (1992), as desordens variariam de se-
veros prejuízos sociais especi cos, em conjunção comsevera
de ciência mental - Sindrome de Kanner, a prejuízos sociais
especí cos associados a retardo mental moderado, a inteli
gência quase normal ou normal - Sindrome de Asperger, a

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até dé cits sociais mais sutis, como os vistos nas crianças
com o chamado DAMP (dé cit na atenção, no controle motor
e na percepção). A sobreposição do autismo com estes dé -
cits justi cariam tal contiruum.
No início dos anos 90, o nome perUasve developmertal
disorder (PDD) passou a ser questionado. Frith e Happé
(1991), entre outros autores, criticaram a classi cação do
autismo como PDD, mostrando que as desordens do cont-
nuum autístico não afetavam todas as funções em todos os
níveis. No nível biológico, tem sido di cil encontrar peculia-
ridades consistentes nos cérebros das pessoas autísticas,
quanto mais sinais de anormalidades abrangentes. No nível
cognitivo, Os autistas podem mostrar memória remota es-
pantosa, dentre outras capacidades. No nível comporta-
mental, atividades de vida diária não estão necessariamente
prejudicadas. No nível da adaptação social, o autismo é uma
desordem global, abrangente apenas na medida em que
nosso mundo é um mundo abrangentemente social. Estas
autoras sugeriram que se abandonasse a classi cação PDD
e se aprovasse a mais apropriada: ASD - autistic spectrum
disorder. (distúrbio do spectrum autistico).
Entretanto, Frith (1992) ao classi car a Síndrome de As-
perger como um tipo de autismo salientou que, embora as
manifestações comportamentais do autismo possam variar
com a idade e com as habilidades especi cas, suas caracte-
rísticas básicas - alterações na socialização, comunicação e
imaginação - se mantêm presentes em todos os estágios do
desenvolvimento e nos vários níveis de habilidades.
O início da década de 90 trouxe novos questionamentos.
Controvérsias pontuaram os estudos sobre o autismo e, en-
quanto no decorrer dos últimos anos se tentou demonstrar
que o défħicit cognitivo corresponderia ao dé cit primário n
autismo, mais recentemente se começou a questionmar se
este não seria o dé cit afetivo-social.

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es) 3.2.lAsteoriascognitivaseaistrtelsie toloi 3
T010 slouo o ocrie sT olob) MAC obsral otoo
-f9b 2s1es roD orrmetiusob oFeorcoe A (otx
Ritvo (1976) foi um dos primeiros autores a considera a
síndrome autistica como uma desordem do desenvolvimen-
to, causada por uma patologia do sistema nervoso central.
Também, um dos primeiros a salientar a importância dos
SIOlLUS
dé cits cognitivoS no autismo.
obsUeorn omo ofrteilus
20 Rutter (1983) aventou a hipótese das anormalidades so-
ciais das crianças autistas teremn sua origem em algum tipo
de dé cit cognitivo. Segundo ele, não existiria um dé cit no
processamento dos estímulos de qualquer das modalidades
sensoriais, mas unma difculdade na compreensão do signi -
cado emocional ou social dos estímulos. As crianças autis-
tas teriam um dé cit no manejo de pistas sociais e emocio-
nais. omnetuso Iiboe osEIqsbs sb lsVn of bobeorg
9Up
Porém, a Teoria Cognitiva para o autismo foi proposta a
partir das pesquísas de Frith (1984) e Baron-Cohene cola-
boradores (1985). Estas pesquisas demonstraram que
crianças autistas, mesmo as classi cadas como de alto fun-
cionamento, são incapazes de atribuir estados intencionais
aos outros. Estados intencionais são todos os estados men-
tais com conteúdo, e não apenas o estado particular de ter
uma intenção de agir. Correspondem a estados intencionais
com conteúdo, como por exemplo: acreditar em algo, esperar
algo, desejar algo. E são diferentes de outros estados men-
tais que não se relacionama algo, tais como: estar com dor,
estar deprimido ou estar em alerta.2
.eoi Subjacente a estas pesquisas estava a hipótese de o au-
tismo constituir-se em um prejuízo especi co no mecanismo
cognitivo necessário para representar estados mentais, ou
mentalizar. Na sua mais conhecida pesquisa, estes autores
testaram 20 crianças autisticas, 14 crianças com Sindrome
de Downe 27 pré escolares normais utilizando um experi-
mento projetado por Wimmer e Perner. Com este teste pude-

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ram avaliar a capacidade destas crianças para atribuir esta-
dos intencionais ao outro e chegaram a conclusões perti-
nentes às conseqüências de atribuir-se uma falsa crença a
utrem. Participarndo do teste, a criança tinha que predizer o
comportamento de uma protagonista boneca (onde Sally vai
olhar?), baseand0-se na crença que a boneca pudesse ter (a
bolirha está na cesta), dadas as oportunidades de testemu-
nhar uma série de eventos. Um evento crucial não é visto
pela boneca (a bolirha é retirada da cesta e colocada em uma
caixa), o que explica a crença falsa da boneca. As crianças
normais de quatro anos da pesquisa predisseram o com-
portamento da boneca (Sally vai olhar na cesta) na base da
crença da bonecae não na base de suas próprias crenças (a
bolinha está na caixa). As crianças com Síndrome de Down
com um Q.I. médio de 64 apresentaram uma execução
muito próxima à das crianças normais de quatro anos de
idade (86% e 85% acertaram, respectivamente). Mas entre
os autistas com um Q.I. médio de 82, apenas quatro passa-
ram na tarefa. A grande maioria, 80%, fracassou, apesar da
execução correta em questões de controle que avaliaram sua
compreensão geral do que estava sendo solicitado
A falha das crianças autistas, consideradas de alto fun-
cionamento, ocorreu porque elas não têm capacidade para
atribuir um estado mental, neste caso umna crença errônea,
à protagonista. Elas precisaram, então, con ar, na falta
desta capacidade, na sua própria compreensão da situação.
Isto levou a uma resposta consistentemente errada no pre-
dizer o comportamento da boneca (Sally iá olhar nacaixa).
0 fracasso das crianças com autismo foi contrastante
com o sucesso das crianças com Sindrome de Down, mais
severamente atrasadas do ponto de vista intelectual, mas
mais competentes do ponto de vista social. Os autores suge-
riram que uma parte importante dos prejuízos sociais en-
contrados nos autistas poderia estar relacionada a um déf-
cit especi co na sua teoria da mente. Crianças normais
atribuem estados mentais aos outros, isto é, utilizam uma

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teoria da mente desde os quatro anos pelo menos, ainda
que indícios desta capacidade já possam ser percebidos
muito antes no curso do desenvolvimento. A utilidade desta
habilidade para a compreensão das situações de interação
social é óbvia. Usando a tarefa descrita acima como exem-
plo: Por que a boneca olhou na cesta? - Porque ela acreditou
que seu brinquedo estava lá e ela queria brincar comele. Um
dé cit cognitivo nesta área teria um impacto importante na
capacidade da criança para predizer o comportamento dos
outros e tornar o mundo mais compreensível.
Baron-Cohen e colaboradores (1986) realizaram novos
experimentos com o objetivo de con rmar e estender sua hi-
pótese sobre um especí co dé cit cognitivo que impediria o
desenvolvimento da teoria da mente na criança com autis-
mo. Dentre eles, destaca-se o estudo sobre a compreensão
mecânica, comportamental e intencional de estórias em
quadrinhos. Crianças com autismo diagnosticadas como de
alto funcionamento foram comparadas com crianças com
Síndrome de Down e com préescolares normais em tarefas
que envolviam guras em seqüência. Quando as seqüências
podiam ser compreendidas em termos de critérios causais-
mecânicos ou simplesmente descritivos quanto ao compor-
tamento, os autistas foram pelo menos tão bons quanto as
crianças dos grupos de controle e freqüentemente mostra-
ram execução superior. Entretanto, nas seqüências queevo-
cavam compreensão em termos de critérios de intenção psi-
cológica, as crianças com autismo tiveram uma execução
muito pior que as outras. Este padrão também foi veri cado
na linguagem usada pelas crianças para narrar as estórias.
Contrastando com as crianças dos grupos de controle, os
autistas usaram linguagem causale comportamental, e
minoria deles pôde usar alguma linguagem que impli-
cava na compreensão de estados mentais.
Nova questão foi levantada por estes mesmos autores
sobre estas crianças com autismo que mostravam evidência
de empregar uma teoria da mente. Nestas crianças, a ca-

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pacidade para atibuir estados mentais a outrem pemane-
ceria sujeita a um dé cit especí co, mas enm um grau mais
alto de complexidade. Concluíram que uma pequena mino-
ria de crianças com autismo poderia chegar a uma segunda
ordem de estados mentais - crenças sobre crenças. Mas,
não poderia manejar uma terceira ordem de estados men-
tais - crenças sobre crenças sobre crenças, habilidade que é
adquirida entre seis e sete anos no desenvolvimento normal.
Frith (1989) explicou a falta de uma teoria da mente na
criança autista, por um dé cit de funções cerebrais mais
elevadas ligadas a meta-representações. A alteração na ca-
pacidade para meta-representações no autismo, por sua vez,
determina mudança nos padrões básicos da interação soci-
al. Os autistas seriam capazes de chegar às representações
primárias, ou seja, aos conceitos relativos ao mundo sico,
mas não atingiriam as representações secundárias ou meta-
representações que são os conceitos e as crenças sobre os
estados mentais alheios, que incluem percepção de desejos,
necessidades, sentimentos e emoções dos outros. Isto torna
impossivel prever o comportamento do outro numa situação
de relacionamento interpessoal.
Ainda segundo esta autora, os espantosos desempenhos
de muitas crianças autistas em especi cas áreas, como as
habilidades mecânicas de memória, as chamadas ilhas de
capacidade, são sinais da incapacidade destas cianças de
levar em contao contexto, pois elas carecem do que ela no-
meia força organizadora coesiva central. Para esta auto-
ra, a teoria da mente é um mecanismo de maturação tar-
dia, que ocorre ao redor do segundo ano de vida, e ela
paraesta força organizadora coesiva central com um rio
caudaloso que centraliza grandes quantidades de água
(captação de informações), através de seus muitos a uentes.
Boucher (1989) sugeriu que o autismno é primariamente
devido a uma falência no uso de capacidades adquiridas o
falência no uso espontâneo de sistemas de representações

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de ordens mais altas. Ele deduziu que as pessoascomnSín-
drome de Asperger podem descobrir soluções coretas para
problemas que requerem uma teoria da mente, mas o fazem
por meios mais lentos e desajeitados, alterando o tempo de
suas respostas, o que os torna estranhos nas interações so-
ciais. São hábeis para contornar sua falta de conhecimento
intuitivo do comportamento social num grau su ciente para
passar nas situações de teste, mas não conseguem fazer o
mesmO na vida real.
au Baron-Cohen (1991) ressaltou que o autismo altera a
meta-representação requerida nos padrões sociais, a qual
implica atribuir estados mentais aos outros, o que é neces-
sário para o desenvolvimento dos padrões da representação
simbólica. Isto altera a capacidade para desenvołver o faz-
de-conta, o jogo simbólico e a capacidade para criatividade e
originalidade, alterando também a adaptação pragmática ao
undo. Para ele, os dé cits sociais e os dé cits pragmáticos
estão associados, uma vez que o pragmatismo é parte da
competência social. e0gorITD9
Reed (1994) explicou a persistente inablidade social dos
indivíduos com autismo em termos da natureza do estímulo
social ser transitória, complexa e di cil de predição. Desta
maneira, os autistas teriam di culdades na tarefa de predi-
zer o comportamento da boneca Saly, nos experimentos
propostos por Baron-Cohen e colaboradores (1985), porque
esta tarefa requereria a combinação de informação complexa
eo uso desta informação combinada como base para infe-
rência. SWISIL sb oeiSESOT CS 2
Os próprios defensores da teoria cognitiva concordam
com a existência de lacunas na sua teoria que precisam ser
corigidas. Ozonoff e colaboradores (1991), em um estudo
comparativo entre per s neuropsicológicos de individuos
com autismo de alto funcionamento e de individuos com
Sindrome de Asperger - patologias distintas para esses auto-
res, mas cuja distinção não é universalmente aceita -, mos-

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traram que prejuízos cognitivos deixam de ser universal-
mente encontrados em todas as pessoas com as condições
do spectrum autistico, questionando a primazia da falta de
uma teoria da mente como dé cit primário no autismo.
Ozonoff e colaboradores (1991) tentaram explorar a con-
guração primáia dos dé cits no autismo, testando crian-
ças comn autismo e Q.I. normal em tarefas para medir a
aquisição da teoria đa mente, a função executiva e a per-
cepção emocional. Comparados com os grupos de controle,
os autistas mostraram prejuízos nas três áreas; porém, os
dé cits quanto à função executiva e quanto à teoria da
mente foram signi cativamente maiores do que outros déf-
cits.
Estes autores argumentaram que os dé cits da função
executiva seriam os dé cits primários no autismo, mais do
que os dé cits quanto à competência para mentalização,
porém não descartaram estes últimos na justi cação da trí-
ade autistica. Baseados nos achados de que algumas crian-
ças com autismo possuem prejuízos na função executiva,
mas têm sucesso nos testes de falsa crença, estes autores
sugeriram a hipőtese de um terceiro dé cit responsável pe-
los dois mensuráveis dé cits na maioria dos autistas, o qual
seria no nível biológico, um dano no córtex pré-frontal.
O fato de, nas pesquisas sobre a habilidade para intuir
estados mentais, uma proporção de crianças com autismo
passar nas tarefas tem trazido novas questões e suscitado
novos estudos. Bowler (1992), em pesquisas com individuos
com diagnóstico de Sindrome de Asperger, sugeriu que o
sucesso nas tarefas de falsa crença ao lado da presença de
prejuízos contínuos na vida real argumentaria a favor de um
dé cit psicológico primário não na capacidade para menta-
lizar, mas na capacidade para aplicar o conhecimento ad-
quirido.

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3.2.2 As teorias afetivas

A ênfase na importância da observação de bebếs, a partir


dos anos 70, e os estudos e novos pontos de vista sobre o
desenvolvimento em fases muito pregressas, entre os quais
os de Brazelton (1988), trouxeram dúvidas quanto à valida-
de de se considerar um estágio autistico normal. Muitos
destes estudos mostraram que, no desenvolvimento normal,
o recém-nascido já tema sensação de separação da mãe e
está alerta para receber as experiências do mundo externo.
Outros estudos, dentre eles o de Hobson (1990), sugeriram
pontos de vista menos radicais, ponderando que não existe
completa falta de sensação da separação no início da vida,
nem completa percepção dessa separação. Propuseram um
tipo de relação dual entre a mãe e o bebê.
Por outro lado, nos estudos mais recentes sobre o au-
tismo, a comprovação da sua incidência e prevalência no
mundo todo foi mais um argumento para confrmar a hipó-
tese da existência de fatores biológicos na sua origem.
Atenta a estas descobertas, Tustin (1990) providenciou
correções nos seus conceitos:
• Não postula mais um estado autístico indiferenciado
como normal na primeira infância.
Não explica mais a sintomatologia autista em termos
de resistência, evitação e defesa contra ansiedade, mas faz
uso de uma psicologia mais complexa, referindo-se a fun-
ções de compensação e de proteção.
Descreve a ansiedade de aniquilamento encontrada
na criança autista como uma formna de ansiedade mais pri-
mitiva que a do recém-nascido normal, considerando que o
autista é desprovido de defesas observadas no recém-
nascido normal. Refere-se a uma ausência de estrutura
própria de psiquismo na criança autistica.

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Considera errônea a idéia de que todas as crianças
autistas não foram amadas quando bebês, mostrando que
tal idéia levou a uma ênfase maior nas causas ambientais
assim como a super-indulgentes tentativas terapêuticas de
remediara condição autistica.
Não aceita a explicação psicogênica como única eti-
ologia do autismo.
Os pontos de vista mais atuais de Tustin (1994) no que
se refere à compreensão do autismo podem ser assim resu-
midos:
A característica descritiva externa mais importante
da criança autistaé a sua falta de relaçõessociais normais.
Estas crianças não confortam seus pais, aproximam-se de
estranhos como se fossem conhecidos, não são cooperativas
e não percebem sentimentos e interesses dos outros. O iso-
lamento da criança autista foi explicado pela autora em ter-
mos da falta de empatia de Hobson (1990) e da falta de
imaginação de Frith (1984).
• Quanto à etiologia, Tustin propôs que uma variedade
de interações entre constituição e criação poderia ocasionar
o autismo. Considerou que, em alguns casos, fatores genéti-
cos têm mais peso que fatores ambientais. Entendeu a aver-
são ao contato humano demonstrado pela criança autista
não como conseqüência da rejeição materna, mas como um
comportamento completamente iracional, sendo reativo à
alteração nas predisposições biológicas que são comuns a
toda a humanidade. Acreditou que o equilíbrio entre as in-
uências ambientais e constitucionais seria diferente em
cada caso, mas as predisposições psicobiológicas inerentes
exerceriam sempre o papel vital.
Considerou o autismo como uma reação psicoquími-
ca, neuromental exageradamente desviada daquilo que é
uma proteção inata para o trauma de ser corporalmente fe-
rido, real ou ilusoriamente.

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Manteve o conceito de que quando a criança autisti-
ca tem a sensação de ser abruptamente arrebatada da mãe,
que era experimentada comno parte do seu corpo, tenta pro-
teger sua conseqüente vulnerabilidade, através da manipu-
lação de sensações subjetivas corporais, para desviar sua
atenção do ferimento corporal. Assim, ao invés de se pro
teger de um modo mais exível, dentro dos padrões huma-
nos esperados, ela se encapsula de um modo rígido e estáti-
CO.

O modo pelo qual a criança autista se protege da sua


aior vulnerabilidade é gerando a delusão de ter uma outra
cobertura sobre seu corpo, como uma concha dura, desen-
volvida pelo uso idiossincrático e pervertido de suas sensa-
ções corporais.
A concha autistica protege dos terrores externos e
tampona os sentimentos provocados pela experiência do ser
separado; mas, esta distorção da vida de sensações signi ca
que o desenvolvimento psicológico será inevitavelmente dis-
torcido.
sbsbe Um encapsulamento duro, tipo concha, é a caracte-
rística psicodinâmica especí ca do autismo. As crianças au-
tistas não distinguem entre pessoas vivas e objetos inani
mados; tendem a carregar objetos com os quais não estão
identi cadas, mas equacionadas. A concentraçãoexcessiva
nas sensações autogeradas por seus corpos, as toma não
passíveis de conscientizarem as sensações com a relevância
objetiva normal. Assim os objetos sensoriais autísticos
não são diferenciados do próprio corpoe são usados não em
termos de suas funções objetivas, mas em termos das sen-
sações duras que eles engendram.
O uso protetor, idiossincráico de objetos sensoriais
autisticos impede a utilizaçāo dos objetos segundo
modo de brincar normal. Sem brincar e sem a vida nomal
de sensações, o desenvolvimento mental não é estimulado.

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O desenvolvimento perceptivo e cognitivo é obstruído
porque uma preocupação indevida, atipica com a sensação
táctil, distrai a atenção dos modos de ver e ouvir. A atenção
é desviada de sinais e sons, para car retida nas sensações
tácteis. Esta concretização inevitavelmente interfere com o
grau de abstração necessário para a percepção e para a
formação de conceito, pois a função objetiva dos objetos não
é descoberta.

Para que o desenvolvimento simbólico aconteça, a


criança tem que ter alguma noção da separação de seu cor-
po do resto do mundo, tendo vivido conseqüentemernte per-
da e falta. Os objetos sensoriais autisticos impedem a
percepção desses eventos humanos inevitáveis, o que inibe o
desenvolvimento simbólico. As práticas autísticas parecem
bloquear a percepção do vazio que é o modo protomental
destas crianças experimentarem perda e falta. Assim, não é
possível ter saudades e se entristecer por objetos perdidos.
Não há estimulo para desenvolver símbolos para re-
apresentar o objeto perdido.
Sabe-se que os autores psicanalistas e analistas, impli-
cados no estudo do autismo, inferiram seus conceitos a
partir das intervenções terapêuticas que realizaram com cri-
anças autistas, utilizando inicialmente sua costumeira mne-
todologia psicoterapêutica. Entretanto, as condições peculia-
res da vida psíquica destas crianças tornaram inoperante a
abordagem psicoterapêutica tradicional, exigindo modi ca-
Ções nos métodos e nas técnicas - com resultados ainda não
convenientemente comprovados como mostra a literatura.
Embora considerados insu cientemente cienti cos, os
pontos de vista defendidos por estes autores mereceram
destaque, ainda mais que nas teorias sobre o autismo, tidas
como cienti cas, permanecem sem explicação pontos subs-
tanciais.
Esta é a posição de Hobson (1990) frente a algumas
rias psicanalíticas a respeito do autismo. Suas conceitua-

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Ções o aproximam muito de uma perspectiva psicanalitica
das relações objetais.
Hobson (1989) apresentou os resultados da pesquisa ba-
seada numa série de experimentos com fotogra as de rostos
mostrando diversos graus de emoção revelada. Veri cou que
Os autistas possuem uma anormalidade especi ca na ma-
neira como percebem a emoção no rosto das pessoas. Con-
sidera que:
As crianças autistas apresentam falhas constitucio-
nais nos componentes de ação e reação necessários parao
desenvolvimento das relações pessoais com outras pessoas,
as quais envolvem afetos.
Falta às crianças autistas a coordenação da experi-
ência e do comportamento sensório-motor e afetivo, caracte-
rístico da vida mental normal intrapessoal, assim como da
interpessoal.do 10q 19031eins se
Os dé cits das crianças autistas na participação na
experiência social intersubjetiva são:
1. dé cit relativo aoreconhecimentode outraspessoas
como portadoras de sentimentos próprios, pensamentos,
desejos, intenções;
-si 2. dé cit severo na capacidade para abstrair, sentir e
pensar simbolicamente.o
As inabilidades na cogniçãoe na linguagem das cri-
anças autistas parecem re etir dé cits que têm relação in
trínseca com o desenvolvimnento afetivo e social e/ou dé cits
sociais dependentes da possbilidade de simbolização.
Em um artigosubseqüenteHobson(1990),preocupan-
do-se em fazer a ressalva de que ele não estaria recomen-
dando o tratamento psicanalitico para os autistas, propôs
que uma abordagem psicanalítica de relações objetais, crite-
riosa, ocuparia um lugar importante no estudo do autismo.
Ressaltou que o estudo do autismo exigiria uma modi caçãc

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na teoria das relações objetais, com vistas a repensar mais
as bases inatamente determinadas, como também as fases
iniciais da experiência de relacionar-se com objeto. Seriam
necessários novos estudos sobre os modos de desenvolvi-
mento da conduta e do pensamento dos autistas, sobre a
evolução anormal, mas padronizada da percepção de si
smo e da percepção das outras pessoas.

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4. Etiologia:
as hipóteses atuais

"Ela se move, todo đia, entre nós, mas nãoconosCO,


onfomada quando nos aproximamos, indiferente quando nos
afastamos. Serena, isolada.... Existindo entre nós, ela tem sua
ałma em algum outro ugar".

Park (1982)

Nos de hoje, não é aceita mais a etiologia psicogēni-


ca no autismo e, nas últimas décadas, a literatura especiali-
zada tem demonstrado a relação do autismo com diferentes
alterações neurológicas.
O autismo é hoje de nido como um distúrbio do desen-
volvimento, presente desde o início da vida. Os sintomas
autísticos expressam o funcionamento atípico de um siste-
nervoso afetado. Por sua vez, a organização e o funcio-
namento atípico do cérebro re etem a interação entre pro-
gramas genéticos e circunstâncias ambientais, a qual es-
trutura na sua maturação um complexocérebro-mente.
Muitos debates, entretanto, ainda ocorem no que se re-
causa primária assim como à alteração psicológica
básica. Discute-se, ainda, a conjugação das condições mór-
bidas ao longo do processo do desenvolvimento.

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Happé (1994) observou que, nos estudos das crianças
autistas, nem sempre se levou em conta a importância do
processo do desenvolvimnento quando se consideraram os
dé cits primários. Assim, se existisse naquele momento
para a criança autista a evidência da capacidade para men-
talizar, não signi cou que esta estivesse presente mais pre-
cocemente, em pontos críticos do desenvolvimento. Conside-
rou ainda a possibilidade de que a competência para men-
talização, a função executiva e a função da coerência
central, que nos estudos recentes se mostraram sem relação
causal, poderiamn ter exercido um papel causal durante o
processo do desenvolvimento.
Segundo Happé (1994), a teoria de que as pess
autismo possuem um dé cit especí co na habilidade para
mentalizar tem sido pelo menos particularmente e ciente
na abrangência da tríade autistica de Frith (1989). Mas
também permite especií cas previsões relativas ao padrão
dos prejuízos e das competências preservadas. De acordo
com esta teoria, os comportamentos e as habilidades que
não requerem representação de atitudes intencionais podem
não estar prejudicados nas pessoas com autismo - permi-
tindo a ocorrência de ilhas de habilidades na memória re-
mota, nas capacidades espaciais etc. Mesmo nas áreas de
socialização e de linguagem, nem todos os comportamentos
estão imnpossibilitados. Apenas os comportamentos sociais
que requerem mentalização estariam impedidos, enquanto
que aqueles que podem ser baseados em condutas observá-
veis ou em aprendizado por memória escapariam de com-
prometimento.
A função executiva é o mecanismo que permite ao indi-
víduo normal dividir a atenção com exibilidade, inibir res-
postas impulsivas, manter-se concentrado frente a objetivos
e resolver problemas de um modo estratégico e e ciente.
Harris (1994) fala da falha da função executiva, ao estudar a
intençāo e a habilidade de planejamento nos autistas com
inteligência preservada. Veri cou que existe di culdade no

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articular das fntenções, di culdade na resolução de proble-
mas que extjam planejamento prévio e di cukdade na com-
preensão de estados mentais que se dírigemn a situações h-
potéticas. Nos testes de construção de torres, porEXETnplo,
observa-se uma incapacidade para imaginar as seqüencias
de movimentos antes da execução.
Coerência central, termo usado por Frith (1983), é a ca-
pacidade para fntegrar informações em uma totalidade, com
contextoe signí cado. O prejuízo na coerēncia central expi-
carla o estilo não holístico, parcial, caraterístico da percep-
ção dos autistas, assim como o per l perceptivo atípico e as
ilhas de capacidades, como relata Happé (1994) ao estudar
autistas de alto funcionamento que passam em testes de se-
gunda ordem da teoria da mente, mas fracassam nas tarefas
de coerência central.
Leslie e Roth (1994), ao estudarem as meta-
representações nos autistas, mostraram que o desenvolvi-
mento cognitivo é atrasadoe anormal. Um per de inabili-
dades somado a lhas de capacidade vão caracterizar uma
arquitetura cognítiva anormal, construída a partir de cen-
tros dani cados. Entretanto, alguns autistas podem mostrar
um nível de execução aparentemente normal. Isto pode ser
explicado pelo uso de estratégias anormais ou pelo circun-
dar da estrutura dani cada, usando pontos da estrutura
neurológica não dani cada. No autismo, supõe-se um dano
no mecanismo subjacente à capacidade para conceber o
próprio estado mental e do outro e para raciocinar a partir
de tais dados. O dano estaria no "TOMM" (mecanismo para a
teoria da mente, o qual é formado por dois componentes:
m dispositivo inferencial e um sistema representacional).
Para resolver tarefas de falsa crençaé necessário estemeca-
nismo e também ter adquirido um processador de seleção,
que amadurece ao redor dos quatro anos. Os autistas inteli-
gentes, na pré-adolescência tendem a usar o processador de
seleção com e ciência e acertar nos testes de falsa crença.,
embora não possuam o mecanismo para a teoria da mente.

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Baron-Cohen (1997) escreveu sobre os mecanismos pré-
existentes próprios da mente, inventados pela seleção natu-
ral durante a história da evolução das espécies, com a na-
lidade de produzir uma adaptação mais ajustada ao ambi-
ente. Nomeou o autismo como uma alteração cognitiva es-
pecí ca de "cegueira mental. Para explicar como se
estrutura a intersubjetividade, explorou a linguagem dos
olhos, a qual é universal e reciprocamente inteligivel para
todos os membroOs da nossa espécie e pode levar duas men-
tes separadas à interpretação de sua interação.
O autor descreveu quatro mecanismos:
- detetor de intencionalidade, o qual interpreta
tímulos em termos de estados mentais volitivos, como desejo
e nalidade.

- detetor de direção đo olhar, o qual interpreta o esti-


mulo em termos do que o agente está vendo. O funciona-
mento destes dois primeiros mecanismos cria a possibilida-
de das representações diádicas, permitindo a aquisição da
intersubjetividade primária - presente na criança normal ao
redor do nono mês.
necanismo de partilhar a atenção que, fazendo a li-
gação entre os dois primeiros, estabelece a possibilidade do
partilhar a atenção sobre o mesmo objeto. A atualização de
tal mecanismo determina a construção das representações
triádicas, as quais criam a intersubjetividade secundária
aquisição observada até os 18 meses de idade. Com a aqui-
sição destes três mecanismos, a criança consegue ler o
comportamento em termos de estados mentais volitivos e ler
a direção do olhar em termos de estados mentais percepti-
vos. Consegue, ainda, veri car que diferentes pessoas po-
dem experimentar estes estados mentais sobre o mesmo
objeto.

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- mecanismo da teoria da mente, um sistema que
permite o inferir um conjunto de estados mentais a partir do
comportamento. Tal mecanismo tem duasfunções:
a) levar à representação de estados mentais epistêmicos
(que incuem: pretender, pensar, conhecer, acreditar, imag-
nar, sonhar, adivinhar, decepcionar) e
b) levar à interpretação dos estados mentais volitivos,
perceptivos e epistêmicos, a m de compreender como esta-
dos mentais e ações estão relacionados, integrando todos
estes conhecimentos sobre os estados mentais em uma teo-
ria. Tal capacidade é esperada aos 48 meses.
O autor acreditou que, nos quadros do autismo, existem
prejuízos no mecanismo de partilhar a atenção e no meca-
nismo da teoria da mente, diferentemente dos casos de ce-
gueira congênita, que não possuem o detetor da direção do
olhar, mas que têm o mecanismo de partilhar atenção e o
mecanismo da teoria da mente intactos.
No autismo o dé cit no mecanismno de partilhar a aten-
ção impede a construção das representações triádicas em
qualquer das modalidades sensoriais, além de não fornecer
estímulo para que o mecanismo da teoria da mente seja ini-
ciado. Este último mecanismo, disfuncional no autismo,
determina difculdade na compreensão dos estados epistė-
micos. Como decorrência, a teoria da mente está ausente ou
muito alterada.
Atualmente existe considerável evidência de um défcit
na teoria da mente no autismo, mas também há evidência
de que este não é o único dé cit cognitivo no autismo. Nos
ltimos cinco anos, pesquisadores vem apontando que a
função executivae a função da coerência central estão tam-
bém alteradas.
Baron-Cohen e Swettenhan (1997) acreditaram que os
dé cits na teoria da mente, na função executiva e na coe-
rência central existem no autismo, mas são relativamente

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independentes. Sugerem que, dada esta independência,
existe a possibilidade de que, no autismo, um mecanismo
especi co da teoria da mente esteja dani cado, o TOMM,
descrito por Leslie e Roth (1994), composto por um disposi-
tivo inferencial e por um sistema representacional.
Recomendaram, também, que futuras pesquisas tentem
clari car quais são os dé cits cognitivos especí cos, nos três
domínios descritos, teoria da mente, função executiva, coe-
rência central, que seriam necessários e su cientes para ex-
plicar o autismo. Indagam se, no diagrama abaixo, o autis-
mo ocorreria apenas nas regiões A, D, F, G, e estas regiões
determinariam subtipos.

Teoria da mente Função executiva

B
A

Coerência Central

No autismo, observam-se disfunções importantes nos


processos cognitivos no que se refere à dedução de informa-
ções abstratas necessárias para seqüenciar material e
transformá-lo em representação simbólica. Sigmane colabo-
radores (1997) a rmaram que os dé cits no desenvolvi-

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mento simbólico podem estar relacionados ao fracasso no
aprender a partir das interações sociais, uma vez que o uso
do símbolo se adquire primariamente como uma função da
relação com o outro. As limitações para pensamento abs-
trato nos autistas podem atestar a importância das trocas
afetivas para o desenvolvimento dos conceitos simbólicos.
Alternativamente, o conhecimento tanto social como simbó-
lico pode depender da habilidade meta-representacional
para perceber a ação a partir de referenciais diferentes.
As crianças autistas mostram-se muito prejudicadas na
habilidade para aprender com outras pessoas e sobre outras
pessoas. Cohen (1980) já mostrara que a falta de compreen-)
são dos sentimentos das outras pessoas é o espelho da ina-
bilidade da criança autista de formar uma representação
interna, estável das conexões entre seus próprios estados
internos. Ela não estrutura uma noção de si mesma como
local de organização da iniciativa, sentimentos e pensa-
mentos.
r ComomostraramRobson(1990), Klin ecolaboradores
(1992), Klin e Volkmar (1993), dentre outros pesquisadores,
os bebês autistas mostram prejuízos nos processos afetivos
e sociais desde o nascimento. Volkmar e colaboradores
(1997) relataram que a ausência de muitos comportamentos
sociais, que normalmente são esperados no primeiro ano de
vida, diferenciam o bebê autista dos demais e a rmaram
que tais prejuízos são observados em idade anterior à espe-
rada para a aquisição da teoria da mente. Desta foma,
falha no relacionar-se seria a fundamental no autismo, e os
autores descreveram comno se dá a forma atíipica do desen-
volvimento social no autismo, referindo-se às características
alteradas do olhar, da atenção conjunta, da imitação, do
brincar, do apego e do desenvolvimento do afeto.
Bowby (1969) havia demonstrado o modelo de apego
como unm mecanismo adaptativo evolucionário, e o compor-
tamento de apego mais fundamental seria buscar proximi-

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dade sica e o apaziguamento junto ao outro. As crianças
com autismo podem dispor de mecanismos adaptativos que
envolvemn reconhecimento de quem toma conta como fonte
de proteção, mas não dispõem de comportamentos que são
primariamente afetivos ou relacionais. Nesta linha,
,Grossman e colaboradores (1997) veri caramn que as pesso-
as autistas dispõem de comportamentos sociais estratégicos
e não de comportamentos sociais de liação. Como existem
módulos cerebrais diferentes para os diferentes aspectos das
s sociais, determinados módulos podem ser funcionais,
outros não. As múltiplas etiologias que podem ser responsá-
veis pela sindrome autística determinariam a variabilidade
dos dé cits sociais na expressão fenotipica do autismo.
Roser (1996) se propôs a fazer uma revisão da teoria psi-
canalitica e da psicoterapia no autisnmo infantil. Colocou o
foco na perspectiva intersubjetiva. Observou que no desen-
volvimento normal existe a aquisição de um sistema de re-
gulação mútuo entre o bebê e quem toma conta dele, siste
ma esse que é o fundamento para o estabelecimento da sen-
sação de existir do eu, baseada na experiência da relação
eu-outro. Tal experiência tem um poder transformador para
o ego, o qual se estrutura, integrando informações diversas e
progresstvamente mais complexas do ambiente e das outras
pessoas, de uma foma exivel e sintonizada.
Esta autora postulou que, no autismo, a noção do eu é
organizada ao redor de experiências reguladoras que não
puderam ser experimentadas como consistentemente sinto-
nizadas com os estados afetivos da criança. A criança au-
tista não desenvolve a noção do eu-em-relação. A falta de
sintonia tem por conseqüência a experiência de não-relação,
a qualconduz ao isolamento eà difcudade paracrescer e
se transformar. Compreendendo que as crianças autistas
nasceram com prejuizos na dotação biológica, Roser salienta
o quanto elas se tornam di ceis de serem entendidas e nu-
tridas emocionalmente. Assim, para ela, no tratamento, o

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|foco deve ser colocado na matriz intersubjetiva queseforna
entre a criança eo terapeuta.
Cohen (1998) estudou as biogra as de adultos autistas
de 30 a 40 anos, considerados de alto funcionamento, que
vêm sendo publicadas recentemente. Mostrou a aparente
contradição, uma vez que são indtvíduos com prejuízos s
veros na comunicação e na sociabilidade, impedimento para
compreender o ponto de vista dos outros, que nãopossuem
capacidade para sinmbolismo, mas que falam de sentimen-
tos, de dor e muitas vezes se expressam em poesias.
Admite-se que, quando a linguagem é usada como cód-
go, não se observam impedimentos gerais, e o vocabulário e
a sintaxe podem ser preservados; mas, quando alinguagem
é usada como expressão dos pensamentos do falante, ou é
para ser compreendida como expressão de signi cados in-
tencionais, o indivíduo com autismo pode mostrar prejuízos
especi cos. Entretanto, Dowker e colaboradores (1996).
num estudo conjunto entre os departamentos depsicologia
da Universidade de Yale e da Universidade de Londres, reali-
zaram uma comparação entre a poesia de uma mulher de
45 anos com Síndrome de Asperger e a poesia de uma mu-
lher de 30 anos, poetisa pro ssional. Observaram que o uso
de recursos de estrutura e o uso de analogias e metáforas
foram semelhantes para as duas mulheres. Quanto ao con-
teúdo, a poetisa com Síndrome de Asperger praticamente se
referia apenas a aspectos em relação a si mesma, enquanto
que a outra se referia também a aspectos em relação aos
outros e ao ambiente. Sabe-se que, na linguagem da pessoa
com autismo, a competência gramatical pode estar desen-
volvida em alto grau, enquanto falham as funções semânti-
cas. Os autores falam emn módulos cerebrais diferentes para
estas diferentes funções.
O início muito precoce, a natureza difusa e a cronicidade
dos sintomas do autismo, apontam para as anomalias do
sistema nervoso. Em estudos neuroquímicos, Anderson e

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Hoshino (1997) constataram alterações em quadros de au-
tismo, no que diz respeito à função da dopamina central, à
secreção peptídica e homonal para a neurotransmissão
central e os ritmos diurnos além dos efeitos de estresse so-
bre a epinefrina.
Minshew e colaboradores (1997) mostraram que as teo-
rias neurobiológicas mais recentes postulam dé cits primá-
rios clínicos simples ou múltiplos nas capacidades cogniti-
vas de ordem mais alta, anormalidades ao nível de sistemas
neuronais ou em múltiplas estruturas em diversos níveis do
neuro-eixo, e o envolvimento do córtex cerebral no padrão
fnal comum da sintomatologia clínica. Segundo os autores,
estas teorias re etem novas descobertas; porém, ainda são
discutiveis quanto a seus dados e suas interpretações. Des-
creveram como atuais, quatro teorias:
a) a teoria dos sistemas frontais - função executiva:
b) a teoria dos mecanismos de controle da atenção - córtex
frontal- córtex parietal - cerebelo;

)a teoria đa memóriarepresentacional- sistena linbico


d) a teoria do processamento complexo da infornação - siste
mas neocorticais.
As duas primeiras trazem a hipótese de um dé cit básico
de uma subunidade do processamento cognitivo, subjacente
a todos os dé cits no autismo, uni cando as anormalidades
da linguagem, cognitivas, sociais e comportamentais no ní-
vel clínico. Os testes usados para demonstrar a função exe-
cutiva e os prejuízos complexos da atençāo são considerados
como abordagens ao lobo frontal. A terceira teoria propõe
um papel essencial ao sistema límbico na associação com o
signi cado no processamento da informação. Alterações
neuropsicológicas seriam justi cadas por dé cits da memó-
representacional. A quarta teoria propõe múltiplos dé -
cits primários nas habilidades cognitivas de alta ordem
como resultado de um dé cit generalizado no processa-

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mento de informações complexas. Propõe, assim, que a sin-
drome seria uni cada no nível biológico mais peladepen-
dência com um tipo especializado de arquitetura dendritica
do que por um dé cit primário único de uma funçãocogniti-
lva.
Schwartzman (1999) adotou a hipótese de que as altera-
Ções comportamentais observadas nos quadros do autismo
poderiam ser decorrentes de uma disfunção cerebelar,pre-
sente desde o primeiro trimestre da gravidez. O cerebelo,
tradicionalmente, vem sendo considerado como uma estru-
tura envolvida com a coodenação da movimentaçãovolun-
tária; entretanto, evidências atuais apontam para uma
abrangência muito maior das funções cerebelares. O cere-
belo estabelece conexões com várias estruturas e áreas ce-
rebrais que não têm função motora, mas que exercem al-
gum tipo de atividade ligada às funções cognitivas. Desor-
dens neuropsiquiátricas variadas têm sido observadas em
pacientes que apresentam lesões ou malformaçõescerebela-
res.
Citando as pesquisas de Courchesne e colaboradores
(1995), o autor relatou que é observada hipoplasia cerebelar
em pacientes com autismo, e, em número menor de autis-
tas, observou-se, ao contráio, hiperplasia. Curvas de re-
gressão apontam para uma genese pré-natal, mostrando
que este tipo de alteração anatômica se origina muito cedo
no desenvolvimento. Não há evidência de que se trate de le-
sões adquiridas, mas sim de defeitos na formação desta es-
trutura. Um cerebelo comprometido, com uma redução
substancial na quantidade de células que o constituem, po-
deria levar a uma alteração na função precipua desta es-
trutura, que seria a de converter sinais aferentes sensitivos
em pulsos altamente organizados de padrões eferentes,para
garantir a coordenação de várias estruturas do sistema ner-
vOSo central. Um cerebelo anormal, do ponto de vista ana-
tômico, poderia determinar padrões desorganizados de vár
as funções cognitivas.

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A hipótese de Courchesne (1995) é a de que existe uma
correspondência entre os sistemas que têm conexões sio-
anatômicas com o cerebelo e os sistemas sio-anatômicos
que estão anormais no autismo infantil. No autismo, o pa-
drão de achados anatômicos no córtex cerebral, sistema
límbico e tronco cerebral podem ser compreendidos no con-
texto de atividades cerebelares anormais que alteram o des-
envolvimento do cérebro. Assim, o autismo infantil é o re-
sultado de um processo do desenvolvimento neurológico, no
qual a atividade anormal do cerebelo determina falta de es-
peci cidade e falta de organização na estrutura e função
neuronal em diversos sistemas que recebem infommação
neuronal aberrante. As pesquisas também demonstraram
que as anormalidades anatômicas cerebelares em pacientes
autistas estão relacionadas a distúrbios em três especi cas
operações de atenção: orientação, mudança e distribuição
da atenção. Tais operações são importantes para a apreen-
são e engajamento em situações sociais e não sociais de ro-
tina. Tal evidência representa a possibilidade de que tama-
nho e locais especi cos de anormalidades anatômicas cere-
belares estejam correlacionados com o grau de alteraçāo em
operações especi cas de atenção.
Hoje, de forma alguma é postulada uma etiologia linear
simplista para o autismo. Nas pesquisas a respeito da alte-
ração psicológica primáia, a diferença importante entre as
teorias cognitivas e as teorias sociais-afetivas parece derivar
do modelo de mente que as duas postulam, modelos herda-
dos de pressupostos teóricos muito diferentes sobrea es-
trutura da psique e sobre a determínação do comporta-
mento humano. Entretanto, considera-se que fenomenologi-
camente existem muitos vestigios de correspondência entre
as duas teorias e inclustve sobreposições.

Assumpção Jr. (1997), considerando que as relações do


indivíduo com o ambiente são impulsionadas por novos
afetos em suas mais diversas formas e sāo instrumentadas
por mecanismos cognitivos, ressaltou que o autismo se ins-

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taura a partir das di culdades no relacionamento com 0
ambiente, quer a partir de dé cits de tipo afetivo, quer a
partir de uma instrumentalização cognitiva de citária.
Alvarez (1994) propôs que, na compreensão daetiologia
do autismo, não se deva pensar em uma cadeia causal úni-
ca. Mesmo a aceitação de uma causação múltipla deve im-
plicar em intercorrelações não lineares. Esta autora trouxe,
na compreensão do autisno, um nodelo interacional, que
usou, como referência para estudar a etiologia, uma teoria
da matemática, a teoria das catástrofes de René Thom, a
qual utiliza equações não lineares, usando a probabilidade
substituicão da causalidade determinista. Segundo esta
teoria, minúsculas diferenças no input podem transfomar-
se rapidamente em diferenças esmagadoras no output, um
fenömeno que foi denominado de sensivel dependência de
condições iniciais.

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5. A consciência e a
estruturação do ego

Uma ariança chorando na noite,


Uma criana chorandopor uz,
Esem linguagerm, apenas um choro.

Tennyson
"InMemoriam", LII

Estudos de bebės, crianças, adolescentes e adultos por-


tadores do Transtorno Invasivo do Desenvolvimento, mas
com a inteligência preservada, permitem a compreensão de
uma outra forma de mente, que se estrutura sob padrões
muito diferentes dos padrões tipicos, característicos, arque-
típicos da espécie humana.
Crianças com autismo apresentam dé cits nosprocessos
afetivo-sociaisbásicosdesde idade muito precoçe. Estas cri-
anças carecem das habilidades cognitivas sociais necessári-
as a uma teoria da mente, e é possivel que a impossibilidade
para adquirir ma teoria da mente possa ser resultante de
um dé cit na capacitação básica para interação.
Os estudiosos da teoria da mente", no autismo, inter-
dé cits da capacidade para atenção conjunta
como evidência da inabilidade para ler outras mentes. Po-
rém, ao se aceitar o problema afetivo-social comno primário,
poder-se-ia interpretar a falha da ciança autista no dividir

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suas experiências com o outro signi cativo como um dé cit
motivacional, como propuseram Volkmar e colaboradores
(1997).
Se o dé cit motivacional para a interaçāo está presente
desde o início da vida, vai existir prejuízo importante para a
aquisição da intersubjetividade, o que vai determinar uma
série de alterações ao longo do processo do desenvolvimento,
incluindo prejuízos na interação afetiva, na sociabilidade,na
cognição.
Com a expansão da consciência e com a diferenciação do
ego, o ser humano se torna capaz de re etir e de saber que
re ete, torna-se capaz de atribuir estados mentais a si
mesmo e aos outros. A possibilidade da bi-re exibilidade foi
considerada por Solié (1980) como a grande aventura da
consciência humana. Apenas o ser humano é capaz de ad-
quirir uma teoria da mente, isto €, ser capaz de inferir esta-
dos mentais alheios e de si mesmno.
A compreensão da mente é uma teoria. Uma teoria é um
conjunto de inferências sobre estados não diretamente ob-
serváveis que permite estabelecer predições. Assim, as pre-
dições se fundamentam em crenças.
Crer é conceituar uma atitude não manifesta. Ễ a capa-
cidade de perceber atitudes manifestas corporalmente no
outro que conduz a crenças relativas ao outro. No ato de
perceber, estados cognitivos se somam a estados afetivose
possibilitam o conceituar, isto é, o nomear estados mentais.
Compreender crenças é ser capaz de compreender a
natureza das pessoas que as têm. E saber que as crenças
residem nas pessoas e que a mente é propriedade de uma
pessoa dotada de um corpo. Compreender a mente capaz de
representações equivale a compreender que existem diversas
maneiras de saber como..., de ver como..., de sentir como...
e também de saber que.., de ver que.., de sentir que...

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Compreender uma crença signi ca também ter consci-
ência de que algo pode ser verdadeiro ou falso. Signi ca,
portanto, também a compreensão de que existem crenças
falsas; isto é, compreender que alguém possa sustentar
como verdade algo que não seja verdade, que alguém possa
errado, acreditando que esteja certo. Signi ca perceber
que a realidade, às vezes, contrasta com as aparências.
Com o crescimento, as crianças intuem que as pessoas
se diferenciam das coisas
por pOSSuirem uma mente.
Aprendem também que as orientações subjetivas com res-
peito às coisas e os fatos são diferentes das próprias coisas e
dos fatos como tais.
Isto está profundamente alterado no indivíduo com au-
tismo! Ele tem umapercepçãoanormal e porconseqüência
uma reação anormal aos "signi cados" das expressões emo-
cionais daspessoas.Há alteração na comunicação não ver-
bal, na coordenação interpessoal corporal e mental. Exis-
tem, em decorrência, prejuízos na noção de crença, no esta-
belecimento da distinção entre aparência e realidade e na
compreensão da orientação subjetiva em relação às pessoas,
objetos e situações, como mostrou Hobson (1990).
Como compreender a estrutưação desta forma tão dife-
rente de mente?
Cormocormpreender como se dá esta forma atpica, mas
padronizada de interação no autismo?
Qual osigni cadodo défctmotivacionalsupostono a-
tismo?
Para que tais questões pOssam ser discutidas, necessita-
se a descrição, a mais completa possivel, das diferenças en-
contradas, nos primeiros anos de vida, ente o desenvolvi-
mento tipico e o atípico, observado nos casos de autismo.

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5.1 AS BASES DO DESENVOLVIMENTO HUMANO

A vida é um processo que se inicia na hora daconcepção


e termina na hora da morte. No desenvolvimento normal, o
orocesso de vida transcorre mediante etapas ordenadas. As
primeiras etapas do desenvolvimento são mais xas e inva-
riáveis. São determinadas pelos processos vitais, biológcos e
pelas condições da dinâmica psíquica de base. Garantem o
esmo obrigatório, típico, característico da espécie humana.
Porém, mesmo por sua caracterização mais genérica, nas
primeiras etapas, o ser humano já começa a ter sua história
pessoal inscrita.
As etapas posteriores do desenvolvimento são progressi-
vamente mais complexas. São determinadas pela interação e
implicação recíproca da predisposição biológica, sico-
psíquica, com a circunstancialidade envolvente. Garantem o
que é a história existencial única do ser humano.
As etapas, fases ou estágios do desenvolvimento humano
necessitam ser pensadas a partir de um princípio deordem.
No desenvołvimento, a determinaçāo causalista se soma à
probabilidade sincronística. A noção do tempo érelativizada.
O caso individual necessita ser pensado por referência aos
padrões ditos de normalidade, mas também sempre em sua
singularidade.
A psicologia analitica buscou estudar as leis quedirigem
o desenvolvimento da psique. Jung (1981) publicou em
1957 seus estudos sobre a função transcendente, que é a
função que liga o ego e a consciência aos arquétipos. E esta
função que permite ao ser humano a vivência simbilica, que
forma e modi ca a consciência, propiciando o processo da
individuação, processo único de cada ser. No processo do
desenvolvimento humano, Jung mostrou a importäncia do
arquétipo da Grande Mãe, do arquétipo do Pai, dos arquéti-
pos da Anima e do Animus, do arquétipo do Velho Sábio.

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Seguidores de Jung estudaram os arquétipos que estão
presentes desde o inicio da vida para coordenar a estrutura-
ção do egoe a ampliaçãoda consciência. A criançaé
altamente simbólico, no sentido junguiano do termo. A ati-
vidade chamada "pré-simbólica" pelas teorias de desenvol-
vimento de orientação psicanalitica é atividade simbilica
para a psicologia analítica. O ser humano é sempre simbóli-
co, tome ele consciência disto ou não. As formas pelas quais
a elaboração simbólica pode se fazer é que se diferenciam
Com a vida.
Dentre os seguidores de Jung, Fordham (1969), ao forV
mular o conceito do Self na psicologia da infância, mostrou
que oSelforiginal ou primário dacriançasofreuma ruptura
radical ao nascimento, quando a unidade psique-soma é
inundada por estímulos que dão origem a uma ansiedade
prototípica. A seguir, um estado de estabilização se re-
estabelece. Durantea maturação,seqüências de rupturas e
re equiibriosocorrem.As forçasmotivadorasquegarantem
tais seqüências são chamadas de-integrativas e integrativas.
Fordhanm postulou que um verdadeiro simbolismo é encon-
trado na seqüência de-integração-integraçāo.
Neumann (1976) deu o nome de centroversão à função
da totalidade, que na primeira metade da vida leva à forma-
ção de um centro de consciência. Assim, com a formação
deste centro, o Self estabelece um derivado de si mesmo,o
ego cuja função érepresentarosinteressesdatotalidade,
defendendo-os das exigências do mundo interior e do mun-
do exterior. Na segunda metade da vida, ocorre um deslo-
camento de foco do ego parao Self. A centroversão dirige os
processos de ampliação da consciência e a integração da
personalidade. O autor deu o nome de automor smo à ten-
dência que apresenta o ser humano para formar seu próprio
ser a partir dos elementos particulares que o constituem, no
interior da coletividade e, se necessário, independente dela
ou em oposição a ela. O conceito de automor smo abrange

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as relações dos sistemas psíquicos, consciente e inconsci-
ente.
Byington (1996) descreveu o arquétipo Central como
principal arquétipo do Self que tende a integrar todos os
demais arquétipos entre si, propiciando o processo de indi-
viduação. Os arquétipos se tornam símbolos funcionais do
Self. O autor descreveu um quartérnio arquetipico regente
da elaboração simbólica. Os quatro arquétipos regentes, si-
tuados à volta do arquétipo Central, abrangem quatro m
neiras típicas de coordenar, de expressar e de elaborar os
símbolos e as funções estruturantes.
"0 arquétipo Matriarcal, com seu dinanismo matriarcal,
tende a expressar de forma ntina e natural aelaboraçãode
incontáveis súnbolos da sensualidade, da fertilidade e da so
brevtvência. O arquétipo Patriarcal, com seu dinamismo patri
aroal, é o arquétipo que tende a reger a elaboração das vuên-
cias com caracteristicas domúnantes de ordem, de obediênca,
de organização, de tarefa, de planejanento e deexecução. 0
arquétipo da Alteridade, que incui os arquétipos da Animae
do Aninus, descritos por Jung, com seu dinamismo de alter
dade, é o arquéipo que terde a elaborar os súbolos com a
racteristicas da busca, do encontro e do relacionamentodialé
tico e criativo, em função da totalidade. O arquétipo da Totali
dade, com seu dnamismo de totalidade, é o arquétipo
elaborado, matizado pela sintese do processo como um todoa
cada momento da vida" (p.126).

5.2 O DESENVOLVIMENTO HUMANO SOB A


ÉGIDE DO PRINCÍPIO MATRIARCAL

Neumann (1976) descreveu, para o desenvolvimento


humano, duas gestações: uma gestação intra-uterina e uma
gestação extra-uterina. Na primeira, no útero da mãæ, o

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bebë vive uma fase de simbiose do ponto de vista sico e
psicológico. Não há registros de privações. As necessidades
da criança são satisfeitas a priort As trocas com o organis-
mo materno garantem o suprimento. A regulação é interna.
Porém, até o nal da gravidez, o bebê passa a viver sen-
sação de falta de espaço, na medida em que cresce e começa
a se movimentar muito.
Com o parto, inicia-se a segunda gestação. A passagem
para o meio externo traz um estímulo poderoso para todos
os processos de maturação, e a partir de então o bebê deixa
de ter suasnecessidadesatendidas a priori Ele experimenta
fome, desconforto e vive a privação, o desprazer corporal-
mente, através de contrações, espasmos e choro. Cuidado e
nutrido, o bebêvive tambémcorporalmentea saciaçãoe o
prazer, pelo relaxamento e pelo sono. Tono e emoção en-
Contram-se relacionados desde estes primórdios de vida,
como mostrou Wallon (1948), e os registros são feitos no ní-
vel da memória corporal, a qual começa a construir a lin-
guagem interna do indivíduo.
Alvarenga (1999) mostrou que a criança é muito "consci-
ente" de si mesma, porque briga pelo nascer, pelo respirar,
pelo comer. Segundo a autora, a criança atualiza-se como
"emergencia elementar da consciência de si mesma porque
sabe que precisa de alimento para sobreviver e sabe escolher
quais os alimentos de que precisa. Sabe que precisa e de-
pende dos quatro elementos fundamentais da vida: ar, para
respirar; água, para alimentar; fogo, para aquecer
colo, para sustentar.
A dependência do bebê humano é única. Diferente dos
dermais lhotes de mamíferos, ele não tem possibilidade para
sobreviver por si só, precisa ser nutrido, cuidado. Desta
forma se justi ca falar de uma gestação extra-uterina, que
Ocorre até o sétimo, nono mês de vida. Ainda que o bebê seja
um organismo altamente reativo, apenas possui fragmentos

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dispersos de consciência, e elevive ainda muitoimersona
atmosferapsíquicada mã.
No primeiro ano de vida, ainda não sepodefalardeuma
relação mãe-bebë no sentido preciso das palavras, porque
mãe e bebê formam uma unidade, em termos da realidade
psíquica, uma unidade sem oposição. E um "estar junto",
como descreveu Neumann (1976), em que não se tem a re-
lação sujeito-objeto, interno-externo ou corpo-psique;em
que a mãe pode responder de modo quase que telepáticoàs
solicitações do ho. De fato, ela é um poderosodecodi ca-
dor dos sinais emitidos pelo ho, o que Ihe permite compre-
ender e atender às suas necessidades.
Éa fase da unidade psico- sica do ser atado à mãe.Ela
é para o bebê todo o mundo. A imagem corporal do bebê não
está delimitada; corresponde ao cosmo incorporado.
O instinto de autopreservação se expressa na pulsão
para buscar alimento, e é uma experiência do corp0, na qual
a fome do bebê coincide com a "descida" do leite da mãe. Os
campos iniciais de experiência do ser no mundo são corpo-
rais: o trato respiratório e o trato alimentar que possíbilitam
a experiência interna e a pele que possibilita a experiência
externa. Nas suas experiências corporais ativas - respirar,
olhar, gritar, degutir, uinar, defecar - e nas suas experiên-
cias passivas - ser olhado, aquecido, manipulado, tocado e
acariciado -, o bebê deve viver experiências plenas de prazer
corporal, pois elas serão a base do prazer de viver, da inten-
si cação do viver.
O bebê precisa ter a vivência do "não-estar-số", a sensa-
ção_da fusão total, de ser contido na mãe, para ter asensa-
ção de estar vivo. O estado de estar contido natotalidade
toda abrangente, é comparado por Neumann (1973) com a
uroboros - a serpente que come a própria cauda. A uroboros
do mundo maternal é vida e psique, dá nutrição e prazer,
protege e aquece, conforta e absolve, é gurada pela imagem
da Grande e Boa Mãe.

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Na fase inicial do desenvolvimento do ego. a mãe, o calor,
a saciedade, o prazer, a sensação de ser uno consigo mesmo
estão coligados à experiência da luz, do despertare do apre-
ender o mundo.

A fase nomeada matriarcal, na relação primal, começa


num estágio em que a consciência do ego ainda não é des-
envolvida, está ainda inserida na mãe enquanto natureza e
ndo. Conseqüentemente, o princípio urobórico é também
associado com a predominância de simbolismos da terra e
da vegetação. Uma metáfora é a imagem da Deusa Mãe com
a Criança Divina.
A Mãe da relação primal" representa tanto o coletivo
quanto oindividual. Suaposiçãoénuminosa por sua supe-
rioridade e ambivalência, na sua capacidade de integrar as
oposições. É considerada por Neumann (1976) como o Self
relacional da criança, e sob esta imagem se desenvolve a ca-
pacidade de integração do ego infantil.
As necessidades adaptativas da espécie, somadas às ca-
pacidades auto-reguladoras levam aos padrões do apego, ti-
picos de cada espécie. O ser humano instintivamente agar-|
ra-se à sua mãe, ou a quem cumpre a maternagem. O ins-
tinto gregário é padrão da espécie humana. Apego é o
comportamento caracteristico dos relacionamentos especiais
e diferenciados entre indivíduos. Inclui capacidades percep-
tivas e neuro-reguladoras próprias da espécie e variáveis in-
dividualmente. O ato de amar envolve o estado interno afeti-
vo subjacente ao apego.
Ser afastada dos pais, especialmente da mãe, faz a crif
ança viver a falta, a perda, a faz sentir tristeza. A reaproxi-
mação traz satisfação, preenchimento, alegria.
A vivênciadoespaçoda falta, a frustração danecessida-
de de ter a mãe sempre junto traz a emergência do desejo,
do desejo pela mãe. Como mostram Mayes, Cohen e Klin
(1994). paradoxalmente o desejo pelo outro não é baseado

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apenas em experiências grati cadoras. Ao contráio, o apa-
recimento do desejo re ete uma experiência de desaponta-
mento, de desconforto, de dor. Ratva e frustração se colocam
como précondiçāo para o desejo da satisfação plena.
Separação e desejo estão juntos. A emergencia da an-
gústia pela separação e a ansiedade pela estranheza da st-
tuação representam os meios através dos quais a criança
aprende sobre a importância do outro para sua própria se-
gurançae conforto.
Dentro de limites, a experiência de perda, da falta,
aprofundam os sentimentos de amor pelo outro e fortalecem
sensaçāo de queo próprio eu continua a existir mesmo
ausência sica do outro, pois o outro começa a existir, a ser
representado no mundo interno psíquico. Nesta fase, a falta
da mãe traz a emergência do desejo pela mãe e leva ao apai-
xonar-se pela mãe.
O rosto dos pais, a qualidade de seu toque, de sua voz,
seu cheiro, prendem a atenção da criança e motivam a mai-
oria de suas ações até ao redor dos dezoito meses de vida.
Mesmo as atividades da criança consideradas puramente
cognitivas ou processadoras de informação se situam no
âmbito de suas relações com seus pais pois,sem a in uên-
cia de uma relação nutridora, a criança não se desenvolve
nem aprende nos modos esperados.Neumann(1976]nome-
ou de zonas gnoseógenas as áreas de experiência corporal. A
criança aprende no seu corpo, na relação comoutrOSCor-
pos,e talaprendizadoéaltamenteinvestidodelbido.
Assim, até ao redor dos cinco anos de idade, há o pre-
domínio do dinamismo matriarcal. No início desta fase, a
Consciência é fragmentária, o Eu incipiente, mas a criança
tem, pela primeira vez, a sensação de si mesma como um
foco de permanência, rodeado por uma imensidão de exis-
tência, da qual elaé inteiramentedependente e está insuf-
cientemente separada.

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A presença de um Eu postula a existência de uma di-
mensãode não-Eu, isto €, o mundo externo, dos objetos,
dos outros e o mundo intermo, dos impulsos, das necessida-
des, dos desejos. E, posteriormente, a função do Eu, por
toda a vida será a de integrar símbolos ora provenientes das
pressões externase ora provenientes das exigências inter-
nas.

Arelaçãodedependência,própria daidade,detemina a ]
relação de pertença, que traz para a criança a sensação de
pertencer a alguém, base psicológica para a segurança de
ser amada,protegida e contida. A vivência dasensação de
pertençaé fundamental para a consciência posterior de ter
raízes, para a aquisição do sentido de humanidade dentro
de si, que vai permitir o aprender eo compartilhar com o
seu semelhante.
Galiás (1988) descreveu os papéis a serem desenvolvi-
dos, no desenvolvimento normal, pelo lho ou lha, pela
mãe e pelo pai. A psicanálise demonstrou que o triângulo
edípico é uma problemática da infầncia e tem uma resolu-
ção diferente para o menino e para a menina. A autora
mostrou que o triângulo constituído pelo pai, mãe, lho ou
lha passará a ser um quadrângulo, pela separação no lho
ou lha de dois papéis: FM - lho ou lha da Mãe e FP - ho
ou ha do Pai. Desta forma, o lho ou ha terá uma liação
dupla: lho ou lha de uma mulher-Mãe e ho ou ha de
um homem-Pai, papéis que precisarāo ser adequadamente
vividos.
Galiás (1998), ao relacionar as funções da consciência
com ös dinamismos matriarcal e patriarcal, também descre-
veu um pensamento matriarcal. Eé esta forma de pensa-
mento que vai predominar na primeira infầncia. O pensa-
mento é mágico, uma vez que os opostos ainda não se sepa-
raram. A criançaé ainda incapaz de diferenciar o objeto da
imagem do objeto. Possui um modo de funcionamento não

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re extvo e emocionalmente colorido. As dimensões de temp0
e espaço ainda não se de niram, a lógica é a emocional. |

No início da sua vida a criança brinca pelo prazer de


brincar. O brincar não tem regras e o prazeré encontrado
no jogo funcional. Inicia-se depois o faz-de-conta, atividade
lúdica fundamental para o desenvolvimento mental. Pela
função da fantasia, a criança cria um mundo interno cheio
de representações mentais dos outros. A criança nãoapenas
imagina cenas diferentes da realidade, mas começa a usar
sua fantasia para organizar o sentido do próprio Eu e as re-
ações aos outros. A fantasia permite a elaboraçãosimbólica,
permite compensatoriamente a satisfação de desejos frus-
trados e tem, além disso, uma função antecipatória da reali-
dade.

5.3 UMA ATIPIA DO DESENVOLVIMENTO

O diagnóstico formal de autismo é muito difcil antes dos


dois anos de idade; entretanto, um padrão de prejuizos dis-
tintos pode ser observado quanto à motricidade, à comuni-
cação, à interação afetiva e social, desde as primeiras sema-
nas.
No desevolvimento do bebê autista, observa-se uma al-
teração do padrāo básico humano. Coma reatividade alte-
rada desde o início da vida, diferentes dos demais recém-
nascidos, o bebê autista não possui a inata tendência para
reagir a outros seres humanos, proposta pelas teorias de
Bowlby (1989).
O bebê autista pode não buscar o conforto sico de seus
pais e/ou pode apresentar reações tônicas dedesprazerao
ser colocado no colo ou ao ser acariciado. Uma postura rigi-
da, alterações no tono, neutralidade das expressõesfaciais

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são descrições freqüentes dos pais. O bebê pode
mais contente quando deixado sozinho.
A ausência relativa ou a di culdade do apego, observada
nestesbebês,parece indicar umafalência no estruturar vín-
culos afetivoscom as guras importantes da suavida. Ainda
que alguns bebês autistas possam mostrar alguns compor-
tamentos de apego, na partida ou na chegada de seus pais,
a qualidade e a manifestação destes comportamentos não
são usuais. Apresentam-se apenas como comportamnentos
estratégicos e não implicam em liação.
Quando algumas crianças autistas apresentamapego a
alguns objetos, esses apegos são na sua maioria estranhos. yets
Os objetos de apego são duros, pontudos, ou a classe dos
objetos é mais importante que aescolhaespecíica.Os clás-
sicos objetos trarnsicionais parecem ser trocados pelos obje-
tos autisticos.
Do mesmo modo que a face humana pode ser de pouco
interesse para o bebê com autismo, ele também pode de-
monstrar pouco interesse pelos sons da voz humana, o que
faz com que se acredite, com freqüência, na possibiidade de
surdez. A falta da motivação para a interação, a falta de
atratividade ao estimulo social, presentes desde o nasci-
mento, podem resultar em uma fallha para iniciar e integrar
Ospadrões básicos interpessoais, que se acredia serem as
fundaçõespara odesenvolvimentodacomunicação.
A grande maioria das crianças autistas nāo tem troca
pelo olhar, não xa, não mantémo olhar no outro. Stone
(1997) mostra que análises de vídeos destas crianças em
suas famílias revelam o contato de olhos muito limitado por
parte da criança e, compensatoriamente, um elevado nível
deenergiada mãe para sustentar a interação.
Diferente das crianças ditas normais ou mesmo das cri-
anças que nascem com outras de ciências, a criança autista
vİve num mundo diferente. Mãe e criança estão em mundos

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separados, sem possíbilidade de comunicação, pois por mais
que tente, por mais capaz de continência que seja, a mặe
não consegue entendere atender às necessidades do llho.
Não hácondiçãodeestabelecer umcódigopara aconmunica-
ção, A relação de maternagem não se constela nos padrões|)
próprios da espécie humana.
Os comportamentos de ausência ou desvio do olhar, as-
sociados a outras alterações das trocas nāo verbais preco-
ces, prejudicam a emergência da intersubjetividade, isto é,.
da construçãode umaexperiênciaemocionalcompartilhada
entre a criança e quem cumpre maternagem. Talconstrução
é condição para o desenvolvimento das funções mentais.
A falha no emergir da subjetividade é derivadatambém
da falta daaquisiçãodaatençãoconjunta,lqueé umahabi-
lidade pré-verbaldacomunicação,a qual permitequea cri-
ança divida com outra pessoa a experiência de um terceiro
objeto ou de um evento.A falha no adquirir daatenção
Conjunta podeser consideradaum dosmaiorese maisper-
sistentes problemas nodesenvolvimentoda criançacom
autismo. Asrepresentaçõestriádicas não se formam, os
gestos da criança permanecem como protoimperativos, não
Surgem osgestosprotodeclarativos, osquepedemaatenção
da outra pessoa para compartilhar as coisas do mundo.
Os distúrbios da comunicação incluem ecolalia e o uSo
das mãos dos outros para adquirir objetos. É comum oigno-
rar brinquedos e o engajamento em atividades repetitvas,
não funcionais.
Anormalidades sensoriais determinam reações atipicas à
luz, a imagens, a sons, a cheiros, a texturas, a sabores e
justifcam interesses em detalhes de objetos e atração por
objetos que giram. Podem mostrar insensibilidade ao frio, ao
calor e à dor.

Distúrbios motores incluem sacudir as mãos, girar ao


redor de si, correr sem objetivo, balançar o corpo ou acabe-

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ca etc. As estereotipias comportamentais mantêm a criança
isolada do mundo dos outros; são momentos autísticos,
momentos de "desmantelamento da mente", para usar a ex-
pressão de Meltzer e colaboradores (1975).

Bebês e crianças com autismo consistentemente apre-


sentam problemas quanto à imitação de movimentos corpo-
rais simples e à imitação de movimentos que envolvam ob-
jetos. Alteração na aquisição da noção de esquema corporal
a não introjeção da imagem de si mesmo, somadas às di -
culdades de atenção ao outro, prejudicam a imitação. Con-
seqüentemente mostram pouca habilidade para jogos que
integram imitaçãoe diálogo social, como esconde-esconde.
| A falta do jogo imaginário no autismo pode ser conse-
quência das di culdades do desenvolvimento afetivo, mas
podem fazer parte de problema mais abrangente no adquirir
linguagem epensamento abstrato. Muito diferente da rique-
za do brincar da criança, que se desenvolve normalmente, a
criança com autismo mostra uma manipulação de objetos
repetitiva, estereotipada, não funcional. Pode interessar-se
mais em cheirar, lamber, sentir o material do brinquedo, do
que utilizá lo. O brincar com jogos intencionais, freqüente
no período pré-operacional normal, está prejudicado.
Aproximadamente 50% das crianças com autismo nunca
desenvolvem linguagem expressiva. Atraso na aquisição da
linguagem, distúrbios no desenvołvimento da linguagem,
principalmente nos seus aspectos sociais, são sempre ob-
servados. Entre os Transtornos Invasivos do Desenvovi-
mento, apenas os portadores de Sindrome de Asperger pare-
cem não apresentar atraso na aquisição da linguagem; en-
tretanto, desenvolvem uma linguagem atípica. Alémn das
alterações na prosódia, o dé cit pragmático da linguagem,
isto é, a di culdade de usar a linguagem emn um contexto
social, é o maior prejuízo observado.
No ser humano, emoções e estados siológicos levam a
desejos. Crençase desejos estão intrinsecamente relaciona-

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dos no padrão da ação humana. A percepção e aintegração
) dos estimulos levam a crenças sobre o outro, sobre as situa-
ções. Crenças e desejos se combinam e determinam a ação
que leva à reação de certeza ou surpresa, caso a crençase
Ccon rme ou não e leva ao prazer e à alegria ou aodesprazer
e à tristeza pela satisfação ou não do desejo. Issoestáalte-
tado no autismo.
Observa-se a falta do desejo pelo outro, a falta dodesejo
do desejo do outro, acarretando o impedimento para a aqui-
sicão da percepçãode si e dooutro. Odesejopelooutronão
ocorre pelaausênciadoespaçodafalta.Nãosecria 0espaço
entre um eu e um outro, paraque sesinta afaltadooutro,
para que se entristeça pela falta do outro e em função da
falta se deseje o outro.
Aausênciadoespaçoda falta, aausênciadodesejopelo
outro impossibilita a emergência da fantasia, da fantasia em
relação a este outro, que conduziria àcapacidadecognitiva
para atribuir sentimentos,intençõesao outro,paraatribuir
signi cado àsinteraçõeshumanas.
Os autistas não seguem o padrãotipico dasfasesdo
desenvolvimento humano. Parecem seres fora da possíbíli-
dade de seguir o padrão humano na sua totalidade.Poder-
se-ia falar de uma sobrevivênciapsicológicaemcondições
atípicas. O ego se estrutura em termos de outras codica-
Ções, isolado, privado das vivênciasrelacionaisprimordiais.
A não introjeção das experiệncias eu-outro, dasexperiências
matriarcais,impede a vivência deseparaçãoede falta.Há,
nestafase,praticamenteaagenesiadapossibilidadedede-
sejar. Não há, neste momento, espaço para a intersubjetivi-
dade. Além disso, a subjetividade que vai se desenvover no
bebê autista parece ser alterada, diferente em demasiado
padrãocomum, o que di culta oentendimentoe oatendi-
mento de suas necessidades.

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6. Uma agenesia da
estruturação
matriarcal da
Consciencia

Eume stto como umalienígenade outro espao. Eu não


tenho maisidéiadecomofazerparame cousicar com
aspessoas, do que una criatua de um outro planeta.

Barron (1992)
Autista, 15 anos

Eu sou o Data, o homem andróde de ""Guerra nas Estrelas, a próxima geração"...


À medida que ele acuula mais inornagão, ele tem uma maior conpreensão das
relações sOciais.
Eu sou una cientista que tern que aprender os caminhos estranhos de una cultra
alienigena... Quado eu confronto uma nova situação social, e terho que evocar
uma imagem em minha memória e busca registros de experiências prévias que
foram sermelhantes. A medida que acumulo mais mermórias, eu metormo mais há-
bl no predizer comoa outrapessoa agiá ruưmastuação particular.

Grandin (1995)
Autista, 49 anos, PhD em Biologla

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No autismo, o desenvolvimento psicológico se dá em
Condições atípicas. As fases e as aquisições não ocorrem na
seqüência esperada.
As pessoas com autismo não passam pelas fases tipicas
da estruturação da consciência humana. Parecem estar pri-
vados da individuação, em termos junguianos a possibilida-
de dodesenvolvimentoplenodo serhumano.
Parece ocorrer uma agenesia no plano psicológico, pois
não seobserva a vivênciapsicológicadahumanizaçãodo
arquétipo da Grande Mãe. ( Neste trabalho, estou usando
arquétipo da Grande Mãe e arquétipo do Pai, nomeações
dadas em 1938 por Jung (1959), e as respectivas nomeações
arquétipo matriarcal e arquétipo patriarcal de Byington
(1996), como sinônímos).
Há uma hipoatro a, senão mesmo uma atro a do papel
FM, descrito por Galiás (1988), na estruturação daconsci-
ência, o que impede a liaçāo plena à maternagem humana.
As experiências emocionais de estar em ligação com o outro
não são representadas.
Não)há a vivência de fusão, de simbiosel ass
existe avivênciadaseparação.Parecenão se criar oespaço
da falta, oespaç0daseparação,o espaçodafantasia.0
bebê, a criança com autismo pode aprender a necessitar do
outro, mas não desenvolve a noção de pertencer a um outro.
Não se cria, segundo as maneiras usuais, a relação eu-
outro, para que conseqüentemente possa se criar a relação
eu-mundo.

Isolado, sem pares, a criança autista parece viver com a


agenesia do desejo, do desejo do outro, do desejo do desejo
do outro. Não se estrutura uma consiência matriarcal, e
não por uma falha da mãepessoalde portar oarquétipo.
mas por uma falha constitucional.
O bebê autista vive o processo de maturação biológica,
relativo a suas necessidades de sobrevivência. Mostra

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portamerntos de apego, mas o apego parece ser apenas por
segurança e não por iação. Diferente dos demais bebês,
para o autista, o apego não conduz às vivências afetivas, não
leva ao fortalecimento da capacidade de amar. Porém, como
todo bebê, tem que ser nutrido e cuidado.
Não foi possível a continência, a proteção, o apazigua-
mento matriarcal. Provavelmente possa ser assim justi cado
o não apego a objetos transacionais, macios, fofos e sua
substituição pelos objetos autisticos, duros, pontudos.
yorieciao
Aimpossibilidadedaconstelaçāodoarquétipomatriarcal Con aç
loaa
coloca em risco a própriasobrevivēnciada criançaautista.
Ela não consegue ser atendida por não poder ser compreen-
dida nas suas necessidades. A vivência de uma angústia,
que não pode ser nomeada,geradesespero, di cil de ser
aplacado por uma mãeque se vê semmeiose quetambém F ( Male
şe desespera. A busca doisolamento, muitas vezesacompa-
nhada damovimentaçãoestereotipada,não funcional,pare-
ce ser omeio que a criançaautistaencontra,sozinha,para
lidar com sua crise deangústia. Mas,diferente das demais
crianças, a autista |não vive ansiedade pela separação, pela
sensação do abandono.
Ea mãepessoalmuitasvezesse senteabandonadae uioa
moO
comfreqüênciatende a projetarsua ferida matriarcalsobre
o lho autista. A maioria das pessoas, aliás, repete esta atu-
ação e, em função da projeção do dinamismo matriarcal fe-
rido,forma-seumnasombra que,colocadasobre o autista, o
faz servistocom pena,como "o anormal",como"ocoitadi-
nho" ou como "o repulsivo", nominações que sempre o des-ho
yuho
prestigiamcomoindivíduo. Isto podedi cultar acompreen-
são desta forma tãodiferente de sere inviabilizara possibili-
dade da suaindividuaçãopeculiar.
Na própria história dos estudos sobre o autismo se vê a
projeção da psicose, por anos. A autismo pertencia ao capí-
tulo das psicoses infantis. Tal projeção contaminou a histó-

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ria do autismo e continua contaminando a relação dos não-
autistas com os autistas, provocandoa defesaautista.
Os autistas nasceram diferentes e vão desenvolver uma
identidade diferente, talvez a identidade daquele a quem
falta algo, possivelmente uma estruturação sob aconstelação
do arquétipo do Inválido, no sentido que Guggenbulh-Craig
(1983) considerou ao discorer sobre os limites da cura.
O ego se estrutura, mas em bases muito diferentes do
u padrão arquetipico humano. Oegoparcialmentesediferen-
cia do Selfe se estrutura em funçãodoarquétipopatriarcal.
Q arquétipo do Pai é codi cável. Pela sua humanização, há a
possibilidade do apaziguamento, da continência, da prote-
ção, do suporte.
|O ego que se estrutura em funçãodaativaçãodestear-
quétipo é umlego parcial e atipicotOdinamismopatriarcal,
que é o da ordem, da lógica, do planejamento, da previsibili-
dade, da inteligibilidade confere "suporte aoego", caso con-
trário ele, provavelmente, voltaria ao abandono primordial
da inviabilidade de ser, às trevas iniciais, semna possíbilida-
de do exercício da função transcendente e sem a possibili-
dade do processo da individuação.
As funções estruturantes para a expansãodaconsciên-
cja e diferenciação do ego vão entrar em funcionamento via
dominância patriarcal. Assim, é provável que a elaboração
simbólica possa ocorrer via arquétipo patriarcal. A elabora-
ção simbólica via eros com característicasmatriarcaisnão
acontece;mas, demodo parcial, pode-severi cạr aelabora-
ção simbólica. Esta acontece via logos e pode ser também
matizada por um eros patriarcal. Diferente do eros que ope-
a sob o funcionamento matriarcal, o eros patriarcal é o
do orgulhodaorganização,daperfeição,dapureza.
Assim, quanto mais preservada for a inteligência da cri-
Jança com autismo, maiores as chances para uma melhor

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adaptação tanto ao mundo externo quanto ao mundo inter-
no. As estratégias utilizadas serão todas de ordem patriarcal
Maiscedo que para as demais crianças, opensamentoe
oconhecimentológicopodem seradquiridos e, quandoo
são, auxiliam signi cativamente a adaptacão, O pensamento
mágico, de ordem matriarcal, não pôde ser desenvolvido,
nem mesmo adquirido; mas o pensamento de ordem patri-
arcal surge e tem primordiamente a função de compensar a
falencia da funçãosensação,a qual determinoudefasagem
importante no aprendizado perceptivo-motor, impedindo a
aquisição da noção do esquema coporal e distorcendo a
imagem de simnesimo.
Como se monta um quebra-cabeças, pela lógica da rela-
ção de suas partes, a criança na segunda infầncia e o ado-
lescentepodem adquirir uma noção de seu corp0, parte por
parte e, desta forma, representar internamente a imagem de
si mesmos, base para a sua identidade.
A função afetivaparece car subordinada àinformação,
à coerência e à lógica. Ser compreendido, ser aceito, ser re-
cebidoé sergostado.Acon abilidadeno outro surge pela
experiência no tempo e leva à percepção da reciprocidade.
Cultiva-seatradição,aprevisibilidade.
Desta foma, pode nascer uma intersubjetividade basea-
da na correspondência, na comunicabilidade inteligente, na
honra, na história do relacionamento, na con ança. No des-
envolvimento padrão, as trocas afetivas é que favorecem as
trocas cognitivas; mas, de forma oposta, os autistas desen-
volvem as trocas afetivas a partir da possibilidade das trocas
cognitivas com os outros.
Se, para os individuos não autistas, durante toda a vida,
mas especialmente na infância, a a ição e a ansiedade sur-
gem da vivência de sensações de abandono, para os autistas
a a ição e a ansiedade não surgem frente a sensações de
abandono, mas surgem frente à constatação da desordem,

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do imprevisível, do não computável, determinando crises
que podem ser nomeadas como crises de desorganização.
di ceis de serem controladas.
Existe a possibilidade do Self determinando a organiza-
ção arquetípica do desenvolvimento, suprir a função trans-
cendente e suprir mesmo a alteridade para estes seres que
precisam buscar seu processo de individuação sem o funci-
onamento matriarcal, na extrema limitação dele, que pode-
ria fazer pensar mesmo em agenesia.

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7. Uma estruturação
patriarcal da
consciência

"Construame uma ponte


Eu sei que você e eu
Nuncaformos iguais.
E eu ostumava olhar para as estrelasà note
E queria saber de qual delas eu vin.
Porque eu pareço ser parte de um outro mundo
E eu runca saberei do que ele éfeito.
Arnãoser que você me construa uma ponte, Construa-me naporte,
Construa-me unaponte de amor.
Euesperopelodia ro qual oê sorrtá para min
Apenas porque perceberá que existe uma pessoa decerte e inúeligerte
Enterrada profundamente em meus olhos caleidoscópios.
Pois eu tenho vistocormoas pessoas me olham
Emboraeunada terha feitode erado.
Construame unaporte, construa-me una porte,
E, porfauor,nãodemoremuito.
Vendo a beiradomedo,
Vozes ecoam como trovão em meus owidos.
Vendo como eu me escondo todo dia.
Estou apenas esperando que o medo vá embora
Euquero muito ser uma parte do seu mundo.
Eu quero muito ser bern sucedido.
E tudo o que preciso é ter uma ponte,
Uma ponte construida de mim até vocë.
Eeu estaretjunto a ocê para senpre,
Nada poderá nos separar.
Sevocême construir na ponte, umapequerna, miúscula ponte
De minha alma, para ofundo do seu coração.
Mckean (1994)
Autista, 28 anos, escritor

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Na impossibilidade da estruturação matriarcal da cons-
ciência, acredito que, de modo substitutivo, possa ocorrer
uma estruturação da consciência via dinamismo patriarcal.
O papel Flho do Pai, descrito por Galiás (1988), pode vir a
car hipertró coparavicariar ahipotro adopapelFlhoda
Mãe. O funcionamento do portador do Transtono Invasivo
do Desenvolvimento, que tem a inteligência preservada, é o
funcionamento de uma outra forma de mente, que se des-
envolve sob um padrão diferente, o que faz com que estein-
divíduo necessite, desde o início da vida, de uma estimula-
ção também diferente.
Ele precisa ser entendido na sua peculiaridade, para que
possa ser atendido no que necessita. Não é isto que 0Corre
nos nossos dias, na nossa cultura. Além das limitações cri-
adas por suas próprias condições, os autistas tendem a ser
sobrecarregados com o estigma da anormalidade, da invia-
bilidade de ser. São discriminados e/ou lamentados e preci-
sam estruturar de fatodefesas autisticas paraseprotegerem
da ferida e da infelicidade que são projetadas neles.
Acompanhando em psicoterapia meus pacientes porta-
dores deste Transtorno, mas com a inteligência preservada,
atendendo seus pais e professores, venho observando possi-
bilidades de adaptação melhores ou piores. Sei que, além de
considerar as diferenças individuais, a evolução, mais posi-
tiva ou não, parece ocorrer emn função de um diagnóstico
precoce ou atrasado, em função de uma família mais ou
menos favorecedora do desenvolvimento em condições tão
atipicas e em função da aceitação irrestrita ou discriminató-
ria por parte dos ambientes nos quais a criançavive.
Nos últinmos cinco anos vêmn sendo publicadas autobio-
gra as de individuos autistas, e livros vêm sendo escritos
por familiares de autistas. A dor, o empenho constante, a
luta diáia, os fracassos, os êxitos são relatados a partir "de
uma visão de dentro do autismo". Pode parecer uma contra-
dição na óptica das pessoas "tipicas" o fato de individuos

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com autismo, os quais têm tanta di culdade de comunica-
ção, tão pouca habilidade para compreender o ponto de
vista do outro, serem capazes de descrever., nas suas auto-
biogra as, no que se diferem das demais pessoas. Estes in-
divíduos autistas, dotados de boa capacidade intelectual,
pertencem a um grupo pequeno, não representativo de um
segmento amplo da população de pessoas autistas; mas a
perspectiva deles pode contribuir para a compreensão da
forma de funcionar no mundo de outros indivíduos autistas.
Tomando como referência as observações feitas com o
trabalho com meus pacientes autistas e os de colegas e as
inferências que pude fazer mnediante as leituras biográ cas,
posso descrever uma seqüência na evolução destes casos.
Esta seqüência é determinada pelas características da pes-
soa com funcionamento autista e também in uenciada pelo
modo pelo qual esta pessoaé tratada pela educação e cultu-
ra atuais. Fases de muita desorganização são sucedidas por
fases de mais estabilidade:

7.1 0S BEBÊS

O aparecimento dos sintomas tende a ocorrer até o ter-


ceiro ano de vida; porém, alterações fundamentais no padrão
dodesenvolvimentojáestãopresentesdesde oinício davida.
Uma fase inicial caótica ocorre com a manifestação dos
sintomas, que conduz à suspeita diagnóstica. Para os pais, o
choque, o desespero, a negação, a depressão se sucedem na
tentativa de elaborar o luto do lho perfeito. O sistema fami-|
liar é afetado, poiso papel materno dos adultos não encon-
tra ponto de aplicação na criança. Os pais se vêm impedidos
de realizar a maternagem, pois o lho parece viver em outro
mundo.

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Naturalmente, o instinto materno ê realizado na ação de
nutrir sica e psicologicamente o ho. Quando a função da
maternagem é impedida, desencadeia-se o inconformismo e
a depressão. As fantasias de morte da criança e de suicídio
são freqüentes nas mães de crianças autistas.
O impedimento de cumprir maternagem na mulher que
tem seu lho nos braços, mas ao mesmo tempo em outro
mundo, parece levar a uma ferida profunda, muito di cil de
cicatrizar. Da fusão total com o lho, como parte não sepa-
rada de si, da fantasia desejosa do lho cheio de dons, com
pletamenteapaixonadapelo ho, estamãe éconfrontada
pela concretude da sepaTatio mais absoluta: uma criança
que nãoé dela, que não pertence a este mundo.
O choque pode deixá-la paralisada, entorpecida. Fica
impotente frente ao sorriso jamais corespondido, aos braci-
nhos que não se estendem, ao olhar que atravessa o vazio.
Pode sair da paralisia por meio da negação. A não aceitação
leva a buscas obsessivas por indícios de normalidade. Pelo
desejo fantasioso, o ho doente pode ser percebido como
perfeito. O confronto inevitável com a realidade traz a revolta
adesorganização ea lamentação. Surge a culpa onipotente,
culpa esta reforçada, por anos, pelas teorias psicológicas.
E di cil para qualquer psicoterapeuta compreender a fe-
rida da mãe da criança autista. Esta é umna ferida narcísica
muito primitiva. A tentativa de analisar na psicoterapia o
uto do ho idealizado procede: porém, tem que ser realiza-
da sob uma óptica muito diferente das demais patologias.
A dor que a mãe experimenta na relação primal tão ati-
pica com seu lho autista é muito di cil de ser compartilhá-
vel, a não ser, e mesmo assim em parte, com outras mães
de crianças autistas. Eu demorei muito tempo para compre-
ender isto e para descobrir como ajudá-la. No funciona-
mento matriarcal, a separatio de fato é a mais absoluta;
mas, se esta mãe, que é negada no campo matriarcal, con-
segue perceber que o ho funciona sob outro dinamismo,

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ela terá chance de abrir o dinamismo matriarcal para abar-
car os moldes do funcionamento patriarcal.
essária a elaboração do luto do ho perfeito, para
que a criança diferente possa ser vista, entendida e atendi-
da nas suas peculiares necessidades. Ela deverá ser nutri-
da, cuidada de mododiferente.Darbeijo, colo,abraço, talvez,
possaser trocadopor darinformações,e istoseria uma pro-
va de amor.
Observo que, aos poucos, muitas mães conseguem intu-
ir, encontrar a expressão de um amor em uma manifestação
que é tão pouco humana. Podem inicialmente projetar seu
amor nos lhos e a seguir reconhecer o amor como deles;
mas, posteriormente, podem passar a compreende-los do
jeito que são e a amá-los como são. São mães que passam a
viver o amor possÍvel.
Quando isto é conseguido, o empenho, o esforço, a luta
destas mães é inigualável no sentido da ajuda aos lhos. Es-
clarecidas e orientadas, conseguem ensiná-los a viver no
mundo dos outros, passama ser capazes de decodi car o que
ocorre e podem fazer uma ponte entre o lho e os outros.

7.2 A PRIMEIRA INFÂNCIA

A falha na constelação do princípio de eros impede a in-


tegração entre a criança, como ego, eo tu, como corpo, Self,
outro e mundo. A alteração do padrão do desenvolvimento
sensório-motor se transforma num impedimento para o
aprendizado afetivo e cognitivo.

A criança vive quase um contínuo de crises de angústia.


Diferenças de luminosidade, som, temperatura, odor podem
levar a condutas descontroladas. Qualquer mudança, qual-
quer diferença no ambiente é vivida sempre como aterrori-
zadora, e tal terror é di cil de ser entendido e apaziguado. As

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pessoas autistas lembram que o medo foi a primeira sensa-
ção que elas conseguiram evocar.
"Meu ho, que estava melhorando, piorou de reperte, não
está se balançandoo tempo todo, ca isolado, nãoacet-
ta que cheguem perto dele". Este foi o relato da mãe de um
-menino de três anos, desolada com o que ela acreditava ser
uma regressão do ho. Inquirida sobre o que havia de dife-
rente na casa, contou que mudara o tecido dos estofados da
sala e que realmente o lho se recusava a entrar na sala.
"Ele piorou de repente e não quer sair de trás do sofá.
Fica se balançado e olhando as mãos". Foi o relato sobre
uma criança de três anos e seis meses, que já estava evolu-
indo e conseguindo alguma comunicação. Era época de
Natal e, na casa, foi colocada uma árvore enorme de Natal,
bem iluminada e bem colorida.
Na época do Natal, as cidades são enchidas de luzes, a
árvore de Natal é montada nas casas, muitas vezes como
srpresa. Isto tende a trazer pânico para crianças autistas
mais jovens e dias de piora nos sintomas. Como a cada ano
acontece o Natale as mesmas práticas são realizadas, o que
foi assustador umn dia passa a ser rotina e passível de ser
integrado, principalmente pela alta capacidade de memória
destas crianças. A exibilidade adaptativa, a atividadeexplo-
ratória e o interesse pelo novo, característicos da criança
normal, não existem.
Nesta fase, a adaptação à escolaé quase sempre compli-
cada. Com as férias e tambếm com a volta às aulas, crises
ou aumento dos sintomas podem ocorrer. Qualquer quebra
de rotina põeemnrisco a precária estabilidade,levando à cri-
se de angústia. Isto muitas vezes é confundido com regres-
são, o que traz grarnde desolação aos pais. Na realidade, não
trata de regressão. Passada esta crise, cuja duração é im-
previsível, observa-se a volta do padrão anterior de conduta
com o ganho da possibilidade da integração da nova situa-
ção.

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Grande parte do medo que a criança autista experimenta
vem da instabilidade que caracteriza o mundo. Rituais são
desenvolvidos para assegurar estabilidade e previsibilidade.
Para ela, os eventos precisam ocorrer numa determinada
ordem, os objetos devem estar em lugares determinados, as
pessoas devem agir de modos especi cos.
Tal necessidade vai perdurar ao longo da vida, ainda que.
possa ser diminuída posteriormente. Entender os rituais,
aceitá-los e até mesmo propiciá-los faz parte do papel de
quem está em contato com uma pessoa autista. Os rituais |4
devem ser compreendidos não como defeitos, mas como de-
correntes da função da organizaçãopatriarcal. Assim, é im-
portante dar signi cadoaos rituais, compartilhá-lossepos-
sível, para depois favorecer sua exibilização.
Quanto à conduta social, nas brincadeiras, junto ao
grupo etário de referência, oisolamento écaracteristico. A
criança se entretém só, com seus objetos particulares, de
interesse especí co, e progressİvamente passa a ser deixada
isolada, após as tentativas de inserção mal sucedidas por
parte dasdemais.Comotodasasdemais,ela ésolicitadaàs
brincadeiras, mas ela não brinca. Por não responder às soli-
citações no padrão esperado, deixa de ser chamada. Os pri-
mórdios da interação socialreciproca nãosãoadquiridos.

7.3 ASEGUNDAINFÂNCIA

A aquisição das operações lógicas do pensamento, o


crescente domínio sobre a noção de causalidade dá à crian-
ron
ça autista, nesta fase, a percepção de um mundo mais pre-
visível. Ela busca claramente rotinas, situações que ela
podedecodi car. Apossibilidadede antecipar o que vai
ocorrer dá algum controle sobre aangústia. A literalidade
domina seupensanmentoe determina suąação. Muitas crian-
ças autistas mostranm diferentes tipos de evidência de prodigi-

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osa memória remota. Parece que os eventos são engramados
de modo diferente do padrão normal, desprovidos da qualida-
de emocional do momento, o que facilita a evocação.

Por ter a inteligencia preservada, a criança se alfabetiza


com relativa facilidade. Há casos de hiperlexia descritos com
freqüência. Algumas crianças autistas aprendem a ler sozi-
nhas aos dois, três anos, sem qualquer ensinamento formal,
apesar do atraso e/ou alteração do desenvolvimento da lin-
guagem. Na primeia infância, tal aprendizado não signi ca
necessariamente męlhor possibilidade de comunicação: po-
rém, a alfabetizaçāo traz alivio consideável para os pais e
tende a abrir uma possibilidade nova e importante para a cri-
ança, que progressivamente, via leitura, adquire interesses
novos, ainda que, em geral, com características obsessivas.
Um paciente, atendido desde os dois anos, aos sete,
quando reqüentava uma escola bilíngüe, e foi solicitado a
escrever uma história para um livro a ser feito para os pais,
escreveu: "Em Londres, havia un velho solitário que ele não
era tão solitário porque ele morava ruma casa alta e ele tinha
un gato preto e toda a vez que o Big-Ben tocaua ele foava
louco. Puha fogo no corpo, corria escorpião, ifava faca no
coração, cavachorando,gritando, durmia ra rua, pedia o
caina, pedia droga, rasgava dinheio que valia míl reais eo
gato que cava assustado com as loucuras que o velho solitá-
riofazia".
A escola, assustada com o tema, chamou os pais, que se
lembraram de uma história em quadrinhos, da qual ele ha-
via tirado as idéias, bem como do interesse especi co e atual
desta criança por adquirir conhecimento sobre drogas, o que
justi cava o tema escolhido para a história.
Um paciente, menino de seis anos, cujo interesse especí-
co na época eram os dinossauros, aprendeu a ler soletran-
do os nomes dos dinossauros e identi cando-os. Leitura e
video gane se tornaram suas atividades preferidas, e, aos
nove anos, após uma boa evolução, foi capaz de criar um

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personagem, desehá-lo e inventar uma história em quadri-
nhos que, na realidade, era uma colagem das histórias que
conhecia, muito semelhante a trechos de uma história do
video game "Mário Bros ":

"Era uma vez uma bolinha


com um chifre na cabeça. O
nome dele é Kuni.

sar
Un dia o Kuni estava pas-
seando quando apareceu
um monstro. Mas o Kuni
fugu para um buraco. O
Kuni esperou 7 horas para
sair do buraco e quando
saiu já era noite. O Kuni
acabou dormindo em baixo
de uma árvore. No dia se-
guinte elefoi para a cidade
e comprou várias coisas.
No meio de suas coisas ti-
nha un bilhete dizendo:
- Vá até a praça!

Ele foi até a praça e


encontrou um menino. O
Kuni perguntou para o
menino:

-O que aconteceu?

Eu perdi a minhamãe.

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- Já sei garoto, fale com a
policia, ela te ajudará.

Boa idéia.

Eo meninofoi falar com a


policia e o Kuni voutou
para aforesta.Chegando
na oresta o Kuni resolveu
|
nadar um pouco de tão
quente que estava. Quando
esfriou o Kuri foi almoçar.
Logo depois de comer, ele
encontrou um cano e en-
trou. O Kuni acabou caindo
em um labirinto e de tinha
que encontrar a chave.

Mas ele não conseguia en-


contrar a chave e apareceu
um monstro defogo. O kuni
estava com tanto medo que
fugiu até a chave. Ele abriu
a porta ao lado, e vOutou
para a foresta. Chegando
lá ele foi dormir. No procimo
dia o Kuni foi viajar para o
Saturno. E ele vio varas
COLSASnovas, como acidos,
etês e ETC.

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Depois de ver tantas coisas
novas ele vautou para
casa. O Kuni depois de
tantos anos encontrou uma
familha e ele viveu feliz
para sempre".

Este menino contou que sua história era muito parecida


com a de seu colega, p ois inventaram juntos o Kuri, mas
que, na do amigo, Kuni tinha familia desde o começo, e na
dele o Kuri só encontrava a família no m.
Um paciente, atendido desde os cinco anos, começou a
falar depois d os oito anos, quando se alfabetizOu. Apren-
dendo a ler, passou a se interessar por todas as mitologias.
Também leitor voraz de histórias em quadrinhos, passou a
estruturar histórias nas quais pe rsonagens e temas d as
mitologias e d as histórias em quadrinhos se misturaam.
Gostava de representar com bonecos a história:
"OSuper-Homem foi enfeitiçado pela Maga Patalógica
uma bolinha de krptonita: Ai, ele teve que procurar o Super
Asa, entrar na máquina do te mpo e ir até 5000 mil anos
atrás, buscar a planta da imortalidade doGilgamesh".
Um m enino de sete anos, com um quadro de autismo
residual, desnhae ao mesmo tempo conta:
"Há muito tempo atrás, nas épocas antigas, existia dois
sóis. Um era vermelho e o autro era lararja. Todos as homens
faziam uma fogueira, todo dia e dela saia um fantasma e
quase todas as coisas como casas e prédios eram de xadrez.
Entre as duas casas havia um lago bem claro, com vários
peixes. O rabo dos peixes pareciam de baleia e todos fcavam
para cima, porque eram muito grandes

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Um dia a fogueira cou muito alta e cou a dois centime-
tros perto do sol. Também havia um sol bem pequenino e era
amarelo, um amarelo bem claro. Só que não existia noite, por-
que a lua cava junto com estes três sốis e havia dois tipos de
estrelas entre o sol e a lua. A casa dos homens era azul e a
das mulheres vinho. E havia uma impressão digital de um
homem gigante lá no céu e m".

BU.

O faz-de-conta, a função da imaginaçāo, a criatividade


são aspectos dos quais os autistas são carentes, como expli-
ca toda a literatura na área. Os intelectualmente bem dota-
dos conseguem elaborar histórias, porém estas são muito
diferentes do padrão usual das demais crianças. São histó-
rias" apenas descritivas ou então colagens bem feitas de
conteúdos conhecidos, ainda que criativamente ligados. Ob-
serva-se um padrão repetitivo, mas criativo.
Chama a atenção o quanto estas histórias vêm repletas
de símbolos e o quanto estes símbolos podem ser metátoras
para uma estruturação patriarcal da consciência.
Esta é uma fase de um pouco mais de estabilidade. 0
desenvolvimento das representações mentais auxilia muito a
adaptação. Porém, é uma adaptação parcial. O outro no re-
lacionamento só é considerado na medida em que atende

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aos interesses especi cos da criança autista. Nesta fase,
chama a atenção a atipia da conduta social. Inserido no
grupo da escola, podendo participar de outros gupos de
crianças, O autista permanece sempre numa posição margi-
nal ao grupo de referência. Nas histórias que elaboram,
praticamente nada da função de relacionamento humano é
narrado.
O controle sobre a igualdade do ambiente continua, ain-
da que menos rígido, pois a criança já consegue introduzir
no seu pensamento a antecipação da situação que vai ocor-
rer, se isto é contado a ela.

Ir a festas de aniversário, jantar em restaurantes, viajar,


participar de excursões da escola, dormir com os colegas em
acamparmentos, tais situações podem passar a fazer parte
da vida da criança autista, desde que previamente condicio-
nadas. Uma vez que passam a ser possibilidades inseridas
na rotina de vida, podem passar a ser antecipadas não com
angústia, mas até com trangüilidade e, nalmente, mesmo
com prazer.
Os trailers sobre as situações novas a serem experimen-
tadas ajudam signi cativamente a possibilidade de lidar
Com a angústia do novo. Talvez seja m meio de se substi-
tuir afunçãoantecipatóriadaimaginação.

7.4 APRÉ-ADOLESCÊNCIAE AADOLESCÊNCIA

A saída da infäncia e o advento da puberdade trazem


uma época de confusão e de novas di culdades para os in-
dividuos com autismo. A desorganização observada neles
nesta fase tende a exceder muito a observada nos não au-
tistas.

Na escola, por existir com freqüência nesta fase uma


maior turbulência da classe, a maior intransigéncia dos co-

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legas antigos e a não aceitação por parte de eventuais novos
colegas perturbam muito o autista. Tornam-se com freqüên-
cia os bodes expiatórios das di culdades que todos experi-
mentam em função da idade e são, de fato, marginalizados.
As pessoas com funcionamento autista não entendem
piadas e ironias. Não percebem o que está subentendido nas
expressões verbais. Absolutamente literais, acreditam que,
por exemplo, "chove canivetes". Os diversos aspectos da lin-
guagem precisam ser aprendidos separadamente, mediante||
estudo delíberado.
Aos 14 anos, um paciente autista estava se balançando
na cadeira, como ele acreditava que todos os adolescentes
fazem. Ao vê-lo inclinar-se demais, eu Ihe disse: "Cuicado
vOcê vai cair!". Ele levantou-se imediatamente e me disse:
"Eu preferria que ocê tivesse me dito: Cuidado para não
cair. Porgque se você me diz: cuidado você vai cair e acredito
que eu vOu cair a seguir." Tal preciosismo da expressão ver-
bal é com freqūência encontrado nos portadores da Síndro-
me de Asperger. Este paciente me ensinou a prestar muita
atenção no que eu digo. Com o passar do tempo, ele tam-
bếm foi capaz de compreender a linguagem metaförica, es-
tabelecendo códigos de códigos.

Por serem mais lentos nas suas respostas e nas suas re-
ações, pela alteração da funçāo executiva do sistema nervo-
so, 0S autistas, mesmo muito inteligentes, dão às pessoas
com as quais entram em contato uma impressão de estra-
nheza e, dessintonizados na comunicação, cam por fora da
situação grupal.
É uma fase de desorganização, de desequilíbrio e de so-
frimento. Eles não entendemo que acontece com aqueles a
quem chamam de amigos, vivem a confusão e começam a se
perceber muito diferentes dos demais. São cobrados pelos
pais, professores, colegas e psicoterapeutas a mostrarem
condutas adequadas. Não sendo capazes do comportamento
típico, padrão esperado, são penalizados. A escolaridade se

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torna d cil. Porém, o questionamento não é colocado no
conteúdo a ser aprendido, nem no método educacional, nem
nos professores, mas sempre no aluno autista. O erro, a
anormalidade são projetados nele.
"Eu sou esquisitão, disse um paciente meu de 13 anos.
Pela primeira vez eles têm consciência de que são dife-
rentes e experimentam sentimentos depressivos, os quais
são reativos à percepção de que alguma coisa errada existe
neles. O isolamento pode ser buscado comno um meio de
proteção. Pode-se formar, assim, uma defesa emocional au-
tista. Um paciente de 15 anos, com Sindrome de Asperger,
dizia:
"Eu não preciso de amigos".
Seis meses depois, após o primeiro semestre do primeiro
colegial, precisando fazer trabalhos em grupo, dizia: “As
grandes obrigações do colegial me fzeram rever meu anterior
ponto de vista sobre não precisar de amúgos"
Muitos autistas, ao perceberem que eles são os diferen-
tes, fazem um esforço considerável para serem "típicos".
Travam uma luta titânica, uma uta pela sobrevivência em
um mundo que não os entende, mas que eles precisam se
empenhar em entender.
Um paciente de 13 anos, em uma aula de educação se-
Xual, ao ser ironizado pelos colegas por não saber o que era
menstruação, passou a ler todos os livros publicados em
português sobre educação sexual e a buscar livros de ana-
tomia para saber sobre a formação ea estrutura dos apare-
Ihos genitais. Durante algumas semanas, este foi o seu tema
nas sessões de psicoterapia comigo. Dono de uma capacida-
de alta de memória, evocava toda a informação aprendida
mas dizia não conseguir entender como seria o orgasmo,
estava além de sua possibilidade de compreensão.

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Outro paciente, na adolescência, ao se perceber fora do
grupo social e querendo continuar a ir a festas e conversar
com os amigos, percebeu que se falasse sobre história do ci-
nema, seu interesse especi co na época, ninguém fcaria
perto dele. Passou a se interessar por futebol, assunto que
descobriu que poderia conversar. Quis ser corinthiano, por
ser o time que estatisticamente tem mais torcedores em São
Paulo, e rapidamente decorou a escalação do time em todas
as épocas. Assim, além de ler nos jornais tudo o que era es-
crito sobre cinema, lia também tudo o que era escrito sobre
futebol. Na Copa do Mundo de 1998, quando soube que a
televisão na sua casa não estava funcionando, me contou:
"Vou vestr a camisa do Brasl e procưar um bar para assistir
ojogo, para torcerpelo meu Brasl"
A percepção das suas limitações sociais determina au-
mento de tensão no adolescente autista, principalmente
quando surge a vontade de ter amigos como os denmais têm.
JĀ di culdade na comunicação e a falta de conhecimento das
convenções e códigos sociais implicitos tornam o processo
de estabelecere manter contato com outras pessoas um
processo altamente desgastante em tempo e energia para a
pessoa com autismo.
Aos 15 anos, um adolescente autista aproximou-se bas-
tante de uma auxiliar de professora, a qual lhe ajudava com
freqüência nas difculdades com a classe. Alguém, brincan-
do, Ihe disse que ele estava apaixonado por ela, o que de-
terminou um comportamento que ele acreditava típico de al-
guém apaixonado: telefonava para a professora muitas ve-
Zes, queria sempre estar perto dela, planejava Ihe dar
presentes. Só que tal comportamento tinha características
tão obsessİvas que assustou a professora, que o rejeitou pe-
remptoriamente. Decepcionado, confuso, ele não conseguia
compreender o que havia acontecido. Meses mais tarde, dis-
se: "Eu estava apaiconado pela idéia de estar apakonado
pela.."Talvez sejaa possibilidade de lidar com a Anina, do
ponto de vista patriarcal.

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7.5 A VIDA ADULTA

Sentir-se diferente é a experiência comum relatada por


todos os adultos autistas que falan sobre seus sentimentos.
Muitos dos indivíduos com autismo, ao tentarem expli-
car no que eles se sentem diferentes, se referem ao modo
pelo qual eles experimentam os estimulos sensoriais, se re-
ferem à sensibilidade exagerada. Sons podem parecer altos
demais e às vezes assustadores, odores podern ser insupor-
táveis, toques podem ser dolorosos, a luz pode ser desagra-
dável e a combinação de tais estimulos pode ser tão sobre-
pujante a ponto de distorcer o próprio estímulo inicial.
Donna Williams, uma mulher autista, autora de três li-
VIos e inúmeros artigos sobre autismo, conta que mesmo na
vida adulta tem sua percepção freqüentemente sobrepujada
pela estimulação sensorial: "...acabei de sair de uma sala,
onde eu me senti torturada pela claridade braca denais da
luz fosforescente, cujos re exos faziam a sala estar em um
constante estado de mudança. Luzes e sormbras dançavam
nos rostos das pessoas que falavam, tornando a cena um de-
serho aúnado".
Vale a pena citaro seu livro mais recente, "Autism and
sensing: the ulost instinct", publicado em 1998, o qual pro-
cura mostrar a implicação da alteração da sensorialidade na
adaptação ao mundo para a pessoa com autismo.
Darren White começa sua autobiogra a dizendo que ela
consiste em informações sobre como sua audição e visão
pregam peças nele: "Eu raramente sou capaz de ouwir uma
sentença toda porque minha audiçãoa distorce. Sou capaz de
owT uma ou duas palavras iniciais, depois as outras pala-
Uras se misturame eu não corsigo entendė-las. Num dia claro
e quente, minha visão se turva e eu não possO ver senão até
alquns metros."

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O toque, o passar a mão na cabeça, são descritos com
freqüência como algo que machuca.
Alguns autistas, como Jim Sinclair, relatam que uma
grande diferença entre eles e as outras pessoas é que elas
sabem sem que Ihes tenha sido ensinado. Não têm a possi
bilidade do aprendizado instintivo e imitativo matriarcais:
"As pessoas típicas sabem sem que hes tenha sido ensina-
do"... "Produzi qualquer comportamento em resposta a qual-
quer percepção requer moritorar todos os estimulos ao mes-y
mo tempo e fazer isto su cienternente rápido para coordenar
Os estínulos que mudam"..."Você tem que lembrar de conec-
tar seus olhos para dar sentido ao que vế?"..."Há em mim
uma falha entre o que é esperado que seja aprendido e o que
é assumido ser sempre compreendido".
Nas suas autobiogra as, as pessoas com autismo con-
tam a sua di culdade de perceber as emoções, por mais que
se esforcem.

Williams (1994): "Eu quero cornpreender as emoções. Eu


tenho de rnições de dicionário para a maioria delas e dese
nhos de caricaturas de muitas... Mas tenho di culdade no
cormpreendero que as pessoas sentem Eu posso fazer algu
has decodi cações.Se avOZdapessoase tornaalta, ápida,
ela pode estar zangada. Se lágrimas rolam de seus olhos
se os lados de sua boca caem, ela está triste. Se ela está tre-
mendo, talvez esteja doente, assustada oucomn frio... O mais
importante é perceber se a pessoa está zangada, porque a
rawatermconseqüências piores e mais iwaswas".
Um paciente autista de 18 anos me perguntou: "Você
está triste?"Quando Ihe perguntei por que tnha achado que
eu estava triste, ele me relatou: "Porque você estawa com os
ombros para frernte, os olhos menos abertos". Expliquei-Ihe
que eu estava mais cansada naquele dia. Durante muito
tempo no decorrer das sessões ele passou a analisar minha
postura e expressão corporal e tirar conclusões: "Hoje você
está alegre"; "...cansada"; "...triste" etc. Estava me utilizan-

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do para formular um cóigo para poder compreender as
emoções das pessoas.
Porém, as di culdades com abstração e generalização
impedemn que conexões sejam estabelecidas com facilidade
pelos autistas como são para as outras pessoas. Cada
evento é percebido como distinto dos demais. A categoriza-
ção, que é um dado imediato para a mente dos outros, e a
conexão automática dos eventos com as pessoas que fazem
parte dos eventos não ocorrem ou 0correm de modo alterado
para a mente das pessoas com autismo.
Temple Grandim, autista PhD em Biologia, possivel-
mente a mais notória adulta autista, sobre quem Sacks
(1993 ) escreveu em "Antropóloga em Marte", relatou que ela
tem que constTuir sua própria biblioteca pessoal das cone-
Xões entre as pessoas e as situações, evento por evento,
para poder se posicionar nas situações afetivamente.
Williams (1994): "Eu pOsSo aprender a lidar com uma
dada situaçãoenmum contexto, mas falho quando corfronto a
mesma situação em outro contexto".
No autismo a di culdade de estabelecer conexões, de
usar associações e generalizações são importantes e acar-
retam outra di culdade que é a da interação social recípro-
ca. A interação social recíproca pressupõe um cenário co-
mum de percepÇões e compreensões, o que freqüentemente
falta quando adultos autistas e não autistas tentam se co-
municar.
Sinclair (1992): “À medida que acomuunicaçãoocorre, mi-
rha iteração parece depender do quanto eu sou capaz de
identi car a discrepância na compreensão e de traduzir tanto
meus próprios termos como os da outra pessoa, para ter cer
teza de que ambos estamos focando a mesma ooisa, no
mesmo tempo".
Williams (1992), ao descrever sua própria di culdade de
omunicação: "Eu freqüentenente quero falar sobre o que me

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interessa. Eu realmente não estou interessada em discutir
nada, nem espero qualquer resposta ou opiião da outra pes-
soa. Caso ela me rterronpa, muitas vezes eu me vejo igno
rando-a e contiuuo falando".
Thomas McKean é autista, autor de livro sobre a visāo de
dentro do autismo e autor de inúmeros poemas. E interes-
sante o que relata sobre sexualidade: McKean (1996): Eu
não tenho libido. Nenhuma. Isto com freqüência torna di cl a
Comuricação com os outros, quando eles falam sobre estas
coisas. Os rapazes estão constantermente olhando com brlho
nos olhos para as meninas que andam pelas ruas. Eu não
entendo isso. Eu aprecio a beleza, tanto quanto eles e, se a
menina é bonita, eu vou pensar que ela é bonita, mas é tudo o
que vou pensar. Não existe nada que homem, mulher, criança
Ou animal possa ser ou fazer para me rteressar. Meu inpul
so, desejo não está aữ".

Ao se referir à religião, ele diz: "Eu acredito em um ser


superior. Eu não estou certo se acredito ou não que este ser
seja "Deus" em qualquer dos sentidos que é considerado.
Mas eu acredito que nós fomos criados, e que, portanto, nós
devemos ter um criador... Eu também acredito no poder da
oração. Eu não sei se é um poderpsiocológicoou um poder es
pritual ou ambos, mas eu estou cowencido que existe um
poder na arte de orar".
Dotados de uma forma de estruturação mental diferente,
os autistas mostram desde a adolescência até anos de vida
adulta um esforço titânico para aprender a sobreviver ea se
adaptar no mundo. Os sentimentos depresstvos, vividos na
adolescência, podem determinar uma reação de muita luta e
empenho para tentarem se comportar como as demais pes-
soas, para serem túpicos.
Bovee(1995): "Ser normal não é fácl".
Barron (1992): "Eu gastei uma enorme parte do tempo
querendo ser uma pessoa diferente de querm eu sou. Por que

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eu não poderia ser nomal? Mais do que qualquer coisa eu
querta mudar todo o meu comportamento... Eu comecei tendo
Conversas coretas comigo mesmo".
Porém, dentre a minoria dos autistas bem dotada inte-
lectualmente que está escrevendo sua autobiogra a, alguns
deles, na idade da metanóia, estão re etindo a respeito de
suas vidas e chegando a elaborações que mostram a busca
de um caminho próprio no processo da individuação. Possi-
velmente, ao perceberem sua irreversível atipia, tenham a
vontade de buscar sua própria forma de ser.
Grandim (1994): "todo ser humano tem necessidade de
intiridade. As crianças autistas precisam de um canto sece-
to também, para se esconder e para se dirigi para seu mun-
do interor. As crianças autistas têm necessidade da segu-
rança de seus próprios esconderjos. Eu terho o meu e é um
ugar ondeposso re etir e me assegura".
McKean (1996): "Eu estou cansado de negar querm eu
sOu. Eu não quero mais fazer isto, rem para min, nem para
as pessoas a quem amo. Mas, prửneửo eu preciso conhecer,
amar e aceitar quem eu sOu. Devo encontraT a pessoa que
cresce dentro de mim".
Williams (1992): "Minhasobrevuwēnciaestava em refrar
ato de agử nomalrmente, mas eu sabia que, de qualquer
modo que eu agisse, eu seria naturalmente indigna de acetta-
ção, idigna de pertencer a alguén, indigna mesmo de vida".
São seus os versos:
"Então escuta,
Não questione os especialistas,

Não perse duas vezes, apenas ouça,


Corra e se esconda nos cartos da sua mente,
Sozinho, como núnguém em lugar nenuum".

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Williams (1994): "Minha itenção é ver no mundo nor-
mal de tal modo que eu poSSa encontrar meu próprio eu. Não
queromais manter uma fachada de nomalidade".
Sinclair (1992) fez um poema:

Eu construi uma ponte


Além de nentuun ugar, através do nada
E queria que existisse algo no outro lado.
Eu construi uma ponte
Além daneblina, através da escuridão
E desejei que existisse uz no outro lado.

Eu construi uma ponte


Além dodesespero, através da desconsideração
E sabia que poderia ter esperança no outro lado.

Eu construi uma ponte


Além da falta de ajuda, através do caos
Eacrediteiquepoderia existiforça do outro lado

Eu construi uma ponte


Além do infeno, através do terror
E era umaboa, fortee bonitaponte

E era uma porte que eu onstrui


Comapernas múnhas mãos porferamentas
Minha obstiação cormosuporte
Minha fẻcomo medida e meu sangue comopregos.

Eu construi umaponte
Eaatrawessei,mas não hawia ninguém
Para me encontrar do outro lado.

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8. Considerações
Finais
Compreendendo uma outra
forma de ser da nente

Aprender a aprender: tarefaquedưra a vida iteira.

As pessoas portadoras do Transtorno Invasivo do Desen-


volvimento expandem a consciência e estruturam o ego de
uma maneira diferente do padrão mais comum da espécie
humarna.
Em função de suas condições tão peculiares e por vive-
rem sob os determinantes de uma cultura, na qual não são
compreendidas, estas pessoas têm um processo de desen-
volvimento psicológico bastante di cil e penoso. Acredito que
uma minoria dos portadores deste Transtorno, que possui a
inteligência preservada, chega a um processo de individua-
ção, com a possibilidade de descobrir a própria forma de ser
e talvez o sentido de sua existência.
Após uma primeira infāncia caótica, quando a desorien-
tação permeia Os contatos da criança com seu ambiente e
vice-versa; após uma segunda infância, quando a aquisição
das operações lógicas do pensamento auxiliam a adaptação.
o indivíduo com funcionamento autista e inteligente chega à

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adolescência, quando de fato ele se percebe muito diferente
dos demais e se deprime.

Em outra versão, após a fase em que predomina o dina-


mismo matriarcal, cuja linguagem é inacessivel para a cri-
ança autista, pois não existe a vivência psicológica do ar-
quétipo matriarcal, no qual predomina a sensorialidade
emocional; após a fase em que o dinamismo patriarcal per-
mite a aquisição de um código para a comunicação, pois é
possivel a vivência psicológica do arquétipo patriarcal, no
qual predomina a organização racional, o individuo com esta
forma tão atípica de estrutura de consciência, com um ego
que não se de-integrou adequadamente do Self se vê priva-
do das vivências do que é humano e pela primeira vez tem
Lalguma percepçāo do quanto ele é o diferente.
A adolescência e o início da vida adulta caracterizam-se
por uma luta titânica, uma luta pelo direito à existência.
Serve muito bema imagem dos titās, segundo Hesíodo, a
segunda geração divina, seres primordiais, tão intensos na
sua expressividade, mas desprovidos ainda de caracteres
humanos. Alvarenga (1999) mostrou que as guras titânicas
podem ser consideradas como representantes de todas as
estruturas da consciência, porque é deste mundo primordial
que nasce um sistema organizado, no qual as coisas tênm
corpo e forma. A especi cidade, porém, só é possÍvel na ter-
ceira geração divina, quando Pai e Mãe estruturam corpo, e
o Herói estrutura psiquismo. A luta dos titās é uma luta
pela sobrevivência, muito diferente e anterior à luta do herói,
que é a luta dirigida pelo direito de ser ímpar.
Os relatos descritos no capítulo anterior mostram a luta
empreendida por estas pessoas para se tornarem iguais aos
seres considerados típicos. É uma luta ajudada e reforçada
pela sociedade e cultura. Quanto mais semelhantes eles se
tornarem, quanto mais aprenderem os moldes padrões de
conduta, mais poderão ser aceitos. Aceitos ou tolerados? -
este pode ser um questionamento.

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A literatura tem demonstrado que alguns indivíduos com
o funcionamento autista, depois que se empenharam ardu-
amente durante anos para se tornarem iguais aos julgados
normais, chegaram à percepção de que, por mais que te-
nham tentado, não são dignos das mesmas possíbilidades
de vida.
Repetindo as palavras de Williams (1992): "de qualquer
modo que eu agisse, eu seria natralmente indigna de aceita-
Ção, .idigna mesmode vida"
Na metanóia, pode surgir a percepção de que eles não
podem passar pelas fases típicas do desenvolvimento da
consciência humana. O espaço construído para a subjetivi-
dade é pequeno. A intersubjetividade possívelé baseada na
lógica, na correspondência, na comunicação inteligente, na
con ança, na fë, na reciprocidade, na estabilidade das rela-
Ções. A função do relacionamento ca subordinada ao di-
namismno patriarcal.
Épossível que se possa observar uma fase de automati-
zação das conquistas na segunda metade da vida. O que
poderá continuar a humanizar o Arquétipo do Pai até o m
da vida? Poderá a função transcendente operar para conse-
guir iniciar e garantir um processo de individuação em mol-
des tão peculiares?
Repetindo as palavras de Sinclair (1992): "Eu construt
na ponte, ea atravesse, mas não hawia ninguém para me
encontrar do outro lado"
Ainda repetindo Wiliams (1994): "Minha intenção é vwer
no mundo de tal modo que eu possa encontrar meu próprio
eu'.."não quero mas manter una fachada de nomalidade".
É provável que aí haja a necessidade de uma luta herói-
ca, a luta dirigida pelo direito de ser impar.
Em termos da psicologia junguiana posso pensar que
ocorre no autismo uma alteração no processo de de-

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ntegração do Self. Tem-se possivelimente um distúrbio des-
de a fase intra-uterina, quando as vivências matriarcais não
se constelam. Porém, como a organização do desenvolvi-
mento é arquetípica, a função estruturante da organização
patriarcal se torna dominante. Com um funcionamento au-
tista, o indivíduo tem os papéis, referentes à liação dupla,
conseqüentemente alterados, são lhos ou lhas do Pai, sāo
| hos ou lhos de uma mulher-Pai e de um homem-Pai.
Mas, sob a ordenação do Sel, como princípio de totalidade,
pode se ter a integração de todos os demais arquétipos entre
si, propiciando o processo de individuação, provavelmente
mesmo na falha da humanização do arquétipo da Grande
Mãe.
Os princípios de centroversão e do automor smo, atu-
antes sob a organização patriarcal, dirigem os processos de
ampliaçāo da consciência e a integração da personalidade.
abrangendo as relações entre os sistemas consciente e in-
consciente. E uma personalidade que, se estruturando em
outras bases, tem a possibilidade de um processo de indivi-
duação peculiar.
O papel adequado da cultra seria o de ajudar estas
pessoas a descobrir que são diferentes, mas que são viáveis,
que possuem a viabilidade de ser. Isto precisaria ser feito
desde as identi cações primárias. Métodos de educação
apropriados somados a uma sociedade esclarecida seriam a
ajuda essencial para que o processo de desenvovimento do
ser autista não precisasse ser tão doloroso para ele e para
suas familias.

Hoje, o individuo autista tem uma sobrecarga. Ele carre-


ga as di culdades e limitações trazidas por suas próprias
condiçõese ainda carrega o estigma de uma anormalidade
que não possui. Os autistas descobrem pelo olhar dos ou-
tros que são anormais, que são não viáveis como humanos.

Repetindo McKean (1992): "Eu espero pelo dia no qual


vOcê sorriá para mim. porque perceberá que existe una pes-

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soa decente e iteligente... pois eu tenho visto como as pesso-
as olham para mim, embora eu nada tenha feito de erado".
A cultura tende a projetar nos autistas sua infelicidade
ao vê-los, e eles passam a ser lamentados e discriminados.
Não compreendendo a função de estruturação da organiza-
ção patriarcal, a cultura projeta o matriarcal ferido nas pes-
soas com autismno, projeta a ferida matriarcal em quem não
tem imagens matriarcais e, por isso, não tem a possibilidade
de ter xações matriarcais.
Desde o início de sua vida, o autista deve ser entendidoe
atendido na necessidade da ativação precoce do arquétipo
do Pai e deve ter o respaldo de que ele é diferente. Não se
trata de negar a anormalidade do autista, pois isto seria
uma defesa que impossibilitaria a ajuda a ele. Trata-se, sim,
de reconhecer esta anormalidade como agenesia da estrutu-
ração matriarcal e não como o matriarcal ferido.
A anormalidade precisa ser elaborada onde ela realmente
ocorre. Caso ela seja elaborada, querendo melhorar o dina-
mismo matriarcal, a pessoa com autismo adquire outra
anormalidade, além daquela com a qual nasceu.
As pessoas normais, ao sentirem que o autista é despro-
vido do dinamismo matriarcal, esforçam-se por cuidá-lo e
melhorá-lo. Este pode ser o erro fundamental no tratamento
do autista, pois criae reforça o sentimento de inviabilidade.
O autista não quere não precisa do dinamismo matriarcal
porque ele simplesmente não tem o que fazer com ele. Pena,
colo, aconchego, carinho, lágrimas, mimos, superproteção
emocional e dedicação afetiva esmerada, tão necessárias à
enfermagem do arquétipo matriarcal ferido, aqui são dispen-
sáveis. Além de inúteis, fazem o indivíduo com autism0 ex-
perimentar fracasso e culpa, pois ele é incapaz de, nestes
termos, corresponder à ajuda recebida. É como se dar um
curso de engenharia em chinês a um aluno que só se co-
munica, naquele momento, em português. É como fazer si-
oterapia em um membro do corpo inexistente. Como mos-

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( trou Guggenbuhl-Craig (1983). há complicação quando se
confunde ferida com cicatriz. Ao se resolver tratar uma ci-
catriz comno ferida, corre-se o risco de, idiopaticamente, ferir
la cicatriz.

O bebe, a criança, o adolescente e o adulto com autismo


podem e devem receber carinho, aconchego, desde que se
tenha consciência de que não é isto que eles de fato mais
necessitam. O que eles necessitam, e muito, é de compreen-
são e ajuda para organizar seu mundo e aprender a viver.
Não possuindo a capacidade de estruturar consciência pelo
arquétipo matriarcal, se apojam totalmente na capacidade
estrutrante e organizadora do arquétipo patriarcal.

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O autismo é uma patologia
que vem oferecendo muitas in-
vestigações, pesquisas e estu-
dos nas últimas décadas.
propósito deste livro é
abordar a estruturação de uma
forma de mente muito diferente
do padrão básico encontrado no
desenvolvimento humano, Ou
seja, a estruturação da mente
no autismo.
Entre outras considerações o
livro busca formular uma
hipótese a respeito do processo
de individuação no autismno,
baseada na Psicologia Analitica
de Jung.
Trata-se de um livro desti-
nado a psicólogos, médicos, pro-
fessores, fonoaudiólogos entre
outros pro ssionais de ajuda ISBN 85-85462- 38-8
interessados no estudo do
autismo.

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