Você está na página 1de 2

Foi um pronunciamento desastroso.

Veio na contramão da ciência,


afrontou a sociedade, atacou a imprensa, menosprezou a pandemia - e, é
claro, ofendeu a inteligência dos ouvintes. Só poderia marcar o início do
fim da carreira e pavimentar a trilha que levaria à morte política do sujeito
que, mesmo em meio à uma gravíssima crise de saúde púbica, fora capaz
de pronunciar palavras tão despropositadas.Até quem não desconhecida o
despreparo e o destempero do chefe foi surpreendido por mais aquela
demonstração pública de estupidez.

Tão logo terminou pronunciamento, as notícias se espalharam com


a rapidez do vírus e o povo foi às janelas bater panelas, exigindo o
afastamento daquele ser abjeto. Uma semana ainda se passaria, mas ao
raiar do sétimo dia, ele enfim caiu.

Aconteceu mesmo, e foi assim. Na esteira da I Guerra Mundial, a


gripe espanhola disseminou-se com ferocidade letal pelo planeta. O vírus
chegou ao Brasil a bordo do navio inglês S.S. Demerara que, após escala
no Recife, aportou no Rio de Janeiro em 21 de setembro de 1918. Em uma
semana, já eram mais de mil os infectados. Então, no dia 10 de outubro,
quando o caos e o pânico se alastravam pela capital federal, o Diretor
Geral de Saúde Pública - o ministro da Saúde nos dias de hoje - convocou
a comunidade médica e a imprensa para um pronunciamento, na
Academia Nacional de Medicina.

Para a surpresa geral, pôs-se a defender a "benignidade da gripe".


Disse, com todas as letras: "Trata-se de influenza pura e simples, e não
influenza espanhola". Ou seja: uma gripezinha. Os cientistas se
arrepiaram. Mas ele prosseguiu: "O sensacionalismo da imprensa, em seu
vil afã de vender jornais, amplifica o pânico irresponsavelmente". Mas e
as 20 mil pessoas já contaminadas só no Rio? "Números infundados, sem
comprovação", disse Seidl. Mas, indagou um repórter, quanto ao fato de
ele, Seidl, ter requisitado a única lancha da capitania para "um que seu
amigo retirasse pessoas de sua amizade do vapor Itassucê", que aportara
na Guanabara "coalhado de enfermos, antes que os inspetores da
Profilaxia dos Portos pudessem expurgar o navio e isolar os doentes?". Foi
a gota d´água. Seidl encerrou abruptamente o encontro e retirou-se da
Academia.
No dia 17 de outubro de 1918, atendendo ao "clamor popular e a
indignação da classe médica e aos alertas da imprensa", o presidente
Venceslau Brás chamou Carlos Seidl ao Palácio do Catete e o demitiu
sumariamente. Antes de retirar-se para submergir na história nacional da
infâmia, Seidl ainda fez um último alerta ao presidente: "A melhor forma
de combater essa epidemia no Brasil é fazer calar a imprensa
sensacionalista."

Um homem virulento, resgatado agora da lata de lixo da história

Você também pode gostar