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Resumo
A erva-mate (Ilex paraguariensis) é um vegetal típico na região sul do Brasil e esteve na base
econômica do Estado do Paraná por um longo período. Essa pequena revisão discute alguns
aspectos relacionados à erva-mate, como etimologia, compostos bioativos, efeitos na saúde
relacionados ao consumo de infusão de água quente com erva-mate beneficiada e algumas
considerações sobre seu processamento.
1. Introdução
Os humanos chegaram ao sul da América entre 12700 e 8600 anos atrás (Kern, 1991; Schmitz,
2006). Quando os europeus aportaram à América, os povos nativos guaranis já utilizavam as
folhas de erva-mate ("folha sagrada"). Desde o início da ocupação do Paraguai pelos
espanhóis (século XVI), a utilização da erva-mate pelos povos nativos foi observada. A bebida
era consumida pelos carijós, xetás, guairás, charruas, caingangues (que chamam o chimarrão
de kógwuin) e pelos incas, pois todos eles mantinham relações comerciais com os guaranis.
Em túmulos pré-colombianos no distrito peruano de Ancón (Província de Lima), foram
encontradas folhas de erva-mate próximas a alimentos e diferentes objetos como armas,
tecidos e joias (Mazuchowski, 1991).
O termo "mate" tem origem no idioma dos incas, o quíchua, através do vocábulo mati, e
significa "cuia, cabaça ou porongo". Dessa forma, o recipiente feito com o fruto maduro da
curcubitácea Lagenaria siceraria (Molina) Standley, no qual até hoje se bebe a infusão de erva-
mate, é a referência inicial. Essa espécie tem origem no continente africano e foi dispersa
mundialmente no período pré-colombiano (Stephens, 2018). No Rio Grande do Sul existem
duas populações principais de porongos: uma de casco fino (cultivada em Santa Maria) e outra
de casco grosso (região noroeste de Alto Uruguai), que apresenta maior valor de mercado
(Trevisol, 2013 citado por Cancelier et al., 2017). O termo "porongo", que nomeia a planta que
fornece a cuia usada para beber o mate, também vem do quíchua, significando "vaso de barro
com o gargalo estreito e comprido" (“vaso de beber”) (Burtenshaw, 2003).
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Arróspide (1997) cita que o jesuíta Antonio Ruiz de Montoya relatou que a erva-mate, assim
como o tabaco, era repelida e desprezada pelos Guarani no início do século XVI. Apenas os
xamãs faziam seu uso (e de outras ervas) para consultar os “maus espíritos” (“demônios” na
visão cristã), originando a denominação “erva do diabo”. Atualmente, sabe-se que os jesuítas
criaram o mito que o “diabo” (Anhangá-pitã) estava dentro do mate, porque “afastava os fiéis
dos serviços religiosos” (“ao tomá-lo, os povos nativos não se concentravam nas missas ou
sermões, quebravam os jejuns e davam mau exemplo para as crianças, que seguiam os pais")
(Linhares, 1969). Os jesuítas não cogitavam que a simples imposição de um “discurso
religioso” não era “atrativo”.
Por outro lado, Jungblut (2008) menciona que, antes de 1600, apenas os pajés e feiticeiros
utilizavam a erva-mate, mas em rituais de cura e como forma de conexão com os ancestrais
(celebração dos antepassados). Os idosos dessa etnia faziam seu uso moderado devido ao
seu efeito estimulante, o que lhes restituía as forças. Com o passar do tempo, os povos nativos
passaram a fazer uso dessa mesma erva com maior frequência, sempre antes do amanhecer
ou quando não tinham alimento disponível.
Desse modo, a erva-mate foi se incorporando ao cotidiano de povos nativos e não nativos nas
confraternizações e outros ritos. Desde os primeiros relatos de utilização pelos povos nativos
em rituais até sua incorporação aos hábitos de espanhóis, não se passaram mais de cem anos
(Contini et al., 2012).
No Brasil, a área de ocorrência natural da erva-mate abrange Paraná, Santa Catarina, Rio
Grande do Sul, extremo sul de São Paulo e do Mato Grosso do Sul. Na Argentina, é nativa nas
Províncias de Misiones, Corrientes e de Tucumã, e no Paraguai entre os Rios Paraná e
Paraguai (Figura 2) (Oliveira e Rotta, 1985; Penteado Júnior e Goulart, 2019).
As missões jesuíticas (1610 a 1768) ocuparam grande parte da área de ocorrência natural da
erva-mate. Os jesuítas que se instalaram na Companhia de Jesus do Paraguai, após
perceberem que ao difamar a erva-mate acabaram promovendo seu uso, orientaram esses
povos a iniciar o cultivo dessa espécie. Assim, contribuíram no aperfeiçoamento de métodos de
cultivo para aumento na produtividade e expandiram seu consumo. Os jesuítas também
animaram os povos nativos a consumirem a erva-mate como forma de prevenção ao
alcoolismo. Por essa razão, em determinado período histórico, a bebida chegou a ser
conhecida como “chá dos jesuítas”. Mesmo após a saída forçada da Companhia de Jesus (em
1768), os jesuítas continuaram a exploração do comércio e exportação da erva-mate
(Mazuchowski, 1991).
Mazuchowski (1991) relata que os povos nativos consumiam a caá (erva-mate) com água
quente. Porém, o consumo inicial era com água fria. A utilização de água quente no preparo do
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chimarrão foi iniciada com os europeus a fim de evitar doenças, devido ao possível consumo
de água não potável (contaminada).
A forma com que a erva-mate era consumida pelos povos nativos se manteve sem maiores
alterações até os dias atuais. A caá-i (caá significa erva-mate ou “erva verdadeira”, e i significa
água) ou “água da erva” era a bebida feita com folhas secas fragmentadas de erva-mate e
sorvidas em um pequeno porongo utilizando um canudo de taquara. Esse canudo apresentava,
na extremidade em contato com a erva, um trançado de fibras para evitar que as partículas das
folhas fossem ingeridas. O vocábulo guarani caiguá tem um significado específico e retrata o
“recipiente para a água da erva” (caá é erva, i é água e guá é recipiente). O conjunto de cuia e
bomba era chamado caá-mati (caá é erva e mati é porongo ou cuia) (Mazuchowski, 1991;
Rosa, 2008).
A melhor época de colheita das folhas de erva-mate é ao final do inverno e antes de ocorrer a
nova brotação (as folhas estão maduras e a planta está em repouso fisiológico) (Mazuchowski,
1991). Com colheitas próximas ao outono, as plantas já possuem maior concentração de
compostos fenólicos, assim como as folhas mais jovens. Segundo Borille et al. (2005), o teor
de cafeína, teobromina e taninos é maior nas folhas jovens, reduzindo com a idade. A época de
colheita se concentra nos meses de junho, julho e agosto (Mazuchowski, 1991; Ferrera et al.,
2016).
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Para ervais comerciais bem manejados, com alto grau de adoção tecnológica, é recomendada
a poda de colheita entre setembro e outubro e entre fevereiro e março, desde que seja
respeitado um período de 18 meses entre as podas, deixando um mínimo de 20 % de folhas
nas plantas. Dessa maneira, o desenvolvimento de folhas novas será mais rápido, obtendo-se
maior produtividade do erval ao longo do tempo (Penteado Júnior e Goulart, 2019).
Todavia, Jotz et al. (2006) mostram que, independente da temperatura da água, a erva-mate
pode conter HPAs (ex. benzopireno), devido à combustão de materiais orgânicos na secagem
manual das folhas. O beneficiamento industrial da erva-mate reduz o contato das folhas com a
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fumaça, mas não impede completamente a queima parcial das folhas e a geração de
hidrocarbonetos carcinogênicos. Kamangar et al. (2008) encontraram níveis elevados de
hidrocarbonetos aromáticos policíclicos em oito marcas comerciais de erva-mate produzidas no
Rio Grande do Sul.
5. Considerações
Pelos dados apresentados, é possível afirmar que a Ciência “pode” estar presente mesmo nas
atividades habituais comuns de agrupamentos humanos e na forma como elas são
desenvolvidas.
As tradições e rituais alimentares “devem” ter uma leitura científica multidisciplinar, a fim de
“reconhecer e comprovar” seus benefícios e/ou corrigir eventuais “não conformidades”. Os
costumes não sobrevivem (ou desaparecem) sem razão.
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