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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CENTRO OESTE – UNICENTRO

CAMPUS AVANÇADO CORONEL VIVIDA-PR

PROJETO DE EXTENSÃO
A IMPORTÂNCIA DE ERVAS E PLANTAS MEDICINAIS PARA A CULTURA
KANHGÁNG DA T.I MANGUEIRINHA PR

DARA MACIEL ANASTÁCIO¹

Trabalho a ser apresentado à


Universidade Estadual do Centro
Oeste- Unicentro, no Curso de
Licenciatura em História - para
obtenção de nota para a disciplina
de Tópicos em História e Extensão
Universitária I.

PROFESSOR ORIENTADOR: ANDRÉ ULYSSES SALIS

CORONEL VIVIDA
2023
1.0 Introdução
Há muitos estudos que fazem menção aos modos tradicionais de
exercer a medicina, principalmente por parte dos povos originários do Brasil. A
cultura indígena atrai muito a atenção e é alvo de muitos estudos por diversas
áreas e pesquisadores interessados nos saberes, conhecimentos, costumes e
tradições.
A Etnia indígena Kanhgáng pertence à família linguística Jê, do tronco
Macro-Jê e estima-se uma população de 45.620 pessoas a viver em mais de 40
Terras Indígenas, conforme o Sistema de Informação da Atenção à Saúde
Indígena (GAUDÊNCIO et al., 2019). O conhecimento sobre o manejo de
recursos naturais envolve uma abordagem multidisciplinar. O conhecimento
tradicional ecológico é resultado do processo de adaptação que o ser humano
desenvolve no fenômeno evolutivo do ecossistema em que está inserido.
Para HAVERROTH (1997) “O conhecimento etnobotânico Kanhgáng é
amplo e relaciona-se diretamente com a sua mitologia, cosmologia, organização
social, sistemas de cura, alimentação; enfim, é parte importante e essencial da
sua cultura como um todo.” (1997, p. 84).
“Os povos indígenas têm um aguçado senso das árvores
características, dos arbustos e das ervas próprias de cada "associação vegetal",
tomando essa expressão em seu sentido ecológico. Eles são capazes de
enumerar nos mínimos detalhes e sem nenhuma hesitação as árvores próprias
para cada associação, o gênero de fibra e de resina, as ervas, as matéria primas
que fornecem.”. (LEVI-STRAUSS, 1989).
As plantas, animais e a espiritualidade no povo Kanhgág, bem como
para povos de outras etnias, estão muito ligados umas com as outras, pois são
tratadas como um todo. É importante lembrar que os Kanhgáng formaram seus
saberes por meio dessa relação com o lugar onde vivem.
Inseridos a essa cultura de cura através das plantas, o povo Kanhgáng
leva em consideração que nem todos podem exercer o papel de manipular essas
ervas. Os Kujá são pessoas que têm o dom de conhecer o tempo, as plantas,
animais, pássaros, água, e os espíritos. Os Kofá são pessoas idosas da aldeia
que são muito respeitados por suas sabedorias, experiências e conhecimentos
com ervas, plantas, mitos e lendas, armadilhas de caça, pesca, armas Kanhgág
etc. Os rezadores são pessoas que benzem cobreiros, mordidas de bichos em
geral, criança atacada dos vermes, fazem simpatias, e também fazem e ensinam
usar ervas medicinais.
Este trabalho apresentará informações a respeito da cultura Kanhgáng
na atualidade, mas também confirmações históricas baseadas na memória dos
indivíduos em relação aos etnoconhecimentos da etnia.

2.0 Um breve contexto Histórico da Terra Indígena Mangueirinha


A T. I Mangueirinha hoje tem um território indígena de 17.240 hectares
e abriga uma das principais florestas preservadas de Araucária do Brasil.
Atualmente residem na Terra Indígena Mangueirinha aproximadamente cerca de
750 famílias entre indígenas das etnias Kanhgáng e Guarani. Atualmente, a TI
Mangueirinha é formada por seis aldeias: Passo Liso, Mato Branco, Paiol
Queimado, Água Santa, Palmeirinha do Iguaçu e Aldeia Sede, onde estão as
principais edificações, como escola, posto de saúde e posto da FUNAI. (O
PORTAL KANHGÁNG, 2021).
Desde 1949 a Reserva Indígena de Mangueirinha é reconhecida e
protegida por lei. Ela está localizada entre os municípios de Chopinzinho, Coronel
Vivida e Mangueirinha, na margem sul do Rio Iguaçu, próxima às cidades de Pato
Branco e Francisco Beltrão.
Dentro desse breve contexto histórico, a cultura indígena vem sofrendo
um apagamento histórico ao longo dos anos, após tantas violências a que foram
submetidos, os Kanhgágs da Terra Indígena Mangueirinha acabaram suprimindo
sua cultura e com isso também houve a perda de vários aspectos da identidade
cultural.
Ainda assim nos aspectos culturais podemos destacar a área da Terra
Indígena Mangueirinha tem suas especificidades, desenvolveram uma forma de
relação com a natureza, para a sua subsistência ou buscando um meio para o
crescimento econômico.
Nasceu com essa relação dos indígenas Kanhgág com o lugar onde
vivem, e do elo constituído entre os Kanhgág mais jovens e os Kujás (indígenas
mais velhos) o conhecimento sobre as ervas que ainda é repassado de geração
para geração.
O uso e a coleta de ervas medicinais é um conhecimento praticado na
comunidade e principalmente dentro das escolas indígenas, a educação escolar
indígena se diferencia ao dar atenção ao conhecimento dos indígenas mais
velhos, desta forma o uso e a coleta de ervas estão ainda presentes na
comunidade.

3.0 Caracterização do tema


“De modo geral, o uso de plantas e produtos naturais é comum na
medicina popular. Os indígenas utilizam seus conhecimentos para a
sobrevivência na natureza, e o uso das plantas e da vegetação em geral garante
sua alimentação, habitação e cuidados com a saúde.”. (PEZZUTI, 2009).
O conhecimento que os Kanhgáng têm sobre as ervas medicinais é
ancestral e o conhecimento científico só faz auxiliar nas pesquisas e observações
nos componentes químicos letais que as plantas apresentam, porque os próprios
indígenas já entendem o uso correto das ervas medicinais.
Os Kanhgáng relacionam desse modo, o conhecimento Kanhgáng e o
científico. Ou seja, primeiro recorrem aos conhecimentos culturais para cura,
depois dependendo da gravidade da doença, buscam o auxilio da medicina não
indígena.
“Sabemos sobreviver dessa forma, a coleta e o uso de venhkagta
(remédio do mato) sempre fez parte da nossa cultura e deveria ser repassado
dentro das escolas, se não como os jovens vão poder entrar no mato e cuidar um
do outro, do seu companheiro, mas não vamos deixar de lado os doutores, estes
já estão muito presentes na nossa comunidade”. (NOVAK, 2014).
Dito isto, surge à necessidade de um estudo que traga a luz, todo o
conhecimento que ainda resta, visto que muitos de nossos Kujás têm
ancestralizado, e não tem deixado para ninguém os saberes sobre as ervas,
sobre a cultura indígena mais antiga de modo geral. Há uma urgência, neste
caso, de aprofundar esta temática, no meio educacional, aproximando os sujeitos
do saber popular e fortalecendo laços culturais.

4.0 As plantas utilizadas pelos Kanhgáng da T.I Mangueirinha


“A classificação das plantas-remédio, está associada à classificação
das doenças. Os remédios são indicados dependendo da etiologia e/ou nosologia
das doenças.” [...] “Assim qualquer planta pode ser remédio, mas há uma
distinção quanto à qualidade de seu efeito, conhecimento esse que predomina
entre os especialistas em cura e idosos.”. (HAVERROTH, 1997, 2007).
Para Andrade (2013) e Reis (2016) existem muitos aspectos
etnográficos da etnia Kanhgáng que tem grande importância histórica, como o
amplo domínio vegetal com sistema próprio de classificação das plantas, e a
utilização destas para diversos fins medicinais juntamente com práticas rituais que
fornecem os poderes da natureza.
Segundo Cabalzar (2017) “o sistema de classificação indígena utiliza o
conceito de espécie e a similaridade entre elas, classificando as plantas de
acordo com as semelhanças físicas, mas também de acordo com suas utilidades,
origens e ecologia.”.
Dentre tantas variedades de plantas que são consideradas medicinais
e tem seu efeito estudado pela ciência e pela fitoterapia, podemos destacar
algumas relacionadas a seguir:

Quadro 01: Relação de plantas mais utilizadas pelos Kanhgáng***


NOME DA PLANTA UTILIZAÇÃO NOME CIENTÍFICO
Amora branca Hipertensão (auxilia no Morus alba L
controle da pressão
arterial).
Açoite cavalo/çoita Alergias (auxilia no Luehea divaricata
combate as alergias (Tiliaceae)
causadas pela poeira,
picadas de insetos, entre
outras).
Capim cidreira/Capim Sonífero, calmante Cymbopogon citratus
Limão (utilizado para acalmar
quando uma pessoa esta
muito nervosa)
Cambará Gripe, Bronquites (utilizado Gochnatia
na produção de xaropes polymorpha (Less.
para tratamento dos
sintomas da gripe e da
bronquite).
Caraguatá Coqueluche, vermífugo, Bromelia pinguin
asma, garanta, bronquite
(utilizado para infusões e
xaropes no tratamento de
doenças respiratórias)
Caroba Varizes, DST, ossos, Jacaranda
alergias (utilizada na macrantha
preparação de chás e (Bignoniaceae)
banho).
Carqueja doce, carqueja Azia, sinusite, Baccharis trimera
Emagrecimento (utilizada
na forma de chás e
infusões)
Guabiroba, guavirova Bexiga, útero, hemorroida, Campomanesia
chulé ( utilizadas as folhas xanthocarpa
e a casca como chás e
infusões para banho)
Ipê roxo Depurativo do sangue, Handroanthus
toxinas, feridas crônicas impetiginosus
(utilizado como infusões
para banho e como
infusões para banho de
vapor e chás)
Marcela Dor de barriga, Achyrocline
inflamações da pele, satureioides
cólica, vômito, colite,
náusea, câimbras e
tenesmo, sedativo (utiliza-
se folhas e inflorescências)
Pau amargo Gases, má digestão, Quassia amara L
malária, diabetes
( utilizado como chás alivia
dores no estomago, e
controla a produção de
insulina pelo organismo,)
Pitanga Problema de intestino, Eugenia uniflora
ansiedade, reumatismo
(utilizado como chás e
banhos para alivio de
dores e regulação
intestinal também com
efeito calmante)
Sete sangria Falta de ar, insônia, Cuphea
derrame, doenças carthagenensis
venéreas, pressão alta, e
emagrecer (utilizado no
combate aos sintomas de
doenças e na prevenção
de ataques cardíacos e
derrame)
Tansachagem, Rins, cicatrizante, Plantago major
tanchais amigdalite, diurético, anti-
inflamatório.
Fonte: Conhecimento adquirido da Autora ao longo de suas vivências*** As plantas e sua
utilização serão confirmados quando na realização da Pesquisa de campo.
As plantas listadas acima são apenas algumas de uma infinidade de
outras variedades que existem dentro do território indígena e fora dele que podem
ser utilizadas como tratamentos de diversas doenças e sintomas de doenças.
De acordo com Cunha (2009) “A ciência moderna usa conceitos e a
ciência tradicional usa percepções, enquanto a ciência percorreu por grandes
conquistas tecnológicas e científicas, a tradicional também obteve êxito em
descobertas e invenções notáveis percorridas pela lógica das percepções, do
sensível, cujo fundamento não se entende completamente.”.
Desta forma deve-se levar em consideração que a automedicação não
é indicada pelos Kujás, Kofás e pelos Rezadores. Sempre se deve procurar
alguém que tenha conhecimento da utilização de tais plantas bem como de sua
manipulação.

5.0 Objetivos
O presente trabalho visa aprofundar a prática social e cultural indígena
na coleta e no uso das ervas medicinais na Terra Indígena Mangueirinha, e tem
como pontos principais os objetivos a seguir:

 Destacar a relevância da cultura indígena enquanto ciência;


 Apresentar os conhecimentos que as pessoas têm sobre plantas
medicinais;
 Ressaltar as diferentes formas que convívio com a natureza no espaço em
que vivem, relacionando as vivencias do povo Kaingáng da T.I
Mangueirinha;
 Estudar as técnicas com relação à manipulação de plantas medicinais, em
diversos contextos culturais que ainda são praticadas dentro da T.I
Mangueirinha;
 Analisar a inter-relação com as diferentes formas do saber e as
transformações sofridas ao longo da história, com a inserção da medicina
não indígena dentro das aldeias;
 Promover a realização de ações de promoção e educação sobre o uso de
plantas medicinais nas comunidades, e gerar a produção de dados para a
produção da etno-ciência.
6.0 Metologia
Os procedimentos metodológicos adotados neste trabalho serão do
tipo exploratório e descritivo e estarão estruturados a partir de uma pesquisa
quantitativa.
Através de pesquisas bibliográficas em livros publicados e trabalhos
científicos que abordem o tema, bem como também entrevistas e conversas com
integrantes da comunidade indígena da Terra Indígena Mangueirinha.
Realizar-se-á uma pesquisa de campo na Terra Indígena cujo intuito
será obter confirmações históricas em relação aos etnoconhecimentos da etnia,
da evolução dos aspectos químicos e das atitudes perante a química e os
remédios de origem farmacêutica e natural.

7.0 Referências

ANDRADE, E. J. Sistema médico Kanhgáng: Conhecimentos e utilização de


“remédios do mato” na Terra Indígena Apucarana. Primeiros Estudos, n. 5, p.
75 - 85, 2013.

BRASIL. A Fitoterapia no SUS e o Programa de Pesquisas da Central de


Medicamentos da Saúde. 2006. Disponível em:
http://.bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/fitoterapia_noação fraca em relação
ao estrógeno, não tendo ação_sus.pdf. Acesso em 28/10/2023

CABALZAR, A. Manual de etnobotânica: plantas, artefatos e conhecimentos


indígenas. São Paulo/São Gabriel da Cachoeira: Instituto
Socioambiental/Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (FOIRN),
2017.

CUNHA, M. C. Relações e dissensões entre saberes tradicionais e saber


científico.In: Cultura com aspas. São Paulo: Cosac Naify, p. 301 – 310, 2009

GAUDÊNCIO, J. S.; MARTINS, D. R.; SILVEIRA, R. M. C. F.; RODRIGUES, S. P.


J. Breve perspectiva historiográfica sobre a ancestralidade da etnia indígena
Kanhgáng.Cadernos do CEOM, v. 32, p. 104 – 117, 2019.

HAVERROTH, Moacir. Kanhgáng um estudo etnobotânico:O Uso e a


Classificação das Plantas na Área Indígena Xapecó (oeste de SC). 1997. 175
f. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social) – Programa de Pós-Graduação
em Antropologia Social, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis,
1997.

LEVI-STRAUSS, C. O Pensamento Selvagem. Campinas: Papirus, 1989.


NOVAK Éder da Silva. Territórios e grupos indígenas no Paraná:
aexpropriação de terras através do acordo de 1949. In: ANAIS do XIV
Encontro Regional de História. Universidade Estadual do Paraná, Campo Mourão,
2014. Disponível em: https://www.google.com/url?
sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=2&ved=2ahUKEwjw4YHUjpfmAhXlErkG
HfaRBT0QFjABegQIARAC&url=http%3A%2F%2Fwww.erh2014.pr.anpuh.org
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Acesso em 28/10/2023

O PORTAL KANHGÁNG. Disponível em:


http://www.portalKanhgáng.org/index_home.html#.

PEZZUTI, J.; CHAVES, R. P. Etnografia e manejo de recursos naturais pelos


índios Deni, Amazonas, Brasil. Acta Amazônica, v. 39, n. 1, p. 121 – 138, 2009.
REIS, D. A. As práticas de autocuidado e o cuidado familiar dos índios Mura
de Autazes, Amazonas. 2016. Tese (Doutorado em Enfermagem na Saúde do
Adulto) – Universidade de São Paulo/USP. São Paulo, 2016.

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