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, 2014 727
ISSN 0103-9954
ESPÉCIES FLORESTAIS DE RESTINGAS COMO POTENCIAIS INSTRUMENTOS PARA
GESTÃO COSTEIRA E TECNOLOGIA SOCIAL EM CARAVELAS, BAHIA (BRASIL)
RESUMO
Em Caravelas, município localizado no sul do estado da Bahia, as principais formações vegetais são as
lorestas de mangue e as restingas apresentando, estas últimas, alto grau de degradação. O objetivo deste
artigo consiste em descrever as principais espécies lorestais de restingas e seus usos diretos associados,
com vistas à recuperação e ao manejo de áreas degradadas e à geração de trabalho e renda, compondo, dessa
forma, importante ferramenta para a gestão integrada da zona costeira. Para isso, a elaboração de listagens
lorísticas e visitas ao campo foram necessárias para reconhecimento do ambiente. Na seleção das espécies,
uma literatura referente ao uso, manejo e valor agregado de cada uma das espécies identiicadas foi utilizada
e, a partir daí, foram reconhecidas quatro espécies com potencialidade para geração de trabalho e renda
nos moldes dessa proposta: mangaba (Hancornia speciosa), pitanga (Eugenia unilora), caju (Anacardium
occidentale) e aroeira (Schinus terebinthifolius). As três primeiras apresentam associação de seus frutos
ao uso alimentar, servindo a aroeira como condimentação, com alta valorização no mercado mundial, e o
caju, a partir da sua estrutura fértil (castanha e polpa). A identiicação dos subprodutos vegetais fornecidos
assegura a utilização sustentada das espécies e do ambiente e os Produtos Florestais Não Madeiráveis
podem ser estratégicos no gerenciamento costeiro, tornando-se instrumento para se alcançar inclusão social
através da geração de trabalho e renda, sob o movimento da Tecnologia Social, contribuindo, portanto, para
a redução da vulnerabilidade social de comunidades costeiras tradicionais.
Palavras-chave: vulnerabilidade; desenvolvimento local; produtos lorestais não madeiráveis; inclusão
social.
ABSTRACT
In Caravelas, located in southern Bahia state, the main vegetation formations are the mangrove forests
and ‘restingas’ (sandbanks) presenting, the latter, a high degree of degradation. The aim of this paper is
to describe the main forest species of these ‘restingas’ and their direct uses associated with the recovery
and management of degraded areas and creation of jobs and income, making thus an important tool for
integrated coastal zone. For this, elaborate loral listings and ield visits were necessary for recognizing
the environment. In the selection of species, a literature about the use, management and value of each
species were used, and from there, four species with potential for generating jobs and income along of
this proposal were recognized: Mangaba (Hancornia speciosa), Pitanga (Eugenia unilora), Mangaba
(Anacardium occidentale) and Aroeira (Schinus terebinthifolius). The irst three are associated with the use
1 Biólogo, Dr., Professor do Departamento de Ciências Florestais e da Madeira, Centro de Ciências Agrárias,
Universidade Federal do Espírito Santo, Av. Governador Lindemberg, 316, Centro, CEP 29550-000, Jerônimo
Monteiro (ES), Brasil. henrique.m.dias@ufes.br
2 Oceanógrafo, Dr., Professor da Faculdade de Oceanograia, Núcleo de Estudo de Manguezais, Universidade
do Estado do Rio de Janeiro, Rua São Francisco Xavier, 524, CEP 20550-013, Rio de Janeiro (RJ), Brasil.
mariolgs@uerj.br
3 Pedagoga, Dra., Professora da Faculdade de Educação, Núcleo de Referência em Educação Ambiental da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rua São Francisco Xavier, 524, CEP 20550-013, Rio de Janeiro (RJ),
Brasil. elzaneffa@gmail.com
of its fruit food, serving these ‘aroeiras’ as pepper trees, with a high value on the world market, and
cashew, because of its fertile structure. The identiication of products provided sustainable use of species
and environment and the Non-Timber Forest Products can be strategic in coastal management, making it
an instrument to subsidize social inclusion through the creation of jobs and income, under the movement of
Social Technology, contributing to reduce the social vulnerability of traditional coastal communities.
Keywords: vulnerability; local development;non-timber forest products;social inclusion.
do caju, jenipapo, cajá, umbu, mangaba, dentre contexto externo. É nesse contexto que este estudo
outras, também consideram a forma extrativista e se insere: subsidiar a população local com um
sustentável de sua produção. instrumento eiciente e competitivo na geração de
Homma (2005), Scudeller (2007) e Wadt renda de modo sustentável, com vistas a reduzir sua
et al. (2008) indicam variadas formas de usos das vulnerabilidade frente à transferência (importação)
espécies vegetais nativas como forma de PFNM, de tecnologias não sustentáveis e à exportação
principalmente aquelas associadas aos pequenos das matérias-primas brasileiras na forma de ativos
grupos (tradicionais ou não) na região da loresta (externalidades dos recursos). Neste contexto, a
pluvial amazônica. No entanto, são raros os hipótese é que a fruticultura nativa das restingas
estudos que enfocam os ecossistemas de restingas pode ser considerada como uma forma de PFNM,
como ambiente propício de recursos vegetais não tornando-se importante para a dinamização da
madeireiros. economia local, sob o movimento de Tecnologia
Sob essa perspectiva, a fruticultura de Social, gerando trabalho e renda para a comunidade
espécies nativas pode ser considerada como costeira e evitando o êxodo rural.
uma forma de manejo de PFNM que se insere O objetivo desse estudo consiste em
no movimento de Tecnologia Social, pois, além avaliar a viabilidade da utilização, produção
de garantir o sustento das famílias extrativistas, e comercialização dos recursos vegetais não
mantém a qualidade dos recursos naturais e evita madeireiros, nativos das restingas, como instrumento
o desmatamento (corte raso dos indivíduos), da gestão costeira local, de forma a recuperar áreas
inserindo-se no âmbito da produção sustentável degradadas e se tornar alternativa para geração de
(RUTKOWSKI e LIANZA, 2004). trabalho e renda à população local.
Bava (2004) deine Tecnologia Social
como o conjunto de técnicas (procedimentos) MATERIAL E MÉTODOS
transformadoras, desenvolvidas e/ou aplicadas
na interação com a população e apropriadas por Área de estudo
ela, representando soluções para a inclusão social
e melhoria das condições de vida. Dagnino et al. O município de Caravelas está localizado
(2004) sugerem a criação da Rede de Tecnologia no extremo sul baiano, distante cerca de 200 km ao
Social, que tem o propósito de englobar e sul de Porto Seguro e 100 km ao norte do estado
agrupar um conjunto de diferentes atores no do Espírito Santo. Com uma população estimada
objetivo de promover o desenvolvimento local de 21.150 pessoas distribuídas ao longo de seus
sustentável, mediante apropriação de técnicas de 2361 km2 de extensão territorial, segundo dados
desenvolvimento transformadoras, representando do IBGE de 2007 (ano de realização da pesquisa),
novas soluções para inclusão social nas mais 50% residiam no núcleo urbano da zona costeira
variadas regiões do país. (Sede, Ponta de Areia e Barra) e o restante na área
O desenvolvimento local, segundo Buarque interiorana (rural) que engloba mais oito distritos.
(2002), é um processo endógeno de mudança, A base econômica da zona costeira está voltada
que leva ao dinamismo econômico e à melhoria para pesca e serviços e a da zona rural, para a
da qualidade de vida da população em pequenas produção de eucalipto com vistas a atender às
unidades territoriais, permitindo também que indústrias de celulose e carvoarias (RANAURO,
as pessoas tomem decisões que irão inluenciar 2004). De acordo com o Programa das Nações
nas suas vidas. Tanto deve mobilizar e explorar Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), o Índice
as potencialidades locais quanto contribuir para de Desenvolvimento Humano (IDH) no município
elevar as oportunidades sociais viabilizando a é de 0,667.
competitividade da economia local. Ao mesmo
tempo, deve assegurar a conservação dos recursos Metodologia
naturais, por ser a base das suas potencialidades e
condição para a melhoria da qualidade de vida. A metodologia proposta para essa pesquisa
Nesse sentido, a tecnologia social vai ao é qualitativa (GOBBI e PESSOA, 2009), utilizando-
encontro do desenvolvimento local, pois integra as se de visitas ao campo para levantamento de dados
iniciativas inovadoras e mobilizadoras, articulando primários, a partir de entrevistas semiestruturadas,
potencialidades locais com as condições dadas pelo informais e observação participante. Também
TABELA 1: Pontos favoráveis e desfavoráveis para utilização das quatro espécies nativas descritas neste
estudo para o município de Caravelas, Bahia.
TABLE 1: Favorable and unfavorable points for the use of four native species described in this study for
Caravelas, Bahia.
Mangaba (Hancornia speciosa)
Pontos favoráveis Pontos desfavoráveis
- Desenvolvimento crescente no mercado de frutas tropicais,
- Difícil beneiciamento
devido à crescente valorização
- Excelente desenvolvimento no litoral devido às
- Alta perecibilidade
características edáicas e climáticas
- Estimulado pela grande demanda e pelos bons preços
- Diiculdade na higienização por lavagem
alcançados no mercado
- Boa parte da produção é perdida pelo manejo
- Pode ser utilizada em plantios consorciados com coqueirais
inadequado de colheita
- Necessidade de rápida comercialização devido à
perecibilidade
- Fácil produção de mudas - Inexistência de motivação para plantio por falta de
instrução técnica
- Cultura em fase de domesticação
Pitanga (Eugenia unilora)
Pontos favoráveis Pontos desfavoráveis
- Importante no relorestamento heterogêneo em áreas
- Fruto altamente sensível a injúrias
degradadas
- Fácil produção e propagação das sementes - Alta perecibilidade e deterioração isiológica
- Rápido crescimento em ambientes abertos, sob alta taxa de
- Diiculdade na higienização por lavagem
luminosidade
- Industrializado como polpa para sucos em grandes centros, - Boa parte da produção é perdida pelo manejo
amplamente comercializados em supermercados inadequado de colheita
- Necessidade de rápida comercialização devido à
perecibilidade
- Pode ser utilizada em plantios consorciados com coqueirais - Inexistência de motivação para plantio por falta de
instrução técnica
- Cultura em fase de domesticação
Caju (Anacardium occidentale)
Pontos favoráveis Pontos desfavoráveis
- Alto consumo na sociedade - Alta perecibilidade do pedúnculo
- Boa parte do pedúnculo é perdida pelo manejo
- Diversidade de usos para o consumo direto
inadequado da colheita
- Necessidade de rápida comercialização do
- Ampla exploração no território brasileiro
pedúnculo devido à perecibilidade
- Considerada boa alternativa de renda em entressafras de
- Cajueiro nativo com baixa produtividade de frutos
culturas tradicionais
- Boa assimilação de mão de obra já detectada
- Cajueiro nativo atingindo elevada altura
- Alta durabilidade da castanha
diicultando a coleta dos frutos
- Pode ser utilizada em plantios consorciados com coqueirais
Continua...
TABELA 1: Continuação
TABLE 1: Continued
Aroeira (Schinus terebinthifolius)
Pontos favoráveis Pontos desfavoráveis
- Uso crescente no mercado de condimentos - Manejo inadequado na colheita dos frutos,
- Baixa perecibilidade se comparada às outras provocando morte do vegetal
- Grande aceitação no mercado externo, estimulando a - Atravessadores pagando baixo preço aos frutos
demanda pelo fruto na região coletados pelos extrativistas
- Boa parte da produção é perdida pelo manejo
- Destaque no extrativismo vegetal da região
inadequado de colheita
- Alta plasticidade ecológica, permitindo colonizar ambientes - Desorganização na colheita dos frutos – falta de
muito degradados conhecimento técnico
- Rápido crescimento e frutiicação
- Conlitos entre proprietários de terras e extrativistas
- Pode ser utilizada em plantios consorciados com coqueirais
da feira, geralmente próximo aos “bares”. No atual pitanga e a mangaba. Paralelamente, nesse período,
galpão cedido à Associação de Feirantes, somente os a utilização dessas três espécies nos restaurantes e
feirantes “de fora” conseguem expor seus produtos nas lanchonetes da cidade em forma de polpas para
de extrativismo vegetal, pagando o mesmo valor que produção de sucos naturais que, por certo período
anteriormente. A diferença é que agora o pagamento de tempo, são armazenadas (congeladas) para serem
vai direto para a Associação, o que não acontecia na aproveitadas nas épocas de baixa temporada.
feira antiga, quando a taxa era revertida diretamente Das espécies nativas listadas, a aroeira é a
à prefeitura. única que possui uma comercialização externa ao
Na “alta temporada” (entre dezembro município de Caravelas e, por consequência, uma
e fevereiro) há uma elevação na produção e na maior complexidade no luxograma em relação
comercialização das frutas nativas nos restaurantes às outras (Figura 2). Sua produção transforma a
litorâneos. Na maioria das vezes, a comercialização conhecida aroeira em pimenta-rosa, despontando
ocorre com o caju e, em raras ocasiões, coma como uma alternativa para a agricultura no país, de
acordo com a matéria veiculada no jornal A Gazeta
de 08/09/2001. Para analisar o comportamento
da aroeira no município foram levantados dados
referentes às quantidades e aos preços do quilograma
comercializado para os atacadistas locais e para os
atacadistas externos (empresário) e comparados
com outra região coletora (extrativistas) dessa
mesma espécie, localizada no Baixo São Francisco,
em Sergipe.
Em Caravelas, a comercialização da aroeira
está baseada no preço combinado. Nesse caso, os
extrativistas recebem a visita de proissionais que
trabalham com compra e venda desse produto
(considerado aqui neste estudo como atacadista
empresário) em sua propriedade ou no galpão
FIGURA 1: Fluxograma de comercialização do de beneiciamento. Todavia, devido à recente
extrativismo de caju, pitanga e manga- valorização do produto no local, emergiu outras
ba, em Caravelas, Bahia. formas de atacadistas, considerados como locais por
FIGURE 1: Flowchart on the commercializa- não realizarem eles próprios o atravessamento para
tion of ‘caju’ (cashew), pitanga and outros mercados externos ao município.
mangaba in Caravelas, Bahia. O valor de compra dos frutos varia em
informações de um “atacadista empresário”, ele miseráveis”, principalmente por causa dos conlitos
chega a comercializar essa fruta em São Mateus/ oriundos de sua coleta, já que há constantes
ES, distante cerca de 230 km de Caravelas, por até invasões em suas propriedades particulares por
R$ 10,00/kg. Dados disponibilizados pela empresa esses extrativistas, durante a noite ou nos inais de
Peppertrade (http:www.peppertrade.com.br) semana, gerando um dano insustentável à planta,
demonstram que, em 2007, o quilograma da aroeira, podendo causar a morte do vegetal. Além disso,
em moeda americana (dólar), para aquele mesmo podem ocorrer danos a essas propriedades, com
ano passou de US$ 10/kg para US$ 14/kg e que a derrubadas de cercas e fuga de animais (bovinos),
previsão para os próximos anos, segundo a mesma agravando ainda mais as relações entre extrativistas
empresa, poderia alcançar entre US$ 16 e18/kg. Tal e proprietários de terras. Outros proprietários de
fato demonstra uma possível valorização do produto terras (produtores de coco, de gado ou de áreas
no mercado externo e uma consequente elevação de de lazer próximas à praia), veem a aroeira como
sua demanda. um problema sério de conlito social devido às
No estado de Sergipe, especiicamente no constantes invasões em suas propriedades.
município de Santana do São Francisco, Gomes et Gomes et al. (2005) airmam que, por ser
al. (2005) veriicaram que empresários dos estados esse um recurso natural, a aroeira é um bem de uso
do Espírito Santo e da Bahia, em 2002 e 2003, comum da sociedade, o que dá a falsa impressão
compravam os frutos da aroeira pagando aos de que possibilita aos indivíduos o direito de
extrativistas pelo quilograma do fruto até R$ 1,00. utilizar tais recursos para satisfazer suas próprias
Em 2004, os mesmos começaram a desvalorizar o necessidades. Isso faz com que muitos coletores
produto, pagando R$ 0,80/kg, demonstrando que a acreditem que têm o “direito” de coletar os frutos
queda nos preços do quilograma do fruto poderia em qualquer lugar, tornando o extrativismo da
ser por causa da elevada oferta do produto (devido aroeira uma nova atividade insustentável, pois, além
ao aumento da quantidade de pessoas coletando de não estar inserida na cultura local, também tem
o fruto) e/ou devido à baixa qualidade do fruto sido realizada através da forte pressão de mercado.
disponível para comercialização, similarmente ao Esse fato foi observado para a coleta da mangaba,
que tem acontecido em Caravelas. em Sergipe, onde Mota et al. (2008) veriicaram
O fato de haver elevada quantidade de que alguns coletores invadiam as propriedades
pessoas coletando a aroeira foi observado por Gomes particulares cercadas e colhiam os frutos de maneira
et al. (2005) para Sergipe. Esses autores airmaram errônea e insustentável (retirando os frutos imaturos
que no município de Baixo São Francisco/SE, um e “quebrando os galhos”) ocasionando rivalidades
trabalhador das fazendas de pecuária na região de interesses e conlitos de usos. No entanto, deve-
recebia naquele momento em torno de R$ 12,00/ se atentar sobre o direito de propriedade que os
dia. Já com o extrativismo da aroeira, nessa mesma detentores da propriedade têm sobre a área.
região, o mesmo trabalhador pode chegar a receber
o dobro desta quantia em um dia de trabalho, no Vantagens da Exploração Sustentável dos
período de frutiicação da planta. Em Caravelas, Produtos Florestais Não Madeiráveis (PFNM) em
segundo um morador entrevistado, ele consegue Caravelas: Tecnologia Social e Gestão Costeira
coletar em torno de 12 kg do fruto ao longo de um
dia de trabalho (diurno), e consegue comercializar Grande parte da região costeira (restingas)
diretamente ao atacadista (empresário) por até R$ de Caravelas está inserida na atual Reserva
36,00, o que corresponde a R$ 3,00/kg. Porém, ele Extrativista do Cassurubá (RESEX – uma unidade
airma que outras pessoas conseguem coletar até de conservação criada no âmbito da Lei federal
20 kg, fruto de trabalho árduo (diurno). 9985/00) e outra parte insere-se na Área de
A não articulação entre os grupos de Proteção Ambiental Ponta da Baleia/Abrolhos
extrativistas prejudica um possível fortalecimento, (APA – unidade de conservação estadual). Ambas
seja em forma de cooperativismo ou de as unidades abrangem todo o ecossistema de
associativismo, o que tem provocado conlitos em restingas do município. Além disso, de acordo com
relação ao extrativismo dessas espécies em ambas a legislação que estabelece os tipos de unidades de
as regiões. Um proprietário de terras, oriundo de conservação (Lei 9985/00), ambas as categorias são
São Paulo, residente há 20 anos no município de consideradas de uso sustentável, ou seja, permitem
Caravelas, intitulou a aroeira como “a planta dos o uso direto dos recursos naturais nelas inseridos,
Ci. Fl., v. 24, n. 3, jul.-set., 2014
Espécies lorestais de restingas como potenciais instrumentos para gestão costeira... 735
desde que regulamentados e organizados. dado o poder que detêm nas relações de forças e
É nessa perspectiva que a utilização dessas as inluências exercidas nos órgãos governamentais
quatro espécies vegetais nativas das restingas e na mídia. Por isso, as implantações dessas linhas
(mangaba, pitanga, caju e aroeira) emerge como uma alternativas de produção e de geração de renda terão
alternativa em potencial para geração de trabalho, sempre barreiras a serem ultrapassadas.
renda e inclusão social em comunidades carentes No entanto, para que essas atividades
do município, além de agregar valor às áreas pioneiras de empreendedorismo social existam
subutilizadas ou abandonadas de coqueirais nas no município é necessário que haja fontes de
restingas locais, podendo se tornar uma alternativa inanciamento para o segmento mais carente da
na fase inicial de recuperação das áreas degradadas, população. Sob esse enfoque, podem ser inseridos
sob a abordagem da tecnologia social e sob um novo os programas de microinanciamentos, como as
prisma interdisciplinar. linhas de microcréditos cedidas aos pequenos
De acordo com Dagnino et al. (2004), produtores. Yunus (2008) airma que o microcrédito
a tecnologia social pode ser considerada como liga os motores econômicos da parcela da população
uma forma de iniciativo cada vez mais eicaz rejeitada pela sociedade, e quando um grande
para a solução desses tipos de problemas sociais. número de motores entra em funcionamento, estará
Também como um vetor para a adoção de políticas pronto o cenário para grandes realizações.
públicas que abordem a relação entre ciência- A identiicação de fontes de créditos ou de
tecnologia-sociedade em um sentido mais coerente microcréditos e o apoio aos grupos de produtores
com a realidade brasileira e com o futuro que que procuram suporte inanceiro coletivo para
a sociedade deseja construir. Ou seja, um novo desenvolver projetos e agregar valor aos produtos
modelo de utilização de áreas degradadas e uma são de importância vital para a perpetuação de
refuncionalização das práticas produtivas podem ser qualquer pequeno grupo social envolvido em
estimulados com a adoção da tecnologia social. Por produção agrícola (CULLEN JR et al., 2005). Porém,
isso, falta ao município de Caravelas a integração quando a Empresa Baiana de Desenvolvimento
entre essas diferentes inovações tecnológicas com Agrícola (EBDA), órgão de assistência rural,
o propósito de fortalecer e de criar uma solução foi pesquisada, veriicou-se estagnação dos
conjunta para inclusão social, na forma de políticas empréstimos disponibilizados aos produtores de
públicas sustentáveis que englobem os aspectos Caravelas. O único programa de crédito existente
ecológicos, econômicos e sociais. é o Programa Nacional de Agricultura Familiar
Nessa perspectiva, Bava (2004) enfatiza que (PRONAF), intermediado pelo Banco do Nordeste.
as experiências inovadoras podem ser valorizadas, Em Caravelas apurou-se que a inadimplência tem
tanto pela sua dimensão na construção de novos sido a principal causa do fechamento das linhas de
paradigmas produtivos, quanto pelos resultados que crédito para os produtores.
proporcionam em termos de melhoria de qualidade Além da limitação do inanciamento, a falta
de vida e de fortalecimento da democracia e da de instrução técnica, capacitação e organização
cidadania. Rutkowski e Lianza (2004) consideram podem ser consideradas como possíveis barreiras
que esse é um novo modelo de desenvolvimento ao desenvolvimento das potencialidades existentes
econômico que postula o uso racional dos de geração de trabalho e renda no município
recursos naturais, de forma não predatória e com de Caravelas. Como airma Garcia Jr. (1994), o
possibilidade de melhoria da qualidade de vida dos estabelecimento de negócios deinitivos é limitado
habitantes das áreas rurais, já que, paradoxalmente, não apenas pelas diiculdades monetárias, mas
a globalização também permite a criação de novos também, pela instrução reduzida e pelo freio à
mercados para determinados produtos regionais, alternatividade que isto representa. Por conta
como os artesanais e os derivados da loresta, caso disso, a informalidade dessas relações é um dado
da aroeira. constantemente apontado como inviabilizador
Embora Bava (2004) airme que a tecnologia dessas atividades, além da pressão da concorrência
social é mais barata e adequada para determinada acirrada que impede os produtores de se tornarem
região, por atender a uma demanda local com impacto pluriativos (CARNEIRO, 2002).
socioambiental positivo, Lassance Jr. e Pedreira Em relação à inadimplência veriicada em
(2004) enfatizam os riscos dos megaprojetos serem Caravelas, é interessante observar a airmação de
viabilizados, mesmo tendo custos mais elevados, Bava (2004), ao salientar que a atual política de
Ci. Fl., v. 24, n. 3, jul.-set., 2014
736 Dias, H. M.; Soares, M. L. G.; Neffa, E.
com espécies nativas, como forma de PFNM, Mota Nesse caso, a capacidade de organização
et al. (2008) detectaram em Barra dos Coqueirais/ comunitária em desaiar políticas desfavoráveis,
Sergipe, declínio dos indivíduos de mangabeira que promover desenvolvimento local e administrar os
comprometia a base produtiva local, proveniente recursos naturais demonstra que o manejo lorestal
dos cortes insustentáveis provocados pelas comunitário é uma alternativa viável de gestão.
explorações imobiliárias nos últimos 20 anos. Tucker (2005) airma que a adoção da abordagem
Esses autores veriicaram que, a partir da década comunitária pela população extrativista propicia
de 1980, houve um declínio na produção de controle local e benefícios socioeconômicos.
mangaba oriundo da intensiicação do cultivo de Na região costeira brasileira, exemplos
coco e, consequentemente, da expulsão de parte da de núcleos de populações tradicionais que
população nativa para a zona urbana. No entanto, praticam manejo comunitário sustentável (pesca e
no povoado Olhos D’água, no mesmo município, agricultura) são abundantes na literatura cientíica
os moradores que conseguiram permanecer (DIEGUES, 1999). A zona costeira (incluindo as
estabeleceram um novo cultivo consorciado da restingas) é uma área de múltiplos usos e serviços,
mangaba com os coqueiros introduzidos e alguns pois oferece opções aos diferentes segmentos da
campos de cajueiros nativos. Essa prática produtiva sociedade (lazer e turismo; extrativismo vegetal
em Barra dos Coqueirais só foi possível devido a e animal; aquicultura; variados tipos de indústria;
um trabalho de gestão que a própria comunidade exploração petrolífera; etc.). Nesse sentido, Cicin-
estabeleceu como prioridade, demandando ousadia Sain e Knecht (1998) preveem que a implantação
de mudanças e avanços políticos e institucionais. de um Manejo Costeiro Integrado é uma ferramenta
FIGURA 3: Relação entre a zona costeira e as principais atividades desenvolvidas em Caravelas, Bahia.
FIGURE 3: Relationship between coastal and main activities developed in Caravelas, Bahia state.