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UNIP – UNIVERSIDADE PAULISTA

Instituto de Ciências Humanas


Curso de Psicologia

Amanda Rodrigues da Silva Sena RA: N19007-8


Camila Blanco Moretti RA: D477DB-6
Gabriela Rebuá Rodrigues de Freitas RA: N2251C-0
Helena de Campos Ferraz RA: N19729-3
Maria Beatriz Ignácio Mendes RA: N775FG-5

CURSO DE EDUCAÇÃO POPULAR COM CUIDADORES DE RESIDÊNCIAS


TERAPÊUTICAS: UMA PROPOSTA DE EDUCAÇÃO LIBERTADORA BASEADA
EM PAULO FREIRE

SOROCABA
2020
Amanda Rodrigues da Silva Sena RA: N19007-8
Camila Blanco Moretti RA: D477DB-6
Gabriela Rebuá Rodrigues de Freitas RA: N2251C-0
Helena de Campos Ferraz RA: N19729-3
Maria Beatriz Ignácio Mendes RA: N775FG-5

CURSO DE EDUCAÇÃO POPULAR COM CUIDADORES DE RESIDÊNCIAS


TERAPÊUTICAS: UMA PROPOSTA DE EDUCAÇÃO LIBERTADORA BASEADA
EM PAULO FREIRE.

Projeto de Intervenção apresentado para


atuação no estágio em Psicopatologia Especial,
sob a orientação do(a) Prof(a). Me. Thaiga
Danielle Momberg Silva.

SOROCABA
2020
APRESENTAÇÃO

Este projeto tem como diretriz os princípios da Luta Antimanicomial e foi


construído através da proposta de um curso de formação popular, direcionado às
profissionais que realizam cuidados em residências terapêuticas, visando
proporcionar a esses trabalhadores uma maior compreensão de cuidado centrado na
promoção da emancipação e autonomia das pessoas egressas de hospitais
psiquiátricos e deles próprios.
Partimos da compreensão de que para que a desinstitucionalização realmente
ocorra não basta apenas substituir os hospitais psiquiátricos por serviços supridores,
entendemos como necessária a contínua manutenção da Luta Antimanicomial, no
sentido de pensar em processos que produzam autonomia nos sujeitos, auxiliando na
transformação das subjetividades e proporcionando saúde mental para pessoas que
viveram excluídas da sociedade, as vezes por muitos anos, e que não
necessariamente possuíam transtornos mentais, mas após esse período de privação
da liberdade e com tratamentos questionáveis1carregam as marcas da
institucionalização.
Nesse sentido, através dos ensinamentos deixados pelo autor Paulo Freire e
partindo do pressuposto que não existe conhecimento pronto, mas em construção
contínua, pretendemos através de relatos da experiência da vida cotidiana desses
profissionais, a partir da realidade concreta que vivenciam, proporcionar reflexões
numa dialética constante, na esperança de contribuir com a transformação da
realidade no sentido de proporcionar maior qualidade na saúde mental de todos os
envolvidos nesse cenário. Vale destacar que a proposta desse projeto foi pensada
sem o real contato com a instituição, devido ao atual cenário e a impossibilidade de
realização presencial dos estágios. Para uma investigação mais profunda, é
necessário o contato com a realidade concreta e com as falas e compreensões desses
trabalhadores.

1Colocamos os tratamentos utilizados nesses espaços enquanto passíveis de questionamentos, pois


existem vários estudos que falam sobre a ineficácia das técnicas, bem como de suas implicações
negativas na vida dos pacientes confinados nesses espaços.
1. INTRODUÇÃO

1.1 A Psicologia e a Saúde Mental

Ao discorrermos sobre saúde mental e a sua interface com o campo da


psicologia, é imprescindível que destaquemos como foi concebido o conceito e a
percepção da loucura historicamente.
Os transtornos mentais e as patologias estiveram presentes na humanidade
desde o início de sua memória, neste sentido Cociuffo (2001) disserta que suas
primeiras aparições datam da Grécia Antiga, quando em Homero é lançado mão da
perspectiva mitológica-religiosa das perturbações, ou seja, formas míticas e
sobrenaturais explicavam e determinavam todo e qualquer comportamento irracional
dos seres humanos, sendo este por vaidade e capricho dos considerados deuses ou
simplesmente porque a razão lhes eram ludibriadas por estas entidades.
Portanto, antes do século XVIII, as compreensões ligadas a este modelo de
concepção foram disseminadas e serviram como respaldo teórico para diversos
tratamentos e procedimentos desumanos em relação a diferentes corpos e
subjetividades. Estigmas e estereótipos foram construídos e estabelecidos acerca
deste espectro do qual muitos ainda permeiam e advogam no senso comum, não só
da população, mas das próprias instituições responsáveis pelo bem estar, saúde e
segurança destes indivíduos, o que acaba reforçando métodos ineficazes, violentos e
segregadores em função da manutenção do status quo e dos privilégios da
normatividade em diversos aspectos da sociedade.
Foi no século XVIII que Jean-Baptist Pussin (1746–1811) e Philippe Pinel
(1745-1826) passam a tratar a loucura como patologia e então os hospitais
psiquiátricos são elaborados. Para a época, este passo representava um avanço, visto
que pessoas ditas anormais e que em algum sentido caminhavam descompassadas
dos padrões de comportamento, eram torturadas, violentadas e mortas. Porém, este
início de uma visão de tratamento pela moralidade abriu precedentes para que estes
mesmos atores sociais passassem das mãos religiosas e conservadoras, para uma
instituição totalitária que conduzidas por um conceito de padronização e
normatização, encarceravam e silenciavam estes sujeitos que permaneciam entre
uma dicotomia entre as estereotipias gritantes e a invisibilidade de seus direitos e de
suas próprias vivências e existências. No século XIV este retrato do entendimento da
loucura se consolida no modelo alienista tal como nasce a psiquiatria.
Cociuffo (2001) comenta que para Freud em sua psicanálise surgente do
século XIV os anjos, deuses e demônios habitavam não o mundo externo mas o
intrínseco do ser humano, lugar este chamado de inconsciente, onde a compreensão
sobre energias desconhecidas que atuavam sobre o homem, só poderiam ser
reveladas e concebidas através do olhar e espaço para a sua subjetividade. Ainda
neste sentido, Freud contribuiu com seus estudos acerca das patologias em relação
a psicologia que hoje conhecemos, por inferir que os sintomas psiquiátricos diziam
algo que ainda estava encoberto pelo indivíduo que não a sua aparente doença.
Cociuffo (2001) destaca que este pioneiro inaugurou uma outra espécie de
tratativa onde o anormal, o diferente, o excluído e negligenciado pelo seu tecido social
pudesse ser ouvido e ser participante de seu quadro clínico, ressaltando a fala como
instrumento fundamental para o tratamento. Os sintomas e as queixas trazidas eram
observados como mensagens que comunicavam aspectos que necessitavam de
interpretação e compreensão, e que as manifestações orgânicas diziam respeito a
uma única forma de expressão que aquele sujeito obtivera como possibilidade no
momento.
É neste enlace que diferentes abordagens psicológicas nascem, baseadas em
distintas perspectivas do homem, sua saúde e suas patologias, o que abriu portas
para a chegada da psicopatologia enquanto área da ciência.
A partir dela, categorizações e classificações foram criadas e no século XX o
modelo psicológico da loucura foi elaborado, a psicofarmacologia ganha extrema força
de atuação e o olhar neurobiológico se intensifica enquanto norteador das dinâmicas
de investigação e diagnóstico da vida.
Mediante esta breve introdução acerca da história da loucura e suas
transformações no que tange à concepção a ela atrelada e disseminada, é possível
refletir que inúmeras violações foram instauradas e potencializadas ao longo dos
séculos, e a psicologia teve a sua contribuição para que atrocidades fossem
cometidas.
Desta forma, é fundamental que pensemos em saúde mental em interface com
a psicologia, pautados constantemente no compromisso social e a sua íntima relação
com os direitos humanos; que conceitos como os de raça, classe e gênero estejam
rigorosamente implicados nos debates, reflexões e construções coletivas desta área
do saber e do fazer, para que reproduções de discursos elitistas, classistas, racistas,
sexistas, segregacionistas e excludentes não façam parte e nem impactem
prejudicialmente um caminho que deve ser trilhado através da escuta e do
acolhimento da diversidade de todas as subjetividades, corpos e vivências,
obrigatoriamente.

1.2 A instituição

Pensadas em um contexto da Reforma Psiquiátrica, as residências terapêuticas


se consolidam a partir da Portaria 106/2000 do Ministério da Saúde. Trata-se de uma
política pública de atenção integral à pessoa com transtorno mental, que vai ao
encontro das prerrogativas da política de saúde mental do Ministério da Saúde, a partir
da década de 1990 que redirecionava paulatinamente os recursos da assistência
psiquiátrica hospitalar para um modelo substitutivo, baseado em serviços de base
comunitária e territorial, conforme destacado por Almeida e Cézar (2016).
Fruto um forte embate político, o qual foi protagonizado por diversos
profissionais da saúde, militantes e familiares dos serviços, em 2001 p modelo de
atenção à saúde mental é redirecionado e ganha impulso com a promulgação da Lei
Federal 10.216/2001, que dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas com
transtornos mentais e reestrutura o modelo assistencial em saúde mental no Brasil.
Ao criar as Residências Terapêuticas, o Ministério da Saúde, a partir da Portaria
106/2000, estabeleceu as características necessárias à criação e ao funcionamento
destas, e dentre elas: características físicas e funcionais das RT´s, recursos
financeiros para implantação do serviço, a equipe que irá atuar na assistência aos
usuários, os princípios e as diretrizes do Projeto Terapêutico (ALMEIDA E CÉZAR,
2016).

Com relação às características físicas e funcionais das Residências


Terapêuticas, cada casa deve estar inserida em bairros da cidade, ou seja, em contato
com a comunidade. Nela deverá morar um grupo de no máximo oito pessoas.

A casa deve ser mobiliada com equipamentos necessários à realização das


atividades domésticas (higiene pessoal, preparo de alimentos, lavagem de roupas,
entre outros), possuir até três dormitórios e oferecer o mínimo de três refeições. Para
a manutenção desta estrutura (aluguel da casa, mobília, eletrodomésticos, água, luz
etc.), bem como para o pagamento dos profissionais que formarão a equipe de
assistência, os recursos financeiros são provenientes da realocação dos recursos da
Autorização de Internação Hospitalar para o recurso orçamentário do município que
irá implantar o serviço. Assim, conforme indica a legislação nacional, o Sistema Único
de Saúde (SUS) realiza o descredenciamento dos leitos hospitalares para a
desospitalização dos pacientes para as Residências Terapêuticas.

Segundo a Portaria 175/2001, a Residência Terapêutica deverá estar vinculada


a serviços ambulatoriais especializados em saúde mental, como os Centros de
Atenção Psicossocial (CAPS) além de contar com uma equipe mínima responsável
pelo acompanhamento dos moradores, composta por um profissional médico e dois
profissionais com formação em ensino médio e capacitação ou experiência em
reabilitação psicossocial (BRASIL, 2001).

Para além das questões burocráticas e legais que estruturam o novo modelo
de assistência à saúde mentaL, é necessário problematizar alguns aspectos que,
embora secundários em algumas discussões, devem ser sempre retomados para que
o nosso horizonte de sentido (que é o rompimento com toda e qualquer
estrutura/lógica manicomial) não se perca e/ou se findem nos aparatos burocráticos.
A Residência Terapêutica em seu cerne rearranja diversas dinâmicas, mas é
importante destacar quais são as práticas mantidas pelos trabalhadores e
consequentemente usuários da rede; práticas também herdadas de contextos
manicomiais. Há mudanças físicas, o ministério da saúde preconiza diversas
orientações e diretrizes para manutenção de RT´s, mas a questão é, o que tem sido
feito para que esse novo modelo seja, de fato, um rompimento com a lógica
hospitalocêntrica?

No antigo maior polo manicomial do Brasil, Sorocaba, cidade do interior de São


Paulo, que no ano de 2017 contava com mais de dois mil e setecentos leitos em
hospitais psiquiátricos houve uma movimentação que deu fim a esse título. Através
de um fórum formado por estudantes, professores universitários, trabalhadores e
diversos conselhos de profissões. O Fórum da Luta Antimanicomial (FLAMAS) surge
como uma força de luta e pressão para o fechamento dos hospitais psiquiátricos de
Sorocaba, que aconteceu a partir da assinatura de um Termo de Ajustamento de
Conduta (TAC) determinando a desinstitucionalização dos pacientes internados há
muito tempo nessas instituições. O documento foi assinado em dezembro de 2012
pelo Ministério Público e as prefeituras de Sorocaba, Salto de Pirapora e Piedade.
O plano de ação do TAC era de oferecer aos pacientes da saúde mental tratamento
terapêutico, baseado no princípio constitucional da dignidade humana, a
reinserção social, por meio de recursos extra-hospitalares.

No que tange aos cuidados nas residências terapêuticas, é necessário destacar


a existência de um agente que o realizado, o qual é denominado “cuidador”, que
significa aquele que cuida da dor, não sendo um agente de emancipação. São
denominações também atribuídas pela instituição, que se estrutura numa relação
bastante hierarquizada. Nesse sentido, é necessária a discussão acerca do que
significa, para esses profissionais, ser cuidador. Ademais, que tipo de prática se
enquadra na profissão de cuidador, visto que esta é institucionalizada e se dá dentro
da lógica de trabalho? E que tipo de cuidado se constrói nesse modelo institucional
também atravessado pela contradição capital trabalho?

1.3 A Demanda

Devido a impossibilidade de realização dos estágios presenciais, as discussões


do semestre foram realizadas por meio da análise e reflexão de um documentário e
uma série assistidos em aula, via plataforma digital, os quais foram “Retornar à vida
comum: histórias de duas residências terapêuticas, 2016” e série liberta-mente, da TV
Tem, 2016”.

O trabalho das cuidadoras nas Residências Terapêuticas, possui grande


importâncias pois, muitas vezes os moradores dispõem de algum tipo de transtorno
mental, problema de mobilidade, falta de recursos para viver em sociedade por conta
do isolamento e tutela sofridos durante a internação, ou alguma outra sequela
adquirida por conta das violências vividas ou da falta de tratamentos adequados
dentro dos hospitais psiquiátricos.

Com base nas discussões feitas em sala de aula, foi observado que muitas vezes
as cuidadoras das Residências Terapêuticas acabam reproduzindo lógicas
manicomiais, frequentemente os tratando como filhos e/ou os infantilizando, portanto,
foi observada a necessidade e importância da criação de um projeto que vise a
capacitação dessas cuidadoras para o serviço.

Tendo como base os princípios para uma educação libertadora desenvolvidos


por Paulo Freire, vemos a importância dessa capacitação ser feita de forma que
realmente atribua sentido e significado ao que é vivido pelas cuidadoras em seu dia a
dia, e as particularidades apresentadas dentro da RT em que trabalha, portanto, é
visto que mesmo com a realização de diversos debates tratando do assunto, a visita
presencial se mostra essencial para o desenvolvimento de um projeto que realmente
atinja esses objetivos.

2. OBJETIVOS

2.1 Objetivo Geral

Construir, em conjunto com as cuidadoras uma discussão acerca do cuidado


centrado na promoção da emancipação e autonomia das pessoas egressas de
hospitais psiquiátricos e das próprias trabalhadoras, no sentido da desconstrução da
lógica antimanicomial.

2.2 Objetivos Específicos

● Compreender a visão das cuidadoras sobre o cuidado realizado nas


residências terapêuticas, a partir da escuta atenta dos relatos;
● Refletir, em conjunto, sobre ações realizadas no cotidiano e sobre a evolução
dos residentes em relação ao desenvolvimento no sentido de autonomia;
● Discutir os sentidos e significados do cuidado realizado e sobre formas de
realização do trabalho que visem proporcionar maior qualidade e saúde mental
de todos os envolvidos.
3. MÉTODO

3.1 Participantes

Alunos estagiários-terapeutas e trabalhadoras cuidadoras em residências


terapêuticas da cidade de Sorocaba.

3.2 Procedimentos

Pensamos em fundamentar o projeto nos ensinamentos de Paulo Freire,


partindo da compreensão fundamental de que não existe conhecimento pronto e
acabado, mas uma construção desse conhecimento que sempre será contínua.
O autor Freire (1968/2020) vem nos dizer que os homens são seres da práxis,
e como seres do quefazer, eles “emergem” do mundo, e através desse movimento
tem a possibilidade de conhecer e modificar este mundo a todo o momento. Quando
o autor se refere a esse quefazer, é porque ele é realizado através da ação e da
reflexão, sendo práxis e, dessa forma, possibilidade de transformação do mundo.
Lenin (1966 apud FREIRE, 1968/2020 p. 168) nos ensina que :”sem teoria
revolucionária não pode haver movimento revolucionário”, e a partir dessa citação,
Freire (1968/2020) nos explica que a revolução transformadora não ocorrerá através
de verbalismos ou ativismos apenas, mas através da práxis, com reflexão e ação, e
somente a partir disso constrói a possibilidade de atingir as estruturas que precisam
passar por transformação.
Para estabelecermos um compromisso verdadeiro com as pessoas que
pretendemos interagir, de acordo com os ensinamentos de Freire (1968/2020),
precisamos estar comprometidos com a transformação da realidade, na qual os
sujeitos se encontram de alguma forma oprimidos, e devemos também reconhecer,
em primeiro lugar, o seu papel fundamental em todo esse processo. Concordamos
com a afirmação que o autor traz, quando cita que, no real compromisso com a
libertação, o nosso quefazer, que é ação e reflexão, não pode acontecer sem a
reflexão ação dos outros envolvidos no processo.
Nesse método, o autor nos elucida que o mundo não pode ser reduzido a um
simples laboratório de anatomia, nem os homens a meros cadáveres para serem
estudados passivamente, como uma dicotomia. No sentido traçado por um humanista
científico e revolucionário, de fato, os sujeitos oprimidos não são considerados objetos
passivos da sua análise, não discorrendo sobre prescrições a serem seguidas. É
fundamental desconstruir essa lógica na qual a existência de uma pessoa permite
emitir decretos sobre a existência de outra, numa relação de dominação. (FREIRE,
1968/2020).
O método freiriano tem na dialogicidade, a essência da educação como prática
da liberdade. Ao nos trazer análises sobre o diálogo como fenômeno humano, o autor
imediatamente reflete sobre a palavra, e a partir daí segue problematizando seus
elementos constitutivos. Freire (1968/2020) ensina que, em relação a esses
elementos, é necessário pensar nas suas duas dimensões, a ação e a reflexão, e que
somente podemos pensar numa palavra verdadeira, se ela for práxis, concluindo que
a palavra verdadeira é capaz de transformar o mundo. (FREIRE, 1968/2020).
Partindo do princípio de que a existência humana não é muda, podemos pensar
que não é saudável que ela seja nutrida por falsas palavras. Se existir é pronunciar o
mundo, este mundo pronunciado, por sua vez, se volta problematizado para o sujeito
que o pronunciou, e exige dele, através da práxis, um novo pronunciar. Nesse sentido
o autor afirma que não é no silêncio que os homens se fazem, mas que a
transformação de uma realidade somente se torna possibilidade na palavra, no
trabalho e na ação-reflexão. Através da palavra pronunciada, ocorre o diálogo,
impossível de ocorrer através da palavra emitida sozinha, mas somente através do
encontro dos homens, que, mediados pelo mundo, não se esgotam na relação entre
ambos. Outros pontos, todos importantes, são o amor como fundamento do diálogo e
a fé. Sendo assim, o diálogo não pode ser verificado em relações de dominação, pois
permite criar e recriar sempre. Essa vocação de construir e ser sempre mais não pode
ser privilégio de alguns, mas sim um direito de todos os homens e sendo o diálogo o
encontro dos homens na intenção de ser mais, não é possível concretizá-lo da
desesperança, porém, não estamos falando de uma esperança que espera de braços
cruzados, nas palavras de Freire (1968/2020) “Movo-me de esperança enquanto luto
e, se luto com esperança, espero”
De acordo com Freire (1968/2020) a busca do conteúdo programático se inicia
pelo diálogo, antes mesmo do início da relação pedagógica, ou seja, para que
possamos de fato construir um material, precisamos primeiro ter acesso a Residência
Terapêutica. Nesse método, o conteúdo programático não será uma doação, nem
tampouco imposição ou conjunto de informações depositadas, mas uma devolução
organizada, sistematizada e acrescentada, dos elementos que as pessoas trouxeram
no diálogo e nos entregaram talvez de forma desestruturada.
Assim, a nossa proposta não é educar cuidadores; não se trata de narrar aos
profissionais o arsenal de bibliografia que nos foi transmitido na graduação acerca do
cuidado em saúde mental, mas sim de, junto com elas, nos construir enquanto sujeitos
no e com o mundo; é passar pela compreensão de sujeito grudado no mundo e de
mundo grudado no sujeito. A esse respeito, gostaríamos de realizar o resgate da
história, feita por homens e por isso passível de mudanças por eles mesmos.
A ideia é que a construção seja realizada a partir da situação presente,
concreta, existencial, refletindo a aspiração dos sujeitos envolvidos. Freire
(1968/2020) ressalta que o papel do educador não é expor sua visão de mundo, mas
dialogar entre as visões de mundo de todos os envolvidos. Por isso é fundamental que
sejam conhecidas as condições estruturais nas quais o pensar e a linguagem do povo
se constituem dialeticamente. De acordo com o autor, é nesse momento que se inicia
a educação como prática da liberdade, esse momento é chamado por ele de “universo
temático” do sujeito ou o conjunto de seus “temas geradores”.
Nessa metodologia, a dialogicidade da educação libertadora é fundamental,
pois ao mesmo tempo, promove a apreensão dos temas geradores e a tomada de
consciência destes, por parte dos sujeitos. O autor descreve sobre as “situações
limites” que surgem durante essa pesquisa sobre os temas geradores, esclarecendo
que são contextos nos quais as situações se apresentam aos homens como se fossem
determinações históricas, diante das quais não teria outra alternativa que não a
adaptação, servindo como uma fronteira diante da possibilidade das pessoas de ser
mais. Nesse sentido, a investigação do tema gerador, quando realizada através de
uma metodologia conscientizadora, inicia a inserção dos sujeitos na forma crítica de
pensar seu lugar no mundo, essa investigação se dirige ao pensar dos sujeitos
referidos à realidade, sua práxis, seu atuar sobre a realidade. Dessa forma, quanto
mais ativa for a postura das pessoas durante a investigação da temática, mais
aprofundada será a tomada de consciência em torno da realidade concreta, se
apropriando dela. Conseguir captar esses temas e, para além disso, compreendê-los,
de acordo com Freire (1968/2020 p. 138) “é um esforço comum de consciência da
realidade e de autoconsciência, que a inscreve como ponto de partida do processo
educativo, ou da ação cultural de caráter libertador”.
A próxima etapa do processo é a significação conscientizadora da investigação
dos temas geradores, e desde o processo de busca dos temas já deve estar presente
a preocupação com a problematização dos próprios temas e suas possíveis
vinculações com outros temas, justamente por seu envolvimento histórico-cultural.
Sendo os homens seres em situação, pensar essa situacionalidade é pensar sobre a
própria condição de existir, ou seja, um pensar crítico através do qual os sujeitos se
descobrem nessa situação. Freire (1968/2020) explica ainda que a partir da imersão
anterior que os sujeitos se encontravam, compreendendo a situação, têm a
possibilidade de emergir, possibilitando se inserir, de fato, na realidade desvelada.
Então, para uma educação realmente problematizadora, dialógica, o conteúdo
jamais será depositado, ele estará sempre sendo construído, renovado, ampliando-
se, conforme as necessidades se apresentam. O desafio e tarefa principal de uma
educação dialógica, é trabalhar em equipe interdisciplinar o conteúdo recolhido na
investigação do universo temático e devolvê-lo às pessoas com quem interagiu como
um problema, não como solução pronta. A proposta é que as pessoas que irão passar
pelo processo educativo participem de todo o processo de forma ativa. Para tanto, no
processo de investigação é necessário visitar o local onde será realizada a proposta
de educação várias vezes, em momentos distintos, observando a rotina dos
participantes, a linguagem utilizada, as relações entre todos os envolvidos, as
questões de gênero, manifestação de relatos e opiniões, e, a partir da coleta de um
rico material, discutir em equipe os achados, em conjunto com representantes
escolhidos entre os próprios educandos, para que o processo seja o mais horizontal
e libertador possível (FREIRE, 1968/2020).
Conforme salientado por Paulo Freire (1968/2020), uma educação que se
proponha libertadora tem, na sua lógica, a superação da contradição educador-
educando. Nesse sentido, a educação não é mais um ato no qual o educador deposita
no educando as suas narrativas acerca de um determinado objeto, mas um processo
no qual educador e educando se educam no diálogo, na pronúncia e na inserção no
mundo.
Freire (1968/2020) discorre sobre as próximas etapas da aprendizagem,
dizendo que a partir das contradições que surgirão das problematizações dos
conteúdos coletados, a equipe interdisciplinar escolherá algumas delas, e a partir
desse material, e mais algum material que a equipe possa achar necessário
acrescentar (que se encontre além das situações limites dos sujeitos), serão
elaboradas as codificações que vão servir à investigação temática. Podem ser
fotografias ou pinturas que farão o papel mediador dos sujeitos que se tornarão
descodificadores, através do ato de analisar criticamente as situações apresentadas.
Essas imagens devem, necessariamente, representar situações conhecidas pelas
pessoas que participam do projeto, possibilitando que se reconheçam nelas; na
medida que representam as situações existenciais dessas pessoas, as codificações
devem ser simples e possibilitar diversas formas de análise na sua descodificação,
evitando direcionamentos. O desenvolvimento ocorre mais ou menos assim, primeiro
o sujeito exterioriza sua consciência real da situação apresentada, na medida em que
realiza essa ação, percebem que atuavam enquanto viviam na situação analisada,
chegando ao que o autor descreve como percepção da percepção anterior. Essa nova
percepção é um novo conhecimento, e a formação já tem início nessa etapa da
investigação. Durante esse processo chamado de descodificação, o investigador além
de ouvir os sujeitos, têm o papel de incentivá-los, problematizando também as
respostas trazidas pelos sujeitos durante as situações apresentadas.
Na terceira fase da investigação proposta por Freire (1968/2020), são
realizados diversos diálogos descodificadores, nos “círculos de investigação
temática”. Trata-se de discussões a partir as descodificações do material elaborado
na etapa anterior, que podem ser gravadas para posterior análise interdisciplinar. É
importante que, se forem realizadas reuniões para análise desse material, os
representantes eleitos estejam presentes. Sujeitos e especialistas poderão assim
serem retificadores e ratificadores das possíveis interpretações dos achados da
investigação. O autor descreve que os sujeitos que participam dos círculos de
investigação temática extrojetam sentimentos através da força catártica dessa
metodologia, que possivelmente não seria possível em outro contexto.
O objetivo é propiciar uma conscientização que supere o reconhecimento puro
de caráter subjetivo da situação apresentada, mas uma conscientização que prepare
as pessoas para ação, no sentido de uma luta contra os obstáculos à humanização.
Além da captação indireta de uma temática, os investigadores podem, depois de
algum tempo de relação horizontal estabelecida, perguntar diretamente: “que outros
assuntos podemos discutir além destes?” Após a resposta, é possível ainda
problematizar os motivos que levaram o sujeito a escolher determinado assunto.
(FREIRE, 1968/2020).
Freire (1968/2020) destaca que o programa para educação deve ser buscado
dialogicamente com os interessados e que a educação libertadora (e não bancária)
ocorre quando as pessoas se sentem sujeitos do seu próprio pensar, discutindo sobre
esses pensamentos, sobre sua própria visão de mundo.
Identificamos que em todo o desenvolvimento do método a importância do
movimento é destacada, um movimento que é dialético, e é esse o movimento que
nos propomos a realizar neste trabalho.
O projeto foi pensado a partir da compreensão do autor citado. Trata-se de uma
proposta redigida sem a visita em território, desconhecendo presencialmente a
realidade de uma residência terapêutica. A proposta seria formulada a partir de uma
aproximação, num primeiro momento, buscando estabelecer uma relação horizontal
e a partir daí de conhecer os temas geradores. Para abarcar os objetivos do projeto,
pensamos em sugerir reflexões sobre as práticas de cuidado, sobre a lógica do
trabalho e das próprias instituições, mediadas por fotos, imagens e dizeres presentes
no cotidiano das pessoas envolvidas. Posteriormente, será proposta a ideia de um
ciclo de rodas de conversa, pautada nos temas emergidos durante a primeira
problematização, desenvolvidas com suporte das análises e acréscimos realizados a
partir dos temas geradores, bibliografia e discussões em supervisão. Por fim, a
reflexão de todo o processo, na qual serão levantados os resultados do projeto e as
possibilidades de encerramento.
Vale destacar que dividimos este movimento apenas por questões práticas e
didáticas, mas ele está presente em todas as etapas do processo.
4. CRONOGRAMA

Período
Agosto Setembro Outubro Novembr Dezembr
Atividades o o
Levantamento X X X X
bibliográfico

Discussão X
crítica acera
das possíveis
demandas
Desenvolvime X X
nto do projeto

Discussão X
crítica acerca
das
potencialidade
s e limites do
projeto
Apresentação X
para a sala
REFERÊNCIAS

ALMEIDA, Flavio Aparecido de et al. As residências terapêuticas e as políticas


públicas de saúde mental. Igt na Rede, Rio de Janeiro, v. 13, p. 105-114, 2016.
Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/pdf/igt/v13n24/v13n24a07.pdf. Acesso em:
19 out. 2020.

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(Série F. Comunicação e Educação em Saúde)

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FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 73. ed. Rio de Janeiro/São Paulo: Paz e
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GARCIA, Marcos Roberto Vieira. A mortalidade nos manicômios da região de


Sorocaba e a possibilidade da investigação de violações de direitos humanos no
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http://portalarquivos2.saude.gov.br/images/pdf/2015/marco/10/PORTARIA-106-11-
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