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As experiências de arte-cultura estariam produzindo rupturas em relação a pontos fundamentais do

paradigma psiquiátrico, ampliando os espaços de cidadania e circulação social dos sujeitos em


sofrimento mental ou situação de vulnerabilidade psicossocial. Tais rupturas dizem respeito ao
deslocamento da ideia de doença mental como incapacidade e inferioridade; à crítica do discurso
científico e técnico como lugar da verdade; à crítica da ideia de cultura como restrita à arte
institucionalizada; e à crítica da noção de arte e cultura como terapêutica. Essas rupturas se
relacionam ainda com uma redefinição de conceitos, com a ampliação e transformação do conceito
de cultura e da noção de reforma psiquiátrica.

Para a redefinição da noção de reforma psiquiátrica, dois pontos são centrais. Em primeiro lugar, a
compreensão da RP como “processo social complexo”, que vai além de simples reforma técnica de
serviços de assistência1. Em segundo lugar, o questionamento da ideia de doença mental como
desvio, bem como a crítica dos conceitos de “desordem” ou “transtorno mental”, forjados a partir de
uma visão biomédica e individual.

Ressignificação do conceito de cultura, existem duas abordagens importantes: primeiro, a


discussão sobre a arte-cultura como linguagem dialógica que supera e transcende a racionalidade
científica, a cultura deixa de ser restrita à arte institucionalizada ou a formalismos escolásticos para
ser instrumento na construção de identidades coletivas e direitos de cidadania, funcionando como
“resistência ao poder”.

A segunda discussão é sobre as experiências artístico-culturais se desprenderem de uma função


estritamente terapêutica e se tornarem intervenção na cultura, como estratégia de reconstrução de
possibilidades de vida dos sujeitos em sofrimento mental.

Pode-se considerar que muitas experiências de reforma psiquiátrica foram uma espécie de
“renovação”, no sentido de que não produziram reformas no sentido pleno. Produziram
reacomodações, mantendo muitos dos fundamentos tradicionais da Psiquiatria.
No Brasil, o processo de reforma se deu mais no sentido de politização das denúncias e críticas a
partir dos movimentos sociais e das lutas contra o autoritarismo da ditadura e as instituições de
violência que se tornaram “casas de horrores” ,se constituiu como luta por liberdade e contra todas
as formas de violência.
Portanto, RP nasce da sociedade civil, e não do Estado ou de interesses de grupos de poder, como
reivindicação popular e por cidadania e direitos, estando muito mais próxima de uma noção de
“reforma estrutural”,

Uma visão ampliada da RP é a de não reduzi-la a simples reforma de serviços e organização de


rede de cuidados médico-psicológicos e assistenciais.

reconhecimento da diversidade dos sujeitos em sofrimento mental ou vulnerabilidade psicossocial.


Isso implica em não apenas defendê-los da violência, mas em reconhecer a sua diversidade cultural
e em promovê-la enquanto emancipação, cidadania, capacidade de trocas sociais e formas de
reprodução das subjetividades.
Uma das inovações para lidar com a loucura está no campo do trabalho e da geração de renda,
como nas experiências de economia solidária e cooperativismo; uma outra inovação está no campo
da cultura, como nos projetos de arte e cultura e a produção sociocultural dos atores da RP.

Uma primeira ruptura do campo artístico, é sobre o deslocamento da concepção de doença ou


transtorno mental de experiência de erro ou incapacidade para experiência de diversidade psíquica,
ou de “extranormalidade”. Caso contrário, corre-se o risco de restringirem-se as mudanças ao sair
do manicômio, reproduzindo a cultura manicomial fora do hospital, e, em vez de ser criado um
contexto de acolhimento do diferente, corre-se o risco de surgirem instituições de tolerância, no
sentido discriminatório.

Embora a compreensão da sociedade sobre a loucura e o sofrimento mental possa estar em


transição, mesmo a substituição do termo paciente por “usuário” (associada a uma ideia de
protagonismo) não se demonstra suficiente.
Outro aspecto a observar é o da crescente campanha de medicalização da sociedade, feita por
intermédio da mídia, da classe psiquiátrica, das universidades e da indústria farmacêutica. Por uma
questão de mercado, e também por uma visão de exclusão social do diferente, tem ocorrido a
ascensão de interesses na contramão da RP, com um visível processo de patologização dos
comportamentos e expansão da psiquiatrização social e da medicalização da vida
“Esse foco na doença, e não na doença e em seu contexto, cristalizou uma visão de saúde pública
que [...] criou uma espécie de ‘farmaceuticalização’. […] Isso significa que o direito à saúde é visto
como dar ao cidadão acesso à tecnologia e ao fármaco.”
– como ensinou Basaglia, “não basta abater a espessura dos muros do manicômio”, trata-se de
lutar por cidadania e inclusão, na defesa da diversidade cultural e do direito à saúde e à vida

Raps

Orientada
pelo cuidado em liberdade, pela garantia dos
direitos humanos e civis, pela afirmação da
participação do usuário em seu projeto tera�pêutico e pela implosão da noção da loucura
como expressão de doença mental, criou-se a
Rede de Atenção Psicossocial (Raps), por meio
de um conjunto de dispositivos espalhados
pelo País, em especial, o Centro de Atenção
Psicossocial (Caps)

Com características multifacetadas, inspirado no


Sistema Único de Saúde (SUS), desenhando diretrizes e princípios para a nascente
atenção psicossocial, com serviços organizados em rede, de caráter territorial e
interdisciplinar.
Em um primeiro
momento, a reforma esteve comprometida
com a problematização da visão dominante
sobre a loucura e com o estabelecimento
de um acordo político e jurídico que interviesse objetivamente na formulação dos modos de
tratamento. Em suma, o objetivo
da reforma não se restringia unicamente à
reorganização dos fluxos e dos serviços, mas
visava, radicalmente, interrogar o domínio
do pensamento psiquiátrico e as consequências subjetivas e culturais dessa forma
de compreensão da loucura

Os esforços iniciais foram direcionados à população com transtornos graves que estava
submetida ao domínio da lógica psiquiátrica
que lhe atribuía características de periculosidade, incapacidade civil e inevitável
exclusão social.

O acolhimento do
usuário em crise é uma prática que pode
acontecer tanto nas Unidades Básicas de
Saúde (UBS), com possibilidade de encaminhamento às unidades especializadas,
quanto, diretamente, nos serviços de urgência geral e/ou psiquiátricas

Os complementos ‘grave/severo e persistente’, cujas características


e necessidades de maior complexidade irão
requerer suporte psicossocial mais abrangente.
Tal quadro está associado a duração dos problemas, intensidade do sofrimento, extensão
das dificuldades e incapacidades nas relações
interpessoais, nas competências sociais; e, por
fim, inclui o diagnóstico psiquiátrico.

Cabe ressaltar a presença cada vez mais constante nos serviços


de saúde da atenção básica, de manifestações
de crise associadas a fenômenos de violência,
incluindo acontecimentos de potencialidade
traumática, de natureza sexual e doméstica, de ideações e tentativas de suicídio,
além da agudização de quadros depressivos
e de ansiedade.

Acontecimentos com
efeito disruptivo, como a exposição à violência
ou o desencontro amoroso, podem ser suficientes para que a crise se apresente ao sujeito

De acordo com a Resolução nº 1.451/95, o


Conselho Federal de Medicina definiu como
Urgência a ocorrência imprevista de agravo à
saúde, de causa diversa, ocorrida em qualquer
local e motivada por qualquer circunstância,
cujo portador requer assistência médica imediata com vistas a reduzir eventual risco potencial de
morte. A Emergência, por sua vez, seria
a constatação médica de condições de agravo
à saúde que implicam risco iminente de vida
ou sofrimento intenso, exigindo, portanto, o
tratamento médico imediato pela constatação da gravidade do quadro em observação14.
Sem avançar em maiores tipificações, ambas
têm em comum a pressa no cumprimento de
protocolos e de procedimentos.

A emergência psiquiátrica é a manifestação de um distúrbio de pensamento, emoção ou


comportamento, a partir
da qual o atendimento médico se faz necessário para reduzir maiores comprometimentos à
saúde psíquica, física e social e eliminar possíveis riscos à vida da pessoa ou à de terceiros.
Compreendendo a
alteração psicológica aguda (pânico, crise
de angústia, depressão) e possível quadro de
desorganização comportamental (surto psicótico) que põem em risco eventual o paciente e
seu entorno.

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