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As práticas manicomiais surgiram entre o século XIX e meados do

século XX, em um momento de formação da psicopatologia como ciência, com


aprimoramento de técnicas diagnósticas a fim de objetivar a doença mental. A
loucura, antes tratada como questão social, passa a ser um problema médico
psiquiátrico.
Passou-se a arbitrar limites e foram marcadas anormalidades, para a
proposição de técnicas terapêuticas. O louco passa a ser marcado como
doente ou perigoso, justificando emprego de técnicas corretivas e tutela social
pela perda de autonomia. A educação é grande estratégia política para, de
forma suave e convincente, implantar ordem corretiva.
Na década de 60, o modelo manicomial passou ser questionado a
partir do conceito de doença mental. A visão deixa de ser limitada a aspectos
biológicos-morais de patologias mentais, para passar a uma dinamicidade dos
transtornos mentais. O modelo biomédico, baseado na terapêutica e
hospitalização, pressupunha que o distúrbio retira a razão do paciente e passa
a ser fundado na vigilância, controle e disciplina, com mecanismos de punição
e repressão.
O momento é de efervescências sociais que questionam o poder
patriarcal, formas de autoridade, privilégios de classe, lugar das mulheres.
Aliado à revolução nas artes e estética, a patologia da loucura passa a ser
questionada em razão do caráter repressivo de corpos e a intervenção
totalitária realizada pelo Estado em manicômios. A loucura volta a ser uma
questão social.
A luta antimanicomial se refletiu pela extinção do hospital psiquiátrico,
do muro, do confinamento e da internação, mas também contra a naturalização
do manicômio, da doença mental, da exclusão, da patologização e do confisco
da autonomia do louco.
No Brasil, a crise no DINSAM (Divisão Nacional de Saúde Mental), em
1978, foi o marco fundador da reforma psiquiátrica no Brasil. quando diversos
trabalhadores de unidades psiquiátricas do Rio de Janeiro entraram em greve
denunciando a precariedade de internação e trabalho. Entretanto, as ideias de
reformas psiquiátricas se reduziam à reformulação de serviços, com tentativas
de humanização do hospital e introdução de novas técnicas.
O Movimento dos trabalhadores de saúde mental (MSTM) surge com
preocupações sociais e articulações políticas extra-muros, mas posteriormente
rompe com a reforma psiquiátrica, alegando que não bastava a modernização
dos serviços, e sim uma política antimanicomial. Essa ruptura, em 1987, marca
o nascimento da luta antimanicomial.
O movimento da Luta antimanicomial institucionaliza-se em 1990, com
caráter social, com bandeiras contra o manicômio e buscando a extinção de
hospitais psiquiátricos no Brasil. Após a tramitação de projeto por mais de 10
anos, a aprovação da Lei 10.216/01 foi comemorada como vitória do
movimento. Extinto oficialmente o hospital psiquiátrico, foram lançadas bases
para implantação de rede de serviços na saúde mental (CAPS), saindo de um
viés patologizante para estratégias de atenção psicossocial.
A atenção psicossocial é vista como um processo social complexo,
algo que se transforma permanentemente, com novas situações a serem
enfrentadas. A dimensão teórico-conceitual (ou epistêmica) indica que a ciência
não deve ser considerada um saber neutro, insuspeito ou autônomo, mas está
em constante transformação. Dessa forma, as políticas de saúde devem ser
permeadas por questões de ordem ideológica, política, ética, sendo a reforma
psiquiátrica uma consequência natural de transformação da própria ciência. A
psiquiatria se ocupou das doenças e se esqueceu dos sujeitos. É imperioso
que se considere os sujeitos em sofrimento, para escutar e acolher suas
angústias em um ambiente de cuidado.
A dimensão sociocultural é estratégica, criativa e reconhecida no
âmbito nacional e internacional e tem o objetivo de provocar a sociedade a
refletir sobre o tema da loucura e dos hospitais psiquiátricos, a partir da música,
teatro, congressos, entre outros.
Há também as dimensões jurídico-política e a técnico-assistencial.

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