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INTERSETORIALIDADE E

SAÚDE MENTAL
A POLÍTICA DE SAÚDE MENTAL: CAMINHOS, AVANÇOS E DESAFIOS.
"Que dizer da loucura? (...) Não há espécies,
não há raças de loucos; há loucos só.
Há os que deliram; há os que se concentram
num mutismo absoluto.
Há também os que a moléstia mental faz
perder a fala ou quase isso"

Lima Barreto – O Cemitério dos Vivos


Doença e exclusão

 Leprosos

 Loucos
Doença e exclusão

A prática de exclusão do “leproso” já existia antes do século XV.


 No inicio da idade média, até o fim das cruzadas, o que se abate é a lepra sobre a Europa,
dominando o imaginário coletivo com relação às representações da punição divina e da morte.
 Acerca da lepra, dois importantes momentos ocorreram:
 os leprosos foram segregados no interior dos leprosários evitando, assim o contágio, e também;
 com o final das cruzadas no Ocidente, rompe-se o contato com os focos de contaminação no
Oriente.
 Ao ser erradicada a lepra, “sobram centenas de leprosários, lugar de exclusão e isolamento social”*.
 Passando este espaço ocupado por vagabundos, pobres e também pelos “loucos”.
Doença e exclusão

 O fenômeno da loucura passou por muitas modificações como também


exclusões ao longo da história:

 Na antiguidade grego romana, influenciada pela ideologia religiosa, a loucura era um


fenômeno relacionado às práticas mitológicas, revelações sobrenaturais , motivados por
deuses.

 Na antiguidade as pessoas podiam transitar pelas ruas, a loucura fazia parte do cenário social.

 Na Idade Média, período da inquisição, os loucos passaram a ser vistos pela Igreja como
possuídos pelo demônio; estando a loucura ligada à bruxaria e heresia; e, com tribunais
dirigidos pela igreja Católica, passados a ser punidos e perseguidos.
Doença e exclusão
 Com o renascimento, uma nova representação acerca da loucura surge, na metade do século XV,
quando um novo objeto fez seu “aparecimento na paisagem imaginária da Renascença”;
ocupando um lugar privilegiado: um barco com o nome de: “Nau dos Loucos”.
 Nesses barcos, eram embarcados especialmente os insanos, para serem levados a cidades
distantes, sendo escorraçados também pelos moradores da localidade de destino.
 O Hospital
 Na Idade Média o Hospital aparece como uma instituição de caridade, com o objetivo de “oferecer
abrigo, alimentação e assistência religiosa aos pobres, miseráveis, mendigos, desabrigados e doentes”.
 A origem da palavra “hospital”, em latim tem o significado de “hospedagem, hospedaria,
hospitalidade”.
 Não sendo o hospital, em sua origem, uma instituição médica,
 para o hospital ser transformado em instituição médica, ocorreu um longo processo.
Paradigma Psiquiátrico

 Trancar e isolar como tratamento

Fotos do 1ª Hospital
Psiquiátrico do Brasil –
Hospício de Pedro II
Isolar para conhecer!

Conhecer para dominar!


Modelo Hospitalocêntrico

 Objeto doença mental

 Modo de compreender predominantemente biológico

 Estratégia de tratamento prioritariamente

medicamentosa

 Instituição hegemônica hospital psiquiátrico

 Prática social isolamento/exclusão


A Reforma Psiquiátrica no Brasil e a Luta Antimanicomial

 No Brasil na década de 70 forma-se o movimento dos trabalhadores em saúde


mental, com objetivo de lutar pela transformação na assistência psiquiátrica;
 O movimento surgiu em função de denúncias aos hospitais psiquiátricos que viam
como única forma de tratamento a exclusão, ou seja a retirada do paciente do
convívio social;
 Os hospitais psiquiátricos apresentavam caráter asilar, segregante, violento;
 Os Hospitais super lotados apresentavam péssimas condições de higiene e não
dispunham de programas que visassem a reintegração do paciente à sociedade e
atendimento integral.
A Reforma Psiquiátrica no Brasil e a Luta Antimanicomial

 No Brasil - Com a abertura democrática, as propostas políticas dos movimentos de reforma sanitária e reforma
psiquiátrica iam sendo integradas ao aparelho do estado.
 DÉCADA de 80
 1980 – mobilização dos usuários, familiares e trabalhadores de saúde visando a mudar a realidade dos manicômios
 1986 – 8ª Conferência Nacional de Saúde, que aprovou um relatório, cujas bases constituíram o projeto de Reforma
Sanitária Brasileira.
 1987 - I Conferência Nacional de Saúde Mental.
 1988 – A Assembleia Nacional Constituinte aprovou a nova Constituição Brasileira, incluindo pela primeira vez uma sessão
sobre a saúde, artigo 196. “A saúde é direito de todos e dever do Estado”.
 O Sistema Nacional de Saúde – SUS, é criado e aprovado pela Constituição Federal, que reconhece o direito de acesso universal para
toda a população.
 1989 – Aprovação, pela Câmara Federal, Projeto de Lei do Dep. Paulo Delgado. (Originou a Lei Federal 10216/2001).
A Reforma Psiquiátrica no Brasil e a Luta Antimanicomial

 DÉCADA de 90
 Implantação do SUS;
 Declaração de Caracas (OMS/OPAS - 1990); NA FRENTE
 Portaria Ministério da Saúde 224/92 regulamenta as ações e equipamentos de
saúde mental;
 II Conferência Nacional de Saúde Mental (1992);
 Surgiram Leis Estaduais ( CE, DF, ES, MG, PE, RN, e RS).
Declaração de Caracas (1990)
 1. Que a reestruturação da assistência psiquiátrica ligada ao Atendimento Primário da Saúde, no quadro dos Sistemas
Locais de Saúde, permite a promoção de modelos alternativos, centrados na comunidade e dentro de suas redes
sociais;
 2. Que a reestruturação da assistência psiquiátrica na região implica em revisão crítica do papel hegemônico e
centralizador do hospital psiquiátrico na prestação de serviços;
 3. Que os recursos, cuidados e tratamentos dados devem: a) salvaguardar, invariavelmente, a dignidade pessoal e os
direitos humanos e civis; b) estar baseados em critérios racionais e tecnicamente adequados; c) propiciar a
permanência do enfermo em seu meio comunitário;
 4. Que as legislações dos países devem ajustar-se de modo que: a) assegurem o respeito aos direitos humanos e civis
dos doentes mentais; b) promovam a organização de serviços comunitários de saúde mental que garantam seu
cumprimento;
 5. Que a capacitação dos recursos humanos em Saúde Mental e Psiquiatria deve fazer-se apontando para um modelo,
cujo eixo passa pelo serviço de saúde comunitária e propicia a internação psiquiátrica nos hospitais gerais, de acordo
com os princípios que regem e fundamentam essa reestruturação;
 6. Que as organizações, associações e demais participantes desta Conferência se comprometam solidariamente a
advogar e desenvolver, em seus países, programas que promovam a Reestruturação da Assistência Psiquiátrica e a
vigilância e defesa dos direitos humanos dos doentes mentais, de acordo com as legislações nacionais e respectivos
compromissos internacionais.
A Reforma Psiquiátrica no Brasil e a Luta
Antimanicomial
 INÍCIO do SÉCULO XXI
 2000 – Portaria nº 106/00 - SRTs;
 2001- Dia Mundial da Saúde – “Cuidar sim, excluir, não”;

 2001- Aprovação da Lei nº 10.216/01 (Dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas

portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental.);


 2001- III Conferência Nacional de Saúde Mental;
 2002 - Editada Portaria 251/02, instituiu avaliação e supervisão da rede hospitalar em
psiquiatria e hospitais gerais com leitos;
 2002 - Portaria 336/02 – CAPS ( Centro de Atenção Psicossocial);
 2003 - Aprovação da lei nº 10.708/03 – Programa De Volta para Casa.
A Reforma Psiquiátrica no Brasil e a Luta
Antimanicomial - Lei Federal n° 10.216
 Lei Federal n° 10.216 de 06 de abril de 2001 (Considerada Lei da Reforma Psiquiátrica). Dispõe sobre a
proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial
em saúde mental.
 A normatização é feita através das Portarias que regulamentam as ações e os serviços de Saúde e Saúde Mental.
 Art. 1º Os direitos e a proteção das pessoas acometidas de transtorno mental, de que trata esta Lei, são
assegurados sem qualquer forma de discriminação quanto à raça, cor, sexo, orientação sexual, religião, opção
política, nacionalidade, idade, família, recursos econômicos e ao grau de gravidade ou tempo de evolução de seu
transtorno, ou qualquer outra.
 Art. 2º Nos atendimentos em saúde mental, de qualquer natureza, a pessoa e seus familiares ou responsáveis
serão formalmente cientificados dos direitos enumerados no parágrafo único deste artigo.
A Reforma Psiquiátrica no Brasil e a Luta
Antimanicomial - Lei Federal n° 10.216
 Artigo 2. Parágrafo único. São direitos da pessoa portadora de transtorno mental:
 I - ter acesso ao melhor tratamento do sistema de saúde, consentâneo às suas necessidades;
 II - ser tratada com humanidade e respeito e no interesse exclusivo de beneficiar sua saúde, visando
alcançar sua recuperação pela inserção na família, no trabalho e na comunidade;
 III - ser protegida contra qualquer forma de abuso e exploração;
 IV - ter garantia de sigilo nas informações prestadas;
 V - ter direito à presença médica, em qualquer tempo, para esclarecer a necessidade ou não de sua
hospitalização involuntária;
 VI - ter livre acesso aos meios de comunicação disponíveis;
 VII - receber o maior número de informações a respeito de sua doença e de seu tratamento;
 VIII - ser tratada em ambiente terapêutico pelos meios menos invasivos possíveis;
 IX - ser tratada, preferencialmente, em serviços comunitários de saúde mental.
Novo modelo baseado na Reforma Psiquiátrica

 Objeto complexidade da existência

 Modo de compreender transdisciplinar

 Estratégia de tratamento focada no cuidado

 Instituição hegemônica constituição de uma rede

 Prática social inclusão


Rede de Atenção à Saúde Mental
Mudanças do processos de trabalho em saúde mental

Quatro dimensões fundamentais do processo da reforma psiquiátrica:


Necessárias para desenvolver a autonomia dos usuários de saúde mental
Para Basaglia “o objetivo do trabalho é a pessoa e não a doença”.
 1- Dimensão teórico-conceitual:
Desconstrução, reconstrução de conceitos fundamentais da psiquiatria.
Através do Conhecimento dos Profissionais...
 2- Dimensão técnico-assistencial:
A construção de uma rede de novos serviços, de espaços de sociabilidade, de trocas e produção de
subjetividades, substitutivos (e não apenas alternativos) ao modelo terapêutico tradicional.
A forma de Atuação Profissional....
Quatro dimensões fundamentais do processo da reforma
psiquiátrica:

 3- Dimensão jurídico-político:
Revisão das legislações sanitária, civil e penal no que diz respeito aos conceitos de 'doença
mental', 'psicopatia' e 'loucos de todo o gênero', e construção de novas possibilidades de
cidadania, trabalho e ingresso social.
Conhecimento do arcabouço legal e de todas as dimensões para a reconstrução e mudança de
conceitos.

 4- Dimensão sociocultural:
Como consequência, e também simultaneamente, de todas as demais ações listadas
anteriormente, (...) e a partir de ações no campo sociocultural, busca-se uma transformação do
imaginário social relacionado com a loucura, a doença mental, a anormalidade e assim por
diante. Um ser que “SOFRE”!
Inclusão nos espaços sociais, através de relações de trocas e afetos.
Mudanças dos Processos de Trabalho em Saúde Mental

 Exemplos:
 Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) – quando os profissionais atuam como uma
equipe de referência em saúde mental em direção a comunidade, no território de vida
das pessoas, através de Projeto Terapêutico Singular dos usuários;
 Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF) – ao conhecer e desenvolver ações para
a mudança de modelo em saúde mental, na sua prática com as equipes, construindo
PTS;
 Profissionais atuando na Rede em outros pontos de atenção, tais como: Hospital
Geral, UBS, UPA, etc. De outros atores como: Social - CRAS, CREAS, Educação,
Esporte, etc...;
 Oficinas Terapêuticas para chegar a Oficinas de Geração de Renda;
Mudanças dos Processos de Trabalho em
Saúde Mental
 Exemplos:
 Articulação dos Profissionais de saúde mental para o trabalho em Rede;
 Matriciamento em saúde mental para potencializar as ações junto aos profissionais,
usuários e familiares;
 Estratificação de Risco em Saúde Mental, através das Unidades Básicas de Saúde para
o encaminhamento implicado;
 Discussão das Portarias e ações em conjunto;
 Economia Solidária: trabalho não formal que poderá ser realizado através de
participação em feiras, associações de bairros ligados a Cooperativas sociais, etc.
Referências:

 AMARANTE, Paulo D. C. (Org.). Psiquiatria social e reforma psiquiátrica. Rio de Janeiro: Fiocruz, 1994.
 ______. Loucos pela vida: a trajetória da reforma psiquiátrica no Brasil. 2.ed. Rio de Janeiro: Ed. Fiocruz,
1995.
 ______. O homem e a serpente: outras histórias para loucura e a psiquiatria. Rio de Janeiro: Ed. Fiocruz, 1996.
 ______. Reforma psiquiátrica e epistemologia. Cad. Bras. Saúde Mental, vol. 1, n.1, jan-abr. 2009.
 AMARANTE, Paulo D. C; NICÁCIO F.; BARROS D. DORNELES. P. DORNELES, P. Archivos de saúde
mental e atenção psicossocial, 2 coordenação. Rio de Janeiro: Nau, 2005. (Archivos; v.2).

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