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INSTITUIÇÃO DE SAÚDE

autoras
ROSANE ALBUQUERQUE COSTA
CRISTIANE GUIMARÃES

1ª edição
SESES
rio de janeiro  2016
Conselho editorial  sergio augusto cabral, roberto paes e paola gil de almeida

Autoras do original  rosane albuquerque costa e cristiane guimarães

Projeto editorial  roberto paes

Coordenação de produção  paola gil de almeida, paula r. de a. machado e aline


karina rabello

Projeto gráfico  paulo vitor bastos

Diagramação  bfs media

Revisão linguística  bfs media

Revisão de conteúdo  gustavo dándrea

Imagem de capa  syda productions  |  shutterstock.com

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida
por quaisquer meios (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em
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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (cip)

C837i Costa, Rosane Albuquerque


Instituição de saúde / Rosane Albuquerque Costa; Cristiane Guimarães.
Rio de Janeiro: SESES, 2016.
120 p: il.

isbn: 978-85-5548-404-9

1. Morte. 2. Hospital. 3. Atuação. 4.Saúde. 5. Doença. I. Cristiane Guimarães.


II. SESES. III.Estácio.
cdd 155.937

Diretoria de Ensino — Fábrica de Conhecimento


Rua do Bispo, 83, bloco F, Campus João Uchôa
Rio Comprido — Rio de Janeiro — rj — cep 20261-063
Sumário

Prefácio 7

1. Instituições de saúde: o trabalho com a doença


e a morte 9

1.1  O conceito de instituição 11


1.1.1  Instituições, Organizações e Estabelecimentos. 11
1.2  Sistema de Saúde no Brasil – SUS 15
1.2.1  Classificação dos estabelecimentos de saúde quanto aos níveis
de Atenção 16
1.3  A política de saúde mental, álcool e outras drogas 19
1.3.1  Rede de Assistência 19
1.4  Nível de atenção terciária 21
1.5  Unidade saúde da família - USF 22
1.6  O hospital 22
1.6.1  Classificação dos Hospitais 23
1.7  O trabalho com doença e morte 25
1.8  Sobre o morrer 26
1.8.1  Estágios do morrer 27

2. Alterações psicopatológicas em situações de


internação 31

2.1  As técnicas de controle disciplinar 33


2.1.1  A despersonalização do paciente 34
2.2  Alterações psicopatológicas no hospital 39
2.2.1  Os sinais e sintomas 40
2.3  Principais alterações psicopatológicas 40
2.3.1  Alterações patológicas da consciência 41
2.4  Psicoses devido a condições clinicas 47
2.5  Pacientes com doenças crônicas ou terminais 48
2.5.1  O doente crônico 50

3. Instituições de saúde: um campo de trabalho


transdisciplinar 55
3.1  O papel da liderança no gerenciamento de conflitos 60
3.2  Liderança no gerenciamento dos conflitos 62
3.2.1  Laços sociais e afetivos nas instituições 64
3.3  Comunicação nas instituições 67
3.3.1  Comunicação de notícias difíceis 68
3.4  Habilidades sociais de comunicação 70
3.4.1  Habilidades sociais de comunicação 71

4. Motivação 75

4.1  Conceituação de Motivação 77


4.2  A motivação para os profissionais da saúde 81
4.2.1  Motivação nas instituições de saúde 83
4.3  A hierarquia das necessidades humanas 85
4.3.1  Ciclo motivacional 86
4.4  Críticas à Pirâmide de Maslow 90
4.5  A Gestão nas Instituições de Saúde 90
4.5.1  Gestão de Pessoas em Instituições de Saúde 92
4.6  Instituições de saúde: o processo de tomada de decisão na gestão 93
4.6.1  Gestão e subjetividade 94

5. O stress no cotidiano de trabalho das


instituições de saúde 99

5.1  A Definição do conceito 101


5.2  Aspectos biológicos do stress 102
5.3  A síndrome geral de adaptação 104
5.3.1  Tipo de Reação 105
5.4  Ansiedade e depressão nos profissionais de saúde 111
5.5 O stress do profissional de saúde: a Síndrome de Burnout 113
5.5.1  Cuidados e Prevenção 115
Prefácio
Prezados(as) alunos(as),

Nossa proposta é levantar pontos de reflexão sobre a atuação, significado e


práticas da atuação profissional na área da saúde.
Quando pensamos no trabalho na área da saúde estamos falando dos di-
versos campos de atuação: hospital, ambulatório, clínicas, centros de atenção
psicossocial (Caps), centro de atenção psicossocial infantil (Capsi), centro de
atenção psicossocial de álcool e drogas (Capsad), em todos os locais onde o pro-
fissional de saúde mantenha uma prática profissional de cuidar da doença e ao
mesmo tempo promover a saúde, visando à melhora da qualidade de vida.
Nas instituições de saúde o trabalho é, em geral, multiprofissional. Precisa-
mos saber nos comunicar e ter facilidade de atuar em grupo. Nas instituições
de saúde temos vários problemas de gestão, de comunicação e de formas e mo-
dos como as instituições se estruturam e se organizam. O profissional precisa
ficar atento ao modo de funcionamento institucional e como ele pode influen-
ciar os processos de adoecimento e cura ou tratamento.
A saúde não pode ser confundida com a ausência de doença. Saúde tem um
caráter biopsicossocial mais amplo, e que leva em conta não só o biológico,
mas também os aspectos psíquicos e sociais, então não é somente a ausência
de doenças. Assim como está especificado pela Organização Mundial de Saúde:
“Saúde não é simplesmente a ausência de doença ou enfermidade, mas sim um
estado de completo bem-estar físico, mental e social.”(OMS, 1946).
Os processos de adoecimento não podem ser entendidos apenas como qua-
dros biológicos, mas também apresentam características psíquicas e sociais.
Atuar na saúde, portanto, é compreender o homem em sua totalidade, é pensar
o paciente como um sujeito que está vivendo uma crise importante em sua vida:
o adoecer. É um período de fragilidade, medos, incertezas, angústias e sofri-
mento, não importando se é uma doença crônica ou um quadro agudo. Se per-
ceber doente coloca em questão a própria existência, trazendo reflexões sobre
o viver e o morrer e sobre a finitude.
Para o paciente é difícil adoecer e enfrentar uma situação de hospitalização.
Para o profissional de saúde, que tem na natureza do seu trabalho colocar-se co-
tidianamente em contato com situações dramáticas de dor, sofrimento e morte
tem esse trabalho, certamente, tem uma fonte potencial que poderá interferir

7
na sua qualidade de vida e também na qualidade do trabalho que o profissional
oferece aos pacientes sob seus cuidados.
É necessário que o profissional de saúde tenha cuidado para que não seja
ele mesmo mais um dos elementos invasivos que agridem o processo de adoe-
cimento.
Ter claro os limites entre o cuidado e a intervenção que invade a privacidade
e os direitos dos pacientes é fundamental para oferecermos um atendimento
de qualidade, profissional e que possibilite a recuperação mais rapidamente
possível dos nossos pacientes.

Bons estudos!
1
Instituições de
saúde: o trabalho
com a doença
e a morte
1.  Instituições de saúde: o trabalho com a
doença e a morte

“Confesso que, na minha experiência de ser humano, nunca me encontrei com a vida
sob a forma de batidas de coração ou ondas cerebrais. A vida humana não se define
biologicamente. Permanecemos humanos enquanto existe em nós a esperança da
beleza e da alegria. Morta a possibilidade de sentir alegria ou gozar a beleza, o corpo
se transforma numa casca de cigarra vazia.”.
Rubensm Alves

Quem já esteve em situação crítica de saúde, quem já enfrentou uma situa-


ção de internação, sabe como é difícil tomar ciência de uma doença crônica, ou
da proximidade da morte. Nunca é fácil! Os profissionais de saúde precisam ter
claro a dimensão do sofrimento e entender que nossa atuação pode ser defini-
tiva para atenuar os processos do adoecimento.
Nesse capítulo veremos como acontece efetivamente a atuação dos profis-
sionais de saúde nas instituições. Trabalho que pode apresentar vários proble-
mas na prática cotidiana. Lidar com a morte, com doenças crônicas, com o
sofrimento e dor requer do profissional muita sensibilidade, técnica e atenção.
Enfrentar os desafios que esse trabalho impõe significa estar em permanente
contato com os limites da condição humana.
A atuação do profissional de saúde acontece dentro de uma instituição. Isso
significa que a instituição tem regras próprias, formas de organização e proce-
dimentos que podem ser fatores que causam problemas e situações complica-
das. Conhecer o que é e como funciona uma instituição de saúde é fator funda-
mental para uma atuação mais profissional e competente.
Temos nesse capítulo os seguintes objetivos: refletir sobre o processo de adoe-
cimento e o de morrer; identificar como a atuação profissional pode contribuir
para atenuar ou aprofundar a solidão, dor e sofrimento dos pacientes; reconhe-
cer os contextos de atuação institucional nas instituições de saúde.

10 • capítulo 1
1.1  O conceito de instituição

Temos muitos conceitos que se abrigam sob o nome de instituição. Quando ou-
vimos a palavra instituição parece claro a que se refere, mas não é bem assim.
O conceito de instituição necessita ser contextualizado e problematizado para
que possamos compreender o seu sentido teórico. Vamos nos valer do conceito
de Instituição das abordagens dos institucionalistas que produzem uma dis-
cussão muito rica sobre o tema.

1.1.1  Instituições, Organizações e Estabelecimentos.

Segundo Baremblitt (2011) as instituições são lógicas, são leis ou normas, que
regulam os comportamentos humanos. Essas lógicas regulam a atividade hu-
mana e permitem que o humano se organize e mantenha funcionando nossa
vida cotidiana. Um exemplo de regulação de nossa vida são as instituições que
regulam as relações de parentesco, que definem os lugares como: pai, mãe,
filho, nora, sogra, genro. Esses lugares não existem de forma natural, ao con-
trário, são construções humanas que organizam, estipulam lugares e funções
diferenciadas para quem ocupa essa ou aquela posição. Você já pensou como
seria se estes lugares não estivessem estabelecidos? O que chamamos de famí-
lia seria muito diferente. A família como conhecemos só existe por causa dessa
classificação de lugares e funções.
Outras lógicas são as instituições de justiça, da linguagem e da religião.
Você pode observar que todas essas instituições dão um sentido e uma organi-
zação em nossas vidas.
Baremblitt (2011) afirma que essas instituições, para cumprirem suas ta-
refas, necessitam materializar-se. Elas se materializam em organizações, que
tem formas variadas que vão desde grandes organizações como os variados
Ministérios até um pequeno estabelecimento. Os estabelecimentos variam
desde um pequeno banco, uma escola ou um convento.
Os estabelecimentos para funcionarem necessitam de equipamentos.
Máquinas, cadeiras, mesas, armários, entre outros.
Assim, anda de acordo com Baremblitt (2011) temos o seguinte modelo:

Instituição — Organização — Estabelecimentos — Equipamento

capítulo 1 • 11
Nas organizações quem faz acontecer as atividades são os agentes. Agentes
são os seres humanos que atuam nas organizações. Esses agentes produzem
práticas, ou seja, as ações dentro das organizações. Essas práticas podem ser
verbais ou não verbais.
Ainda segundo Baremblitt (2011) em uma organização temos duas verten-
tes: o instituído e o instituinte.
O instituído, são práticas que compõem a instituição, já estão colocadas,
fazem parte do modo como a instituição funciona. Já o instituinte são práticas
que aparecem como novas que desorganizam o que já está instituído, que pro-
põe formas diferenciadas de funcionamento da instituição.
Sabemos que práticas instituintes, em geral, em momentos posteriores po-
dem se tornar instituídas. Esse jogo de forças entre o instituinte e o instituído
permite que a organização mantenha sua dinâmica e força.

1.1.1.1  As Instituições de Saúde

As organizações de saúde são estabelecimentos que prestam serviços de


saúde com recursos técnicos e pessoal apropriados, para o atendimento roti-
neiro à população que necessita de atendimento clínico especializado

“O nome Hospital vem do latim hospes, que significa convidado. Daí deriva hospitalis
(hospitaleiro) e “hospitium”, uma casa de hóspedes ou quarto de hóspedes. Origi-
nalmente, o termo hospital significava um lugar onde estrangeiro ou visitante eram
recebidos e, no decorrer do tempo, o uso desse termo ficou restrito a instituições
destinadas ao cuidado dos doentes.” Foucault (2005).

A transformação pela qual passou o hospital foi sendo feita ao longo do tem-
po, influenciada por condições políticas sociais e econômicas.

12 • capítulo 1
1.1.1.1.1  Primeiras Instituições no Brasil

Figura 1.1  –  Panorama do Rio de Janeiro – Brasil Colônia

No Brasil Colônia, segundo Jorge (2006) não existiam hospitais como conhece-
mos hoje. Quando alguém adoecia o tratamento era realizado pelos pajés ou Je-
suítas que se dedicavam a atender os doentes e esse atendimento era realizado
em geral com ervas e muitas rezas. Não havia recursos para diagnóstico e nem
se conhecia a maioria das doenças. Até o século XVIII era comum a instalação
de boticas (farmácias) e hospitais nos colégios da Companhia de Jesus, onde
seus integrantes, mesclando os conhecimentos médicos europeus com os dos
indígenas sobre plantas, tornaram-se médicos e enfermeiros da colônia.
Ainda segundo Jorge (2006), com a chegada de Dom João VI é criada a
Faculdade de Medicina da Bahia da Universidade Federal da Bahia essa é a es-
cola de medicina mais antiga do Brasil, foi fundada em 18 de fevereiro de 1808
por influência do médico pernambucano Correia Picanço. Com a criação da
Faculdade de Medicina surgiram os primeiros hospitais, no Brasil, surgiu vin-
culados à igreja católica com a abertura das Santas Casas de Misericórdia, mo-
delo trazido de Portugal.

capítulo 1 • 13
©© WIKIMEDIA.ORG

Figura 1.2  –  Santa Casa de Misericórdia

Jorge (2006) mostra ainda que até o início do século XIX, eram os físicos,
barbeiros, boticários e cirurgiões que aplicavam seus conhecimentos no com-
bate às doenças. Os físicos eram formados por universidades europeias, mas
não praticavam a cirurgia que era exclusiva dos cirurgiões. Estes aprendiam o
seu ofício de um cirurgião já habilitado, mas antes de exercerem a medicina
eram submetidos a exames perante a autoridade sanitária competente, obten-
do a “carta de examinação”
Para conhecer um pouco da história da saúde pública, aproveitamos a revisão
de Costa Junior e Costa (2014), que nos informa que somente em 1892, foram
criados os primeiros laboratórios Bacteriológicos que tinham o intuito de gerar
melhores condições sanitárias para as cidades urbanas. Logo o então Presidente
da República, Rodrigues Alves, nomeia como Diretor do Departamento Federal
de Saúde Pública o Sr. Oswaldo Cruz, que implantou medidas de desinfecção
sanitária e de vacinação obrigatória antivaríola que desagradou à população,
gerando um movimento que ficou conhecido como a Revolta da Vacina. No ano
de 1920, foram criados órgãos especializados no combate a doenças como tu-
berculose, lepra e Doenças Sexualmente Transmissíveis.
No início do século XX, surgem as Caixas beneficentes, que funcionavam
com uma contribuição mensal dos trabalhadores e uma parte doe emprega-
dores. Com o avanço do processo de industrialização foi preciso melhorar o
cuidado com a saúde da população para garantir que houvesse mão de obra

14 • capítulo 1
disponível para o trabalho. Foi realizada a implementação de programas e
serviços auxiliares de assistência médica realizados através de práticas clien-
telistas, típicas do regime populista que caracterizou o governo do presidente
Getúlio Vargas.
Em maio de 1953 foi criado o Ministério da Saúde - MS, que contou com
verbas irrisórias, confirmando com isso o descaso para com a saúde da popu-
lação. No ano de 1956 foi criado o Departamento Nacional de Endemias Rurais
- DNERU, com o intuito de promover a educação sanitária da população rural.
Em 1966, foi criado o Instituto Nacional de Previdência Social - INPS que
originou um sistema previdenciário para todos os brasileiros que estivessem
inseridos no mercado de trabalho.
O Ministério da Previdência e Assistência Social - MPAS foi criado em 1974
com o objetivo de controlar os pagamentos ilegais, frutos da corrupção e de
serviços médicos fantasmas e garantir a saúde da população segurada. Sendo
criada na mesma época a Empresa de Processamento de Dados da Previdência
Social – DATAPREV. O INPS foi transformado no Instituto Nacional da
Assistência Médica da Previdência Social - INAMPS, onde a saúde e a previdên-
cia passaram a ser tratadas juntas.
No final da década de 1970, surgiu o Movimento pela Reforma Sanitarista,
que buscou encontrar respostas para o dilema da política de saúde nacional.
O Programa Nacional de Serviços Básicos de Saúde - PREV-SAÚDE, o Conselho
Nacional de Administração da Saúde Previdenciária - CONASP e as Ações
Integradas de Saúde - AIS foram criados na década de 1980 e buscavam evitar as
fraudes e lutar contra o monopólio das empresas particulares de saúde.
O Brasil desenvolveu diferentes modelos de atendimento à sua população
no aspecto saúde. Mas somente em 1988, com a chamada Constituição Cidadã
é que foi criado um sistema que abrange todo o Brasil, que atende toda a sua
população integralmente da criança ao idoso. Esse sistema recebe o nome de
Sistema Único de Saúde (SUS).

1.2  Sistema de Saúde no Brasil – SUS

Na legislação que cria o SUS são aprovados os princípios básicos que irão reger
o funcionamento da saúde no Brasil.

capítulo 1 • 15
Nesse sentido, o SUS é um projeto que assume e consagra os princípios da
Universalidade, Equidade e Integralidade da atenção à saúde da população bra-
sileira, capaz de garantir o acesso universal da população a bens e serviços que
garantam sua saúde e bem-estar, de forma equitativa e integral. Outros princí-
pios fundamentais são a Descentralização, a Regionalização, a Hierarquização
e a Participação social. Esses princípios organizam o fluxo do atendimento à
saúde da população no Brasil.

1.2.1  Classificação dos estabelecimentos de saúde quanto aos níveis de Atenção

No Portal da Saúde do Ministério da Saúde podemos conhecer os elementos


constitutivos da rede de Atenção à Saúde

Redes de Atenção à Saúde - RAS


A operacionalização das RAS se dá pela interação dos seus três elementos
constitutivos: população/região de saúde definidas, estrutura operacional e por
um sistema lógico de funcionamento determinado pelo modelo de atenção à
saúde. A estrutura operacional das RAS é constituída pelos diferentes pontos
de atenção à saúde, ou seja, lugares institucionais onde se ofertam serviços de
saúde e pelas ligações que os comunicam.
Os componentes que estruturam as RAS incluem: Atenção Básica à Saúde
– centro de comunicação; os pontos de atenção secundária e terciária; os siste-
mas de apoio; os sistemas logísticos e o sistema de governança.

1.2.1.1  Modelo de Atenção à Saúde

O modelo de atenção à saúde é um sistema lógico que organiza o funcionamen-


to das RAS, articulando, de forma singular, as relações entre a população e suas
subpopulações estratificadas por riscos, os focos das intervenções do sistema
de atenção à saúde e os diferentes tipos de intervenções sanitárias, definido em
função da visão prevalecente da saúde, das situações demográficas e epidemio-
lógicas e dos determinantes sociais da saúde, vigentes em determinado tempo
e em determinada sociedade. Para a implantação das RAS, é necessária uma
mudança no atual modelo de atenção hegemônico no SUS, ou seja, exige uma
intervenção concomitante sobre as condições agudas e crônicas.

16 • capítulo 1
Exige adoção de linhas de atuação que promovam a homogeneização e con-
tinuidade nos diversos níveis.

OBJETIVOS - RAS (MINISTÉRIO DA SAÚDE)


1. Melhorar o nível de saúde da população;

2. Responder com efetividade às necessidades em saúde;

Obter um efetivo e rigoroso controle sobre o crescimento das despe-


3. sas de origem pública com a saúde;

Alcançar maior eficiência gestora no uso de recursos escassos, maxi-


4. mizando o nível de bem-estar;

5. Coordenar as atividades das partes envolvidas;

6. Assegurar a produção de um excedente cooperativo;

7. Distribuir os frutos da cooperação;

8. Assegurar que os compromissos sejam cumpridos;

1.2.1.1.1  Nível de Atenção Primária

É composto pelos ambulatórios, postos de saúde e centros de atenção primária


à saúde. Essas unidades são responsáveis pela detecção e notificação dos casos
de doenças infectocontagiosas, doenças crônicas, desenvolve os programas de
saúde da mulher, saúde do homem, atendimento a gestante e o programa de
vacinação, entre outros.

1.2.1.1.2  NASF I e II

Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASF) foram criados com o objetivo


de ampliar a abrangência e o escopo das ações da atenção básica, bem como
sua resolubilidade.

capítulo 1 • 17
São constituídos por equipes compostas por profissionais de diferentes
áreas de conhecimento, que devem atuar de maneira integrada e apoiando os
profissionais das Equipes Saúde da Família e da atenção básica para ações de
prevenção e cuidados em saúde, compartilhando as práticas e saberes em saú-
de nos territórios sob responsabilidade destas equipes, atuando diretamente
no apoio matricial .

1.2.1.1.3  Nível de Atenção Secundária

São os Centros de Saúde (CS) responsáveis pela confirmação e tratamento de


casos clínicos, atendimento de média complexidade. Essas Unidades devem
assegurar o acompanhamento dos pacientes tratados.

Principais leis de Atenção Psicossocial - Saúde Mental

A lei N° 10.216, de 6 de abril de 2001 dispõe sobre a proteção e os direitos


das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assis-
tencial em saúde mental.
O decreto N° 7.508, de 28 de junho de 2011 e regulamenta a Lei nº 8.080,
de 19 de setembro de 1990, para dispor sobre a organização do Sistema Único
de Saúde – SUS, o planejamento da saúde, a assistência à saúde e a articulação
interfederativa, e dá outras providências.

1.2.1.1.4  Rede de atenção psicossocial

Portaria GM 3.088, de 23 de Janeiro de 2011, Republicada em 30/12/11.


Institui a Rede de Atenção Psicossocial para pessoas com sofrimento ou
transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e
outras drogas, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS).

1.2.1.1.5  Consultório na rua

Portaria Nº 123, de 25 de Janeiro de 2012. Define os critérios de cálculo do nú-


mero máximo de equipes de Consultório na Rua (eCR) por Município.
Portaria Nº 122, de 25 de Janeiro de 2012. Define as diretrizes de organi-
zação e funcionamento das Equipes de Consultório na Rua. O Consultório na
Rua foi instituído pela Política Nacional de Atenção Básica, em 2011, e visa a

18 • capítulo 1
ampliar o acesso da população de rua aos serviços de saúde, ofertando, de ma-
neira mais oportuna, atenção integral à saúde para esse grupo populacional, o
qual se encontra em condições de vulnerabilidade e com os vínculos familiares
interrompidos ou fragilizados.
Ressalta-se que a responsabilidade pela atenção à saúde da população de
rua é de todo e qualquer profissional do Sistema Único de Saúde, mesmo que
ele não seja componente de uma equipe de Consultório na Rua (eCR). Desta
forma, em municípios ou áreas em que não haja eCR, a atenção deverá ser pres-
tada pela Atenção Básica, incluindo os profissionais de Saúde Bucal e os Nasf
do território onde essas pessoas estão concentradas.

1.3  A política de saúde mental, álcool e outras drogas

Os Centros de Atenção Psicossocial de Álcool e outras Drogas (CAPS ad) é um


serviço aberto, de referência e tratamento para os usuários dependentes de ál-
cool e outras drogas com acompanhamento diário, efetuado por equipe inter-
disciplinar, que oferta cuidado integral, intensivo e personalizado. Promove o
tratamento por meio do fortalecimento dos laços familiares e da reinserção so-
cial. A unidade possui espaço para atividades terapêuticas, lúdicas e de geração
de renda, com funcionamento das 7 às 21 horas.
A estrutura física do projeto usa conceitos modernos de arquitetura, visan-
do o conforto e bem-estar das pessoas. Possuem três consultórios, quatro leitos
para desintoxicação, posto de enfermagem, recepção, acolhimento, área admi-
nistrativa, farmácia, refeitório, salas para oficina e atendimento em grupo e es-
paço aberto para atividade livre.
Outro investimento importante é a criação de leitos de Atenção Integral em
Saúde Mental e Álcool e Drogas que serão credenciados em hospitais gerais da
rede própria e filantrópica. O tratamento nos leitos em hospitais gerais se torna
mais importante à medida que existem casos graves com uma grande probabi-
lidade de aparecimento de doenças clínicas associadas ao uso dependente de
substâncias psicoativas e que podem ser assistidos de forma mais completa e
segura nos Hospitais Gerais

1.3.1  Rede de Assistência

O funcionamento da Rede de Saúde Mental deve envolver a parceria com seto-


res da saúde e também intersetorial. Nesse sentido, está prevista pela política

capítulo 1 • 19
a criação de equipes de referência em saúde mental nas unidades de Atenção
Primária à Saúde, da atenção secundária – que são os CAPS e ambulatórios; e da
atenção terciária – como os hospitais onde são feitas as internações.
O modelo de assistência em rede é o mais eficaz neste tipo de tratamento,
ao contrário das internações, sobretudo de pacientes dependentes de álcool e
outras drogas, que representam uma nova e importante demanda.
Familiares de pacientes com dependência química devem procurar a
Unidade de Saúde mais próxima de sua residência, Pronto-Atendimento
Municipal ou um dos Centros de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas para
orientação. Se houver necessidade de internação, o paciente será encaminhado
para um hospital de referência.
Se o uso de droga apresentar quadros de agressividade, agitação psicomo-
tora ou quadros de alteração de percepção típicos dos transtornos mentais, a
família deve buscar atendimento de urgência psiquiátrica nos hospitais de re-
ferência na rede pública.

1.3.1.1  Atenção psicossocial

Os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) são unidades especializadas em


saúde mental para tratamento e reinserção social de pessoas com transtorno
mental grave e persistente. Os centros oferecem um atendimento interdisci-
plinar, composto por uma equipe multiprofissional que reúne médicos, assis-
tentes sociais, psicólogos, psiquiatras, entre outros especialistas. O serviço é
diferenciado para o público infanto-juvenil, até os 17 anos de idade, através dos
Centros de Atendimento Psicossocial Infantil (CAPSi), e para pessoas em uso
prejudicial de álcool e outras drogas pelo CAPSad.
O encaminhamento para os CAPS pode ser realizado através de demanda
espontânea, por intermédio de uma unidade de atenção primária ou especiali-
zada, após uma internação clínica/psiquiátrica, ou ainda por indicação da as-
sistência social ou por ordem judicial. O tratamento pode ser feito de forma
individualizada ou coletiva, através de oficinas e grupos terapêuticos.
Os CAPS funcionam de segunda a sexta, com atendimento das 8h às 17h.
Algumas unidades possuem também acolhimento noturno, durante os sete
dias da semana.
Nessa unidade é oferecido atendimento qualificado para portadores de trans-
tornos mentais. O serviço funciona com oficinas de vários tipos e qualidades.

20 • capítulo 1
1.4  Nível de atenção terciária

Serviços Ambulatoriais e hospitalares especializados de alta complexidade. Ci-


rurgias, transplantes entre outros procedimentos. Esses hospitais são os Uni-
versitários e os Gerais de grande porte. No Ministério da Saúde (MS) encontra-
mos a seguinte definição de alta complexidade.

“Conjunto de procedimentos que, no contexto do SUS, envolve alta tecnologia e alto


custo, objetivando propiciar à população acesso a serviços qualificados, integrando-os
aos demais níveis de atenção à saúde (atenção básica e de média complexidade)”.

Principais áreas que compõem a alta complexidade do SUS, organizadas em


redes são:
1. Assistência ao paciente portador de doença renal crônica (por meio dos
procedimentos de diálise);
2. Assistência ao paciente oncológico;
3. Cirurgia cardiovascular; cirurgia vascular; cirurgia cardiovascu-
lar pediátrica;
4. Procedimentos da cardiologia intervencionista;
5. Procedimentos endovasculares extracardíacos;
6. Laboratório de eletrofisiologia;
7. Assistência em traumato-ortopedia;
8. Procedimentos de neurocirurgia;
9. Assistência em otologia;
10. Cirurgia de implante coclear;
11. Cirurgia das vias aéreas superiores e da região cervical;
12. Cirurgia da calota craniana, da face e do sistema estomatognático;
13. Procedimentos em fissuras labiopalatais;
14. Reabilitação protética e funcional das doenças da calota craniana, da
face e do sistema estomatognático;
15. Procedimentos para a avaliação e o tratamento dos transtornos respira-
tórios do sono;
16. Assistência aos pacientes portadores de queimaduras;
17. Assistência aos pacientes portadores de obesidade (cirurgia bariátrica);
18. Cirurgia reprodutiva;

capítulo 1 • 21
19. Genética clínica;
20. Terapia nutricional;
21. Distrofia muscular progressiva;
22. Osteogênese imperfecta;
23. Fibrose cística e reprodução assistida.

Os procedimentos da alta complexidade encontram-se relacionados na ta-


bela do SUS, em sua maioria no Sistema de Informação Hospitalar, e estão tam-
bém no Sistema de Informações Ambulatoriais em pequena quantidade, mas
com impacto financeiro extremamente alto, como é o caso dos procedimentos
de diálise, quimioterapia, radioterapia e hemoterapia.

1.5  Unidade saúde da família - USF

Em 1994 o ministério da saúde, cria o programa saúde da família (PSF) como


política nacional de atenção básica, e a partir desse momento muda o modelo
assistencial e passa a oferecer:
1. Atendimento emergencial ao doente;
2. Assistência curativa, especializada e hospitalar;

A Saúde da Família é entendida como uma estratégia de reorientação do


modelo assistencial.

1.6  O hospital

Segundo o Ministério de Saúde, o hospital é parte integrante de uma organiza-


ção Médica e Social, cuja função básica, consiste em proporcionar à população
Assistência Médica Sanitária completa, tanto curativa como preventiva.
Para a Organização Mundial de Saúde 2012 (OMS)

O hospital é um elemento organizador de caráter médico-social, cuja função consiste


em assegurar assistência médica completa, curativa e preventiva à população, e cujos
serviços externos se irradiam até a célula familiar considerada em seu meio; é um
centro de medicina e de pesquisa biossocial.

22 • capítulo 1
Suas principais funções são:

PRESTAÇÃO DE
ATENDIMENTO Aos doentes em regime de internação;
MÉDICO E
COMPLEMENTARES
Sempre que possível, de atividades de natureza
DESENVOLVIMENTO preventiva.

RESTAURATIVA Diagnóstico, tratamento, reabilitação e emergência;

Controle de doenças infectocontagiosas, saúde


PREVENTIVA ocupacional, promoção à saúde;

EDUCATIVA Serve como estágio para diversas áreas;

Os hospitais são considerados área de desenvol-


vimento técnico e científico. O que garante que
PESQUISA pesquisa é fundamental para o desenvolvimento
científico. Essa norma é válida para os hospitais uni-
versitários, os públicos, particulares e filantrópicos.

1.6.1  Classificação dos Hospitais

1.6.1.1  Quanto à natureza assistencial

O Hospital Geral oferece atendimento a todas as especialidades incluindo trau-


ma, maternidade entre outros serviços.
Hospital Especializado: destinado a internar clientes predominantemente
de uma especialidade. Por exemplo, o Instituto de Ortopedia (INTO) no Rio de
Janeiro que atende prioritariamente os pacientes da clínica de Ortopedia.

capítulo 1 • 23
1.6.1.2  Quanto ao financiamento os hospitais podem ser:

Mantidos por verbas federais, estaduais e/ou


HOSPITAIS PÚBLICOS municipais.

Finalidade não lucrativa. Mantido por contribuições


HOSPITAIS e doações particulares. Membros da diretoria sem
BENEFICENTES gratificação.

HOSPITAIS COM Empresa Privada. Mantido por Convênios e Particula-


FINALIDADES res. Os serviços prestados são pagos.
LUCRATIVAS

Atualmente temos hospitais públicos que são geridos por Organizações


Sociais (OS), ou ainda hospitais públicos que tem em seus quadros funcioná-
rios contratados por Fundações de Saúde.

1.6.1.3  Quanto a Capacidade ou Lotação:

HOSPITAL DE PEQUENO PORTE 24 a 49 leitos

HOSPITAL DE MÉDIO PORTE 50 a 149 leitos

HOSPITAL DE GRANDE PORTE 150 a 500 leitos

HOSPITAL DE ESPECIAL OU EXTRA acima de 500 leitos

24 • capítulo 1
1.7  O trabalho com doença e morte

Figura 1.3  –  Pacientes no chão do Hospital aguardando atendimento.

Cada pessoa tem um modo próprio e pessoal de lidar com a dor e o sofrimento.
Quando trabalhamos em hospitais vemos várias formas diferentes de receber a
notícia de uma doença grave, crônica, ou mesmo de um prognóstico de desfa-
vorável. Veremos agora um caso clínico que nos ajuda a entender a complexida-
de que enfrentamos na lida cotidiana com nossos pacientes. Observe:
“João foi internado, após ter sofrido um acidente de moto, na emergência
de um grande hospital, especializado em trauma. Ele chegou trazido pela am-
bulância inconsciente. Foi levado para a sala vermelha (trauma) onde foi es-
tabilizado, em seguida foi conduzido a sala 3 de cirurgia. Teve a perna direita
amputada. Foi conduzido para a enfermaria e alguns dias após o ocorrido foi
informado da amputação de sua perna.”.
Por mais incrível que possa parecer, sua reação imediata foi dizer que não
havia problemas. Que a perda da perna não iria atrapalhar em nada sua vida.
A reação de João deixou toda a equipe muito incomodada pela reação que
ele teve e que foi muito incomum. O serviço de psicologia foi chamado para
esclarecer o caso. E verificou-se que essa reação é uma negação da realidade e
muito comum em situações de trauma. Iniciou-se o atendimento do serviço de
psicologia para que o paciente pudesse lidar melhor com sua perda.

capítulo 1 • 25
Vemos por esse caso que os pacientes sempre nos surpreendem e podem
ter as reações emocionais mais inesperadas. Portanto o profissional de saúde
precisa se preparar para lidar com situações que fogem ao seu controle

1.8  Sobre o morrer

Quando precisamos falar sobre a morte não podemos deixar de pensar no tra-
balho de uma mulher absolutamente fantástica que nos ajudou a compreender
o processo de morrer: Elisabeth Kübler-Ross, nasceu na Suíça em 8 de julho de
1926 e faleceu em 24 de agosto de 2004. Formou-se em medicina e especializou-
se em psiquiatra.
A publicação de seu livro mais famoso, em 1969, On Death and Dying (Sobre
a morte e o processo de morrer) marcou os rumos de seu trabalho, enriqueci-
do posteriormente com contribuições de especialistas de uma área específica
da profissão médica, a tanatologia, essa área estuda a morte e o morrer. Nesse
livro, Elisabeth identifica fases nos períodos que antecedem a morte e cria mé-
todos para médicos, enfermeiros e familiares acompanharem e ajudarem um
paciente terminal.
O morrer quando acontece na instituição hospitalar e exige dos profissio-
nais de saúde capacidade de suportar frustrações e dor na relação constante
entre o paciente que sofre e sua família. É um dos trabalhos mais difíceis para
médicos, psicológicos, enfermeiros ou assistentes sociais.
A morte está presente cotidianamente em nossas vidas, quer tenhamos
consciência disso ou não. Precisamos refletir sobre o impacto que ela causa du-
rante toda a nossa vida. Cada vez mais a morte torna-se um espetáculo (enterros
caros, filmados, com recepções) ao mesmo tempo em que a circunscrevemos
no ambiente hospitalar e nos afastamos de quem esta morrendo. Kübler-Ross
(2013) nos ajuda a entender:

“As mudanças ocorridas nas últimas décadas são responsáveis pelo crescente medo
de morrer, pelo aumento dos problemas emocionais e pela grande necessidade de
compreender e lidar com os problemas da morte e do morrer. Em nosso inconsciente,
a morte nunca é possível quando se trata de nós mesmos. É inconcebível morrer de
causa natural ou idade avançada. A morte está ligada a uma ação má, a um aconteci-
mento medonho.”.

26 • capítulo 1
Lidamos com a morte como se ela acontecesse em um dado momento, com-
pletamente distanciado da nossa experiência cotidiana. E não é assim: enquan-
to vivemos vamos, ao mesmo tempo, morrendo.
O hospital caracteriza-se como um dos ambientes mais agressivos, tensos
e traumatizantes, é um local onde vida e morte estão em constante luta. Os
profissionais de saúde podem ficar profundamente mobilizados pela morte de
seus pacientes, podendo até vivenciá-las como fracasso pessoal, fruto de sua in-
competência. Esses sentimentos podem ter impactos na qualidade dos cuida-
dos prestados aos pacientes e na relação desses profissionais com os familiares
dos pacientes e até na qualidade de vida do profissional
O morrer pode ser um processo longo e doloroso que colocará em xeque as
convicções religiosas, filosóficas e existenciais dos profissionais, que atendem
aquele caso. Precisamos estar preparados para ajudar o paciente no processo
de adoecer e morrer. Kübler-Ross (2013) novamente nos ajuda a entender quais
as fases do adoecer e morrer:

1.8.1  Estágios do morrer

Primeiro estágio: negação e isolamento


O primeiro sentimento relatado pelos pacientes diante de uma notícia de
doença terminal é a negação. A negação, ou pelo menos a negação parcial, é
usada por quase todos os pacientes. Neste estágio, o sentimento de negação
funciona como um para choque, para que o paciente se acostume com tal situa-
ção, porém não significa que o paciente não queira conversar em um momento
oportuno sobre a sua morte próxima; é preciso aguardar tal momento de acor-
do com os sinais demonstrados pelo próprio paciente.

Segundo estágio: a Raiva


Nesse estágio o sentimento de raiva aparece quando já não é mais possível
manter firme o primeiro estágio de negação, e ele é substituído por sentimento
de raiva, revolta, inveja e de ressentimento. Nessa fase, a pergunta que perma-
nece nos pensamentos do paciente é: Por que eu? Por que não poderia estar
acontecendo com outra pessoa?

capítulo 1 • 27
Terceiro estágio - Barganha
O terceiro estágio é a barganha. É o momento em que o paciente começa a
ter algumas reações com esperança de receber o que quer de Deus, uma pos-
sibilidade de cura. A barganha, na realidade, é uma tentativa de adiantamen-
to. Em geral o paciente faz promessas tentando obter a cura ou ganhar tempo
de vida.

Quarto estágio - Depressão


Nesse estágio, quando o paciente em fase terminal não pode mais negar sua
doença, sendo forçado a diversos procedimentos como cirurgias, hospitaliza-
ções, sentindo sintomas diferentes e estar mais debilitado, ele não pode mais
esconder sua doença. O paciente começa a perder coisas importantes para ele
como sua própria identidade.

Quinto estágio - Aceitação


Quinto estágio e último estágio. Decorre sobre a aceitação da doença sem
depressões decorrentes ao seu estado de saúde. Este paciente já passou pela
fase de não aceitação da enfermidade e não mais sentirá raiva quanto ao seu
destino. Ele terá externado seus sentimentos, sua inveja pelos vivos e sadios e
sua raiva por aqueles que não são obrigados a enfrentar a morte tão cedo. Terá
lamentado a perda iminente de pessoas e lugares queridos e contemplará seu
fim próximo com certo grau de tranquilidade e expectativa. Ele estará cansado
e bastante fraco, na maioria dos casos, sentindo a necessidade de cochilar e
dormir com frequência em intervalos curtos, diferindo da fase de dormir da
depressão. Não é um sono de fuga, nem um instante de descanso para aliviar a
dor, e sim uma necessidade gradual e crescente de aumentar as horas de sono.
Isso indica o fim da luta, mas com um significado de aceitação.
Kübler-Ross (2013) chama a atenção para o fato de que esses estágios não
ocorrem sempre da mesma forma. Alguns pacientes podem estar no estágio de
aceitação e voltar para algum outro estáagio que o antecedeu. Esse processo é
dinâmico e dependem do próprio curso da doença, da personalidade do pacien-
te e da capacidade da equipe que o atende de dar suporte clínico e psicológico.
É importante para o paciente manter sua dignidade, ter respeito pelo seu
sofrimento e acolher a sua dor e sofrimento. É importante a equipe hospitalar
não evitar esses pacientes, que possam permitir que os pacientes falem de sua

28 • capítulo 1
morte. Sabemos o quanto é difícil ouvir tanto sofrimento, e das consequências
para o psiquismo de quem lida com tanta dor.
Nesse capítulo conhecemos as diferenças entre Instituição, organização
como também os conceitos de instituinte e instituído. Esses conceitos são
importantes porque os profissionais de saúde devem ter em conta que somos
profissionais que visam produzir novos processos institucionais. Apostamos
sempre na mudança no compromisso como nossos pacientes/usuários.
Conhecemos mais de perto o sistema de saúde do Brasil (SUS) e avançando vi-
mos o que é um hospital, como ele funciona e como é lidar com o adoecimento
e o morrer. Espero que vocês tenham aproveitado bem esse capítulo.
Recomentdo que vocês entrem no site do ministério da saúde e conheçam
mais aprofundadamente fundo a legislação da saúde e também os, os livros do
Baremblitt e, sem dúvida, o texto sobre a Morte e o morrer. O que apresentamos
aqui foi um pequeno resumo. O texto é muito mais amplo e interessante.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BAREMBLITT, G. Compêndio de Análise Institucional e Outras Correntes. Editora Rosa dos
Ventos. Rio de Janeiro, 2011.
COSTA JUNIOR, A.G. & COSTA, C.E.M. Um (Re)pensar sobre a saúde pública no Brasil:
a importância da Humanização no ambiente de trabalho. P@rtes, São Paulo, 2014. Disponível
em: <http://www.partes.com.br/2014/02/11/um-repensar-sobre-a-saude-publica-no-brasil-a-
importancia-da-humanizacao-no-ambiente-de-trabalho/#.VzjIdfkrLIU> . Acesso em: 15 mai.2016
FOUCAULT, M. O Nascimento da Clinica. Forense Universitária. Rio de Janeiro. 2005.
JORGE. C, K. Urbanismo no Brasil Império: A Saúde Pública na Cidade de São Paulo no século XIX
(Hospitais, Lazaretos e Cemitérios). PUC- Campinas. 2006. Disponível em: <http://www.bv.fapesp.br/
pt/bolsas/99217/urbanismo-no-brasil-imperio-a-saude-publica-na-cidade-de-sao-paulo-no-seculo-
xix-hospitais-lazare/> <http://dab.saude.gov.br/portaldab/ape_consultorio_rua.php>. Acesso em: 15
mar. 16
KUBLER-ROSS. E. Sobre a morte e o morrer. Martins Fontes. São Paulo, 2013.
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE (OMS). Constituição da Organização Mundial da Saúde (OMS/
WHO). Genebra: Gráfica Brasil, 2001.

capítulo 1 • 29
30 • capítulo 1
2
Alterações
psicopatológicas
em situações de
internação
2.  Alterações psicopatológicas em situações
de internação

Para o corpo doente é necessário o médico, para a alma, o amigo: a palavra afetuosa
sabe curar a dor.
Menandro

Dificilmente pensamos ou nos preparamos para a possibilidade do adoecer.


São sempre hipóteses remotas. A doença grave, quando acontece, coloca a
questão da finitude da vida. Defrontamo-nos com a perspectiva da nossa mor-
te. Portanto é sempre assustador. Enfrentar o adoecer num hospital pode ter
várias consequências para a estrutura psíquica do paciente.
O hospital é uma instituição de saúde que, como toda instituição é consti-
tuída por relações de poder, autoridades, ideologias, estratificações, dissenso
e consenso.
Instituição tem, nesse texto, o significado de “um conjunto articulado de
saberes (ideologias) e práticas (formas de intervenção normatizadora na vida
dos diferentes grupos e classes sociais)”. Mandel aput em Baremblitt (1996)
O Movimento Institucionalista concebe a sociedade como uma rede de ins-
tituições “que se interpenetram e se articulam entre si para regular a produ-
ção e a reprodução da vida humana sobre a terra e a relação entre os homens”
(Baremblitt 1996, p.29)
Essas redes de instituições compõe um tecido articulado que normatizam
a vida humana prescrevendo o que devemos ou podemos fazer. Assim como
também aquilo que não podemos ou devemos fazer.
As instituições, por sua vez, são composições lógicas, um conjunto de leis e
princípios que prescrevem ou proscrevem comportamentos e valores, ou seja,
dizem o que deve ser, o que não deve e o que é indiferente. As instituições são
entidades abstratas. (Baremblitt, 1996, p.29)
As instituições são entidades abstratas ou lógicas, então, podemos dar
como exemplo de instituição a lógica da língua falada, do parentesco, do exér-
cito, da justiça.
O hospital, como uma organização, é atravessado por várias institui-
ções (como as da língua, da família, do exército) torna-se um lugar de cura e

32 • capítulo 2
tratamento como também um local onde ocorre uma disciplinação dos corpos
e mentes que trabalham ou se tratam nessa instituição.
Foucault (2005) afirma que “em qualquer sociedade, o corpo está preso no
interior de poderes muito apertados, que lhe impõem limitações, proibições
ou obrigações”. O que o autor nos mostra é que, muitas vezes, os sujeitos sub-
metidos ao poder nas instituições, nem percebem o peso das leis, normas, que
os aprisionam.
Foucault (2005) mostra que pequenos poderes, que ele nomeia de micropo-
deres, perpassam todo o corpo social e vão provocando transformações e modi-
ficações de condutas nos indivíduos.
O corpo submetido aos micropoderes se consolida como algo fabricado,
influenciado por uma coação calculada, esquadrinhado em cada função corpó-
rea, com fins de automatização.
O homem é o principal alvo e objeto do poder, que tem como objetivo a ta-
refa de transformar os corpos em corpos dóceis. Foucault (2005) explica corpo
dócil é “um corpo que pode ser submetido, que pode ser utilizado, que pode
ser transformado e aperfeiçoado”. Veja que nossos corpos vão sendo moldados
para aceitarem bem, as ordens e normas do poder.
Assim “a disciplina” que, existente nas instituições, modela os corpos,
ordena os seus funcionamentos, cria falas, discursos sobre os sujeitos, e, os
apreende numa rede de “verdades criadas” sobre aqueles que estão sujeitos
às instituições.

2.1  As técnicas de controle disciplinar

Nos hospitais as formas de controle se tornam muito claras, principalmente


na ordenação do tempo preciso, coordenado, na distribuição do espaço e na
hierarquia.
A ordenação dos corpos atribui características de docilidade, tornando o
corpo útil e produtivo ao aumentar sua submissão e obediência. Seria, portan-
to, uma política de coerção, uma ideologia calculada no detalhe que tem como
finalidade o controle e modelagem de atitudes, gestos e comportamentos.
Esse poder coercitivo se aplica na sociedade de diferentes modos, de
formas múltiplas, através de origens diferentes, de localizações esparsas.
Evidentemente esse poder coercitivo se manifesta em todas as instituições so-
ciais, inclusive nas instituições de saúde.

capítulo 2 • 33
Mandel (1986) mostra que as instituições de saúde possuem três núcleos
básicos de poder: a hierarquia (subordinação inferior-superior); a ordem (fixa-
ção do lugar, das normas e das regras); a disciplina (prática de obediência à
hierarquia das relações sociais instituídas).
Na disciplina, a regra mais importante das instituições que Goffman (1997)
chamou de totais (os quartéis, hospitais e os conventos), é a submissão à disci-
plina. Nessa perspectiva, instituições totais são aquelas que, por seu caráter de
internação abrangem toda a existência dos indivíduos. Bom, adoecer já não é
uma experiência necessariamente boa, e se pensarmos que em geral somos tra-
tados dentro de uma unidade hospitalar, podemos intuir que ficar internado,
pelos motivos expostos pode ser uma experiência difícil.

2.1.1  A despersonalização do paciente

Angerami-Camon (2001) é um importante pensador sobre os problemas que


ocorrem com os pacientes nas instituições hospitalares. Ele nos ajuda a iden-
tificar o processo do sujeito que ao ser hospitalizado sofre de total desperso-
nalização. Mostra que o paciente irá reformular os seus valores e conceitos de
homem, mundo e relação interpessoal, deixa de ter significado próprio rela-
cionado a sua potência como trabalhador, pais, filho, cidadão, para significar
a partir de diagnósticos realizados sobre sua patologia (essa passa a ocupar um
lugar central em sua vida). Sabemos que uma pessoa, ao ser hospitalizada abre
mão de parte da sua identidade. Ela não pode escolher em que leito ficará; não
escolhe seu médico, os remédios são dados nas horas certas, ou seja, nos mo-
mentos definidos pela direção do hospital sem que as pessoas tenham controle
sobre isso. Seu corpo é ofertado a todo tipo de intervenção: lava-se, fura-se, ma-
nipula-se o corpo que se torna um corpo dócil, passivo.
Essas práticas serão vistas como sendo invasivas: a enfermeira em determi-
nada situação acorda o paciente para aplicar injeção ou a atendente interrom-
pe uma atividade para servir-lhe as refeições. Tudo passa a ser invasivo, algo
abusivo diante de uma necessidade.
O diagnóstico e prognóstico da doença, em muitos casos, não é informado.
Por falha na comunicação ou por que estabelecer um diagnóstico é por vezes
demorado e complicado, o que traz para o paciente, muita ansiedade. É algo
comum escutarmos nos hospitais a seguinte frase: “afinal, doutor o que eu te-
nho?” Muitas vezes é impossível para o médico ter, de pronto, esse diagnóstico.

34 • capítulo 2
Angerami-Camon (2001) afirma que essas características que notamos em
grande parte das rotinas hospitalares têm contribuído muito para ausentar a
pessoa de seu processo de tratamento. Toda a responsabilidade do tratamen-
to fica com a equipe, com os técnicos. Essa desresponsabilização do pacien-
te sobre o seu tratamento é prejudicial para o paciente, para a equipe e para
o tratamento.
Ao longo da história da medicina houve um crescente aumento das espe-
cialidades médicas. No século XX, nota-se uma tendência para a progressiva
fragmentação do conhecimento médico numa vasta gama de áreas de dife-
renciação. Atualmente o Conselho Federal de Medicina (CFP) na Resolução
nº 2.005/2012, reconhece a existência de cinquenta e três especialidades mé-
dicas. Isso parece refletir um processo que tem relação com a fragmentação e
a ultra especialização da medicina. São tantos os especialistas que tem algo a
dizer com relação ao corpo que fica difícil para o paciente acompanhar o seu
tratamento. Os diagnósticos são cada vez mais específicos.
A especialização clínica deixa de levar em conta, até mesmo as implica-
ções da patologia em outros órgãos e membros do paciente. Angerami-Camon
(2001) mostra que até mesmo o psicólogo, se não tomar cuidados éticos e téc-
nicos, poderá ser mais um dos estímulos aversivos e invasivos, existentes no
contexto hospitalar.
O processo de despersonalização do doente que ao sentir sua desquali-
ficação existencial, muitas vezes abandona o tratamento, ou se abandona no
tratamento.

2.1.1.1  Pacientes com alterações psicopatológicas

Nos hospitais podem surgir alguns quadros que não necessariamente estão
relacionadas ao quadro clínico do paciente, são quadros como: ansiedade, de-
pressão, alterações do pensamento e da sensopercepção são relativamente co-
muns, como mostra Angerami-Camon (2001). Nesse capítulo iremos conhecer
quais alterações são essas e como elas se manifestam.

2.1.1.1.1  A ansiedade

A ansiedade no contexto de hospitalização é absolutamente esperada, segundo


Angerami-Camon (2001).

capítulo 2 • 35
Devemos estabelecer uma diferença entre o Transtorno de Ansiedade
Generalizada (TAG) para a ansiedade presente no hospital, entendendo que a
própria hospitalização pode causar a ansiedade, seja pela demora no estabele-
cimento do diagnóstico, seja pelos processos e práticas instituídas, ou mesmo
pelo próprio afastamento do doente de suas atividades diárias, cotidianas.
Angerami-Camon (2001) apresenta uma excelente definição de ansiedade:

A ansiedade é um sinal de perigo da mente, um sinal que se manifesta em presença


de um problema. Como sinal, a ansiedade é análoga à dor, e tão importante quanto
esta.

Quando internado, o sujeito obrigatoriamente tem que deixar suas ativida-


des profissionais, seus amigos, sua família. E mesmo os pacientes que podem
receber seus provimentos pelo Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS),
sentem-se desprotegidos e ficam com medo de serem demitidos quando retor-
narem a suas atividades profissionais.
Vemos com certa frequência que alguns pacientes deslocam os motivos de
suas ansiedades para coisas ou situações menores. Esse caso que aconteceu
num hospital da rede pública estadual do Rio de Janeiro no ano de 2014 (os ca-
sos aqui descritos foram colhidos por uma das autoras do texto em seu trabalho
como psicóloga na Rede estadual de saúde do Rio de Janeiro):
Tradicionalmente sabe-se que comida de hospital nem sempre é gostosa,
principalmente porque alguns pacientes são submetidos a dietas hipocalóri-
cas (baixa quantidade de calorias) , hiposódica (pouca quantidade de sal) ou
hipolipídica (pouca quantidade de gordura); o que nem sempre é bem aceito
pelo paciente. Mas atualmente, principalmente pela implantação da política
nacional de humanização do Ministério da Saúde (2004), houve uma melhora
significativa na qualidade e na atratividade das refeições. Mesmo mantendo a
dieta o paciente passou a ter possibilidade de trocar de um alimento por outro
que mais lhe agrade. Nesse hospital, em particular, as refeições eram conside-
radas muito boas. O paciente Pedro Paulo, morador em situação de rua, sofreu
um acidente de carro (atropelamento) e teve que ficar internado por seis meses
para tentar recuperar sua perna, já que corria sério risco de perdê-la. Mesmo
com esse risco Pedro só reclamava da comida. Dizia ele: “Vocês só sabem me
dar essa comida sem gosto. Todo dia tem carne, não aguento mais essa comida”

36 • capítulo 2
Esse paciente correndo o risco de amputação de sua perna, criticava e recla-
mava da comida. Entendemos que falar da comida era uma forma de deslocar
sua ansiedade da amputação para outro aspecto que ele supunha que podia
controlar. Essa distorção, negação e deslocamento dos sintomas físicos pode
fazer, num primeiro momento, o paciente sentir-se melhor, mas em longo pra-
zo isso pode alterar o curso da doença. Somente após uma intervenção para
fazer um realinhamento da ansiedade com o curso de sua patologia e que pode
ajudar no processo de cura.
Devemos ter claro que cada paciente constrói sua própria forma de lidar
com a doença e essa construção se dá em função da própria história de vida do
paciente.
Angerami-Camon (2001) mostra que a “ansiedade do paciente tem bases
em sua própria história”. Isso explicaria que após um diagnóstico é possível
ver eclodir um pânico inexplicável do paciente em respostas a uma enfermi-
dade ou procedimento pequeno ou pouco invasivo. Assim, às vezes, o paciente
associa uma experiência anterior àquele procedimento atual. Veja esse caso,
atendido em Hospital público da rede estadual do Rio de Janeiro:
Vera, uma senhora de cinquenta anos, necessitou fazer uma coleta de san-
gue para a realização de um exame. Ela recebeu o pedido de exame do seu
médico e se dirigiu ao posto de coleta. Chegando lá começou a suar, suas per-
nas tremiam, ela não conseguia falar. Sentou-se na cadeira de coleta e chorou
copiosamente”.
Ao ser interrogada, Vera conta que desde que sua mãe morreu ela nunca
mais tomou injeção. Ela conta que acredita que sua mãe morreu após tomar
uma injeção errada. Você, claro, já reparou que tomar injeção não é o mesmo
que coletar sangue. São dois procedimentos absolutamente diferentes. Que
mal entendido é esse? Vera associou ser “furada” com morte, mesmo que ra-
cionalmente sejam processos diferentes. Para ela era impossível separar e en-
tender a diferença entre os processos.
A ansiedade está sempre presente no hospital. Mesmo na equipe profis-
sional vários comportamentos podem se manifestar por estarem diretamente
associados à ansiedade. Trocas de medicações, perda do acesso venoso dos pa-
cientes, esquecimentos variados, falta aos plantões, agressividade da equipe
para os pacientes. Todos esses fatores são graves e não se resolvem sozinhos.
Mas melhorando a gestão dos serviços e dando voz aos membros da equipe po-
demos melhorar as relações internas.

capítulo 2 • 37
2.1.1.1.2  A depressão no hospital
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Assim como a ansiedade, a depressão, quando aparece no período de interna-


ção, e o paciente não tem história patológica pregressa de depressão, pode estar
associada ao próprio processo de adoecimento e de internação. Evidentemente
é necessário um diagnóstico preciso. Aqui vamos nos ater ao entristecimento
causado pela própria internação.
Nos hospitais vemos com certa frequência pacientes com depressão que
manifestam essa alteração tornando-se agressivos. Vejam esse caso atendido
em um hospital da rede pública estadual do Rio de Janeiro.
Paciente masculino de 35 anos, internado em hospital de referência para o
tratamento de tuberculose. Toda a equipe relatava suas crises de agressividade.
Falava mal da enfermagem, jogava no chão a comida oferecida, escondia-se do
médico quando esse vinha consultá-lo, fumava no banheiro (o que era proibi-
do), implicava com os outros pacientes. Enfim todos já estavam a ponto de pe-
dir a alta administrativa do paciente. Até que um dos membros da equipe ofe-
receu ao paciente um passeio nos jardins do hospital. Durante a conversa, nos
jardins, ficou claro o quanto o paciente estava se sentido abandonado por sua
família que nunca vinha visitá-lo, chorou por sentir-se assim. Ele falava “nunca
fui bom filho e nem bom marido, mas agora eu queria me redimir e eles não me
dão essa oportunidade”. Após essa conversa a equipe procurou sua família para
saber o porquê de eles não virem visitá-lo com frequência.

38 • capítulo 2
A família contou que não tinha recursos financeiros para arcar com o custo
das visitas frequentes. A equipe mobilizou-se e em parceria com a prefeitura do
local de moradia dos familiares, combinaram que todas as vezes que o carro da
prefeitura viesse próximo ao hospital eles dariam uma carona para os familia-
res. Acordo feito, acordo cumprido e fim do problema com o paciente.
O paciente depressivo no hospital pode sentir-se desestimulado, falan-
do pouco, responsivo e distraído. O diagnóstico diferencial é fundamen-
tal para poder avaliar o quadro e pensarmos na possibilidade de o medicar
especificamente.

2.2  Alterações psicopatológicas no hospital


©© WIKIMEDIA.ORG

Historicamente a definição de psicopatologia é “o ramo da ciência que se


dedica a entender, diagnosticar e tratar as alterações do pensamento, da sen-
sopercepção, do pragmatismo, da vontade e da psicomotricidade” (Campbell,
1986).
A psicopatologia estuda o homem todo em sua enfermidade (JASPERS,
1913/ 1979). Desde o século XIX, a ciência se empenha em estabelecer a classifi-
cação das doenças que afetam a mente humana. Emil Kraepelin, Eugen Bleuler
Karl Jaspers, foram alguns dos estudiosos que ajudaram estabelecer as bases
e princípios dos transtornos mentais. Atualmente temos dois manuais que

capítulo 2 • 39
orientam os profissionais na hora de formular o diagnóstico dos transtornos,
são eles: o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-V -
2015) que vigora nos Estados Unidos, enquanto, na Europa, utiliza-se a décima
revisão da Classificação Internacional de Doenças (CID-10).
Nesses manuais de transtornos mentais é possível conhecer vários transtor-
nos, os subtipos e os critérios diagnósticos.
O profissional de saúde deve ser capaz de estabelecer um diagnóstico para,
a partir daí, oferecer um tratamento mais preciso, específico e correto.

2.2.1  Os sinais e sintomas

A diferença fundamental entre sinais e sintomas pode ser descrita da seguinte


forma: o paciente queixa-se de sintomas - como se sentir agitado, ouvir vozes,
ver coisas exóticas que somente ele vê.
A queixa que o paciente traz sobre o que ele sente geralmente algo men-
tal anormal é chamado de sintoma, quer ele queixe-se de algo que o perturba,
ou simplesmente descreva sua experiência mental, que parece patológica para
um observador. Esses sintomas podem ser considerados como sinais de qual-
quer diagnóstico.
O sintoma pode ser uma queixa. Por exemplo, quando o paciente relata um
sentimento de tristeza. O sentimento de infelicidade pode ser um sinal de doen-
ça depressiva; as alucinações auditivas podem ser um sinal de esquizofrenia.
No âmbito do hospital para que consigamos obter um diagnóstico preciso
da condição do paciente precisamos conhecer a história do paciente para am-
pliar as informações trazidas e termos um quadro mais amplo do adoecer do
paciente. Para isso é necessário que o profissional de saúde consiga estabelecer
um vínculo com seu paciente. Ouvi-lo com atenção, compreendê-lo profunda-
mente, sem julgamentos ou preconceitos.

2.3  Principais alterações psicopatológicas

Nosso guia nessa trajetória sobre as alterações da consciência será o texto pu-
blicado por Dalgalarrolo em 2008. Fizemos um resumo das principais altera-
ções psicopatológicas, levando em conta que não pretendemos falar de toda a
psicopatologia, mas somente as que têm relação direta com o hospital.

40 • capítulo 2
•  Alterações da Consciência = Consciência é definida como o estado de vi-
gília e capacidade de entrar em contato com a realidade, perceber e conhecer
os objetos.
•  Alterações normais da consciência: sono e sonhos.

2.3.1  Alterações patológicas da consciência

De acordo com Dalgalarrolo em 2008 as alterações quantitativas (relaciona-


das ao nível da consciência), são:
•  Obnubilação ou turvação da consciência: rebaixamento em grau leve a
moderado. Dificuldade para integrar as informações sensoriais do ambiente;
alguma sonolência; dificuldade de compreensão.
Exemplo: Paciente feminina, 25 anos. Deu entrada na emergência com so-
nolência, dificuldade de compreender as ordens dadas e de responder as solici-
tações da equipe. Lentificada, sem iniciativa e responsiva.

•  Torpor: o paciente só pode ser despertado por um estímulo enérgico e/ou


doloroso; evidente sonolência; incapaz de ações espontâneas.
Exemplo: Paciente masculino, 32 anos. Deu entrada na emergência sono-
lento, diminuição do estado vígil, lentificado, só mantém contato quando esti-
mulado pelo examinador.

•  Coma: impossibilidade de ações voluntárias conscientes; ausência de


qualquer indício de consciência. Tem vários níveis de como avaliados através
da escala de Glasgow. (Escala que permite conhecer o nível de coma)

2.3.1.1  Síndromes psicopatológicas associadas ao rebaixamento do nível de


consciência

Dalgalarrolo (2008) mostra que o delirium é uma síndrome confusional agu-


da, devido a distúrbio cerebral agudo; rebaixamento leve a moderado do nível
de consciência; desorientação; ansiedade em graus variáveis; discurso ilógico
e confuso. O quadro oscila ao longo do dia, normalmente com piora à tarde e
à noite.
Exemplo: Paciente masculino, 50 anos. Internado na emergência com qua-
dro confusional. Fica sonolento a maior parte do dia, quando indagado onde

capítulo 2 • 41
ele se encontra não sabe informar, confunde-se sobre os dados da realidade
(não sabe que dia estamos, nem o ano). Solicita a presença de parentes que já
faleceram.
Observação: você precisa ter cuidado para não confundir a síndrome con-
funsional com delírio que é a alteração do juízo de realidade, comum na esqui-
zofrenia. Uma diferença que pode ajudar é que na síndrome confunsional as
ideias são confusas e ilógicas, mas não delirantes.

2.3.1.1.1  Alterações qualitativas da consciência

Segundo Dalgalarrolo (2008) as alterações qualitativas estão relacionadas às


alterações quantitativas. Para ter alteração qualitativa haverá algum grau de re-
baixamento do nível da consciência.

1. Estado crepuscular: estado transitório, pode surgir e desaparecer de


forma abrupta e ter duração variável, de poucos minutos ou horas até algumas
semanas. Frequentemente associado a causas orgânicas (confusão pós-ictal,
intoxicações, traumatismo craniano). Consciência restringida a um círculo de
ideias de importância particular para o sujeito, com conservação de atividade
psicomotora global mais ou menos coordenada, permitindo atos automáti-
cos – frequentemente violentos e com descontrole emocional. Amnésia lacu-
nar presente.
Exemplo: Paciente feminina, 32 anos. Foi recolhida pelos bombeiros na rua
após levar uma violenta surra de seus vizinhos. O espancamento deixou-a com
vários cortes e traumas inclusive com traumatismo craniano. Ela chegou sono-
lenta, confusa, agitada, não tinha ideia do que havia acontecido com ela, não
sabia onde estava e como viera parar no hospital. Lembra-se da discussão com
os vizinhos, mas não conseguia lembrar-se da surra que tomara.

2. Dissociação da consciência: fragmentação do campo da consciência,


geralmente desencadeada em eventos psicologicamente significativos, gerado-
res de grande ansiedade. As crises duram de minutos a horas, raramente per-
manecendo por dias. Ocorre com certa frequência nos quadros histéricos (cri-
ses histéricas do tipo dissociativo), quando pode ser vista como uma estratégia
defensiva inconsciente: o indivíduo se desliga da realidade para não sofrer.

42 • capítulo 2
Exemplo: Paciente masculino, 23 anos. Trazido à emergência após uma ten-
tativa de suicídio que não logrou êxito. O paciente atentou contra a própria vida
fazendo uso de comprimidos analgésicos em quantidade não letal. Foi trazido
à emergência pelos bombeiros, com sinais de rebaixamento da consciência e
dizendo não lembrar do que havia acontecido, mas que estava muito bem. Que
não tentará se matar, que tudo não passara de um equívoco. Confrontando com
o fato dos bombeiros terem achado grande quantidade de envelopes vazios de
comprimidos o paciente dizia ser impossível isso ter acontecido. Somente após
algumas horas o paciente conseguiu lembrar e relatar o motivo da tentativa.
Ele contou que após o rompimento do namoro com seu parceiro, não viu outra
alternativa que não fosse colocar fim a própria vida.

3. Experiência de quase morte (EQM): estado especial de consciência ve-


rificado em situações críticas de ameaça grave à vida, como parada cardíaca,
hipóxia grave (redução de oxigenação no cérebro), isquemias (oclusão vascular
que ocasiona interrupção da circulação sanguínea em determinada área, oca-
sionando acidente vascular cerebral dependendo da área afetada pode ocorrer,
como consequência: alterações da fala, motora, cognitiva, visual e do equilí-
brio). Acidentes automobilísticos entre outros.
Normalmente descritas como sensações de paz, de estar fora do próprio
corpo, de sentir-se rodeado por uma luz intensa, contato com entidades mís-
ticas e sensação de alegria intensa. Podemos tentar explicar a EQM por um au-
mento intenso de sono REM (fase em que o sono ocorre de forma profunda)
durante o episódio.

2.3.1.1.2  Alterações da sensopercepção

Nas unidades de saúde, principalmente nos hospitais, frequentemente surgem


casos de pacientes com alterações do senso percepção. Aqui seguimos fazendo
um resumo do texto de Dalgalarrolo (2008), onde ele nos ensina que:

Sensação é um fenômeno elementar gerado por estímulos físicos, químicos ou bioló-


gicos variados, originados fora ou dentro do organismo, que produzem alterações nos
órgãos receptivos, estimulando-os.

capítulo 2 • 43
As variadas formas de sentir são causadas por estímulos sensoriais diferen-
tes, que podem ser: visuais, táteis, auditivos, olfativos, gustativos, propriocep-
tivos e cenestésicos.
Percepção é a tomada de consciência pelo sujeito do estímulo sensorial, ou
seja, perceber é tomar consciência de determinado estímulo.

2.3.1.1.3  Alterações Quantitativas da sensopercepção

Vemos com Dalgalarrolo (2008) que as alterações quantitativas as percepções


têm uma intensidade anormal, que pode ser maior ou de menor intensidade.
•  Hiperestesia: as percepções estão anormalmente aumentadas. As cores e
sons são vistos e ouvidos de forma muito mais intensa. Ocorre nas intoxicações
por alucinógenos (eventualmente também com a ingestão de cocaína ou maco-
nha), em algumas formas de epilepsia, na enxaqueca, no hipertireoidismo, na
esquizofrenia aguda e em alguns quadros maníacos.
Exemplos: Paciente feminina, 32 anos, internada na enfermaria de ortope-
dia. Reclamava insistentemente do barulho que a enfermagem fazia. Ela dizia
acreditar que a enfermagem ampliava o som somente para prejudicá-la.

•  Hipoestesia: ocorre, eventualmente, em pacientes depressivos. O mundo


perde o brilho. Tudo parece escuro, feio, a comida não tem sabor, a vida per-
de a intensidade. Podem ocorrer analgesias de partes do corpo em pacientes
histéricos, hipocondríacos, somatizações e em pacientes submetidos a estados
emocionais intensos.
Exemplo: Paciente masculino, 52 anos, morador de rua. Reclamava cons-
tantemente da falta de sabor da comida do hospital. Apresentava comporta-
mentos agressivos com a equipe. Quando solicitado o atendimento verificou-se
tratar do início de um quadro depressivo. Paciente medicado melhorou a inges-
tão dos alimentos e o relacionamento com a equipe.

•  Alucinações: é a percepção clara e definida de um objeto (voz, ruído, ima-


gem), sem que este objeto esteja presente, sem o estímulo sensorial respectivo.
Elas podem ser: alucinações auditivas - O paciente escuta vozes sem qualquer
estímulo real. As vozes, em geral, o ameaçam e o insultam. O conteúdo é qua-
se sempre depreciativo e de perseguição. Às vezes, o paciente ouve “vozes de
comando” – vozes que ordenam que ele faça algo, até mesmo que se mate. As
vozes podem comentar as atividades do paciente:

44 • capítulo 2
Exemplo: “O Jorge está indo ao banheiro. Agora ele vai comer”.
Esses tipos de alucinações são frequentes nas psicoses esquizofrênicas,
mas não são exclusivas delas. Também ocorrem em depressões muito graves,
com conteúdo negativo, de ruína, de culpa, de doença. Também nos quadros
maníacos, podem ocorrer com conteúdo de grandeza, de poder, místico.
Exemplo: Paciente feminina, 54 anos como quadro maníaco, internada na
enfermaria de Cirúrgica, após ter sido submetida a cirurgia para retirada de cál-
culo renal. Ela conta a todos que é muito rica, que está num hospital público
porque sua cirurgia foi de emergência, diz que logo saíra dali para o melhor
hospital da cidade. Conta que seu médico é “fulano de tal”, o melhor médico do
país! Diz receber ligações de pronto restabelecimento de políticos importantes,
religiosos e empresários. Mesmo que nunca ninguém da equipe tenha sido tes-
temunha do recebimento de uma visita sequer.

•  Sonorização do pensamento: o paciente ouve pensamentos que foram


introduzidos em sua cabeça por um estranho. O paciente não reconhece o que
pensa como seu pensamento. Atribui que seus pensamentos foram colocados
lá por outras pessoas.

•  Publicação do pensamento: o paciente tem a certeza de que as pessoas
ouvem o que ele pensa no mesmo momento em que está pensando.
Exemplo: na enfermaria da ortopedia, quando indagado ao paciente o que
ele estava achando da sua permanência no hospital, ele responde “você está
ouvindo o que eu penso, pra que vou falar?”.

•  Alucinações visuais: são visões sem a presença de estímulos sensoriais


visuais. Podem ser: simples:
1. Fotopsias: cores, bolas, pontos brilhantes. Ocorrem principalmente
na epilepsia.
2. Complexas: figuras, imagens de pessoas vivas ou mortas, partes do
corpo, entidades (fantasmas, demônio, santa).
3. Cenográficas: cenas completas
Exemplo: Paciente masculino, 32 anos, internado na enfermaria de
Clínica Médica. Acorda e aos gritos pega o extintor de incêndio para ten-
tar apagar um fogo que consumia a enfermaria, e que somente ele conse-
guia ver.

capítulo 2 • 45
•  Liliputianas: o paciente vê pessoas, personagens ou animais diminutos,
minúsculas, em geral nas paredes ou em objetos de sua residência.

As alucinações visuais podem ocorrer em qualquer psicose, são muito fre-


quentes nas síndromes psico-orgânicas (delirium) e nas psicoses desencadea-
das por drogas (LSD, mescalina).
•  Alucinações táteis: O paciente sente cutucadas, choques, insetos e peque-
nos animais correndo sobre a pele. É comum no delirium tremens, nas psico-
ses tóxicas (especialmente nas produzidas pela cocaína).
Também são comuns as sensações nos órgãos genitais, os pacientes sen-
tem tocar ou penetrar seus genitais – ocorre na esquizofrenia.
Exemplo: Paciente masculino, 60 anos, alcoolista, internado na enfermaria
de clínica médica. Reclama de ter insetos muito pequenos andando em seu cor-
po. Diz que os lençóis do hospital não são limpos e estão de formigas, baratas
e percevejo

Alucinações olfativas e gustativas: são relativamente raras.


•  Olfativas: cheiro de coisas podres, de cadáver, de fezes, de pano queima-
do. Ocorrem na esquizofrenia
Exemplo: Paciente feminino, 38 anos, internada na clínica médica. Reclama
que sente cheiro de enxofre saindo de seu corpo toda vez que ingere comida.

As alucinações olfativas e gustativas estão presentes nas psicoses mais gra-


ves com acentuada regressão.
•  Gustativas: o paciente sente na boca o sabor de ácido, de sangue, de urina.
Ocorrem eventualmente em conjunto com as olfativas.

•  Alucinações cenestésicas: sensações incomuns e claramente anormais


em diferentes partes do corpo – sentir o cérebro diminuindo, o rim se despeda-
çando, uma cobra dentro do estomago.
Exemplo: Paciente masculino, 19 anos, internado na emergência após ser
trazido pelos bombeiros. Reclama que seu rim está solto dentro dele e que fica
balançando. Diz que seu coração, durante a tarde, incha, explode e depois volta
ao normal

46 • capítulo 2
•  Alucinações cinestésicas: sensações alteradas de movimentos do corpo –
sentir o corpo afundando, as pernas encolhendo, um braço se elevando.
Exemplo: Paciente relata que vê seu corpo flutuando sobre ele próprio
toda noite.

•  Alucinações autoscópicas: é geralmente uma alucinação visual (às vezes


também tátil e cenestésica) na qual o indivíduo enxerga a si mesmo, vê o seu
corpo como se estivesse fora dele, contemplando-o. É relativamente rara e ocor-
re na esquizofrenia e na epilepsia.

•  Fenômeno do duplo ou Doppelgaenger: é a sensação de que há um eu


dentro do próprio corpo e um eu fora dele. É um fenômeno que pode ser apenas
ideativo, mas com certa frequência é também perceptivo.
Ocorre em pacientes com lesões cerebrais, no delirium, na esquizofrenia,
em intoxicações por alucinógenos e em indivíduos normais.

•  Alucinose: é o fenômeno pelo qual o paciente percebe uma alucinação


como sendo estranha à sua pessoa. Na alucinose, embora o paciente veja a ima-
gem ou ouça a voz ou o ruído, falta à crença que, em geral, o alucinado tem em
sua alucinação. O sujeito permanece consciente de que aquilo é um fenômeno
estranho, patológico.
A alucinose alcoólica é uma forma comum e que ocorre em alcoolistas crô-
nicos e consiste em vozes que falam do paciente na 3ª pessoa:
Exemplo: Paciente masculino, 65 anos, internado na enfermaria de clínica
médica. Reclama que durante o tempo todo ouve pessoas que conversam so-
bre ele. “Ele é gay”, “Ele só vive sujo” “vejam como ele fede”, “você não presta
mesmo”.

2.4  Psicoses devido a condições clinicas

A Psicose pode aparecer em função de alguns quadros clínicos como:


1. Infecções: determinadas infecções com bactérias, vírus e parasita tais
como o VIH (AIDS), sífilis, malária e doença de Lyme.
2. Doença de Alzheimer
3. Esclerose Múltipla
4. Níveis anormalmente baixos de glicose no sangue (hipoglicemia)

capítulo 2 • 47
5. Desordens autoimunes
6. Tumores do Cérebro
7. Desordens dos eletrólitos tais como níveis baixos ou elevados de cálcio,
de sódio, de potássio, de magnésio ou de fosfatos

2.5  Pacientes com doenças crônicas ou terminais

As doenças crônicas têm recebido grande atenção dos profissionais de saúde,


nas últimas décadas, pelo fato do importante papel desempenhado na morbi-
mortalidade (índice de letalidade e gravidade de uma doença) da população
mundial. (Martins & Cesarino, 2005).
A população brasileira teve aumentado sua expectativa de vida, vivemos
mais tempo e como consequência observamos um aumento das doenças crôni-
cas. Assim podemos ver que:

As mudanças nos padrões de ocorrência das doenças têm imposto, constantemente,


novos desafios, não só para os gestores e tomadores de decisão do setor da Saúde
como também para outros setores governamentais, cujas ações repercutem na ocor-
rência dessas doenças.
Malta &Cezario (2006)

O custo para o Sistema Único de Saúde (SUS), com o aumento da frequência


dessas doenças é grande. Esse é um problema que toda a sociedade precisa-
rá enfrentar.
Outro desafio diz respeito à forma como lidamos com nossos doentes não
só nos hospitais, mas também em nossas residências. Adaptar a residência
para receber os idosos, os portadores de doenças crônicas e os pacientes termi-
nais, é tarefa que as famílias precisaram enfrentar.
Envelhecer não é um problema, é uma dádiva e nossa sociedade precisa
criar condições para que o envelhecimento seja o mais saudável possível.
Temos, no Brasil, uma série de programas que visam oferecer uma melhor
condição de vida para a nossa população. Esses serviços são oferecidos na
Atenção Primária.

48 • capítulo 2
Através das Redes de Atenção à Saúde (RAS) essas redes são arranjos organi-
zativos de ações e serviços de saúde, de diferentes densidades tecnológicas que,
integradas por meio de sistemas de apoio técnico, logístico e de gestão, buscam
garantir a integralidade do cuidado (Ministério da Saúde, 2010 – portaria nº
4.279, de 30/12/2010).
No Brasil a atenção básica (AB) tem como princípios: a descentralização, da
universalidade, da acessibilidade, do vínculo, da continuidade do cuidado, da
integralidade da atenção, da responsabilização, da humanização, da equidade
e da participação social. A proposta é que o paciente tenha uma atenção total
que visem principalmente à prevenção de doenças e a melhoria da qualidade
de vida.
As Unidades Básicas de Saúde instaladas perto de onde as pessoas moram,
trabalham, estudam e vivem, desempenham um papel central na garantia
à população de acesso a uma atenção à saúde de qualidade. O Ministério da
Saúde (MS) oferece a população vários programas para a prevenção das doen-
ças crônicas, o nome oficial é: Plano de Ação Estratégica para o Enfrentamento
da Doenças Crônicas não Transmissíveis (DCNT) no Brasil - 2011-2022. Nesse
plano a política Nacional de Promoção da Saúde: prioriza ações de alimentação
saudável, atividade física, prevenção ao uso do tabaco e álcool.
O Plano de Ações Estratégicas para o Enfrentamento das Doenças Crônicas
Não Transmissíveis (DCNT) aborda as quatro principais doenças (doenças do
aparelho circulatório, câncer, respiratórias crônicas e diabetes) e os fatores de
risco (tabagismo, consumo nocivo de álcool, inatividade física, alimentação
inadequada e obesidade).
As principais metas desse plano são: 1. reduzir a taxa de mortalidade prema-
tura (<70 anos) por DCNT em 2% ao ano; 2. reduzir a prevalência de obesidade
em crianças; 3. reduzir a prevalência de obesidade em adolescentes; 4. deter o
crescimento da obesidade em adultos; 5. reduzir as prevalências de consumo
nocivo de álcool; 6. aumentar a prevalência de atividade física no lazer; 7.au-
mentar o consumo de frutas e hortaliças; 8. reduzir o consumo médio de sal; 9.
reduzir a prevalência de tabagismo; 10. aumentar a cobertura de mamografia
em mulheres entre 50 e 69 anos; 11. aumentar a cobertura de exame preventivo
de câncer de colo uterino em mulheres de 25 a 64 anos; 12. tratar 100% das mu-
lheres com diagnóstico de lesões precursoras de câncer.

capítulo 2 • 49
2.5.1  O doente crônico

O diagnóstico de uma doença crônica muda tudo na vida de uma pessoa. Geral-
mente causa um impacto muito grande e altera a forma da pessoa ver o mundo
e a si própria.
A vida é colocada sob uma nova perspectiva. Isso implica necessariamente
numa mudança do estilo de vida. Os cuidados precisam ser mais intensos: os
horários das medicações precisam ser respeitados, cuidados no asseio e higie-
ne, alimentação e mobilização o máximo possível, dependendo das condições
de cada paciente. Quando o paciente consegue entender e aceitar essas restri-
ções que sua nova condição impõe, a relação com a doença tende a ficar me-
lhor, mais fácil. A família tem um papel importante de apoiar e assessorar o
paciente deste o diagnóstico até o fim da vida.
Quando o paciente já falhou na prevenção e não consegue compreender a
importância do tratamento ele acaba indo para no hospital.

2.5.1.1  O doente crônico no Hospital

O paciente com doenças crônicas no hospital geralmente foi internado por ter
algum comprometimento no quadro clínico que impossibilite o seu tratamen-
to a nível ambulatorial. Como exemplo podemos citar a descompensação do
diabetes mellitus, infecção respiratória descompensando portador de doença
pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), Acidente Vascular Encefálico (AVE) den-
tre outras.

A atuação do psicólogo hospitalar no tratamento do sujeito portador


de doença crônica

Vieira e Marcon (2008) escrevem que com o paciente portador de doença crô-
nica a tarefa principal é resgatar seu modo de vida que foi interrompido pela
ocorrência do fenômeno doença.
Com esses pacientes o profissional de saúde deve procurar entender o so-
frimento, escutar, e aproximar-se do drama humano que é doença. A tarefa é
propiciar que o paciente reencontre o sentido da vida, mesmo estando doente
e com a vida debilitada. Vieiral e Marconll (2012) mostra ainda que nossos pa-
cientes, além da doença tem que enfrentar alguns lutos: 1. Pelo corpo saudável;

50 • capítulo 2
2. Pela posição que tinha na família e que em algumas situações perde; 3.
Pelo salário que pode ser diminuído; 4. Pela mudança no seu estilo de vida.
Precisamos dar suporte para que o paciente enfrente seus lutos, ajudá-lo no en-
tendimento de sua condição e facilitar a adesão ao tratamento que será longo e
em muitas vezes doloroso.

Mecanismos de defesa no paciente crônico

Os pacientes que apresentam longos períodos de internação podem, em algu-


mas circunstâncias, fazerem uso de mecanismos defensivos. Quem tem como
função aliviar a angústia e a tensão proporcionadas não só pela própria doença
como também pelo período longo de internação. Esses mecanismos ajudam o
paciente a lidar com o diagnóstico de enfermidade crônica que remete imedia-
tamente a problemática da morte. A morte que até então era algo distante, após
a constatação da doença crônica, torna-se presente no cotidiano do paciente.
Portanto, os mecanismos defensivos permitem que esses pacientes consigam
se organizar internamente para lidar com a notícia da doença.
Angerami-Camon (2001) mostra que os mecanismos mais comuns que apa-
recem nas instituições de saúde são três: Negação, Regressão e Intelectualização.

1. Negação = O paciente ao tomar conhecimento do diagnóstico nega que


a doença exista. Acredita que o diagnóstico está errado, que pertence à outra
pessoa. Alguns somem do médico e não querem nem ouvir falar da doença, ou-
tro vão a vários outros médicos buscando outro diagnóstico ou para confirmar
que aquele inicial tinha mesmo um erro.
2. Regressão = O paciente assume uma postura infantil, regredindo.
Torna-se quase uma criança, faz exigências pueris, reagem de forma infantili-
zada às solicitações da equipe de saúde. Quando em casa apresentará proble-
mas com sua família porque a família não consegue compreender que aquele
pai ativo, tornou-se quase uma criança.
3. Intelectualização: o paciente visa investigar os vários aspectos de sua
doença e pretende que, ao conhecê-la de modo mais abrangente, ela deixe de
existir. Esse mecanismo pode ser positivo, se o paciente for bem orientado pela
equipe médica, caso contrário poderá não aceitar a terapêutica, discutirá com a
equipe e poderá vir a se automedicar.

capítulo 2 • 51
2.5.1.1.1  O doente terminal

Uma doença terminal muda tudo. Na maioria dos casos, cuidar de alguém que
sofre de uma doença terminal torna-se mais assustador do que o diagnóstico
inicial. Não existe uma cura, mas também não há certezas relativamente aos
meses ou até anos que podem separar o diagnóstico da morte. Como lidar com
um doente terminal? No fundo, é muito simples – essas pessoas necessitam
dos mesmos cuidados físicos, emocionais e espirituais que todos nós. E a ver-
dade é que estamos todos a morrer, mas, até ao último suspiro, estamos todos
vivos, por isso, há que aproveitar cada dia ao máximo.
Uma das maiores preocupações de um doente terminal é o controle da dor
aguda ou crônica que debilita a pessoa até esta já não conseguir executar as
suas tarefas diárias. Muitas vezes, o doente pode estar a sofrer desnecessaria-
mente, o que pode ter um efeito negativo na sua luta pela vida. Ter qualidade de
vida até ao final de uma doença terminal é fundamental, por isso, é necessário
averiguar e experimentar quais os medicamentos e ou tratamentos que possam
controlar essa dor.
Kubler-Ross (1985) nos ensina que as pessoas que enfrentam uma doen-
ça terminal sentem uma dor e uma solidão enorme, muitas vezes associada à
depressão e a um sentimento de “vazio”. Para além de serem cuidadas, estas
pessoas precisam ser acarinhadas, principalmente porque estão a viver um pe-
ríodo na sua vida marcado por emoções negativas como a tristeza, a ansiedade,
a revolta e o medo.
Devemos ter condições psíquicas para falar sincera e abertamente sobre a
morte e o morrer. Devemos ter paciência, ouvir, apoiar e caso o paciente queira
oferecer um abraço, um toque, um carinho.
O paciente terminal pode sentir-se preocupado em saber como ficarão as
suas coisas após sua partida. Se o paciente pedir, ajude-o a delegar para alguém
de suas relações que possam resolver assuntos pendentes. Preparar ou alterar
o seu testamento, ou deixar indicações para o seu funeral. Pode ainda ser de
a sua vontade organizar as suas finanças ou entregar, a familiares ou amigos,
alguns dos seus bens pessoais. Fazer as pazes com alguém ou esclarecer um
mal entendido do passado, serão outras questões que essa pessoa poderá ter
necessidade de resolver.
É fundamental que ajude o doente terminal a concretizar os seus desejos
finais, mesmo que seja um assunto simples como visitar um velho amigo,

52 • capítulo 2
realizar uma viagem a um local especial ou fazer uma coisa que sempre quis,
mas nunca teve a oportunidade. Nossa tarefa é ajudá-lo a partir da melhor for-
ma possível, sem pendências afetivas, econômicas ou sociais.

RESUMO
Nesse capitulo tivemos a oportunidade de conhecer como funciona a estrutura de uma ins-
tituição total, sua política disciplinadora e controladora dos corpos, suas tentativas de tornar
os corpos dóceis ao trato. Vimos como a ansiedade e a depressão podem ser causadas pelo
processo de adoecer e também pela hospitalização. Aprendemos sobre a Atenção Primária e
vimos que existe uma preocupação das instâncias governamentais na prevenção de doenças
crônicas. Pudemos conhecer as principais alterações psicopatológicas que podem ocorrer
durante a internação. Entendemos a dinâmica do adoecer crônico e finalmente compreende-
mos o processo de morrer.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. RESOLUÇÃO CFM Nº 2.005/2012 (Publicada no D.O.U.
21 dez. 2012. Seção I, p.937 a 940) (Nova redação do Anexo II aprovada pela Resolução CFM n.
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DALGALARRONDO, P. Psicopatologia e semiologia dos transtornos mentais. Porto Alegre:
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KUBLER-ROSS, E. Sobre a morte e o morrer: Martins Fontes;Rio de Janeiro 1985.
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capítulo 2 • 53
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<https://psicologado.com/atuacao/psicologia-hospitalar/a-atuacao-do-psicologo-hospitalar-no-
tratamento-do-sujeito-portador-de-doenca-cronica>
VIEIRA, M.C.U. & MARCON, S.S. Significados do processo de adoecer: o que pensam
cuidadoras principais de idosos portadores de câncer. Rev. esc. enferm. USP vol.42 no.4
São Paulo Dec. 2008. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_
arttext&pid=S0080-62342008000400019>. Acesso em: 15 mai. 16

54 • capítulo 2
3
Instituições de
saúde: um campo
de trabalho
transdisciplinar
3.  Instituições de saúde: um campo de
trabalho transdisciplinar

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Nesse capítulo veremos quais os problemas, facilidades e potencialidades no tra-


balho transdisciplinar dentro das instituições de saúde. Vivemos um momento
histórico em que temos sociedades industrializadas, urbanas e hiper conectadas
(redes sociais) que vão exigir novas soluções para os problemas e demandas que
surgem em função da complexidade dessas sociedades. Nessas sociedades as
informações são produzidas e circulam rapidamente. Uma das consequências
dessas mudanças rápidas e radicais e colocar em cheque os antigos paradigmas
que sustentavam as práticas profissionais nas instituições de saúde.
Feriotti (2009) afirma que:

O paradigma tradicional, marcado pela física Newtoniana, caracteriza-se por uma


abordagem racionalista, mecanicista, objetiva e quantitativa da natureza; pelo rigor e
precisão dos meios de medição; por uma crença na neutralidade e objetividade do
cientista; por uma visão de natureza estável, passiva, inerte e eterna sobre a qual o ho-
mem tem domínio e controle; pelo determinismo mecanicista e pela causalidade; por
leis gerais, universais e estáveis; pela ideia de ordem e linearidade progressiva, pela
fragmentação do conhecimento, pela concepção de tempo e espaço como absolutos.

56 • capítulo 3
Esse paradigma foi superado por outras formas de pensar o fazer científico
e por novas formas de intervenção nas instituições. O paradigma que sucedeu
ao antigo foi perfeitamente definido por Feriotti (2009).

O paradigma emergente tem seu marco em Einstein com as novas concepções de


tempo e espaço e os conceitos de relatividade e simultaneidade. Dentre outros, rece-
be de Heisenberg e Bohr as ideias de leis probabilísticas, do princípio da incerteza, da
subjetividade e da não neutralidade do cientista sobre o objeto pesquisado.

A partir da mudança paradigmática foi possível o surgimento de conceitos


de interdisciplinaridade e transdisciplinaridade como alternativas ao pensa-
mento estigmatizante, reducionista e fragmentado que até então prevalecia.
Essa mudança fundamental no modo de compreender a ciência estendeu-
se a forma de definir o que é saúde e o que é doença. No Brasil a mudança para-
digmática influenciou a Constituição Cidadã de 1988, principalmente na parte
que trata da saúde. Em legislação posterior de 1990, onde foi regulamentado o
Sistema Único de Saúde (SUS). Nessa lei vemos que a definição de saúde é bem
ampla, e completa.

A Saúde tem como fatores determinantes e condicionantes o meio físico (condições


geográficas, água, alimentação, habitação etc.); o meio sócio econômico e cultural
(ocupação, renda, educação etc.); fatores biológicos (idade, sexo, herança genética
etc.) e a oportunidade de acesso aos serviços que visem à promoção, proteção e
recuperação da saúde. (BRASIL, 1990)

Essas mudanças, na legislação, foram fundamentais para consolidar um


novo modo de pensar a saúde. Considerada não mais como ausência de doen-
ça, mas de forma completa, saúde passa agora ser considerada como biopsi-
cosocial. Nessa perspectiva a transdisciplinaridade favorece a compreensão da
complexidade do humano. Esta concepção de saúde agrega conceitos de quali-
dade de vida, cidadania e inclusão social ao seu campo de ação, busca superar o
reducionismo, apoiando-se no princípio da integralidade da atenção. Além de
permitir que tenhamos uma prática mais humanizada já que permite olhar o
sujeito sem tomá-lo por partes, em sua totalidade.

capítulo 3 • 57
As de equipes compostas por diversos profissionais sempre existiram nas
unidades de saúde, e pelo simples fato de termos vários profissionais traba-
lhando na mesma unidade não caracteriza uma equipe multiprofissional. O
que caracteriza o trabalho multiprofissional é uma troca constante, onde os
saberes de cada profissional se somam, se ligam e se transformam nas discus-
sões de caso que as equipes realizam. Portanto essa forma de entender a prática
profissional torna o trabalho mais produtivo.
Na atenção básica o trabalho transdisciplinar é definido como:

A atenção multiprofissional deve produzir novas formas sistemáticas de cuidado, a


partir de arranjos no trabalho em equipe, tais como reunião de equipe, discussão de
caso, atendimentos compartilhados entre outros, de acordo com as realidades locais.
(Brasil 2013)

Essa definição permite compreender que o trabalho no SUS será preferen-


cialmente realizado por equipes multiprofissionais, em verdade essa escolha
por essa forma de trabalhar se articula com uma atenção humanizada e inte-
gral. No entanto trabalhar em equipes multiprofissionais não é tarefa fácil e
enfrentamos algumas dificuldades. Feriotti (2009) aponta algumas delas:
1. A formação acadêmica, ainda marcada pelo reducionismo, promove
não apenas uma dificuldade de comunicação entre as linguagens específicas
de cada profissão, mas também o desconhecimento das potencialidades, obje-
tivos e recursos dos diversos profissionais e unidades de saúde;
2. O trabalho em equipe pode caracterizar-se como ajuntamento de disci-
plinas ou ações, sem interações sistêmicas e sem definição de um projeto que
constitua a unidade.
3. A lógica de coordenação de projetos pode ser substituída pela lógica
corporativa e competitiva que enrijece as fronteiras disciplinares.
4. Nem sempre profissionais e instituições se compreendem apenas
como parte de um todo complexo, estabelecendo prioridades que determinam
hierarquias de poder.
5. A comunicação entre os profissionais pode ser prejudicada pela ausên-
cia de escuta ou intolerância à diversidade de abordagens técnicas e ideológicas.
6. Os conflitos da equipe dificilmente são vividos como potencialida-
de criativa e fecunda de equilíbrio. Ao contrário, podem buscar um ponto de

58 • capítulo 3
acomodação que protege o grupo e a estrutura institucional do enfrentamento
de mudanças necessárias.
7. A divisão social do trabalho ainda mantém as cisões teoria-prática, sa-
ber-fazer, gerenciar-executar, diminuindo as possibilidades de participação
dos técnicos nas questões administrativas que definem e organizam processos
de trabalho e desenvolvimento de projetos.
8. Excesso de trabalho, demandas burocráticas, baixas remunerações,
setorização e fragmentação das ações levam profissionais a realizarem tare-
fas isoladamente e absorverem individualmente, ou em pequenos grupos,
as impotências e insatisfações, sem visibilidade da dinâmica institucional
e sem poder identificar o quanto suas próprias relações com o trabalho es-
tão institucionalizadas.

Vocês podem observar que dificuldades para realizar o trabalho multipro-


fissional são grandes e podem, inclusive, desestimular alguns profissionais.
Mas temos que ter claro que nessa prática profissional o trabalho em equipe é
uma construção permanente, não existe um momento em que esse trabalho se
torna rotina, não! É uma construção, que necessita de um permanente investi-
mento técnico, político e profissional de toda a equipe.
Exemplos de trabalho transdiciplinar:
Num hospital da rede pública de saúde do Estado do Rio de Janeiro, perce-
beu-se a importância da discussão dos casos clínicos. Apesar de ser um hospital
geral, onde a alta e a admissão de pacientes na enfermaria de clínica médica,
é um Ato Médico, ou seja, é tarefa exclusiva dos médicos, nas reuniões de dis-
cussão de casos foi possível estabelecer um entendimento do caso a partir de
vários pontos de vista. Vejam o caso abaixo:
Paciente masculino, 30 anos, internado na clínica médica após longa inter-
nação no CTI. Quadro clínico: trauma crânio encefálico, com alteração da me-
mória. Não apresenta outras alterações clínicas.
História do paciente: foi encontrado no acostamento da rodovia 040, pela
Polícia Militar do Rio de Janeiro e trazido ao hospital em estado de coma. Não
lembra o que aconteceu, não sabe seu nome e nem onde mora. Ficou internado
por um ano no CTI, recebeu alta para a enfermaria de clínica médica.
Na reunião de discussão de caso o médico acreditava já ser possível dar
alta definitiva para o paciente. Durante a discussão foi levantado a necessida-
de de o paciente ser preparado pela psicologia para a alta. O serviço social se

capítulo 3 • 59
prontificou a identificar o paciente através do serviço de datiloscopia do Detran.
A fisioterapia prontificou-se a, de forma gradual, levar o paciente para passear
pelos jardins do hospital a fim de que ele possa se acostumar com a luz do dia e
a reaprender a andar sem ajuda. A enfermagem sugeriu que poderíamos fazer
cartazes com a foto do paciente e colocá-los na entrada da emergência. Assim
alguém poderia reconhecê-lo.
Todos os profissionais cumpriram as suas tarefas e o resultado foi que a fa-
mília do paciente foi encontrada e foi buscá-lo no hospital. Eles contaram que o
estavam procurando há muito tempo sem conseguir achá-lo. Contaram que ele
tem quatro filhos, é casado e que sempre trabalhou muito. Provavelmente ele vi-
nha do trabalho quando foi assaltado ou atropelado. Caso resolvido com suces-
so, por causa da participação de todos com olhares profissionais diferenciados.

3.1  O papel da liderança no gerenciamento de conflitos

3.1.1  Os tipos de lideranças

Observado com cuidado notaremos que quase todos os trabalhos realizados


em uma instituição serão realizados em grupo e aparecerá a figura de um líder.
O primeiro a considerar os estilos de liderança foi Weber (2015), que dife-
renciou três tipos de liderança:
1 liderança autoritária ou autocrática = sua ênfase centrada no líder,
sendo ele quem fixa as diretrizes a serem seguidas e determina as técnicas a
serem utilizadas, sem qualquer participação do grupo.
2. liberal = a liderança liberal coloca todo seu foco nos subordinados, há
liberdade completa, por parte dos colaboradores, para tomada de decisões.
3. democrática = coloca sua ênfase tanto no líder como nos subordina-
dos, sendo as diretrizes debatidas e as técnicas e processos escolhidos pelo gru-
po, assistidos pelo líder.

A escolha do tipo de liderança depende das características do grupo, e do


tipo da tarefa que o grupo precisa executar. Outro autor famoso que nos ajuda
a entender o processo de liderança é Lewin, Psicólogo Social que se dedicou a
estudar o homem em contextos de interação: nos grupos com suas lideranças,
no contexto de aprendizagem e dinâmica de grupos.

60 • capítulo 3
Em 1939 Lewin, interessava-se pelos processos de decisão na liderança e
principalmente nas questões relativas a tomada de decisão. Ele estabeleceu,
basicamente, três tipos de liderança.

3.1.1.1  Liderança autoritária (Autocrática)


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O líder fixa as diretrizes sem participação do grupo. É o líder que define o que
deve ser feito e como deve ser feito. Determina quais as providências e as téc-
nicas a utilizar para a execução das tarefas, cada uma por vez, a medida que se
tornam necessárias e de modo imprevisível para o grupo. Exerce a liderança
sustentando o seu poder no cargo, posição hierárquica ou estatuto que ocupa
no grupo.

3.1.1.2  Liderança participativa (Democrática)

O líder convida à participação dos outros, tendo em conta as suas qualidades e


competências para a tomada de decisão. Partilha as suas decisões e atividades
com os outros membros do grupo. Podemos dizer que ele possui uma visão do
ser humano e de si, como agentes de mudança. Caso acredite que o melhor é
que todos devam participar no planejamento e execução de uma determinada
tarefa, as suas orientações serão neste sentido.

capítulo 3 • 61
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Acredita que a união faz a força e que não é perfeito nem tem de ser crê que
todos possuem condições de agir com autonomia e responsabilidade.
A sua atenção está voltada principalmente para as relações interpessoais e
vê o seu poder baseado na credibilidade que o grupo lhe atribui.

3.1.1.3  Liderança delegativa (laissez-faire)

Fornece pouca orientação aos restantes membros do grupo. Deixa o processo


de decisão nas mãos do grupo. Exerce pouco controle sobre o grupo, deixando
a cada um a tarefa de definir os seus papéis e de descobrir o que cada um tem
de fazer, sem se envolver neste processo de organização do grupo. A equipe tra-
balha com pouca orientação e geralmente, pouca motivação.
A principal problemática da liderança é saber quando aplicar cada estilo,
com quem, e em que circunstâncias e atividades a serem desenvolvidas.
Vimos acima os diferentes tipos de lideres: autocráticos, democráticos e
laissez-faire. A princípio, podemos pensar que existe um tipo melhor de líder,
mas sabemos que o líder ideal é aquele que atende melhor as necessidades do
grupo. Em geral a escolha do tipo de liderança depende da tarefa que o grupo
irá desempenhar, de seus objetivos e das condições ambientais em que o grupo
está inserido. Portanto não temos a priori qual o tipo ideal de liderança.

3.2  Liderança no gerenciamento dos conflitos

Na atualidade se diferencia liderança de gerência entendendo que líderes po-


dem ocupar posições em níveis hierárquicos diferentes. Vendemiatti (2010)
mostra que:

62 • capítulo 3
O gerenciamento produz ordem e consistência através do desenvolvimento do
planejamento em curto prazo, organização, controle e resolução de problemas; já a
liderança produz mudança e movimento nas organizações através da criação de uma
visão, desenvolvimento de estratégias, alinhamento das pessoas, bem como a respon-
sabilidade de inspirar e motivar o grupo.

No dicionário Houaiss de língua portuguesa (2001) a definição de gestão é:


“é o ato ou efeito de gerir, ou seja, exercer gerência sobre alguma coisa, admi-
nistrar, dirigir, cuidar, executar e/ou praticar.”
Nem todo gestor é um líder, pode ser formalmente responsável por liderar
a instituição, mas o cargo ou função não garante que de fato seja assim. O líder
pode, e geralmente, aparecer em qualquer nível hierárquico, e em várias situa-
ções eles podem ser o elo entre a gestão formal e o conjunto de trabalhadores.
O líder consegue identificar os conflitos ou até se antecipar a eles. Ao líder cabe
ter a iniciativa na negociação das saídas dos conflitos. A partir da identificação
dos conflitos o líder consegue propor soluções e avançar execução dos projetos
da equipe.
A liderança é um processo que se configura como uma via de mão dupla
entre líder e liderados, em que ambos influenciam o funcionamento do grupo
e podem determinar o fracasso ou o sucesso das tarefas desempenhadas pelo
grupo. A confiança entre líder e liderados é fundamental e deve ser baseada
na transparência, na tomada de decisões e em princípios éticos estabelecidos
pelo grupo.
Para Davel e Machado (2001), “O centro da relação entre líderes e liderados é
movido pelo poder, cognição e emoção.” O líder precisa trabalhar para manter
esses três fatores dentro dos limites aceitáveis para o funcionamento do grupo.
Vendemiatti et alli (2010) escreve que:

O processo não é orientado pela autoridade, mas primordialmente pela negociação


dos limites possíveis entre os desejos individuais e os objetivos organizacionais, que
geram consentimento e legitimam a atuação do líder.

Os lideres tem como tarefa essencial estabelecer os limites entre as von-


tades individuais, ou dos grupos e os objetivos das organizações em que os

capítulo 3 • 63
grupos estão filiados. Essas contradições entre interesses pessoais e os interes-
ses organizacionais criam tensões e podem causar diversos tipos de mal estar.
Mas o fundamental é que os conflitos que surgem dessas tensões não devam
ser sufocados, ao contrário, o líder deve fazer eclodir os conflitos para que eles
possam ser tratados e resolvidos. O conflito, nas organizações, quando é colo-
cado para debaixo do tapete, é negado ou rejeitado tende a causar patologias na
instituição e também nas pessoas. O líder permite e incentiva que se verbalize o
que incomoda na organização, e assim previne possíveis transtornos.

3.2.1  Laços sociais e afetivos nas instituições

As instituições são vivas, seu funcionamento é dinâmico e fundamentados nos


diferentes grupos que a compõem, grupos formalizados pela própria estrutura
da instituição. Exemplo: grupo da direção, grupo da emergência, grupo de en-
fermeiros, grupos de psicólogos e há também os grupos formados pelas afini-
dades pessoais. Esses, em geral, são multiprofissionais e se formam quando os
membros reconhecem que tem algo em comum. Qualquer pessoa que trabalhe
numa instituição aceita fazer parte do grupo ou grupos que existem na institui-
ção. Schutz (1989) defende que todos os participantes de um grupo vivenciam
necessidades interpessoais que precisam ser satisfeitas para que ocorra a evo-
lução do relacionamento intragrupal. Tais necessidades se apresentam obede-
cendo à seguinte sequência: fase de Inclusão (I), fase de Controle (C) e fase de
Abertura (A). Segundo Schutz (1989) esta ordem não é rígida, mas as pessoas
tendem primeiro a determinar se querem ou não ficar num grupo, depois a de-
terminar que grau de influência irão exercer e, finalmente, a decidir o quanto
pessoalmente irão se tornar. Assim, de acordo com o autor, na primeira fase
as pessoas desejam se conhecer, ser acolhidas e respeitadas. Nesse momento,
a grande questão a ser respondida por cada um é: quero ou não pertencer a
este grupo? O sujeito através das primeiras trocas de informações, vai testando
quem são os membros do grupo e como o grupo funciona. A comunicação ini-
cialmente é superficial, mas é importante para estabelecer as primeiras vincu-
lações. As primeiras trocas são superficiais: pergunta-se sobre o tempo, sobre o
local de trabalho, sobre as chefias, horário etc. É através delas que se iniciam os
relacionamentos. Segundo Schutz (1989): “Embora a discussão destes tópicos,

64 • capítulo 3
seja frequentemente inoperante, quanto a seu conteúdo, por meio dela é que os
participantes em geral passam a se conhecer.”
Na fase de Controle, com o grupo já formado, começam os duelos por po-
der, liderança e influência. Aqui, o maior questionamento a ser respondido por
cada um é: quero ser líder ou liderado? Cada participante busca estabelecer no
grupo o grau de influência e poder – ou de obediência e dependência – que as-
sumirá segundo a sua conveniência. De acordo com Schutz (1989) “durante o
estágio do controle, o comportamento grupal característico inclui a luta pela
liderança e também a competição.” Enquanto membro do grupo, neste mo-
mento minhas ansiedades básicas centralizam-se em ter responsabilidade de
mais ou de menos, e em ter muita ou pouca influência. Tento me estabelecer
no grupo de tal modo que venha a ter a quantidade de poder e de dependência
que me for mais conveniente.
Já na última fase – Abertura – os relacionamentos já estão definidos, com
base nas trocas afetivas que surgiram da interação vivenciada pelos partici-
pantes. Nesse estágio, a pergunta de maior importância a ser respondida é: até
onde desejo ser próximo ou estar distante dos outros indivíduos do meu grupo.
Os movimentos de entrada nos grupos são cheios de desejos, afetos, emoções.
São esses sentimentos que constroem os laços que vão configurar o funciona-
mento grupal. São os laços afetivos que permitem que dentro das instituições
as pessoas se sintam participantes, aceitas e confortáveis. É o laço que faz a
amarração entre os sujeitos, o grupo e a instituição. Outra tarefa fundamental
do líder é saber equilibrar emoção com a cognição (capacidade de reflexão do
grupo). Assim sentir e pensar fazem parte e constituem os processos grupais. O
líder faz a mediação entre as expressões das emoções e as reflexões, para man-
ter o grupo funcionando de forma eficaz.

3.2.1.1  Liderança nas Instituições de Saúde

Nas instituições de saúde, a questão da liderança é mais complexa, por vários


motivos: a tarefa que as instituições de saúde desenvolvem a quantidade dos
atores envolvidos na realização das tarefas e o fato de que lidamos com o sofri-
mento e a morte diariamente. Vendemiatti et al (2010) afirma que:

capítulo 3 • 65
No plano da atuação diária, o médico ocupa um lugar de destaque e sua função não
se limita à execução de procedimentos médicos, mas envolve ações administrativas
sobre as quais ele tem autonomia, dado à natureza de sua função. Este profissional
está exposto a situações em que não são possíveis processos de consultas e autori-
zações. Por outro lado, a profissionalização administrativa dos hospitais estabeleceu
uma linha paralela de condução das relações interpessoais, fazendo com que funções
administrativas, antes limitadas à execução de procedimentos de controle, assumam
um papel de mediador das relações.

Vemos claramente duas linhas diferentes de lideranças, que parte de pers-


pectivas diferentes de gestão. De um lado a médica que visa a clínica, o pacien-
te, o cuidado com a saúde e de outro lado a administrativa que é pautada por
uma racionalização nos gastos, priorização dos custos, aumento da produtivi-
dade, padronização das atividades. Essas duas perspectivas de atuação podem
parecer a princípio que são irreconciliáveis, mas não é necessariamente dessa
forma. Se as partes envolvidas conseguem estabelecer um diálogo, uma nego-
ciação constante é uma comunicação aberta e produtiva, é possível estabelecer.
A gestão de uma unidade de saúde é complexa e exige um esforço coletivo de
entendimento e cumplicidade de todas as partes envolvidas. Na gestão contem-
porânea Vendemiatti et al (2010) nos mostra que:

o poder nas organizações de saúde, dizendo que este é compartilhado por vários
núcleos de profissionais, reforçando a necessidade de aprimoramento constante na
comunicação e na capacidade de negociação das lideranças.

Assim a capacidade de negociação, entre todos os envolvidos, é cotidiana-


mente colocada a prova. E nesse processo a qualidade das lideranças, suas ca-
pacidades de negociação, a ética e a transparência nos procedimentos são fun-
damentais para o sucesso da mediação dos conflitos nas unidades de saúde.

66 • capítulo 3
3.3  Comunicação nas instituições

As comunicações devem ser sempre claras, precisas e verdadeiras, mas nas


instituições de saúde nem sempre elas acontecem dessa forma. A comunica-
ção é uma das habilidades mais importantes que um profissional de saúde pre-
cisa ter. Médicos, enfermeiros, psicólogos, assistentes sociais e muitos outros
trabalhadores precisam se comunicar com os pacientes cotidianamente.
Uma comunicação eficaz facilita que os pacientes compreendam as per-
guntas e respondam de forma correta, o que pode ajudar com o esclarecimento
diagnóstico, diminuir o período de internação e evitar situações de iatrogenia.
Segundo o dicionário Aurélio, iatrogenia é uma doença com efeitos e complica-
ções causadas pelo resultado de um tratamento médico. Portanto uma conver-
sa franca e direta é fundamental para evitar situações iatrogênicas e ajudar os
pacientes a compreender sua condição médica. A falta de comunicação eficaz
com um paciente pode levar a um mal-entendido e a não adesão ao tratamento
recomendado.
Alguns cuidados são importantes para a boa comunicação: ter certeza que o
paciente entende o que está sendo comunicado, falar de forma calma e tranqui-
la para que todos entendam, permite que o paciente faça perguntas, o paciente
quando doente sente-se vulnerável, fragilizado, portanto tenha paciência.
Exemplo: Uma paciente, feminina, de 60 anos, passou pela consulta médi-
ca, onde foi mostrar o laudo de um exame de tomografia onde se lia claramente
que a paciente possuía um quadro de enfisema pulmonar, ainda assim ela afir-
mava que não tinha diagnóstico e voltava diversas vezes para novas consultas.
Foi preciso que o médico tivesse extrema paciência para explicar diversas vezes
o diagnóstico.
Discussão: repare que a paciente tinha curso superior e nenhuma dificul-
dade cognitiva que justificasse o não entendimento do que foi falado e nem
do que estava escrito. Toda a dificuldade estava relacionada a comunicação de
uma doença grave e crônica. Foi necessário um longo período de acolhimento
para que ela pudesse compreender o significado do diagnóstico.
Precisamos levar em conta que má notícia nem sempre é a da morte. E a má
notícia pode variar de acordo com cada paciente.

capítulo 3 • 67
3.3.1  Comunicação de notícias difíceis

Há medicamentos para todas as espécies de doenças, mas, se esses medicamentos


não forem dados por mãos bondosas, que desejam amar, não será curada a mais
terrível das doenças: a doença de não se sentir amado.
Madre Teresa de Calcutá.

A comunicação é um processo complexo, que envolve a dimensão verbal e


não verbal, envolvendo aspectos conscientes e inconscientes de todos os perso-
nagens envolvidos. Portanto quando vamos dar uma notícia difícil devemos ter
essa problemática em mente. O Ministério da Saúde (2010) publicou um ma-
nual para ajudar os profissionais de saúde a darem notícias ruins. A comuni-
cação de notícias difíceis significa trabalhar com a verdade que se constrói no
encontro, colocando o paciente como sujeito participante, como protagonista
de seu processo de vida, trabalho e morte.

AO LIDAR COM A DOR É IMPORTANTE:


Unidade entre o paciente e a sua família;

Acompanhamento médico frequente;

Decisões pautadas na ética médica;

Colaboração entre os profissionais de diversas áreas;

Aceitação da chegada da morte;

Nesse texto o ministério apresenta um roteiro inicial que pode ser adaptado
a diferentes realidades institucionais.
1. Prepare-se para comunicar = descubra o quanto o paciente sabe ou o
quanto aguenta saber.
2. Compartilhe as informações

68 • capítulo 3
Estratégia de atuação
1. Escolha um local reservado, fresco, com boa iluminação e que possam
ficar sentados.
2. Cuidado com a privacidade (o sigilo é fundamental).
3. Tenha tempo para dar a notícia e depois acolher o sofrimento – Não
fique olhando para o relógio. Ofereça seu tempo.
4. Utilize perguntas abertas: o que você sabe sobre sua doença? O que
mais te preocupa nessa situação?
5. Atente aos sinais não verbais do paciente durante as respostas.
6. Identifique sinais de ansiedade extrema ou sofrimento exacerbado,
avaliando as condições emocionais do paciente.
7. Informe com tom de voz suave, porém firme, utilizando vocabulário
adequado à compreensão do outro.
8. Seja claro e faça pausas para que o paciente tenha oportunidade de fa-
lar e você possa saber o que ele está pensando ou sentido da situação.
9. Valide a compreensão, fazendo perguntas curtas.
10. Só toque no paciente caso ele tome a iniciativa – Tocá-lo sem permissão
pode ser invasivo.
11. Verbalize compaixão e solidariedade ao sofrimento do outro
12. Acolha os sentimentos.
13. Permaneça junto do paciente.
14. Permita e estimule a expressão de sentimentos (de modo verbal e/ou
não verbal).
15. Verbalize disponibilidade para ouvi-lo.
16. Fale concisamente sobre sintomas, possibilidades de tratamento
e prognóstico.
17. Estabeleça, junto com o paciente, metas a curto e médio prazos e ações
para atingi-las.
18. Verbalize a disponibilidade para o cuidado e o não abandono.
19. Deixe claro como e onde encontrá-lo, se necessário.

Ouvir, escutar, acolher, são habilidades que podem ser treinadas e desen-
volvidas, nas instituições de saúde. Essas habilidades são fundamentais para
podermos oferecer aos pacientes um atendimento de qualidade e podermos
ajudá-los num momento da vida onde estão mais vulneráveis. Dar notícias
ruins, difíceis é sempre complicado tanto para quem recebe quanto para quem

capítulo 3 • 69
é responsável em comunicar a notícia, por isso o profissional de saúde necessi-
ta estar bem consigo mesmo para poder oferecer ajuda ao seu paciente.

3.4  Habilidades sociais de comunicação

Qualquer um pode ficar zangado. Isto é fácil. Mas zangar-se com a pessoa certa, na
intensidade correta, no momento adequado, pelos motivos justos e da maneira mais
apropriada, isto não é fácil.
Aristóteles.

O bom desempenho profissional depende de uma série de competências e ha-


bilidades de relacionamento, principalmente nas profissões que necessitam li-
dar com pessoas. Quando temos essas habilidades e competências ajudamos a
organização na melhoria do clima organizacional e nas relações interpessoais.
Segundo Del Prette e Del Prette (1999) as habilidades sociais “são um
conjunto de capacidades comportamentais aprendidas que envolvem intera-
ções sociais.”
Um comportamento habilidoso ou adequado, é a capacidade de ter atitu-
des, sentimentos, desejos, opiniões e crenças, respeitando a si mesmo e aos ou-
tros. A coerência entre minhas atitudes e minhas crenças, entre os sentimentos
e as opiniões constituem a expressão de quem eu sou. Portanto, quando tenho
coerência eu tenho aquilo que chamamos de autoestima. O sujeito precisa ter
autoconsciência e autoestima para poder respeitar a si mesmo e ao outro. Isso
permite que o sujeito tenha um comportamento assertivo. Caballo (1996) nos
explica que “Um comportamento assertivo viabiliza a solução de problemas
que podem estar envolvidos nas situações e diminui a probabilidade de proble-
mas futuros”
A assertividade é uma característica muito marcante de pessoas com boas
habilidades sociais. Assertividade é a expressão clara, direta, honesta e apro-
priada dos próprios pensamentos, sentimentos e crenças, de forma a não violar
os direitos dos outros. Pessoas assertivas se expressam sem se sentirem tão an-
siosas perante os demais, resolvem bem seus problemas e conseguem negociar
melhor.

70 • capítulo 3
Elas modulam adequadamente a forma de falar, considerando a escolha
das palavras, o volume e o tom de voz, além de manter o contato visual com
seus interlocutores.
A pessoa assertiva não se omite, mas também não agride ninguém.
O desenvolvimento de comportamentos assertivos proporciona uma me-
lhora muito significativa das interações sociais. Porque permite que se consiga
falar sobre tudo de forma respeitosa ao outro.

3.4.1  Habilidades sociais de comunicação

Essa é uma das habilidades mais fundamentais, que precisam ser desenvolvi-
das dentro das instituições. Del Prette e Del Prette (1999) organizam, de forma
clara, alguns itens que precisam ser respeitados e envolvem os elementos bási-
cos da comunicação nas instituições, são elas:
1. Fazer e responder a perguntas, ( de forma objetiva, clara e direta);
2. Gratificar e elogiar (elogiar não custa nada e ajuda a melhorar o nosso
dia, mas nunca minta, seja sempre sincero nos elogios);
3. Pedir e dar feedback nas relações sociais (saber o que pensam da gente
é fundamental para melhorarmos o nosso desempenho);
4. Dizer por favor, agradecer, apresentar-se, cumprimentar, despedir-se
(esses itens são essenciais para a convivência e faz toda a diferença nas relações
sociais. Nada funciona melhor que um belo bom dia!).
5. Dê sua opinião de forma sincera, respeitosa e amigável;
6. Peça desculpas e admita suas falhas;
7. Aceite as críticas e procure mudar de comportamento;
8. Trate todos, do gerente ao faxineiro, do mesmo modo respeitoso;

A atenção a essas premissas tende a facilitar e a potencializar um bom clima


nas instituições. Todos gostam de serem bem tratados e acolhidos, portando
tratar de forma cordial serve não só para os nossos colegas de trabalho, mas tam-
bém para os nosso pacientes. Ser empático auxilia no tratamento do paciente.

3.4.1.1.1  Habilidades sociais empáticas


Segundo Hoffman (2000) o termo empatia foi usado pela primeira vez no
início do século XX, pelo filósofo Theodor Lipps. Este afirmava que empatia

capítulo 3 • 71
acontece na relação entre o artista e o espectador que projeta a si mesmo na
obra de arte.
Para Hoffman (2000), empatia é a resposta afetiva vicária a outras pessoas,
ou seja, uma resposta afetiva apropriada à situação de outra pessoa, e não à
própria situação.
Jaspers (1997) afirma que o psiquiatra, ao invés de interpretar, deve:

apresentar de maneira viva, analisar em suas inter-relações, delimitar, distinguir do


modo mais preciso possível e designar com termos fixos os estados psíquicos que os
pacientes realmente vivenciam.

Del Prette e Del Prette, (1999) define empatia como a “capacidade de reco-
nhecer sentimentos e identificar-se com a perspectiva do outro, manifestando
reações que expressem essa compreensão e esse sentimento”
Sintetizando, a empatia seria a capacidade de perceber e entender o ponto
de vista do outro, entender suas razões, sentimentos e motivos, em outras pala-
vras, colocar-se no lugar do outro. Acolher seu sofrimento e ajudá-lo a lidar da
melhor maneira possível. É importante chamar a atenção para o fato de que
colocar-se no lugar do outro não é ser o outro. É entender a dor do outro, saben-
do que a dor é do outro. Se não temos claro essa distinção podemos confundir
nossa atuação e não iremos conseguir ajudar o nosso paciente.

RESUMO
Caminhamos nesse capítulo conhecendo mais sobre os trabalhos nas instituições de saú-
de, vimos a importância da transdisciplinaridade como método de atuação, vimos como os
grupos se formam, se consolidam e formam laços sociais, conhecemos os diversos tipos de
liderança e tivemos a oportunidade de entender a comunicação nas instituições, como dar
notícias difíceis, a questão da empatia e da ajuda aos nossos pacientes. Espero que vocês
tenham aproveitado bem esse capítulo.

72 • capítulo 3
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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comportamento. Interação em Psicologia. São Paulo. 2002
BRASIL. Ministério da Saúde. ABC do SUS: Doutrinas e Princípios. –Brasília: Secretaria Nacional de
Assistência à Saúde, 1990.
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DEL PRETTE, Z. A. P. & DEL PRETTE, A. Psicologia das Habilidades Sociais: Terapia e educação.
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tempo. Faculdade de Terapia Ocupacional da Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Pepsico.
Vínculo v.6 n.2 São Paulo dez. 2009. Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_
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SCHUTZ, W. C. Profunda simplicidade. Ágora São Paulo. 1989.
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WEBER, M. Economia e Sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Editora: edu –
unb.2015

capítulo 3 • 73
74 • capítulo 3
4
Motivação
4.  Motivação

Escolhe um trabalho de que gostes, e não terás que trabalhar nem um dia na tua vida.
Confúcio.

As Instituições de Saúde têm como propósito atender sua clientela/pacientes


com qualidade, eficiência e resolutividade. Para chegar a esse objetivo elas in-
vestem em equipamentos, prédios confortáveis e em tecnologia de ponta. Todo
o investimento é importante, mas nada é mais importante que as pessoas que
atuam nas instituições de saúde. Por mais que tenhamos todo um aparato fí-
sico e tecnológico, se o funcionário não estiver motivado, nada acontece. Da
recepção ao consultório, ao CTI (centro de terapia intensiva), ou em qualquer
outro espaço do hospital, é a relação entre o paciente e o funcionário que vai
determinar a satisfação do primeiro. Assim sendo, é importante a questão da
motivação no ambiente de saúde.
Bezerra & colaboradores (2010) mostram que:
Muitos administradores acreditam que estejam aplicando políticas mo-
tivacionais na sua empresa ao melhorarem as condições físicas no trabalho,
salários, políticas organizacionais, processos administrativos, benefícios e se-
gurança no trabalho, mas na verdade estão apenas garantindo a satisfação do
funcionário no ambiente de trabalho.
Satisfação não é sinônimo de motivação. A motivação é o que faz a pessoa
ir trabalhar. A satisfação refere-se ao quanto é bom realizar esse trabalho. Isso
pode ser conquistado de várias formas: um bom salário, amizades no serviço,
benefícios, plano de saúde, morar próximo ao trabalho, por exemplo. Mas pre-
cisamos lembrar que o funcionário pode estar satisfeito e motivado, insatisfei-
to e desmotivado e satisfeito e desmotivado e insatisfeito e motivado.
O psicólogo Frederick Herzberg, na década de 1960, procurou conhecer o
comportamento humano no ambiente de trabalho analisando os fatores rela-
cionados à satisfação e à insatisfação dos trabalhadores. Para ele haveria uma
diferença entre satisfação e motivação no trabalho. A satisfação no trabalho ga-
rante uma maior estabilidade na organização, ajuda a diminuir a rotatividade
e atua na manutenção de uma produtividade estável, que pode ser baixa, além
de permitir criar atitudes positivas para o desenvolvimento da motivação. No

76 • capítulo 4
trabalho, por sua vez, a motivação faz com que o indivíduo torne-se mais res-
ponsável com seu trabalho, repercutindo consequentemente em um aumento
da produtividade e da qualidade do trabalho. Concluindo, nas instituições de
saúde a satisfação e a motivação precisam andar juntas.

4.1  Conceituação de Motivação

Motivar é um verbo que exige complemento. Isso porque não existe motiva-
ção sem objeto. Estamos sempre motivados por alguma coisa. Ou seja, sempre
tem um objeto, ou objetivo a nossa motivação.
Nas Instituições o tema motivação vem se destacando cada vez mais, mas
temos várias definições, conceituações e aplicações para motivação. Veremos
algumas abaixo:
Chiavenato (1982) afirma que:

Para compreender o comportamento humano é fundamental o conhecimento da


motivação humana. Motivo é tudo aquilo que impulsiona a pessoa a agir de determina-
da forma, isto é, tudo aquilo que dá origem a alguma propensão a um comportamento
específico.

COMENTÁRIO
Motivo é aquilo que move o sujeito que impulsiona para a ação, portanto a motivação estará
sempre associada a um objetivo. Não existe motivação no geral, ela é sempre específica.

Para Faria (1982) “o homem é um animal permanentemente insatis-


feito, lutando sempre para conseguir algo mais que julga imprescindível a
sua satisfação”.

COMENTÁRIO
Somos insatisfeitos sempre, e é justamente essa insatisfação que nos move em direção às
mudanças, às conquistas.

capítulo 4 • 77
Para Bergamini (1997) “A motivação humana é caracterizada por um con-
junto de fatores dinâmicos existentes na personalidade, que determinam a
conduta de cada um”.

COMENTÁRIO
Esses fatores dinâmicos ordenam nossa personalidade, e permite que o sujeito use todos os
seus recursos: psíquicos, cognitivos e sociais para buscar aquilo que ele precisa e deseja.

Montana (1999) diz que motivação é o “processo de estimular um indiví-


duo para que tome ações que irão preencher uma necessidade ou realizar uma
meta desejada”.

COMENTÁRIO
Montana faz referência a motivação que é externa (extrínseca) ao sujeito e pode ser acessa-
da para motivar internamente.

De acordo com Maximiano (2002), o estudo da motivação é um dos temas


centrais do enfoque comportamental. Ele diz:

É necessário compreender os mecanismos que movimentam as pessoas, para os


comportamentos de alto desempenho, indiferença ou improdutividade, a favor ou
contra os interesses da organização e da administração.

COMENTÁRIO
O autor afirma que a palavra motivação é usada com significados variados. Fala-se em moti-
vação para estudar, ganhar dinheiro, viajar e até mesmo para não fazer nada.

78 • capítulo 4
Maximiniano, (2004) explica que o sentido da palavra motivação provém
do latim:

A palavra motivação deriva do latim motivus, movere, que significa mover. O seu
sentido original fundamenta-se no processo no qual o comportamento é incentivado,
estimulado ou energizado por algum motivo ou razão.

COMENTÁRIO
Maximiniano reafirma a necessidade de um motivo que possa energizar e impulsionar o com-
portamento dos sujeitos

Bergamini (1997) conclui dizendo que,

A motivação é pessoal, mas pode ser influenciada por objetivos e interesses coletivos
as pessoas a irem em busca de algo que possa satisfazer suas vontades e que con-
tribua de alguma forma para a realização de seus desejos, fica difícil motivar pessoas,
até porque o ser motivado supera limites como se a pessoa estivesse sob efeito de
algo superior, isso se dá quando a pessoa está centrada em seu objetivo maior levan-
do a uma integração em busca de sua autorrealização.

A conclusão do autor é importante, pois ele apresenta a ideia de que motiva-


ção é pessoal e ao mesmo tempo coletiva, nos fixamos em nosso objetivos pes-
soais, mas podemos articulá-los com os coletivos em que estamos inseridos,
quando isso acontece criamos uma sinergia nos ambientes de trabalho, uns
motivando os outros de forma que a realização das tarefas cotidianas nos am-
bientes de trabalho fiquem mais fácil e leve. O ser humano precisa de algo que
o estimule para começar a agir em busca de seus objetivos. Observamos que a
motivação é o insight para a ação e a partir daí o ser humano busca satisfazer
suas necessidades.

capítulo 4 • 79
Megginson (1998) mostra que a motivação:

relaciona-se com a compreensão do porquê do comportamento humano. Se houver


algum conhecimento da razão pela qual, as pessoas fazem o que fazem, pode-se me-
lhor compreender, prever e influenciar esse comportamento. Há diversos fatores como
pessoas que trabalham mais e outras menos. Líderes têm unidades com alta produti-
vidade e outros não, que influenciam o desempenho dos empregados e uma variável
principal é a motivação – o processo de induzir uma pessoa ou um grupo, cada qual
com necessidades e personalidades distintas, a atingir os objetivos da organização,
enquanto tenta também atingir os objetivos pessoais.

COMENTÁRIO
O estudo da motivação deve levar em conta as motivações individuais, mas também como as
instituições contribuem para o aumento ou diminuição da motivação de seus empregados.

Para Moscovici (2004), a motivação humana é:

constante, infinita, flutuante e complexa. O indivíduo é um todo organizado e integrado.


Ele, como um todo, se motiva, e não apenas parte dele, e a satisfação, consequentemente,
o atinge em sua totalidade, porém não de forma completa. O ser humano encontra-se sa-
tisfeito por curto período de tempo, pois ao satisfazer um desejo, em seguida surge outro.

COMENTÁRIO
O ser humano está em uma busca constante e nesse ato de buscar envolve toda a sua
potencialidade. O que o completa agora, provavelmente não o completará daqui a pouco ou
amanhã, pois perderá o sentido, a força, a constância.

80 • capítulo 4
Kwasnicka (2007) ressalta que a motivação “refere-se a desejos, aspirações e
necessidades que influenciam a escolha de alternativas, determinando o com-
portamento do indivíduo”.

COMENTÁRIO
Como podemos depreender do texto, para essa autora, a motivação é um processo de mobi-
lização de energia, que ocorre com cada indivíduo, internamente.

Temos várias formas de definir motivação e todas elas agregam valor ao


conceito. E nos permitem entender a complexidade desse tema. Para finalizar,
Bergamini (1997) descreve que a motivação do comportamento é sempre única
e natural e pode ser atribuído à importância que cada um dá ao seu trabalho.
Ele ainda fala da busca do referencial da autoestima e autoidentidade, que cada
uma busca.
Assim podemos concluir que a motivação caracteriza-se por não ser trans-
ferível de uma pessoa para outra, ou seja, uma pessoa altamente motivada não
consegue contagiar os que estão ao seu redor, de forma automática. Isso ocorre
porque o que leva uma pessoa a agir de uma determinada forma, não necessa-
riamente tenha o mesmo valor, a mesma importância para outra pessoa, daí
o que motiva um indivíduo não ter o mesmo efeito em outro indivíduo, ou se
surte algum efeito muito provavelmente não será na mesma intensidade. Mas
mesmo levando em consideração que motivação é individual, devemos ter cla-
reza que as instituições podem ter práticas, tipos de organização e modos de
funcionamentos que incidem ou não na motivação de seus empregados.

4.2  A motivação para os profissionais da saúde

Nas instituições de saúde é comum que corte nos custos, demissões e aumen-
to do número de atendimentos - sem que haja um real aumento de profissio-
nais de saúde - sejam justificados pela busca por eficiência. Isso significa um
constante aumento de trabalho, sem a recompensa salarial correspondente.
Segundo Pinto (2000) no início dos anos 2000, aprofundou-se o processo de ter-
ceirização da gestão das unidades de saúde. Criaram-se O.S. (Organizações So-
ciais) e Fundações de Saúde que vieram substituir a gestão, até então, feita pelo

capítulo 4 • 81
Governo Federal, governos estaduais e municipais. As O.S. e Fundações têm
um regime de contratação de pessoal, que se caracteriza por certa precarização
nos vínculos funcionais de trabalho. Pois o trabalhador em saúde que presta-
va concurso público tinha seu vínculo de trabalho como estatutário, o que ga-
rantia estabilidade no emprego e principalmente um cargo público. O cargo
era a garantia de poder exercer suas funções sem pressões, com mais liberdade
e com maior capacidade de decisão, o que garantia autonomia funcional e de
certa forma permitia uma ligação mais efetiva entre o técnico e a população a
ser atendida. Com a mudança inibiu-se a realização de concursos públicos e
modificou profundamente as relações de trabalho, Falcão (2015). Atualmente
o profissional de saúde não tem estabilidade no emprego e muito menos na
função. Portanto a relação entre profissional de saúde – unidade de saúde – po-
pulação atendida ficou fragilizada, já que o profissional não tem certeza de por
quanto tempo continuará naquela unidade. Além disso, as contratações para a
O.S. puderam passar a ser feitas por indicações políticas, sem a prévia e neces-
sária comprovação de competência profissional. Essa troca de gestão foi feita,
em alguns casos, sem transparência e principalmente sem preparação para as
equipes de funcionários estatutários. A inclusão dos profissionais das O.S. ter
sido realizada de forma abrupta e com poucas discussões na sociedade e entre
os profissionais de saúde transformou-se num fator de influente na diminui-
ção da motivação desse profissionais.
Essas novas formas de gerir a saúde conseguiram, por um lado, organizar os
processos internos de fluxo de materiais, equipamentos e insumos, mas, por
outro lado, aumentou a cobrança do pessoal e a quantidade de trabalho, lá na
ponta, que é o cuidado como o paciente, sem não, entanto, ter havido uma revi-
são na forma como a gestão dirige as equipes de trabalho e como a gestão ofere-
ce oportunidade para que as equipes de saúde possam sentir-se motivados nas
novas condições de trabalho.
Gonçalves (2006) mostra que diante da pressão da eficiência, a antiga estru-
tura foi ainda mais enrijecida, e a qualidade, sacrificada. O resultado desse cír-
culo vicioso aparece claramente no diagnóstico da Norma Operacional Básica
de Recursos Humanos (NOB/RH), elaborada no âmbito do Sistema Único de
Saúde(SUS), referindo-se a organização pública e privada. Gonçalves (2006)
ainda afirma que é comum a falta de estímulo profissional, os desvios de fun-
ções, as duplas ou triplas jornadas de trabalho, a submissão a formas improvi-
sadas e arcaicas de vinculação e gestão, cuja regra é a transgressão à lei e ainda,

82 • capítulo 4
com poucos ou inexistentes espaços de negociação, com seus empregadores.
Gonçalves ainda afirma que nas instituições privadas (filantrópicas e lucrati-
vas) prestadoras de serviço de saúde, as distorções são de outra ordem. Nesses
casos, a ênfase da desregulamentação se dá, principalmente, pela tentativa das
entidades de se desonerarem das obrigações fiscais e pelo descumprimento
das normas regulamentares de contratação de pessoal.
As instituições de saúde passam pelos mais variados problemas desde a li-
mitação de recursos humanos, à falta de capital para se manterem funcionan-
do adequadamente. Como nos dizem Fernades et al (2013), os profissionais
se submetem a jornadas de trabalhos excessivas em duas ou mais instituições
para conseguir um padrão de vida mediano, o que contribui diretamente para
seu cansaço, desgaste físico, absenteísmo. Tudo isso reflete nas relações traba-
lhistas e por extensão na satisfação dos colaboradores.
Para Gonçalves (2006), as formas precárias de contratação, o descontenta-
mento profissional, as diferentes formas de vínculo empregatício no mesmo
ambiente de trabalho e todos os fatores que geram insatisfação ou tensão di-
ficultam a coesão e atinge negativamente o cerne da atividade hospitalar, seu
principal insumo: as pessoas que nele trabalham.
Os administradores hospitalares se veem às voltas com a necessidade de
ter que encontrar respostas para esses problemas, porém o que fazem é com-
bater os sintomas da crise. Tentam controlar os grupos, a falta de unidade na
instituição, o absenteísmo, a baixa produtividade e a dificuldade de mobili-
zação para mudanças. As soluções propostas são ineficazes, porque não me-
xem nas estruturas que provocam os problemas e muitas delas não chegam a
ser implantadas.
O desafio que se apresenta é romper com as amarras existentes nas corpora-
ções hospitalares, iniciando um ciclo de modernização, a partir da valorização
dos profissionais, com modelos organizacionais voltados para a motivação, a
qualidade no atendimento, a humanização, conseguindo com isso a elevação
do grau de satisfação dos clientes e colaboradores e consequentemente o au-
mento da produtividade da organização no contexto geral.

4.2.1  Motivação nas instituições de saúde

Nas instituições de saúde considera-se a motivação como um dos principais


fatores relacionados com a produtividade e a qualidade no atendimento aos

capítulo 4 • 83
pacientes, especialmente porque as instituições percebem que o diferencial
decorre principalmente das pessoas que trabalham nela. O profissional moti-
vado que reconhece a função social de sua tarefa, que entende que por menor
que seja a sua tarefa ela é fundamental para garantir a saúde da população.
Quando o gestor consegue fazer que seu subordinado compreenda a função
social do trabalho na saúde, ele pode mobilizar, incentivar e garantir que cada
um saiba da importância de sua atuação. Infelizmente alguns gestores adotam
programas motivacionais com o único objetivo de moldar ou modelar o com-
portamento de seus subordinados. Muitos gestores acreditam que motivação
é um traço pessoal, ou seja, alguns subordinados possuem e outros não. Por
causa dessa perspectiva sobre a motivação alguns gestores acreditam que seus
subordinados são desmotivados. O que esses gestores não percebem é que a
motivação é produzida na interação do sujeito, com suas tarefas no trabalho,
com seus companheiros e com o ambiente na instituição.
Herzberg (1923) foi o autor da "Teoria dos dois fatores" que aborda a situa-
ção de motivação e satisfação nas pessoas. Herzberg evidenciou dois fatores
diferentes e que devem ser considerados na avaliação da satisfação nos cargos.
São eles: os Fatores Higiênicos e os Motivacionais.

FATORES A satisfação no cargo é função do conteúdo ou atividades


MOTIVADORES desafiadoras e estimulantes do cargo.

A insatisfação no cargo é função do ambiente, da super-


FATORES visão, dos colegas e do contexto geral do cargo, enrique-
HIGIÊNICOS cimento do cargo (ampliar as responsabilidades) são os
chamados.

Os fatores que levam a satisfação no trabalho são chamados de fatores hi-


giênicos e referem-se às condições básicas que são oferecidas aos funcionários:
são as condições físicas no trabalho (maquinário, conforto térmico, conforto
do mobiliário), salário, benefícios (aposentadoria, plano de saúde, cesta bá-
sica, transporte), segurança no trabalho (equipamentos de segurança, seguro
acidente).

84 • capítulo 4
Os fatores que aumentam a motivação, são denominados de fatores moti-
vacionais e referem-se à tarefa e a sua execução: a liberdade de criar, de inovar,
de procurar formas próprias e únicas de atingir os resultados de uma tarefa,
envolvem ainda sentimentos de crescimento individual ou até mesmo de re-
conhecimento profissional. São fatores relacionados com a autorrealização
dos sujeitos.
Para Herzberg a motivação do subordinado reside no exercício de tarefas e
atividades que ofereçam suficientes desafios e significados para o trabalhador,
produzem sentindo para o trabalho realizado. No entanto, nas instituições de
saúde nem sempre essas condições estão presentes.
Bezerra (2010) nos mostra que:

O que foi percebido acerca dos conceitos de enfermagem como profissão e da


própria prática de enfermagem é que muitas vezes o trabalho do enfermeiro e de sua
equipe é cercado por tarefas rotineiras, mecanicistas, permeadas por várias regras e
normas de conduta.

O que foi percebido na pesquisa realizada pelo autor com os enfermeiros


pode ser generalizado para as outras categorias profissionais que atuam nas
instituições de saúde. A burocratização das tarefas e a padronização dos proce-
dimentos nos faz pensar que a motivação das equipes seja uma tarefa bastante
desafiadora. Nas instituições de saúde ficamos frente ao desafio de ao mesmo
tempo em que lidamos com humanos e isso requer liberdade, criatividade,
emoção e empatia. Temos que, ao mesmo tempo, responder a procedimentos
incrivelmente burocratizados que em muitas vezes se sobrepõe ao atendimen-
to ao paciente.

4.3  A hierarquia das necessidades humanas

A abordagem humanística apresenta uma nova teoria na metade dos anos 50, a
Teoria da Hierarquia das Necessidades de Maslow (2001).
A teoria de hierarquia das necessidades de Maslow (2001) é uma das mais
importantes no campo motivacional. Essa teoria procura explicar o que mo-
tiva os humanos. Maslow faz uma análise das necessidades, físicas, sociais
e psicológicas dos seres humanos, e criou uma teoria para explicar a força

capítulo 4 • 85
dessas necessidades na motivação dos huma-
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nos. Algumas necessidades são fundamentais


para a sobrevivência, as fisiológicas e biológi-
cas, como fome, sede, sono e a respiração.
A satisfação de uma necessidade é sempre
condição para o surgimento de outra, ou seja,
quando se satisfaz as necessidades fisiológi-
cas, aparecem outras como a da autoestima.
Atendida essa, surge então a necessidade de
segurança, e assim por diante. Portanto, veri-
ficamos que é uma condição dos humanos a
busca sempre de satisfazer as necessidades e
Abraham Masslow
ao mesmo tempo, não se conformar com esse
ponto, mas buscar outra necessidade, outra motivação. Essa busca é constante
e permite que tenhamos sempre novos desafios.
Para Maslow (2001), as necessidades são motivadas e motivadoras, as
quais ele considera como psicofísica, pois buscam um equilíbrio hemostático
do organismo.

4.3.1  Ciclo motivacional

Maslow (2001) mostra que, as necessidades dos seres humanos seguem uma
escala de prioridades, uma hierarquia. Ele explica ainda que a motivação seja
explicada pelas necessidades humanas, sendo que os estímulos levam os indi-
víduos à ação. Ou seja, a busca por novas motivações. Esse ciclo: necessidade =
motivação, motivação = necessidade constitui o ciclo motivacional.
No ciclo motivacional pode ocorrer a frustração do indivíduo, quando al-
guma necessidade não é satisfeita. Mas isso não significa que o indivíduo per-
manecerá eternamente frustrado. Como a motivação é um estado cíclico e
constante na vida pessoal de cada um, a necessidade será transferida ou com-
pensada, de outra forma.
Os teóricos da escola humanista defendiam que todo comportamento hu-
mano é motivado. E a motivação seria uma tensão que levaria o indivíduo a
se comportar de forma a satisfazer uma ou mais necessidades. Como sempre
ocorrem necessidades, sempre se teria mudanças comportamentais, daí surge
o conceito de ciclo motivacional (Chiavenato, 2000).

86 • capítulo 4
O comportamento das pessoas pode ser explicado pelo ciclo motivacio-
nal, que é um processo pelo qual as necessidades influenciam determina-
do comportamento.
Uma necessidade ao surgir desequilibra a motivação já existente nos sujei-
tos, provocando um estado de tensão, insatisfação ou desconforto. Isso leva a
um comportamento ou ação para aliviar esse estágio de desajustamento.
No ciclo motivacional, a necessidade é satisfeita. À medida que o ciclo se re-
pete com a aprendizagem e a repetição (reforço), os comportamentos tornam-
se gradativamente mais eficazes na satisfação de certas necessidades. Uma vez
satisfeita, a necessidade deixa de ser motivadora do comportamento, já que
não causa tensão ou desconforto.

4.3.1.1  A Pirâmide de Maslow

Maslow (2001) organizou seus estudos na forma de uma pirâmide, que tempos
depois ficou conhecida como a Pirâmide de Maslow. Na base dessa pirâmide
estão as necessidades mais urgentes (necessidades fisiológicas sendo as mais
importantes: oxigênio, líquido, alimento e descanso) A satisfação dessas neces-
sidades é condição indispensável à satisfação das necessidades colocadas ao
alto da pirâmide, que são as necessidades mais elevadas como, por exemplo:
necessidades de autorrealização.
Após as necessidades de ordem fisiológicas, temos as necessidades de segu-
rança, manifestada pelo comportamento de evitar o perigo diante de situações
estranhas e não familiares. É essa necessidade que leva o organismo a agir rapi-
damente em situações de emergência.
Seguidas a estas, temos a necessidade de amor e participação, expressa
pelo desejo que todos tem de se relacionarem afetivamente com os outros,
de pertencerem a um grupo. A vida social é fundamental para moldar os nos-
sos comportamentos
Depois aparece a necessidade de estima que nos leva a procurar a valoriza-
ção e o reconhecimento por parte dos outros. Quando essa necessidade é satis-
feita, sentimos confiança em nossas realizações. O sucesso de nossos compor-
tamentos reforça nossa estima e nos estimulam a seguirmos em frente.
A necessidade de realização expressa os objetivos e projetos que sem-
pre temos. E tem muito haver com a nossa capacidade de transformá-los em
realidade.

capítulo 4 • 87
As necessidades de conhecimento e compreensão abrangem a curiosidade,
a exploração e o desejo de conhecer novas coisas.
E temos ainda a necessidade estética que está presente em muitos sujeitos
que buscam incessantemente a beleza.
Na pirâmide de Maslow, as necessidades mais básicas até as mais com-
plexas estão numa hierarquia composta por cinco níveis e diferentes tipos
de necessidades.

4.3.1.1.1  Tipos de Necessidades

Maslow (2001) fala sobre as necessidades instintivas e faz uma distinção entre
necessidades “deficitárias” (fisiológicas, de segurança, de filiação, de reconhe-
cimento) e as de “autorrealização”. A diferença existente entre uma e outra é
que as “deficitárias” se referem a uma falta, enquanto as de ”autorrealização”
se referem às tarefas e ao autoconceito do indivíduo.
A necessidade de “autorrealização” é importante para o crescimento pes-
soal, e está relacionada com o desejo de crescer como pessoa, e não com a falta
de alguma coisa.

4.3.1.1.2  A Pirâmide de Maslow tem cinco níveis de necessidades

1. Necessidades Fisiológicas

Incluem as necessidades vitais para a sobrevivência e são de ordem biológica.


Dentro deste grupo estão necessidades como: a de respirar, a de beber água, a
de dormir, a de comer, a de sexo e a de abrigo. Segundo Maslow, essas necessi-
dades fisiológicas são as mais básicas na hierarquia e as demais são secundá-
rias, até que essas estejam satisfeitas.

1. Necessidades de Segurança

As necessidades de segurança são necessárias para a vida, mas estão em um


nível diferente das necessidades fisiológicas. Isso quer dizer que se as primei-
ras necessidades não forem satisfeitas, não haverá um plano de necessidades
ligado a segurança pessoal, ordem, estabilidade e proteção. Aqui se encontram
as necessidades de segurança física, de emprego, renda, familiar, de saúde etc.

88 • capítulo 4
3. Necessidade de Filiação

Maslow descreve estas necessidades como sendo as menos básicas, e passam


a ser uma necessidade quando as necessidades anteriores já estiverem sido sa-
tisfeitas. Exemplos destas necessidades são: o amor, o carinho, o pertencer ou
ter afiliação a certo grupo social e a busca para superar os sentimentos de so-
lidão. Estas necessidades estão presentes na vida diariamente, é quando o ser
humano deseja se casar, tiver uma família, fazer parte de uma comunidade, ser
membro de uma igreja ou participar de um clube social.

4. Necessidade de Reconhecimento

Depois de satisfazer as necessidades dos três primeiros níveis da pirâmide de


Maslow, aparecem as necessidades de reconhecimento como a autoestima, o
auto reconhecimento, a realização individual e o respeito dos outros; ao satis-
fazer essas necessidades a pessoa se sente segura de si mesma e valorizada den-
tro de uma sociedade; quando estas necessidades não são satisfeitas, a pessoa
se sente inferior e desvalorizada.
De acordo com Maslow (2001), existem duas necessidades de reconheci-
mento: uma menor, que inclui a necessidade de respeito dos outros, de status,
de fama, de glória, de reconhecimento, de atenção, de reputação e de dignida-
de; e uma maior que determina a necessidade de autorrespeito, incluindo senti-
mentos como confiança, competência, realização, independência e liberdade.

5. Necessidades de Autorealização

No nível mais elevado se concentram as necessidades de autorealização, a de


desenvolvimento interno, a de desenvolvimento espiritual e moral, a busca de
uma missão na vida, a ajuda voluntária.
As necessidades sociais (a aceitação pelo grupo social e o sentido de impor-
tância que o sujeito tem de si mesmo) contemplam as necessidades de associa-
ção, de participação, de ser aceito pelo grupo de pares, de amizade, de afeto e
amor.
A necessidade de estima (relevância, domínio, reputação, prestígio) envol-
ve a auto apreciação, a autoconfiança, a necessidade de aprovação social e de
respeito, de status, prestígio e consideração, de confiança perante o mundo,
independência e autonomia.

capítulo 4 • 89
A necessidade de autorrealização (desejo de conhecer, compreender, de
produzir, de estudar, de avançar) são as mais elevadas, de cada pessoa realizar
o seu próprio potencial e de auto desenvolver-se continuamente.

moralidade,
criatividade,
espontaneidade,
solução de problemas,
ausência de preconceito,
Realização Pessoal aceitação dos fatos.
autoestima,
confiança, conquista,
Estima respeito dos outros, respeito aos outros.

Amor/Relacionamento amizade, família, intimidade sexual

segurança do corpo, do emprego, de recursos,


Segurança da moralidade, da família, da saúde, da propriedade

Fisiologia respiração, comida, água, sexo, sono, homeostase, excreção

4.4  Críticas à Pirâmide de Maslow

A principal crítica feita a Maslow, por vários autores afirma que o contrário do
que diz a teoria de Maslow, as necessidades de autorreconhecimento e autor-
realização estão presentes, mesmo que as necessidades mais básicas não este-
jam totalmente satisfeitas. Em estudo publicado em 2011, pesquisadores da
Universidade de Illinois descobriram que, ao contrário do que diz a teoria de
Maslow, as necessidades de autorreconhecimento e autorrealização também
são importantes, mesmo que as necessidades mais básicas não estejam total-
mente satisfeitas (Tay e Diener, 2011).

4.5  A Gestão nas Instituições de Saúde

A produção dos bens e serviços coletivos e sociais é realizada nas organizações.


Fábricas, escritórios, indústrias, hospitais, postos de saúde, centro médicos en-
tre outros. Para gerir a produção dos bens e serviços os teóricos de gestão vêm
estudando desde o século XIX a melhor forma de conduzir o homem no am-

90 • capítulo 4
biente de trabalho. As teorias do engenheiro Frederick W. Taylor (1856-1915)
tinham como objetivo proporcionar fundamentação científica às atividades
exercidas no trabalho, substituindo a improvisação e o empirismo. Chiavenato
(2003) mostra que:

Preocupação básica era aumentar a produtividade da empresa, aumentando a eficiên-


cia do operariado, por meio da análise e da divisão do trabalho. Havia o predomínio
da atenção com os métodos de trabalhos, com os movimentos para a execução das
tarefas e para o tempo padrão de sua execução.

A preocupação central era estudar o homem no trabalho para estabelecer


princípios e formular que pudesse aumentar a produtividade, estudavam-se os
movimentos, o ritmo do trabalho, os intervalos. A ideia central era produzir um
modelo científico de trabalho.
Chiavenato (2003) afirma que Taylor:

Baseou seu sistema de administração no estudo dos tempos e movimentos, nas


linhas de produção; com isso conseguiu dividir as funções em seus componentes e
projetou os melhores e mais rápidos métodos de execução de cada um deles.

O objetivo era chegar a ter uma organização racional do trabalho humano.


Utilizavam a observação e mensuração como métodos científicos aplicáveis aos
problemas da administração. A administração Científica deixou muitos lega-
dos, entre eles pode-se destacar a produção rápida de produtos acabados nas
linhas de montagem; a aplicação de suas técnicas a muitas organizações não
industriais, tornando as tarefas mais eficientes e racionais. No entanto, essa
teoria limitou-se a se basear em pressupostos que fazia sobre os seres huma-
nos, definindo-os como racionais e motivados, principalmente, para satisfação
de suas necessidades econômicas e físicas.
Chiavenato (2003) mostra que essa visão tecnicista do trabalhador enfren-
tou grandes resistências ao longo de toda sua história, as pessoas não se con-
formavam em serem vistas dessa forma e expressavam seu descontentamento
com esse modelo, que não enxergava o desejo humano de satisfação no traba-
lho e as necessidades sociais.

capítulo 4 • 91
4.5.1  Gestão de Pessoas em Instituições de Saúde

Para Gonçalves (2006) as instituições de saúde, vivem, hoje, um dilema: a ne-


cessidade de modernização das formas de trabalho em contraposição a uma
cultura organizacional arcaica. Como falar em trabalho em equipe, se os pro-
fissionais se encontram e desencontram de acordo com escalas de plantão?
Como investir em capacitação, se as pressões de custo obrigam a reduzir folha
de pagamento? Como envolver e motivar os profissionais, se estes correm de
um hospital para o outro, a fim de manter seus dois ou três empregos?
Todas essas dificuldades apontadas refletem a necessidade de se pensar em
formas de gestão que favoreçam o encontro, a troca entre as diversas equipes de
profissionais. Gonçalves (2006) afirma que os gestores das instituições de saú-
de cometem o erro de solicitar pessoal "motivado", como se isso significasse
uma qualidade permanente e distribuída de forma homogênea. Como se fosse
possível ter um funcionário permanentemente motivado, como se motivação
não estivesse ligada às condições de trabalho, com as relações sociais nas equi-
pes. A motivação/desmotivação não é nenhum defeito de uma geração, nenhu-
ma qualidade pessoal, pois ela está ligada a uma situação específica.
Para Bergamini (1997) um indivíduo motivado será " diferente em ou-
tro lugar".
Isso significa que a motivação depende não só dos indivíduos, mas das con-
dições onde o sujeito trabalha e que tarefas realizam. A fala de Bergamini é mui-
to interessante porque ele afirma que a motivação não é um fator extrínseco,
e sendo assim, não se pode distribuir igualitariamente, mas vai depender das
situações específicas, de cada indivíduo e em que instituição ele estará filiado.
As pessoas quando contratadas por determinada instituição trazem para as
suas atitudes, comportamentos, percepções, desejos, vontades, experiências,
competências e fantasias. Isso independente do cargo ou função que exerçam
na instituição. As pessoas são diferentes constituindo, assim, um recurso di-
versificado por conta das diferenças individuais de personalidade, experiência,
motivação. Quanto mais diversidade de pessoas, mais rica e plural fica a insti-
tuição, e por outro lado mais complexa fica a gestão de experiências tão dife-
rentes. Ao gestor cabe funcionar como um maestro, que ao mesmo tempo em
que respeita as diferenças individuais, potencializa para que essas diferenças
funcionem de forma sinérgica, contribuindo dessa forma para a integração de
todos os membros da equipe.

92 • capítulo 4
Um dos aspectos que, ainda hoje, tem pouca visibilidade nas gestões de ins-
tituições de saúde é a questão da saúde mental dos trabalhadores. Esse item
necessita ser pensado, levado em conta nas prioridades das instituições. Os
profissionais de saúde enfrentam muitas dificuldades em suas práticas profis-
sionais cotidianas, o que gera alto nível de estresse. Portanto, pensar na saúde
de quem cuida é essencial para manter a continuidade do cuidado.

4.6  Instituições de saúde: o processo de tomada de decisão na


gestão

Quando falamos em gestão na saúde devemos considerar que se trata de pensar


a gestão de uma forma diferente da gestão, por exemplo, de uma fábrica. Em
saúde a gestão é como diz Cecilio e Mendes, (2004) “é do trabalho vivo em ato -
aquele em que, no mesmo momento em que o trabalho é executado, o produto
é realizado”.
Portanto a arte de gerir em Instituições de Saúde deve levar em conta não
somente os procedimentos burocráticos, prescritivos, mas a subjetividade de
todos os envolvidos no processo de gestão e dos que efetivamente promovem
os cuidados de saúde na população. O gestor na saúde terá sempre que medir
com cuidado os interesses do funcionamento administrativo, burocrático com
o trabalho de cuidado que pressupõe um nível de liberdade e autonomia do
operador da saúde. Merhy (2002).
Pela característica da própria tarefa a gestão em saúde necessita de com-
petência técnica para gerir os processos e procedimentos, mas diálogo é fun-
damental para manter a motivação das equipes e ao mesmo tempo regular os
embates entre as necessidades burocráticas da instituição e as demandas ad-
vindas tanto das equipes como também dos próprios usuários do sistema.
A gestão nas unidades de saúde deve seguir os parâmetros estabelecidos
na própria lei de implementação do sistema. Portanto, descentralização, par-
ticipação da comunidade, integralidade, são pré-requisitos para a gestão da
Unidades de saúde. Assim, após a implementação do SUS deu-se uma mudança
na forma como os gestores administram as unidades de saúde. A descentra-
lização das decisões está diretamente associada a participação da comunida-
de tanto de funcionários como o de usuários nas decisões. A Integralidade e a
Resolutividade, outros dois princípios do SUS, são também integrados a forma
como os gestores administram as unidades. Significa que numa unidade de

capítulo 4 • 93
saúde tanto as questões burocráticas quantos as questões relacionadas a clí-
nica, ao cuidado estão num mesmo patamar, sendo dessa forma as decisões
devem passar por toda a equipe. Mas o que é uma equipe? Com certeza várias
pessoas trabalhando num mesmo espaço não temos caracterizada uma equipe.
Para se formar uma equipe de trabalho é necessário que haja um diálogo fran-
co e aberto, que as pessoas possam se expressar, mas o que constitui de fato a
equipe é que todos devem estar voltados para a realização da tarefa.

4.6.1  Gestão e subjetividade

O trabalho na área da saúde exige muito de seus funcionários. Há, muitas vezes,
problemas com o excesso de carga horária, baixos salários e condições precá-
rias de trabalho. Mas a especificidade do trabalho dá-se no encontro entre o
profissional e o usuário. Relação delicada e complicada, já que o usuário quan-
do procura os serviços, em geral está em situação de vulnerabilidade, geral-
mente ele está doente ou necessitando de cuidados.
Merhy (2007) nos fala que a gestão “constrói-se em uma relação e não pode
ser limitada à divisão entre os que produzem e os que consomem, pois a produ-
ção e o consumo são simultâneos e acontecem do encontro entre o trabalhador
e o usuário”.
Assim, na saúde a produção de trabalho e ao mesmo tempo a produção
subjetiva dá-se no encontro entre trabalhador e usuário, nesse fazer produze-
se uma rede de relações de inter-relações que produzem cuidado e significado
para a prática profissional. Todo o trabalho de cuidado, de assistência é neces-
sariamente político, porque ao realizá-lo produzimos significado para a nossa
prática profissional.
Sulti & colaboradores (2015) afirma que:

Os gestores apresentam-se como peças fundamentais para a construção de modelos


de gestão que sejam capazes de, além de contribuir para a produção de saúde, con-
tribuir para a constituição de sujeitos que tenham seus projetos pessoais articulados
com a responsabilização na construção de um modelo de atenção que cumpra os
princípios do SUS.

94 • capítulo 4
Essa fala articula-se corretamente com a ideia de que o trabalho, na saúde, e
a constituição subjetiva se articulam na produção do cuidado, na assistência e
permitem que o sujeito se realize realizando.
Gestão e subjetividade se entrelaçam e, em especial, na área da saúde, é ne-
cessário o conhecimento de suas relações para que o trabalho ocorra da melhor
maneira possível.

4.6.1.1  Análise de casos: intervenção multiprofissional em situações de hospita-


lização

O caso que apresentaremos ficou conhecido no Brasil, e internacionalmente,


como o Massacre de Realengo, onde doze crianças foram assassinadas e várias
outras ficaram feridas e foram levadas para diversos hospitais da rede pública.
O Hospital Adão Pereira Nunes, em Saracuruna, Duque de Caxias, recebeu três
alunos da escola: um morreu depois de dar entrada na emergência; um meni-
no foi operado e seu estado foi classificado como extremamente grave e outro
também foi operado, sua situação foi considerada muito grave. No dia seguinte
o hospital recebeu mais duas pacientes femininas e o quadro das duas foi con-
siderado grave.
Segundo o Jornal O Globo na edição de 7.4.2011, a chacina ocorreu em 7
de abril de 2011, por volta das 8h30min da manhã, na Escola Municipal Tasso
da Silveira, localizada no bairro de Realengo, na cidade do Rio de Janeiro.
Wellington Menezes de Oliveira, de 23 anos, invadiu a escola armado com dois
revólveres e começou a disparar contra os alunos presentes, matando doze de-
les, com idade entre 13 e 16 anos, e deixando mais de treze feridos. Oliveira foi
interceptado por policiais, cometendo suicídio.
Assim que a direção do hospital foi notificada da tragédia e informada que
receberia vítimas dessa tragédia criou-se uma sala de gabinete de crise.
Todas as equipes foram mobilizadas, disponibilizaram leitos na clínica ci-
rúrgica, no CTI, o material cirúrgico foi preparado com antecedência. O serviço
social associado ao serviço de psicologia montaram uma estratégia de atendi-
mento e acolhimento dos familiares das crianças internadas em estado grave.
As equipes montaram uma sala confortável, onde se podiam reunir todos os
familiares, amigos, vizinhos e líderes religiosos. Era possível também tirar um
cochilo caso o familiar ficasse muito cansado, sem que ele necessitasse vol-
tar para sua residência. Nessa sala foi disponibilizado água, café e biscoitos.

capítulo 4 • 95
Uma técnica de enfermagem foi colocada de plantão permanente nessa sala.
Instituiu-se uma rotina para que os familiares pudessem saber o que esperar
durante a fase de crise. Pela manhã a equipe médica trazia as últimas notícias,
em seguida eram feitas reuniões para tirar dúvidas. Em seguida era disponibi-
lizado o atendimento individual da psicologia para aqueles que necessitavam,
o serviço social atendia individualmente para verificar atestados de licença
para o trabalho entre outros procedimentos necessários. À tarde os parentes
eram acompanhados as visitas no CTI (Centro de Tratamento Intensivo), que
eram sempre muito tensas pela gravidade dos quadros clínicos. Após as visitas
eram necessárias novas rodadas de conversas e de atendimentos individuais.
Esses procedimentos duraram em torno de um mês porque algumas crianças
vieram a óbito e outras puderam sair do CTI para as enfermarias. E pouco a
pouco foi sendo desmontada a sala de crise. Esse trabalho só foi possível pelo
envolvimento de todas as equipes do hospital desde a direção até o pessoal en-
carregado da limpeza. Criou-se uma sinergia que possibilitou um atendimento
integral, democrático, eficiente e resolutivo para as famílias.

RESUMO
Nesse capítulo tivemos a oportunidade de conhecer o conceito de motivação, com muito
cuidado e aprofundamento. Conhecemos também as consequências da motivação nos am-
bientes de trabalho e finalmente pudemos saber sobre os processos de gestão nas institui-
ções de saúde, e conhecemos um caso de atendimento multiprofissional. Espero que vocês
tenham feito bom proveito desse texto.

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5
O stress no
cotidiano de
trabalho das
instituições de
saúde
5.  O stress no cotidiano de trabalho das
instituições de saúde

Não se deve esperar o trabalhador adoecer para tratá-lo


Marilda Lipp

O stress é uma condição que causa grandes transtornos físicos e emocionais


aos profissionais no Brasil. Nosso país é o segundo com maior nível de estres-
se do mundo, de acordo com a pesquisa realizada pela International Stress
Management Association (Associação Internacional do Controle do Estresse),
de 2012, e, mostra que a cada dez trabalhadores, três pelos menos sofrem de
esgotamento mental intenso causado por pressões no ambiente profissional.
Um levantamento realizado pela OMS (Organização Mundial de Saúde)
em 2001 revelou que o estresse, em suas mais variadas formas, atinge cerca de
90% da população mundial. O stress está associado ao surgimento de diversas
doenças, como câncer, depressão, diabetes e principalmente a hipertensão. No
Brasil, 132 mil infartos são causados pelo estresse do dia a dia, conforme dados
do Ministério da Saúde (2004).
O nível de estresse dos trabalhadores aumentou consideravelmente nos úl-
timos anos. Segundo Lipp (2012), “O alastramento do estresse se deve a uma
mudança de valores associada ao avanço tecnológico, que estimula o traba-
lhador a ficar em constante estado de alerta”. Com o aumento da tecnologia
(celular, internet, WhatsApp, redes sociais) em nossa vida cotidiana passamos
a viver sempre conectados e disponíveis para sermos acessados pelo trabalho,
parentes ou amigos, assim os problemas nos atingem de forma mais rápida e
direta. Nosso tempo para o descanso ou o ócio é cada vez mais escasso. “As pes-
soas vivem como se estivessem no meio de um furacão, sempre colocando força
e energia extrema em tudo o que fazem”, explica Lipp (2012)
As exigências são cada vez maiores e invadem todos os campos da nossa exis-
tência, separar o que é trabalho, lazer e descanso fica a cada dia mais confuso.
Reduzir os efeitos do estresse é um desafio para os trabalhadores e seus em-
pregadores. Entre policiais e bombeiros, o índice de estresse subiu para aproxi-
madamente 51% entre 2006 e 2011, e um dos motivos para este fenômeno é que

100 • capítulo 5
falta um treinamento adequado em técnicas de enfrentamento do problema
(M.S 2014).
Entre executivos brasileiros, o estresse aumentou dramaticamente. “Há 10
anos, o percentual de executivos brasileiros com estresse era de aproximada-
mente 45%. Agora é de 49%”. Dos profissionais que trabalham em escritórios
sem exercer cargos de chefia, 35% têm sinais de estresse. “A pressa se tornou
uma constante, e ela estressa”, segundo Lipp (2012).
O governo federal, por meio da Secretaria Nacional de Segurança Pública
(SENASP), tem subsidiado programas antiestresse e de valorização do policial
e demais servidores da Segurança Pública. Mas segundo Lipp (2012), ainda são
poucas as empresas que assumem a responsabilidade sobre o nível de estresse
de seus empregados e possuem programas efetivos de prevenção.
O stress é um assunto sério e preocupante para os trabalhadores brasileiros
e o não tratamento tem consequências para o empregado, a empresa e ao país
pelos custos que gera por causa do absenteísmo (falta ao trabalho), causado
pelas doenças provocadas pelo stress.

CONEXÃO
Visitem o site Instituto de Psicologia e Controle do Stress.
http://www.estresse.com.br/publicacoes.

5.1  A Definição do conceito

Segundo Zuardi (2010) o termo estresse foi utilizado pela primeira vez na área
da saúde, em 1926, por Hans Selye (1907-1982) para designar um conjunto de
reações específicas que ele havia observado em pacientes que sofriam das mais
diversas patologias. Seyle o qualificou como sendo o grau de desgaste total cau-
sado pela vida. Atualmente esse termo adquiriu outro significado, e está mais
relacionado a um desequilíbrio entre as solicitações da vida cotidiana e a res-
posta que nosso organismo dá a essas solicitações. A mudança de significado
aconteceu porque o termo estresse migrou da física para a medicina e a psico-
logia. No dicionário Médico on-line a definição de estresse é: “Conjunto de rea-

capítulo 5 • 101
ções do organismo a agressões de ordem física, psíquica, infecciosa e outras,
capazes de perturbar-lhe a homeostase; estresse; estrição”. O estresse é enten-
dido como a forma que nosso organismo reage às agressões do meio, sejam
essas agressões físicas ou psíquicas.
No dicionário Aurélio online, há outra definição: “Conjunto das perturba-
ções orgânicas e psíquicas provocadas por vários estímulos ou agentes agres-
sores, como o frio, uma doença infecciosa, uma emoção, um choque cirúrgi-
co, condições de vida muito ativa e trepidante etc.”. Para Souza et al. (2002),
o estresse é um mecanismo bioquímico antigo de sobrevivência do homem,
aperfeiçoado ao longo de sua própria evolução biofisiológica, que envolve o hi-
potálamo, glândulas (hipófise, tireóide e suprarenal), órgãos (coração, fígado e
estômago), músculos entre outros.

5.2  Aspectos biológicos do stress

Segundo Bauer (2002), alguns hormônios são responsáveis pelo stress em


nosso organismo. Os mais conhecidos são os catecolaminas (adrenalina e no-
radrenalina) e os corticóides (cortisol, aldoesterona). Eles atuam sobre glân-
dulas específicas do sistema neuroendócrino, sobretudo no timo e a suprar-
renal, com o envolvimento do Hipotálamo, que ativa todo o Sistema Nervoso
Autônomo, em sua porção Simpática, produzindo respostas físicas, mentais e
psicológicas ao estresse.
As glândulas adrenais, ou suprarrenais, passam a produzir e liberar os hor-
mônios do estresse (adrenalina, noradrenalina e cortisol), que aceleram o ba-
timento cardíaco, dilatam as pupilas (aumentando a eficiência visual), aumen-
tam a sudorese e os níveis de açúcar no sangue, reduzem a digestão (e ainda o
crescimento e o interesse pelo sexo), contraem o baço (que expulsa mais hemá-
cias, ou glóbulos vermelhos, para a circulação sanguínea, o que amplia o for-
necimento de oxigênio aos tecidos) e causa imunossupressão (ou seja, redução
das defesas do organismo) (Bauer, 2002).
Todo esse movimento prepara o organismo para reagir a uma situação que
o organismo entende como um ataque.
Esse é o inicio da resposta ao stress. Bauer (2002) afirma que a hipófise, que
se localiza no hipotálamo (também chamada de Pituitária), secreta algumas
substâncias conhecidas por neuro-hormônios, como é o caso, entre outros, da
Dopamina, da Norepinefrina e do Fator Liberador da Corticotrofina (CRF).

102 • capítulo 5
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Bauer (2002) nos ensina que o Hipotálamo, aumenta a produção de
Dopamina, Norepinefrina e do Fator Liberador da Corticotrofina no estresse.
A hipófise também faz sua parte, aumentando a produção de outros hormô-
nios, tais como a Vasopressina, a Prolactina, o Hormônio Somatotrófico (do
Crescimento ou GH), o Hormônio Estimulador da Tireóide (TSH).
Bauer (2002) continua mostrando que o hipotálamo é o responsável pelas
respostas orgânicas ao stress. A hipófise, por sua vez, tem como uma das prin-
cipais ações estimular as glândulas supra renais.
Para Bauer (2002) a partir da produção do Fator Liberador da Corticotrofina,
o hipotálamo estimula a hipófise para aumentar a produção da própria cortico-
trofina, chamada também de Hormônio Adreno Córtico Trófico (ACTH), que,
por sua vez, agirá em outra glândula bem distante do Sistema Nervoso Central,
as suprarrenais. Ali, nas glândulas suprarrenais, ocorre um aumento na libe-
ração de seus hormônios: os corticóides e as catecolaminas. Esses últimos são
de fundamental importância na resposta fisiológica ao estresse. O aumento na
produção destes hormônios pelas suprarrenais são os principais indicadores
biológicos da resposta ao estresse.
Bauer (2002) continua mostrando que as glândulas suprarrenais secretam,
além das catecolaminas, o cortisol (uma espécie de corticóide). Os níveis au-
mentados de corticóides influenciam o sistema imunológico diminuindo a res-
posta inflamatória, afetando essencialmente a função das células temporaria-
mente. Esta inibição imunológica parece ser benéfica, tendo em vista diminuir
a intensidade das reações inflamatórias aos agentes de stress.

capítulo 5 • 103
No stress, além da secreção do hormônio corticotrófico (ACTH) a hipófise aumenta
também a produção de outros hormônios, tais como a Vasopressina, a Prolactina, o
Hormônio Somatotrófico (do Crescimento ou GH), o Hormônio Estimulador da Tireói-
de (TSH). BAUER (2002)

Como pode-se observar, o estresse envolve todo o organismo no esforço de


adaptação a situação a situação de dificuldade.

5.3  A síndrome geral de adaptação

A Síndrome Geral de Adaptação descrita por Selye (1976) consiste em três fa-
ses sucessivas: Reação de Alarme, Fase de adaptação ou Resistência e Fase de
Exaustão. Quando nos sentimos ameaçados por alguém ou alguma situação
nova ou potencialmente agressiva ao nosso corpo ou ao nosso psiquismo, nos-
so organismo reage, em todo o seu conjunto com a Síndrome Geral de Adapta-
ção ao Stress. É uma tentativa de proteção do organismo contra o ataque.
França e Rodrigues (1997) nos mostram que na primeira fase ocorre uma
Reação de Alarme, onde todas as partes do corpo entram em estado de pron-
tidão. Todo o organismo é mobilizado para dar uma resposta ao ataque. É um
estado de alerta geral.
Caso a situação persista e o estresse continue por um período maior, apare-
ce a segunda fase, denominada de Fase de Adaptação ou Resistência. Isso acon-
tece porque a tensão se acumula e o organismo vai criando novas formas de li-
dar com o estresse acumulado. Os referidos autores informam que nessa etapa
o corpo começa a acostumar-se aos estímulos causadores do estresse. Durante
este estágio, o organismo adapta suas reações e seu metabolismo para lidar
com o stress por um período de tempo mais longo. O organismo para conseguir
se adaptar a esse excesso de estresse por canalizar sua reação para um órgão
ou sistema específico, como o coração ou o aparelho digestivo. E caso o estres-
se continue, o corpo entra em uma terceira etapa, o Estado de Esgotamento,
nessa fase pode haver “uma redução de nossa capacidade adaptativa” França e
Rodrigues (1997).

104 • capítulo 5
5.3.1  Tipo de Reação

As reações de alarme são de dois tipos as de choque e as de contra choque.

1. Reação de Alarme de Choque

As alterações fisiológicas na fase de choque, momento onde o indivíduo expe-


rimenta o estímulo estressante, são muito exuberantes, como veremos no qua-
dro abaixo, publicado por Morris Netherton aput Martins (2010).

ALTERAÇÕES OBJETIVOS
A) AUMENTO DA FREQUÊNCIA O sangue circulando mais rápido melhora a atividade muscular
CARDÍACA E PRESSÃO ARTERIAL. esquelética e cerebral, facilitando a ação e o movimento.

Levar mais glóbulos vermelhos à corrente sanguínea e melhora a


B) CONTRAÇÃO DO BAÇO. oxigenação do organismo e de áreas estratégicas.

Para ser utilizado como alimento e energia para os músculos e


C) O FÍGADO LIBERA GLICOSE. cérebro.
Diminui o sangue dirigido à pele e vísceras, aumentando para
D) REDISTRIBUIÇÃO SANGUÍNEA. músculos e cérebro.
E) AUMENTO DA FREQUÊNCIA
RESPIRATÓRIA E DILATAÇÃO DOS Favorece a captação de mais oxigênio.
BRÔNQUIOS.
F) DILATAÇÃO DAS PUPILAS Para aumentar a eficiência visual.
G) AUMENTO DO NÚMERO DE Preparar os tecidos para possíveis danos por agentes externos
LINFÓCITOS NA CORRENTE agressores.
SANGUÍNEA.
Tabela 5.1  –  Alterações na fase de choque da reação de alarme

Durante a Reação de Alarme, participa ativamente do conjunto das alterações


fisiológicas o Sistema Nervos Autônomo (SNA). O SNA é um complexo conjunto
neurológico que controla, autonomamente, todo o meio interno do organismo,
através da ativação e inibição dos diversos sistemas, vísceras e glândulas.

2. Fase de Adaptação ou Resistência

Na Fase de Resistência há um aumento no volume da suprarrenal ao mesmo


tempo em que a uma atrofia do baço e das estruturas linfáticas, aparece um
aumento dos glóbulos brancos do sangue (leucocitose), segundo França e Ro-
drigues (1997).

capítulo 5 • 105
Caso a situação estressante continue e se torne crônica, a resposta do or-
ganismo diminui de intensidade, podendo haver uma antecipação das respos-
tas. É como se a pessoa começasse a se acostumar com os estressores. Martins
(2010) nos oferece um excelente exemplo do que acorrerá com o organismo:

Vamos imaginar, hipoteticamente, uma pessoa que se deparasse com uma cobra
no meio de sua sala, quase todas as vezes que entrasse em casa. Com o tempo sua
reação ao ver a (mesma) cobra tende a diminuir, embora ainda continue tomando
muito cuidado. Vai chegar um momento em que, ainda que não veja cobra ao chegar
em casa, mesmo assim ficará estressado. Talvez tenha grande ansiedade ao imagi-
nar onde poderia estar hoje a tal cobra. Diz um ditado que a diferença entre medo e
ansiedade é exatamente essa; medo é ver uma cobra dentro do quarto, e ansiedade é
saber que tem uma cobra dentro do quarto, mas não vermos ela.

A ansiedade se manterá constante deixando a pessoa num estado de alerta


constante, e então, se o causador do estresse não cessar, o organismo vai para a
terceira fase: Fase de Exaustão.

3. Fase de exaustão ou esgotamento

O esgotamento acontece quando a situação estressora permanece por longo


tempo e por outro lado o organismo não tem mais reservas de energia para
continuar sustentando o processo de adaptação ao stress. Segundo França e
Rodrigues (1997) é nessa fase que “a maioria dos sintomas somáticos e psicos-
somáticos ficam mais exuberantes”.
O organismo levado à exaustão tende a entrar em falência, a resistência não
é ilimitada. O estado de Resistência é a soma das reações gerais não específi-
cas que se desenvolvem como resultado da exposição prolongada aos agentes
estressores, frente aos quais se desenvolveu adaptação, e que, posteriormente,
o organismo não pode continuar a mantê-la, dessa forma o organismo já não é
capaz de equilibrar-se, e surge a falência adaptativa.

106 • capítulo 5
França e Rodrigues (1997) nos mostram que:

Na realidade, toda essa revolução fisiológica produzida pelo estresse visa colocar todo o or-
ganismo à disposição da adaptação, e não apenas através da adequação do desempenho
físico e visceral do organismo, mas, sobretudo, fornecendo uma quantidade suficiente
de ansiedade como requisito psicológico para a manutenção do estado de alerta.
Dessa forma ficam melhor viabilizadas as possibilidades de ataque ou de fuga.

O nosso organismo tem recursos internos que permitem emitir respostas


adaptativas as situações de risco, sem que necessitemos nos programar ou
mesmo pensar sobre elas. As situações em que temos de escolher entre o ata-
que e fuga são inesperadas e exigem respostas rápidas. O stress é, assim, funda-
mental para a nossa sobrevivência.
O ser humano tem que se adaptar as perdas, abandonos, medos frustrações,
limitações, tragédias pessoais, coletivas. A convivência social nem sempre é
cordial, luta-se para manter o emprego o nível de vida, a saúde física e mental.
E como nos mostram França e Rodrigues (1997): “Todos os estímulos estres-
sores, são capazes de convocar a Síndrome Geral de Adaptação por tempo in-
determinado”. Assim, o processo de civilização vai criando as condições para o
aumento de situações estressantes.

5.3.1.1  Sintomas do estresse

A ansiedade é fundamental para nos manter alerta, ela coloca nosso organismo
em posição de atenção. Certa dose de ansiedade é normal diante de uma pro-
va, ou quando necessitamos tomar uma decisão importante. Assim, quando,
fisiologicamente temos uma resposta eficiente frente ao fator estressante a an-
siedade é normal.
A ansiedade se torna patológica quando as alterações fisiológicas são mais
intensas e requerem mais energia do organismo do que o fator estressor. Assim
ficar um pouco ansioso para fazer uma prova é normal e desejável, mas se o
estudante ficar tão ansioso que isso o impeça de conseguir fazer a prova temos
um quadro patológico.

capítulo 5 • 107
No Brasil os profissionais de saúde utilizam de dois códigos internacionais
para diagnosticar e tratar os transtornos de ansiedade.
O primeiro que apresentaremos é o Manual Diagnóstico e Estatístico de
Transtornos Mentais (DSM V) publicado pela American Psychiatric Association.
Essa é a versão mais recente.
Nesse manual os transtornos de ansiedade incluem transtornos que com-
partilham características de medo e ansiedade excessivos e perturbações com-
portamentais relacionados. No DSMV aprendemos a distinção entre medo e
ansiedade e assim vemos que: medo é a resposta emocional a ameaça iminen-
te real ou percebida, enquanto ansiedade é a antecipação de ameaça futura.
Esses dois estados se sobrepõem, mas também se diferenciam, com o medo
sendo com mais frequência associado a períodos de excitabilidade autonômica
aumentada, necessária para luta ou fuga, pensamentos de perigo imediato e
comportamentos de fuga, e a ansiedade sendo mais frequentemente associada
a tensão muscular e vigilância em preparação para perigo futuro e comporta-
mentos de cautela ou esquiva.
No DSM V notamos que os transtornos de ansiedade se diferenciam do
medo ou da ansiedade adaptativos (normais) por serem excessivos ou persis-
tirem além do período apropriado ao nível de desenvolvimento. Os indivíduos
com transtornos de ansiedade em geral superestimam o perigo nas situações
que temem ou evitam, a determinação primária do quanto o medo ou a ansie-
dade são excessivos ou fora de proporção é feita pelo clínico, levando em conta
fatores contextuais culturais.
No DSM V vemos que as mulheres são mais vulneráveis do que os homens
(proporção de aproximadamente 2:1).
Transtornos de Ansiedade mais comuns são: 309.21 Transtorno de
Ansiedade de Separação, Mutismo Seletivo 313.23, Fobia Específica 300.29,
Fobia Social 300.23, Transtorno de Pânico 300.01, Agorafobia 300.22,
Transtorno de Ansiedade Generalizada 300.02.
O segundo manual que apresentaremos é o Código Internacional de
Transtornos Mentais e de comportamento edição número 10, comumente cha-
mado de CID10 apresenta a descrição da Reação aguda a estresse (F.43.0). O
sujeito apresenta um transtorno transitório de gravidade significativa, e uma
resposta excepcional a estresse físico e ou mental e que diminui dentro de al-
gumas horas ou dias.

108 • capítulo 5
Vemos no CID10 que os fatores estressores podem ser uma experiência
traumática esmagadora envolvendo séria ameaça à segurança ou integralidade
do paciente ou de pessoa amada. O CID 10 mostra ainda, que uma mudança
súbita e ameaçadora tais como perdas, catástrofes, acidente, assalto ou estupro
podem contribuir para o surgimento da Reação aguda ao estresse. O risco desse
transtorno se desenvolver pode ser aumentado se a exaustão física ou fatores
orgânicos (idoso, doente crônico) estiverem presentes.
No CID10 entendemos que a vulnerabilidade individual e a capacidade de
adaptação desempenham um papel na ocorrência ou não das reações agudas
ao estresse. Os principais sintomas iniciais principais são: 1. Certo atordoa-
mento com algum estreitamento do campo da consciência; 2. Diminuição da
atenção; 3. Incapacidade de compreender estímulos e desorientação.
Em seguida, após o retraimento da situação, de acordo com o CID10, pode
aparecer estupor dissociativo. Agitação e hiperatividade (reação de escape e
fuga), taquicardia, sudorese e rubor, amnésia parcial ou completa. Em geral
esses sintomas desaparecem em 2 ou 3 dias e mais frequentemente em horas.
Vemos no CID10 alguns transtornos associados ao estresse: F.40 Transtornos
fóbicos-ansiosos; F41.0 Transtorno de pânico; F.41.1 Transtorno de ansie-
dade generalizada; F41.2 Transtorno misto de ansiedade e depressão; F42
Transtorno obsessivo compulsivo.
É ampla a classificação dos transtornos emocionais decorrentes da
Ansiedade Patológica, mas aqui veremos os quadros emocionais mais frequen-
tes. No CID.10 esses transtornos surgem no capítulo intitulado Transtornos
Relacionados ao Estresse e Somatoformes. Nesse capítulo estão incluídos a
Síndrome do Pânico, os Transtornos Fóbicos, sendo atualmente o mais impor-
tante deles a Fobia Social e os Transtornos Somatoformes, nesse quadros pode-
mos observar que há um componente físico decorrente de fatores emocionais.

F.41.0 Transtorno do pânico

Uma das manifestações psicoemocionais do stress é um quadro de Ansiedade


Patológica caracterizado por crises ou ataques recorrentes de pânico e normal-
mente indicam a existência de motivos intrapsíquicos importantes geradores
de grande Ansiedade. Os ataques de pânico se caracterizam por crises de medo
agudo e intenso, extremo desconforto, sintomas vegetativos associados e gran-

capítulo 5 • 109
de preocupação sobre a possibilidade de morte iminente e/ou de passar mal, e/
ou de perder o controle.
Essas crises de ansiedade do Transtorno do Pânico duram minutos e cos-
tumam ser inesperadas, ou seja, não seguem situações especiais, podendo
surpreender o paciente em ocasiões variadas. Alguns pacientes desenvolvem
o episódio de pânico diante de determinadas situações pré-conhecidas, como
por exemplo, dirigindo automóveis, diante de grande multidão, dentro de
bancos etc. Neste caso dizemos que o quadro é de Agorafobia com Transtorno
do Pânico.
Depois do primeiro Ataque de Pânico, normalmente a pessoa experimen-
ta importante ansiedade e medo de vir a apresentar um segundo episódio. É
como se ficasse ansiosa diante da possibilidade de ficar ansiosa. Por causa
disso os pacientes passam a evitar situações facilitadoras da crise, prejudican-
do-se socialmente e/ou ocupacionalmente em graus variados. São pessoas que
deixam de dirigir, não entram em supermercados cheios, evitam aventurar-se
pelas ruas desacompanhadas, não conseguem dormir, não entram em avião,
não frequentam shows, evitam edifícios altos, não utilizam elevadores e assim
por diante.
O Transtorno do Pânico se inicia depois dos 20 anos de idade e é igualmente
prevalente entre homens e mulheres quando desacompanhado da Agorafobia,
mas é duplamente mais frequente em mulheres quando associado a este esta-
do fóbico.
Como vemos no CID10, as características de um Ataque de Pânico é que
tem um período de intenso, porém curto, de medo ou desconforto acompanha-
do por pelo menos três dos trezes sintomas somáticos ou cognitivos abaixo:
1. Palpitações ou ritmo cardíaco acelerado;
2. Sudorese;
3. Tremores ou abalos;
4. Sensações de falta de ar ou sufocamento;
5. Sensações de asfixia;
6. Dor ou desconforto torácico;
7. Náusea ou desconforto abdominal;
8. Sensação de tontura, instabilidade, vertigem ou desmaio;
9. Desrealização ou despersonalização (sentir-se outro);
10. Medo de perder o controle ou enlouquecer;
11. Medo de morrer;

110 • capítulo 5
12. Parestesias (formigamentos) ou anestesia;
13. Calafrios ou ondas de calor.

Os pacientes com Transtorno do Pânico sofrem muito, caso não consigam o


diagnóstico correto de seu transtorno. Buscam atendimento em emergências e
consultórios médicos, porque o ataque de pânico pode parecer com uma crise
cardíaca. Levando o paciente a temer por sua vida. Esse transtorno tem impacto
na vida profissional e pessoal do paciente, como ele teme morrer, o paciente
não consegue sair a rua sozinho, ele necessita do apoio familiar para fazer coi-
sas básicas na rua. Evidentemente isso causa problemas familiares, pois, nem
sempre se tem um parente ou amigo para acompanhá-lo em suas necessidades.

5.4  Ansiedade e depressão nos profissionais de saúde

O Trabalho é uma atividade central na vida das pessoas. Passamos grande parte
de nossas vidas no trabalho. E nem sempre a atividade laboral pode contribui
para o bem-estar dos profissionais. Dejours, em 1992, afirmava que o trabalho
nem sempre possibilita realização pessoal. Ao contrário, podem causar proble-
mas desde insatisfação, exaustão, problemas físicos e psicológicos.
Os profissionais de saúde são uma categoria profissional bastante sujeita ao
estresse, a violência e, em consequência, aos quadros de ansiedade e depressão.
Campos (2006) nos ensina que o profissional de saúde é por essência um
cuidador. Cuida dos outros como missão e como opção de vida. E parece evi-
dente que o cuidar pode levar o cuidador ao estresse. Especialmente se o cuida-
do constitui, como deve ser, não um ato esporádico, mas uma atitude perma-
nente e consciente.
Boff (2012) chama a atenção para o fato de que “Somos limitados, su-
jeitos ao cansaço e à vivência de pequenos fracassos e decepções. Sentimo-
nos sós. Precisamos ser cuidados, caso contrário, nossa vontade de cuidar
se enfraquece”.
Como bem coloca o Boff (2012) a questão central que surge é: que tipo de
cuidado é oferecido ao profissional de saúde para que ele não fique doente?
Médicos, enfermeiros, psicólogos, terapeutas ocupacionais e técnicos em
geral são pessoas submetidas, muitas vezes, a condições de trabalho extenuan-
tes, sem segurança, com salários aviltantes, autoritarismo dos chefes, descon-
fiança (das chefias e dos pacientes), pressões e cobranças de toda ordem, re-
petição monótona das rotinas de trabalho, falta de perspectiva e de plano de

capítulo 5 • 111
carreira e ascensão profissional. Essas condições propiciam ao aparecimento
de doenças como os quadros de ansiedade e depressão.
Abaixo os resultados de duas pesquisas recentes sobre ansiedade
e depressão.
Gomes e Oliveira (2013) entrevistaram 39 profissionais de enfermagem,
técnicos e auxiliares de hospital geral particular, de porte médio, da cidade de
São Paulo, trabalhando em diversos setores do hospital: clínica médica, pronto
atendimento, unidade de terapia intensiva (UTI) e centro cirúrgico.
Elas utilizaram os vários instrumentos, mas aqui apresentaremos ape-
nas os resultados das Escalas de Beck de Depressão e Ansiedade (Inventário
de Depressão - BDI (Beck Depression Inventory) e encontraram os seguintes
resultados:
•  Ansiedade: Apesar do nível leve/moderado registrado, seu montante, 15%,
está acima do esperado pela literatura (Kaplan et al., 1997). De acordo com a pre-
valência relatada no DSM-IV (American Psychiatric Association, 1995), o trans-
torno de ansiedade generalizada em uma amostra comunitária, em um ano, foi
de aproximadamente de 3% e a taxa de prevalência durante a vida de 5%.
•  Depressão: Os níveis de sintomas apresentados, apesar de a maioria ser
de intensidade leve, denotam que os profissionais de saúde são suscetíveis aos
problemas de saúde mental, com possível sofrimento psíquico inerente ao tra-
balho no ambiente.
•  Conclusão do estudo: 18% da amostra encontram-se no nível leve das
Escalas Beck de Depressão - BDI, e 8% acima. Quanto à ansiedade, os dados
revelaram que 13% encontram-se no nível leve e 2% no moderado das Escalas
Beck de Ansiedade, dados em parte acima do esperado pela literatura, onde a
prevalência do transtorno na população geral é de até 10%.
Já Schmidt & colaboradores (2011) entrevistaram 211 trabalhadores de en-
fermagem de 16 hospitais de Londrina. A população do estudo foi composta
pelos profissionais da equipe de Enfermagem do Centro Cirúrgico (CC) e/ou
Central de Materiais e Esterilização (CME).
•  Instrumentos usados: Escala Hospitalar de Ansiedade e Depressão, em
sua versão traduzida e validada para a língua portuguesa. Neste estudo utili-
zaram a sigla do nome da escala em inglês (Hospital Anxiety and Depression
Scale – HADS)
•  Resultados: Nesse estudo, apesar de apresentar grande preocupação com
a frequência de sinais de ansiedade e de depressão entre os trabalhadores, pon-
deramos que a maioria dos profissionais de enfermagem apresentou escore

112 • capítulo 5
para a medida da HADS-A e para a HADS-D inferior a oito, não classificados
como casos possíveis para a ansiedade e depressão.
•  Conclusão do estudo: Considerando as elevadas estimativas feitas pela
Organização Mundial da Saúde sobre a ocorrência de depressão como causa
de adoecimento nas próximas décadas, os resultados desse estudo são de ex-
trema importância para a elaboração de medidas preventivas para o ambiente
de trabalho hospitalar, evidenciado como um ambiente estressante e repleto
de fatores predisponentes à depressão e à ansiedade entre seus trabalhadores.
Nos dois estudos os achados, apesar de os resultados apresentarem escore
de leve e moderado para ansiedade e depressão, estão acima da população ge-
ral. A Organização Mundial de Saúde (OMS) e o Ministério da Saúde (MS) aco-
lhem esses dados como indicativos para a tomada de medidas preventivas para
os trabalhadores em hospitais. O cuidar como atividade profissional é conside-
rado como potencialmente causadora de stress no ambiente de trabalho.

5.5  O stress do profissional de saúde: a Síndrome de Burnout

A Síndrome de Burnout foi definida por Freudenberger como um distúrbio psí-


quico de caráter depressivo, precedido de esgotamento físico e mental intenso,
" um estado de esgotamento físico e mental cuja causa está intimamente ligada
à vida profissional". Assim a síndrome de Burnout pode ser considerada como
uma doença relacionada ao trabalho. Ela está inserida na portaria número 1339
de 18 de novembro de 1999 do Ministério da Saúde, que estabelece a lista de
doenças relacionadas ao trabalho. Essa portaria trata da definição do perfil no-
sológico da população trabalhadora para o estabelecimento de políticas públi-
cas no campo da saúde do trabalhador. Nessa portaria a Síndrome de Burnout
aparece descrita como a sensação de “Estar Acabado” ou "Síndrome do Esgo-
tamento Profissional" (Z73.0). Essa síndrome associa-se ao Ritmo de trabalho
penoso (Z56.3). No livro texto original do CID- 10 não há o termo "Burnout". Sa-
lientamos que o Burnout não está incluído no capítulo de reação a stress grave
e transtornos de ajustamento (F43) da CID-10.
Vieira e Jardim (2010) explicam há “evidência científica suficiente para per-
mitir sua classificação como uma entidade nosológica (um transtorno mental
em si)”. Elas informam que o capítulo das condições codificadas pela letra Z sig-
nifica, segundo o próprio livro do CID: "Fatores influenciando o estado de saú-
de e contato com serviços de saúde". Portanto, no CID 10 ainda que o Burnout
não se constitua como um transtorno mental em si, ele está relacionado ao

capítulo 5 • 113
stress grave e a transtornos de ajustamento. Ajustamento às condições de tra-
balho, daí porque o Ministério da Saúde o coloca na lista de doenças relaciona-
das ao trabalho.
O outro importante fonte de classificação dos transtornos mentais, mui-
to utilizado no Brasil, é o DSM (Diagnostic and Statistical Manual of Mental
Disorders). Atualmente estamos em sua versão V.
Na versão do DSM IV, Burnout aparece como uma "condição adicional que
pode ser foco de atenção clínica", subitem "Problema Ocupacional" (código
V62.2).
Na quinta e mais atualizada versão do DSM, não cita o Burnout como doen-
ça, não tendo nem um código próprio para sua caracterização. O Burnout apa-
rece como questão diagnóstica cultural fazendo parte de um tipo (maior de ca-
tegoria) de desordem somática ou somatoforme (código 300.82).
No DSM V em que nos transtornos somatoformes os sintomas somáticos,
aqueles que correspondem a sintomas de condição clínica real, estão presentes
mesmo sem a existência de doença física alguma e, além disso, há preocupação
excessiva, desproporcional, com esses sintomas, mesmo que repetidos exames
mostrem a não existência da doença.
Assim podemos verificar que o sujeito acometido por essa condição tem
como sintoma justamente exagerar o sintoma de uma doença orgânica que, de
fato, não existe, mas que mesmo assim a pessoa sente como se existisse, so-
fre como se existisse, e para ela de fato existe. Assim a síndrome de Burnout,
no DSM V, está relacionada à presença de doença depressiva ou ansieda-
de generalizada.
Trigo e Colaboradores (2007) mostra que o termo Burnout é definido, se-
gundo um jargão inglês, como “aquilo que deixou de funcionar por absoluta
falta de energia”.
Significa dizer que o profissional, o técnico o funcionário apresenta um es-
gotamento físico/mental configurando uma desistência no exercício de suas
funções laborais.
A síndrome de Burnout está associada ao stress prolongado no ambiente
de trabalho, que traz consequências para a saúde física e emocional. Cherniss,
1980; World Health Organization,1998 aput em Trigo e Colaboradores (2007)
mostra que a exaustão emocional abrange:

114 • capítulo 5
(...) sentimentos de desesperança, solidão, depressão, raiva, impaciência, irritabilidade,
tensão, diminuição de empatia; sensação de baixa energia, fraqueza, preocupação;
aumento da suscetibilidade para doenças, cefaleias, náuseas, tensão muscular, dor
lombar ou cervical, distúrbios do sono.

Todas essas sensações são desagradáveis e causam desconfortos não só no


ambiente de trabalho, mas também nos momentos de lazer e descanso. O esgo-
tamento se estende a todas as esferas da vida do sujeito.

5.5.1  Cuidados e Prevenção

Demeneck e Kurowski (2010) afirmam que o primeiro passo, para a prevenção


do estresse é:

Prestar atenção em si, no que acontece consigo e à sua volta. Não se devem des-
valorizar determinados sintomas. Aquela situação de acordar mais cansado do que
deitou, a sensação de grande alívio porque o dia acabou, a dificuldade de lidar com o
outro e de ter menos paciência são sinais de que os problemas estão se acumulando
e de que o sintoma físico é o parasita da síndrome. É muito comum que as pessoas
com síndrome apresentem problemas de pele, de estômago, hipertensão e se tornem
dependentes de medicamentos. No começo do desenvolvimento da síndrome, ainda
se preserva um pouco da sociabilidade. Aos poucos, a pessoa começa a se sentir can-
sada, não quer sair de casa, evita os amigos e usa isso como mecanismo de defesa.
Há uma contaminação e esse problema sai do trabalho e chega a casa.

Observamos que esses itens arrolados pelos autores explicitam a necessida-


de de o trabalhador ter certa capacidade para se auto-observar e poder associar
o que esta vivenciando com um possível diagnóstico, para ai sim poder buscar
a devida ajuda profissional. Portanto, o primeiro passo, para a prevenção é a
ampla divulgação da síndrome de Burnout, nas empresas, nos departamentos
pessoais, na atenção básica, para o trabalhador possa ter consciência de sua
saúde para a busca do cuidado necessário.
A manutenção da saúde do trabalhador é um tema central nas preocupa-
ções das empresas públicas e privadas. Muitas atitudes podem ser tomadas,

capítulo 5 • 115
como por exemplo, melhorar as gestões com a qualificação profissional dos
gestores, oferecimento de planos de saúde, e, em muitos casos planos de as-
censão profissional. Mesmo que reconheçamos haver um avanço nas relações
e condições de trabalho, sabemos que muito ainda necessita ser feito para que
o trabalhador em instituições de saúde possa ter garantido a qualidade em saú-
de. O trabalhador em saúde é antes de tudo um cuidador, isso significa que sua
atividade profissional esta relacionada diretamente a utilização de seus recur-
sos, técnicos, teóricos e pessoais no atendimento a quem necessita de cuida-
dos. Essa atividade requer um envolvimento pessoal intenso, e, talvez por isso
os profissionais de saúde estejam mais vulneráveis ao sofrimento psíquico no
trabalho. Portanto a questão que comparece de forma clara é precisamos criar
formas de garantir que o profissional de saúde receba os cuidados necessários
para que ele possa continuar fazendo o que melhor sabe fazer: cuidar.

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118 • capítulo 5
ANOTAÇÕES

capítulo 5 • 119
ANOTAÇÕES

120 • capítulo 5

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