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Direito Penal II, Aulas Práticas, Dr.ª Ana Rita Alfaiate,


2021/2022
Direito Penal II (Universidade de Coimbra)

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Direito Penal II, P4

08/03/2022

Tipos Justificadores (causas de exclusão/causas de


exclusão da ilicitude)

Causas de justificação enquanto circunstâncias que permitem dizer que um facto jurídico-
penal pode não reclamar uma reação penal, porque não é ilícito.
Quer para a pena, quer para a medida segurança é necessário estar em causa um facto típico
e ilícito.
Ex: não é a mesma coisa matar uma pessoa ou uma mosca em legitima defesa. Quando se
mata uma pessoa, é uma ação típica, mas cujo juízo de desvalor é afastado em função de
uma circunstância que o legislador considerou como justificativa da parte do agente.
Há muitas causas de justificação que estão no CP, dentro da parte especial, há outras que são
supralegais, há algumas que são dúbias, portanto é difícil dizer quantas causas de justificação
existem.
Vamos estudar as causas de justificação mais comuns e importantes:
 Legitima defesa
 Estado de necessidade justificante + estado de necessidade …
 Consentimento
 Exercício de direito (direito de correção)

Legítima Defesa
As causas de justificação são o tipo justificador que afasta o tipo incriminador. O tipo
incriminador é composto por um desvalor de ação (associado à prática do facto) a que
se junta um desvalor de resultado (pode ser um resultado que o agente pretendia
alcançar ou não – crimes negligentes) – o agente pratica um facto com o objetivo de lesar um
certo bem jurídico.
O tipo justificativo tem duas dimensões: uma dimensão para afastar o desvalor da ação
e outra para afastar o desvalor do resultado.
1. Quanto à primeira, é enformada pelo elemento subjetivo das causas de justificação
(conhecimento por parte do agente de que está a agir a coberto da causa de
justificação). Quando o agente atua na convicção de que está a agir de acordo com o
direito (está presente o elemento subjetivo), afasta-se o desvalor da ação. O elemento
subjetivo das causas de justificação afasta o desvalor da ação, no caso do tipo
incriminador. Todas as causas de justificação têm o mesmo elemento subjetivo.

2. Quanto à segunda, para se afastar o desvalor de resultado, têm de estar verificados os


elementos objetivos da causa de justificação. Os elementos objetivos da causa de
justificação são sempre diferentes.

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Elementos objetivos da causa de justificação da legitima defesa, que permitem


afastar o desvalor do resultado de uma causa de justificação:
Embora não decorra diretamente do art. 32.º a exigência da proporcionalidade, isso faz
parte do entendimento entre o que é lícito e o que é ilícito. Ou seja, na legitima defesa, há
exigências de proporcionalidade. Posso matar uma pessoa em legítima defesa quando atacou
a minha integridade física, mas isso não significa que o DP dê carta branca para todos os
casos. Não posso matar uma pessoa que me pisou o dedo mindinho – não se verifica a
exigência da proporcionalidade, ou seja, não me posso fazer valer da legitima defesa num
caso como este.
Em última análise, a exigência de proporcionalidade decorre da própria natureza do
ordenamento jurídico.

Exigências da legitima defesa enquanto exercício de um direito de defesa aquando de um


ataque ilícito por parte de outrem:
 Requisitos quanto à agressão:

o Tem de se tratar de uma agressão (distinguem-se dos casos de perigo – se o perigo


não adveio de uma agressão, não está ao abrigo da legitima defesa)

o Art. 32.º, a agressão tem de ser atual e ilicita.

Atualidade – a agressão pode ser enquadrada em três momentos diferentes (a


ação estar a ocorrer; no momento imediatamente anterior à agressão, ou seja, a
iminência já permite falar em atualidade da agressão; em determinados casos, o
momento imediatamente a seguir ao término dessa agressão, ou seja, num
crime de furto deixa de ser legitima a defesa a partir da posse pacifica, mas
enquanto a posse pacifica n existir, considera-se que ainda é possível agir em
legitima defesa. Ex: uma velhinha vai com uma mala e foi levantar a sua pensão
aos correios, e há um sujeito que pega na mala e foge. Ela grita por socorro, e há
uma pessoa que corre atras do ladrão para reaver da mala. Neste caso, como
não existiu ainda a posse pacifica, há lugar à legitima defesa). A consumação do
crime de furto ainda não esta estabilizada, e ainda se permite agir em legitima
defesa. Para ser legitima defesa, a agressão ainda tem de estar a decorrer.

Ilicita (não necessitando de ser culposa, ou seja, eu posso reagir contra a


agressão de um inimputável, embora não vá reagir da mesma maneira).

o Interesses juridicamente protegidos: o bem jurídico é abstrato (é a vida, por


ex., e não a vida da pessoa Y), o interesse juridicamente protegido é concreto.
Ex: em abstrato, a integridade física é muito mais importante q o património, mas
em concreto posso dizer q é legitimo um empurrão para proteger o património. No
entanto, na legitima defesa isto n é tao evidente, porque a própria legitima defesa
não evidencia tanto a necessidade da proporcionalidade.

o Do agente ou relativamente a um terceiro

 Requisitos quanto à defesa:

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o Utilizar um meio necessário: é o meio, de entre todos os adequados a pôr termo


à agressão, aquele que for menos agravoso. A legitima defesa é a única causa de
justificado em que se fala de meio necessário, porque como não há uma exigência
direta de proporcionalidade, encontramos essas exigências indiretamente a partir da
ponderação dos meios. Existe o dever de escolher o menos gravoso de todos. Se
não houvesse a exigência de proporcionalidade, ela decorria pelo menos da
exigência de ponderação quanto ao meio a utilizar.
Requisito subjetivo, comum a todas as causas de justificação:
 Conhecimento por parte do agente de que esta a agir ao abrigo de uma causa de
justificação. Este conhecimento traduz-se na convicção de que o agente está a atuar
ao abrigo de uma ação permitida pelo direito penal. Art. 38.º/4.

Caso Prático 1:
A pretendia matar o seu vizinho B, com quem desde há anos se envolvia em acesas
discussões. Para tal, no passado dia 22 de agosto, A esperou que o seu vizinho B chegasse ao
café da terra à hora do costume, e disparou sobre ele um tiro mortal. Vem porém a provar-se
que B tinha também intenção de matar A, razão pela qual, ao avistá-lo, naquele mesmo dia,
no lugar em que é habitual A sentar-se quando vai ao café, ainda julgou ter tempo de pôr a
mão no bolso para tirar a arma que levava carregada para o matar, não tendo conseguido
cumprir essa vontade apenas porque A se antecipou. Quid iuris?

Resolução:
A quer matar B, e mata B. O que ele não sabe é que B também queria matar A. A, quando
matou B, estava a atuar numa situação de legitima defesa. Nenhum deles sabia que se
queriam matar mutuamente naquele dia.
Requisitos objetivos:
 Houve uma agressão: A matou B. E será que estão reunidos os pressupostos da
legitima defesa por parte de A. Houve uma agressão por parte de B – era atual
(iminente) ilicita. É contra um interesse juridicamente protegido (a vida), do agente.

 De entre todos os meios adequados, o meio necessário é matar (porque a


alternativa é morrer).

Estão cumpridos todos os requisitos objetivos da legitima defesa.


A disparou sobre B quando B se preparava para disparar contra A.
Do ponto de vista subjetivo, A não sabia que B o iria matar. A atua porque quer matar, e não
com a convicção de estar a atuar ao abrigo de uma causa de justificação.
Estando os requisitos objetivos preenchidos, afasta-se o desvalor do resultado; como não se
preenche o requisito subjetivo, não se afasta o desvalor de ação. Ou seja, este agente terá de
ser punido pela tentativa, porque dogmaticamente ele tem o desvalor da ação, mas não o
desvalor do resultado (houve uma defesa de um ataque iminente). Pune-se o agente por
tentativa, embora não se trate de uma tentativa, ou seja, é um caso de analogia. Neste
caso, a analogia é permitida por ser favor reum – na medida em que se trata de um ilícito
pessoal, e para afastar um tipo incriminador é preciso encontrar o tipo justificador.
Ou se consegue preencher os dois tipos justificadores, ou se tem de punir o agente. Neste
caso, pune-se só o desvalor da ação (tentativa). Mas se dissermos que não está em causa
uma analogia, não se afasta o desvalor de resultado nem o desvalor da ação (será punido por

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homicídio doloso consumado). Ou seja, aplicar uma analogia in bonne partem (art. 38.º/4) é
vantajoso para o agente, porque ele irá ser punido com a pena aplicável por tentativa e não
por consumação.

Caso Prático 2:
Durante uma violenta discussão conjugal, A empurra B, que parte um braço. Quando B está já
no chão com dores, A decide baixar-se e esbofetear B com violência.
a) Quid iuris se C, ao aperceber-se da situação, agarrar e imobilizar A até que A se
acalme, dando-lhe um pontapé quando A tenta libertar-se para continuar a bater em B.
Poderá ser punido por ofensas à integridade física?

b) E se, afinal, tudo não passasse de uma encenação para sensibilizar quem passava para
o fenómeno da violência doméstica, e A e B fossem, afinal, atores. Quid iuris se C
interveio por meio de violência para afastar A de B.

Falta um requisito objetivo da causa de justificação. É um caso de erro.

15/03/2022
Dois patamares de analogia:

1. Na falta do elemento subjetivo, aplica-se o art. 38.º/4 - aplicação analógica, porque


está pensado só para o consentimento, mas aplica-se analogicamente a todas as
causas de justificação.

2. A falta de elemento subjetivo é parecida com uma situação de tentativa – pune-se o


agente como se estivesse a praticar o crime tentado. Ocorre em todas as causas de
justificação que não sejam o consentimento. Para aplicar a pena da tentativa, têm
de se verificar os pressupostos de aplicação da tentativa.

E quando o agente atua na convicção de que o que está a fazer é permitido pelo direito
(elemento subjetivo), ou seja na sua convicção está a agir ao abrigo da causa de justificação,
mas está a atuar na falta de um elemento do art. 32.º (elementos objetivos)? Quando nos
referimos à falta de elementos objetivos (estamos a referir-nos à falta de um elemento
objetivo quanto à agressão), referimo-nos aos dos art. 32.º, exceto um: a necessidade do
meio (problema de excesso de legitima defesa).
4 hipóteses quanto à legítima defesa:
 Quando se verificam todos os pressupostos (justifica-se o facto do agente, i.é., existe
uma causa de justificação);

 Quando falta o elemento subjetivo da causa de justificação, o agente é punido com a


pena da tentativa (38.º/4);

 Quando falta o elemento objetivo quanto à agressão (quando não há agressão, ou


quando a agressão era encenada), existe um erro sobre os pressupostos (16.º/2);

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 Quando se verificou o requisito objetivo quanto à agressão, mas o agente reagiu de


forma excessiva, trata-se de um caso de legítima defesa, que pode funcionar como
causa de exclusão de culpa, ou como mera atenuação (art. 33.º).

Resolução:
a) Quid iuris se C, ao aperceber-se da situação, agarrar e imobilizar A até que A se
acalme, dando-lhe um pontapé quando A tenta libertar-se para continuar a bater
em B? Poderá ser punido por ofensas à integridade física?
Não, este é um caso de legítima defesa de terceiro. Estão reunidos os pressupostos objetivos
e subjetivos.

b) E se, afinal, tudo não passasse de uma encenação para sensibilizar os


transeuntes para o fenómeno da violência doméstica e A e B fossem atores? Quid
iuris se C interveio, por meio de violência, para afastar A de B?
C julga que está a agir a coberto da causa de justificação de legítima defesa, está convicto de
que o direito o permite usar aquela violência, mas na realidade não existem os pressupostos
objetivos quanto a essa agressão. Das duas uma: ou não existe agressão (porque parece que
A bateu em B, mas afinal vem a descobrir-se que não), ou até bateu mas houve uma causa de
exclusão da ilicitude, porque houve consentimento por parte dos atores. Neste caso, o que
falta não é um problema de representação enquanto conhecimento dos factos que está a
apreciar, o problema está na forma como a representação está a ser encarada pelo agente.
Quando falamos de erro sobre as causas de justificação, embora se diga que é um erro
de conhecimento (não sabia que aquilo era uma encenação), o que se exclui não é o
elemento intelectual do dolo, é antes do elemento emocional do dolo, na medida em que, ao
atuar, não se está a atuar com a atitude de indiferença e contrariedade face ao direito. Exclui-
se o dolo da culpa, no âmbito do elemento emocional do dolo – não há vestígios de dolo, nem
no sentido da volição, nem no sentido da atitude relativamente ao direito.

________________________
Artigo 16.º
Erro sobre as circunstâncias do facto
1 - O erro sobre elementos de facto ou de direito de um tipo de crime, ou sobre proibições
cujo conhecimento for razoavelmente indispensável para que o agente possa tomar
consciência da ilicitude do facto, exclui o dolo.
2 - O preceituado no número anterior abrange o erro sobre um estado de coisas
que, a existir, excluiria a ilicitude do facto ou a culpa do agente.
3 - Fica ressalvada a punibilidade da negligência nos termos gerais.

Art. 16.º/2 – a exclusão do dolo abrange (também se aplica) o erro sobre um estado de coisas
que, a existir, excluiria a ilicitude do facto ou a culpa do agente. A exclusão do dolo
também acontece perante uma situação de erro que, caso a situação se verificasse
como o agente representou, constituiria uma causa de exclusão de ilicitude.
O art. 16.º/2 não é dado como uma causa de exclusão de ilicitude, mas antes como uma
situação de erro.

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O erro só pode excluir o dolo (quando é erro do art. 16.º), ou excluir a culpa (quando é erro
do art. 17.º).
Este artigo 16.º/2 trata de um problema de erro. Este artigo não tem explícita a consequência,
mas ela está prevista no preceito anterior: a exclusão do dolo em casos de erro. Embora
exista uma remissão no n.º 1, o que está excluído no n.º 1 é o dolo no seu elemento
intelectual (exclui-se o dolo do tipo), e exclui-se o dolo da culpa no n.º 2, porque mais do que
um problema de mera representação, é o problema de não haver a intenção íntima do sujeito
de contrariar o direito.
Uma pessoa que estava a defender outra que afinal estava a participar numa encenação deve
ser punida da mesma maneira que uma pessoa que agride sem mais? O direito pune o
agente a título de negligencia (e não por tentativa, porque não se trata da falta do
elemento subjetivo). Na negligencia não há um verdadeiro desvalor da ação, porque o agente
só atua na convicção de que está a defender alguém. Há apenas um desvalor do resultado,
porque se vem a demonstrar que se tratava de uma encenação.

Resolução:
Trata-se de uma situação de erro sobre os pressupostos objetivos da causa de justificação
(quando à agressão). Art. 16.º/2 - não exclui o dolo do tipo, exclui o dolo da culpa (porque não
existe uma atitude interior de contrariedade perante o direito). O agente ainda poderia ser
punido por negligencia (art. 16.º/3), mas é preciso que o facto esteja previsto legalmente a
título de negligencia, e que o agente reúna as condições para ser punido por negligencia
(violação de um dever objetivo de cuidado).

Caso Prático 3:
Durante uma manifestação por ocasião do dia do trabalhador, A e B discutem com
violência, ameaçando-se mutuamente porque A acredita estar a receber menos do
que aquilo que lhe é devido e B é a responsável pela contabilidade da empresa.
Quando, passada uma semana, A encontra B no café e avança sobre este,
determinado a mostrar-lhe o recibo de vencimento para comprovar que não estão a
ser respeitados os seus direitos em termos salariais, é surpreendida por um soco
desferido com toda a força por B, que se convence que A a vai atacar.
Quid iuris quanto à responsabilidade penal de B nesta situação?

Resolução:
Falta um elemento objetivo (não há agressão). A pessoa convence-se que é uma situação de
agressão, mas não é, ou seja, falta um pressuposto objetivo da causa de justificação,
quanto à agressão. Art. 16.º/2, exclui-se o dolo da culpa, porque não se verifica o elemento
emocional do dolo. O agente fica com a possibilidade de ser punido por negligência (16.º/3).
Estes casos são chamados de legitima defesa putativa – tinha tudo para ser uma legitima
defesa, mas afinal não é.
Não se verifica a atitude interior de contrariedade face ao direito. O agente só atua porque
acredita que está a agir a coberto de uma situação de legitima defesa. Não se verifica o
desvalor da ação, ele está excluído pela presença do elemento subjetivo e pela falta do
elemento objetivo da causa de justificação.

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Caso Prático 4:
4) Ao chegar de manhã ao seu armazém, Paulo vê Rui a saltar por uma janela e a fugir com
uma mochila às costas. Como tinha dinheiro e mercadorias no local, Paulo começa a perseguir
Rui com o seu carro, para evitar que ele se aproprie dos seus bens. No intuito de lhe cortar a
fuga, abalroa-o de lado com o veículo, fazendo com que Rui caia ao chão e sofra algumas
escoriações e hematomas. Paulo segura Rui até à chegada da PSP. Examinada a mochila,
verifica-se que Rui nada havia furtado do armazém.
Pronuncie-se fundamentadamente sobre a responsabilidade de Paulo pelos crimes de
sequestro e de ofensas corporais.

Resolução:
O agente estava convicto de que estava a atuar em legitima defesa, mas não houve nenhuma
agressão ao seu património. Erro sobre os pressupostos das causas objetivas de justificação.
A solução passa pela exclusão do dolo da culpa, e a punibilidade pela negligencia – 16.º/2 +
16.º/3.
Será que o crime de sequestro é punível por negligencia? Art. 13.º - a negligencia tem de
estar prevista legalmente para que a ela haja lugar. Art. 158.º - não está prevista por
sequestro. No caso concreto apenas seria possível punir o agente por negligencia quanto às
ofensas à integridade física, e temos de ver se é possível no caso.

Caso Prático 5:
5) Numa noite, Daniel encontrava-se sozinho em casa com a sua mãe, quando ela o acordou,
após ouvir ruídos que indiciavam uma tentativa de intrusão. Daniel levantou-se e após
verificar ter sido aberta uma janela que ele próprio havia fechado disparou dois tiros de
espingarda para o ar, com o intuito de afugentar os intrusos. Logo de seguida, a sua mãe
ouviu novos barulhos vindos da janela de um quarto e gritou “eles estão a entrar”. Num
estado de pânico e de medo, Daniel dirigiu se a esse quarto e efetuou dois disparos na
direção da janela, de onde provinha o ruído, o que produziu a morte do assaltante. Pode
Daniel ser responsabilizado como autor de um crime de homicídio (art. 131.º do CP)?

Resolução:
Deve convocar-se a ideia de proporcionalidade, que é intuída nomeadamente pela exigência
de necessidade quanto ao meio. É possível defender o património através de uma ofensa
à integridade física. No caso, ele não está a proteger apenas o património, como também a
própria mãe. Possibilidade de agressão não apenas ao património, mas também à integridade
física – e neste caso, os disparos podem mais facilmente ser um meio necessário.
Ou é legitima defesa e estão verificados todos os pressupostos (o meio é necessário), ou há
excesso de legitima defesa (art. 33.º, que poderia excluir a culpa ou não – neste caso deveria
excluir).

Caso Prático 6:

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6) A passeava no Parque Verde quando se cruza com o seu antigo chefe, B, que passeava o
cão pastor alemão que lhe faz sempre companhia nas caminhadas do fim da tarde. Por não
gostar de B, A começa a insultá-lo, chamando-lhe “vigarista”, “ladrão” e “corrupto”.
Procurando calar A, B instiga o seu cão a morder-lhe e aproveita o momento em que A cai no
chão para lhe dar murros e pontapés, repetindo, insistentemente, “Sempre foste um infeliz.
Não serves para nada.”.
A tem de receber tratamento hospitalar, ficando internado com múltiplas fraturas durante
sete dias. Quid iuris?

Resolução:
Estão verificados os pressupostos objetivos da legitima defesa. Agressão: injúrias. É possível
reagir a esta agressão, mas temos de verificar se estamos a reagir de forma adequada. Há
excesso de legitima defesa.
Quanto ao uso do cão – o cão está a ser usado como instrumento de defesa excessiva. E pode
ser usado como instrumento de ataque: nesse caso, a agressão seria do cão, mas
objetivamente seria do dono, porque estaria a ser instigado a atacar.
No caso de outra pessoa se defender do ataque do meu cão, que eu instiguei, está a agir em
legítima defesa (o cão é utilizado como instrumento de ataque pelo dono).

Excesso de legitima defesa – art. 33.º, pode ser de dois tipos:


1) Excesso de legitima defesa que exclui a culpa (33.º/2) – chamados afetos asténicos.
Perturbação, medo, raiva, ódio, vingança não censuráveis. (Caso um polícia tivesse
medo de armas, já seria um medo censurável). Enquadra-se na situação do caso
prático.

2) Excesso de legitima defesa que desencadeia a mera atenuação da culpa –


possibilidade de redução da pena.

Caso Prático 7:
7) Por ocasião de um jogo de futebol em determinado estádio, Fernanda envolve-se numa
discussão com Alice e, quando os termos sobem de tom, Alice profere insultos e ameaças
contra Fernanda. Como resultado dessa situação de tensão, Guilherme, filho de Fernanda,
sente medo e começa a tremer e a chorar. Fernanda diz a Alice para parar com os insultos e
com as ameaças; como os seus avisos não surtem efeito, desfere dois socos no rosto de Alice,
que tem de receber assistência hospitalar. Sabendo-se que havia por perto assistentes de
recintos desportivos (‘stewards’) e agentes da PSP, pronuncie-se fundamentadamente sobre a
responsabilidade de Fernanda por um crime de ofensas corporais.

Resolução:
Está em causa uma situação de desnecessidade de defesa. O meio menos gravoso à
disposição é fugir da agressão (fugir não é considerado legitima defesa), mas em alternativa é
sempre aceitável legitima a defesa.
Primeiro patamar que permite falar-se em legítima defesa é o recurso às autoridades. Sempre
que esse expediente esta à disposição da vítima, não há necessidade de ele fazer mais nada.
No caso, como se diz que há por perto agente da PSP, estamos perante um caso de

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desnecessidade da ação de resposta à agressão. Verdadeiramente, este não é um caso de


legitima defesa, porque não há necessidade de resposta, a não ser convocar as autoridades
para reagir pelo agente.
Ou seja, trata-se de um caso de ofensas à integridade física, por não se ter verificado um
pressuposto da legitima defesa (necessidade de defesa).

22/03/2022

Direito de necessidade
 Estado de necessidade justificante, causa de justificação (= direito de
necessidade) – 34.º, CP (estado de necessidade objetivo);
 Estado de necessidade desculpante, causa de exclusão da culpa – art. 35.º, CP
(estado de necessidade subjetivo)

Critério para determinar que uma situação de necessidade pode ser encaixada no
art. 34.º ou 35.º: existem diferenças entre permitir aplicar uma causa de exclusão de
ilicitude ou uma causa de exclusão da culpa. Deve tentar aplicar-se sempre uma causa de
exclusão da ilicitude, porque tem muito mais benefícios para o agente. Se excluir apenas a
culpa, ainda se pode punir o agente com uma medida de segurança, mas se se excluir da
ilicitude, já não se pode punir o agente de todo.
Se se disser que apenas um dos comparticipantes não tem culpa, ela não se estende aos
demais comparticipantes; mas já se estende no caso de haver uma causa de exclusão da
ilicitude.

Teoria diferenciada do estado de necessidade: para estarmos perante uma causa de


justificação ao abrigo do art. 34.º, temos de estar a proteger um interesse sensivelmente
superior àquele que estamos a prejudicar [critério da sensível superioridade]. Tem de haver
uma sensível superioridade do interesse, e não do bem jurídico, ou seja, no caso concreto.
Pode haver uma situação em que se está a proteger um interesse que no caso concreto nos
parece superior, mas que em abstrato não seria superior. Ex: prejudicamos a integridade
física para proteger o património. A proporcionalidade é aferida de modo diferente nestes
casos.
Há casos em que não há dúvidas de que estamos no âmbito de um estado de necessidade
justificante. Ex: estamos a salvaguardar a vida, e o interesse que estamos a prejudicar não é
a vida. É difícil haver um caso em que se mate uma pessoa e se diga que se agiu em estado
de necessidade justificante, porque existe o requisito de termos de proteger um interesse
sensivelmente superior àquele que se esta a agredir (não há um interesse mais premente do
que salvaguardar a vida). Nestes casos, sobra-nos a causa de exclusão da culpa ou o estado
de necessidade defensivo.

Requisitos do art. 34.º(cumulativos, sob pena de haver a falta de algum dos


requisitos objetivos das causas de justificação – enquanto que o requisito subjetivo
está no art. 38.º/4):
a) Pode ter sido o agente a criar a situação de perigo, desde que não voluntariamente.
Mesmo tendo criado o perigo voluntariamente, se for para proteger um terceiro,
pode-se invocar o estado de necessidade. Ex: A empurra B, e a certa altura, vendo que

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B vai morrer, A arromba um carro porque vê que na parte de trás está um instrumento
que permite salvar B. Esta é uma análise em concreto. Ex: pode-se empurrar um
mirone que está à frente de uma boca de incêndio, para salvar alguém que está em
perigo de vida.

b) Haver sensível superioridade do interesse a salvaguardar relativamente ao


interesse sacrificado;

c) Ser razoável impor ao lesado o sacrifício – para o Dr. Figueiredo Dias esta alínea
funciona como critério interpretativo da alínea b), quanto à moldura penal, e à
colocação sistemática do interesse no CP. O Dr. Pedro Caeiro considera que esta alínea
c) é um critério autónomo, porque o que é razoável para uma pessoa pode não ser
para outra. O critério é bastante variável se atendermos ao que é razoável para o
agente, e por isso o Dr. Pedro Caeiro considera esta alínea um outro requisito para o
estado de necessidade.

Se falta o conhecimento (elemento subjetivo) de que se está a agir ao abrigo de


uma causa de justificação, não é possível afastar o desvalor da ação, e pune-se o
agente pela tentativa (38.º/4).
Se faltar algum dos requisitos objetivos, exclui-se o dolo da culpa e há possibilidade
de punir o agente por negligência se estiverem reunidos os requisitos.

Meio adequado (e não um meio necessário, como na legitima defesa) para afastar um
perigo (e não uma agressão, como na legítima defesa) atual (a iminência de um perigo pode
ser ainda anterior à iminência de uma agressão no âmbito da legitima defesa – mas não se
trata de uma ação preventiva). Ex: um médico de família de um casal, no âmbito de umas
análises de rotina, chega à conclusão de que um dos membros do casal está infetado com
HIV. Sabendo que são um casal, e presumindo que mantêm uma relação íntima, existe para o
médico a possibilidade de um contagiar o outro. A iminência desse contágio não é uma coisa
que ele possa aferir em concreto, mas ele considera que há um momento não muito distante
em que existe esse perigo de contágio. Existe um interesse de salvaguardar (o segredo
médico), mas o interesse que o médico deve salvaguardar é sensivelmente superior àquele
que o médico está a comprimir. O perigo está verificado nas circunstâncias do art. 34.º, por
ser um perigo atual, no sentido em que poderá ocorrer num momento próximo.

Casos de direito de necessidade


1) A seguia, no seu automóvel, de forma irrepreensível, quando, de repente, de uma forma
completamente inesperada, surge uma criança à sua frente. Para evitar o atropelamento, A
guina para a berma, não obstante ter reparado que aí se encontrava um automóvel
estacionado e que colidiria, necessariamente, com ele. Do choque veio a resultar a destruição
parcial do veículo estacionado. O dono deste apresentou queixa contra A pela prática de um
crime de dano. Quid iuris?

Resolução:
É um caso de direito de necessidade justificante, estão preenchidos todos os requisitos
objetivos do art. 34.º, logo, o agente não será punido pelo crime de dano. Quanto ao requisito
subjetivo, também atuou ao abrigo de uma causa de justificação. Está afastado o desvalor da
ação e o desvalor de resultado, por isso exclui-se a ilicitude.

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2) A passa diante da magnífica casa nova de B. Invejando as possibilidades económicas desse


seu colega de trabalho, A pega numa pedra solta da calçada e lança-a, raivosamente, de
modo a partir o vidro de uma das amplas janelas do edifício, coisa que veio a suceder. Já em
tribunal, acusado de crime de dano, A surpreende-se ao saber que a sua atuação maldosa
permitiu a entrada de ar puro naquele quarto, no momento em que uma fuga de gás
ameaçava a saúde e talvez a vida de uma criança que ali brincava, alheia a tudo. Quid iuris?

Resolução:
Verificam-se todos os requisitos objetivos, mas não se verifica o requisito subjetivo. Ele está a
atuar com a atitude interior de indiferença ou contrariedade face ao direito, no entanto, é
possível excluir o desvalor do resultado. Temos um caso semelhante ao da tentativa – art.
38.º/4.
Como se determina que ao aplicar o art. 38.º/4 estamos a recorrer a uma analogia favorável?
Existem dois momentos de analogia:
1. estamos a aplicar uma solução que está pensada para uma causa de justificação que é
o consentimento;

2. o segundo momento analogia verifica-se entre esta situação em que existe o desvalor
da ação e existe um resultado que não é desvalioso, e a tentativa, em que não existe
resultado (embora aqui exista resultado, esse resultado não é relevante do ponto de
vista jurídico penal, porque está justificado). Se não houvesse esta solução, faltaria
preencher o requisito subjetivo da causa de justificação, e não se poderia afastar o tipo
incriminador. É mais vantajoso porque assim se pode punir o agente por tentativa, que
é mais vantajosa do que a pena do crime de dano. Min 57
3) Durante os primeiros quinze dias de Junho, estando A e B de férias no Algarve, houve um
curto-circuito na cozinha de sua casa, o que provocou um grande incêndio. C, seu vizinho,
apercebeu-se desse incêndio, tendo-se lembrado imediatamente que D, mãe de A, acamada
há vários anos, se encontrava em casa, pois a carrinha do Apoio Domiciliário continuava a
parar à porta da casa todos os dias, ao final da manhã, ao meio da tarde e cerca das 21h00m.
Sem hesitar, C decidiu partir uma das janelas da casa de A e B e resgatar D.
A e B acusaram, no entanto, C, pelos crimes de violação de domicílio e dano, alegando que C
não salvou ninguém pois D não se encontrava em casa, uma vez que tinha sido transportada
para uma consulta.

Resolução:
O requisito subjetivo está verificado. Não havia perigo, logo, falta um requisito objetivo do art.
34.º. Art. 16.º/2, exclui-se o dolo da culpa, porque o agente não tem a atitude de
contrariedade face ao direito. Pode-se punir o agente a título de negligencia. O crime de dano
não é punido por negligência, logo, fica excluída a punibilidade do agente.
Primeiro temos de verificar se o crime em causa é punido por negligencia.
Se for, ainda temos de verificar se no caso concreto o agente violou o dever especial de
cuidado. Apenas em caso afirmativo é que se pode punir o agente por negligência.

29/03/2022

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Conflito de deveres – 36.º, CP.

Conflito de deveres (36.º) VS. estado de necessidade justificante (34.º):


No caso de um conflito de deveres, o agente tem obrigatoriamente de agir (proteger
um interesse jurídico, embora saiba que dessa proteção resulte inevitavelmente o
comprometimento de outro interesse juridicamente protegido), sob pena de estar ele próprio
a cometer um crime (ele não pode decidir abster-se de proteger ambos os interesses).
No estado de necessidade justificante há um conflito de deveres, mas o agente pode
escolher agir ou simplesmente não fazer nada.

A obrigação de intervenção no conflito de deveres ocorre quando ele tem um conflito no


cumprimento de um dever, bem como no caso de ele receber duas ordens de uma entidade
de autoridade incompatíveis uma com a outra.
Critério para o agente intervir: temos de recorrer aos critérios gerais das causas de
justificação, porque o art. 36.º não aponta propriamente esse critério. No conflito de deveres,
está em causa mais ou menos o mesmo critério que havia no estado de necessidade (embora
neste último seja legitimo o agente não agir).
Tem de haver uma ponderação sobre o interesse mais importante ou a ordem de autoridade
mais importante – mas esta ponderação não pode ser puramente subjetiva. Recorremos a um
critério de experiência comum/normalidade, que o cidadão comum consideraria
relevante proteger naquele caso concreto.
Requisito subjetivo: art. 38.º; Requisitos objetivos: art. 36.º
O agente tem de tomar uma posição, mas resta saber se ele optou corretamente em função
do que protegeu ou prejudicou – pode acontecer que surja um caso de erro.

Se há um superior hierárquico que o incumbe de um dever que vai ao encontro do


cometimento de um crime, cessa a obrigação de agir, por respeito ao direito (art. 36.º/2).

Casos Práticos de Conflito de Deveres:


1) Nádia, médica, depara-se com a chegada ao serviço de urgências de dois pacientes em
risco de vida, Ricardo e Ana, sendo que ambos necessitam do mesmo equipamento de
salvamento. Na impossibilidade de tratar os dois, Nádia aplica o equipamento em Ana, que
lhe parece, depois de um exame liminar, ter um prognóstico mais favorável. Porém, o
diagnóstico sobre a situação dos pacientes revela-se errado e, na verdade, Ricardo teria tido
melhores possibilidades de sobreviver do que Ana. Tanto Ricardo como Ana vêm a falecer.
Pronuncie-se fundamentadamente sobre a responsabilidade de Nádia pela morte de Ana e
Ricardo.

Resolução:
Estamos perante uma situação de erro, que se refere à falta de um pressuposto objetivo –
temos de recorrer ao artigo específico da causa de justificação (no caso é um conflito de
deveres, logo, é o art. 36.º). Tem de existir um dever ou ordem legitima de autoridade, e a
superioridade do valor ou ordem a salvar relativamente àquele que se estava a prejudicar.
No caso, não foi cumprida a superioridade do interesse, em termos de prognose favorável – o
erro está na avaliação de superior importância de um interesse em detrimento de outro. Ela

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julgou que estava a proteger a vida daquele que tinha mais hipóteses, mas não se verificava
na realidade. Faltando este requisito objetivo da causa de justificação, temos de verificar se
está preenchido o requisito subjetivo (está, porque ela interveio na convicção de que o que
estava a fazer era o que o direito esperava dela). O facto de ele estar preenchido permite
afastar o desvalor de ação, mas não se exclui o desvalor do resultado por não estarem
preenchidos todos os requisitos objetivos. A morte que aqui revela para efeitos de resultado é
a do Ricardo. Tendo ele morrido, Nádia será punida por negligencia nos termos do art. 16.º/3
(ela é negligente no momento do exame liminar). Este artigo não tem a previsão obrigatória
de uma punição por negligencia! Dois requisitos para ser punida por negligencia: estar
previsto na lei, e tem de se tratar da violação de uma norma de cuidado. Nádia violou uma
norma de cuidado no momento em que fez o exame que lhe permitiu julgar que estava a
cumprir o valor superior, ou seja, ela errou no momento do exame liminar (e não no momento
da morte dele).

Consentimento:
Art. 38.º, também é uma causa de justificação. Quer os requisitos objetivos (38.º/1,2 e 3),
quer os requisitos subjetivos (38.º/4) estão neste artigo.
Remissão do art. 38.º»149.º os problemas de consentimento colocam-se sobretudo em
situações de ofensas à integridade física.
O acordo é uma causa de atipicidade.
Para Figueiredo Dias, falamos de típico-ilícito, mas há momentos em que percebemos a
importância da autonomização da ação, da ilicitude, etc.
 No consentimento há uma compressão do interesse jurídico – consinto que façam
determinada coisa a um interesse, mas efetivamente houve uma compressão.

 No acordo, não está em causa uma autorização para comprimir um interesse, mas
antes receber uma manifestação de vontade como forma de exercício de um
interesse jurídico. Falamos do acordo no âmbito de uma relação sexual, ou quando
esteja em causa um interesse de tal forma imperioso (uma pessoa que autoriza que lhe
retirem a mama não esta a consentir, mas apenas a autorizar a intervenção).

Muitas vezes há situações que lesam a nossa integridade física e não passam por uma
autorização – art. 149.º, que é específico da integridade física. O art. 38.º é relativo aos
requisitos da causa de justificação do consentimento em geral.

Requisitos objetivos do art. 38.º:


 Pode-se dispor relativamente aos bens jurídicos pessoais disponíveis. No caso da
integridade física, vamos interpretar tendo em conta o art. 149.º;

 Não ofender os bons costumes. Ex: tatuar uma suástica na testa ofende os bons
costumes?

 Tem de ser uma vontade séria e livre.

 Tem de ser feito por quem tenha + de 16 anos (a maioridade penal é a partir dos 16,
mas no caso dos crimes sexuais é a partir dos 18), mas o legislador acrescentou o
requisito do discernimento necessário para avaliar o seu sentido de alcance no
momento em que o presta (pode-se ter +16 e não ter este alcance, logo, não se pode

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consentir porque faltaria o requisito do discernimento). Até 2007 era a partir dos 14. O
requisito do discernimento é um requisito subjetivo, os restantes são objetivos.

Tea consente – filme sobre o acordo/consentimento

O acordo é valido a partir do momento em que se tem capacidade para acordar – não há
limite de idade, apenas se tem em conta o discernimento.
Nos casos de integridade física, tem-se em conta o art. 149.º - lesões serias, graves e
irreversíveis, em princípio ofendem os bons costumes, a não ser que seja em benefício do
sujeito (intervenções médicas sérias).
Min 1:15 resumo

Caso Prático:
1) Luís encontra-se anestesiado no hospital, com quem contratou uma intervenção cirúrgica
que consiste em submeter-se a uma incisão profunda ao longo de toda a face, de maneira a
criar uma cicatriz de grande dimensão que lhe dará – na opinião do próprio – um aspeto mais
rebelde e atraente. A enfermeira Marta, que detesta Luís e que desconhece os motivos pelos
quais ele está no hospital, ao vê-lo anestesiado e sozinho antes da intervenção, aproveita
para, com um bisturi, lhe fazer um longo corte na face, em termos que acabam por ser
idênticos – sem ela o saber – àqueles que ele havia solicitado.
Pronuncie-se sobre a responsabilidade penal de Marta, fundamentando a sua resposta legal e
doutrinalmente.

Resolução:
Dr. Costa Andrade, Figueiredo Dias e o Dr. Pedro Caeiro defendem uma posição dualista:
diferenciação de consentimento relativamente ao acordo.
Esta é uma intervenção estética duvidosa, que decorre do que é a experiência do próprio
gente e temos que enquadrar no plano do consentimento enquanto causa de justificação, e
não no plano do acordo para efeitos de atipicidade.
Art. 38.º + 149.º, CP
Marta intervém conhecendo que está a agir a coberto de uma causa de justificação? Não.
Logo, falta o requisito subjetivo – art. 38.º/4. Afasta-se o desvalor do resultado, porque era o
resultado que o Luís queria.
Do ponto de vista da ação não é possível afastar o desvalor da ação. Não aplicamos o art.
38.º/4 por analogia, mas sim diretamente, uma vez que se trata de um caso de
consentimento. O agente vai ser punido com uma pena atenuada (a da tentativa).
Se se considerar que também está cumprido o requisito dos bons costumes, é esta a solução.
Mas se se disser que esse limite foi ultrapassado, não só não está preenchido o requisito
subjetivo, como também um requisito objetivo. Se assim for, não há causa de justificação, e
Marta seria punida por ofensas à integridade física.
Resumo: fim da aula

05/04/2022
Caso Prático:

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2)Ana vê a casa da sua vizinha Berta vazia e, no intuito de estragar as tulipas que ela tem
plantadas no quintal, aponta a mangueira de pressão contra as mesmas. Ao proceder deste
modo, Diana danifica efetivamente as tulipas, mas acaba por afugentar, sem o saber, uma
doninha que se preparava para atacar e matar o coelho de estimação de Berta, que se
encontrava no mesmo local, e por quem Berta nutre um grande afeto. Prova-se em tribunal
que o valor pecuniário das tulipas e do coelho é sensivelmente igual.
Pronuncie-se fundamentadamente sobre a responsabilidade penal de Ana pela danificação
das tulipas (art. 212.º do CP)

Resolução:
As tulipas e o coelho têm um valor sensivelmente igual, e assim sendo não podemos aplicar o
estado de necessidade justificante. Há um requisito do estado de necessidade justificante que
já não se verifica (art. 34.º/b)), logo, não é aplicável essa solução.
Legitima defesa também não é, porque embora haja uma doninha que vai matar o coelho, as
agressões que relevam para o art. 38.º/2 são agressões humanas.
Sobra o consentimento – não se verifica o requisito subjetivo da causa de justificação, porque
a pessoa não intervém com o objetivo de proteger um interesse juridicamente relevante. O
agente só pode ser punido por tentativa – art. 38.º/4. Está em causa um crime de dano, e
temos de ver se a tentativa é punível por dano – art. 212.º, e no caso é. O agente seria punido
pelo crime de dano tentado (212.º/2 + 38.º/4).
Consentimento presumido – art. 39.º. presume-se que estão reunidos os pressupostos da
causa de justificação do art. 39.º, que é equiparado ao do art. 38.º, embora prescindindo da
parte de o consentimento ser expresso. Todos os outros requisitos têm de estar verificados.
Verificam-se os requisitos objetivos do consentimento presumido.

Combinação de causas
1) Alberto corre atrás de Beatriz com uma faca para a matar. Beatriz vê um automóvel com a
chave na ignição e entra imediatamente no mesmo, pondo-o em andamento para escapar à
fúria homicida de Alberto. Carlos, proprietário do veículo, que chegava a casa de mota, julga
que Beatriz está a furtar o seu automóvel e, com a mota, provoca intencionalmente um
acidente para travar a “fuga”, levando a que Beatriz embata contra um poste de eletricidade,
sofrendo ferimentos de alguma gravidade no tórax e na cabeça. Entretanto, Alberto havia
fugido do local.
Pronuncie-se sobre a responsabilidade penal de Beatriz e de Carlos.

Caso Prático:
A conduta de B reflete-se na esfera jurídica de C – trata-se de estado de necessidade
justificante.
Requisitos objetivos (art. 34.º): havia um perigo atual, que ameaçava um bem jurídico de
terceiro, não foi voluntariamente criado pelo agente, e havia uma superioridade do interesse
protegido (houve uma compressão do património para proteção da integridade física).
Quanto ao requisito subjetivo (38.º/4), quando ela pega no carro, acha que esta a coberto de
uma causa de justificação. A sua ação está justificada, logo, ela não vai ser punida pelo crime

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de furto de uso. O furto de uso só é punido para veículos – art. 208.º. Neste caso, afasta-se o
tipo incriminador de crime de furto de uso.
Quanto a Carlos – está a agir em legitima defesa, porque achava que o seu património estava
a ser posto em causa por meio de um furto. Contudo, ele não pode estar a agir em legitima
defesa, porque a agressão que estava a ser produzida pela Beatriz estava coberta por uma
causa de justificação, logo, não é ilicita. Existe uma agressão, mas não é ilicita. Assim sendo,
não se verifica um requisito objetivo da legitima defesa (ilicitude). Trata-se de uma legitima
defesa putativa – art. 16.º/2. C abalroou o carro para travar a fuga, e isto traduz-se em
ofensas à integridade física por negligência, porque se excluiu o dolo da culpa, e é preciso
comprovar que ele violou uma norma de cuidado.

2) Certa tarde, o Museu de Arte Antiga sofre uma inundação. Para evitar que a água entre em
determinadas salas e danifique as obras que se encontram aí expostas, Alberto, diretor do
Museu, ordena ao funcionário Bernardo que feche as portas estanques das ditas salas. Ao
procederem dessa forma, Alberto e Bernardo privam da liberdade de circulação, durante
cerca de duas horas e até a inundação estar controlada, os visitantes que ali se encontravam.
Pronuncie-se fundamentadamente sobre a responsabilidade penal de Alberto e Bernardo por
vários crimes de sequestro.

Resolução:
Quanto a Alberto, estamos perante o direito de necessidade justificante. Em princípio, é mais
importante a liberdade pessoal ou o património? A liberdade pessoal, mas no caso em
concreto, entende-se que há a inversão daquilo que é a importância dos bens jurídicos. Por
isso é que nas causas de justificação falamos de interesses protegidos e não de bens
jurídicos. Requisitos subjetivos e objetivos estão todos verificados. Alberto não vai ser punido.
Bernardo também não vai ser punido porque está a atuar ao abrigo do seu dever de
obediência. O dever de obediência hierárquica só cede se conduzir à prática de um crime. No
caso, não conduz a um crime de sequestro, porque está a coberto de uma causa de
justificação (direito de necessidade).

Direito de Correção:
Art. 31.º/2/b) – o direito de correção é uma possível causa de justificação que alguns autores
continuam a considerar que existe, e que a jurisprudência durante muito tempo tentou abolir,
mas nos últimos anos começa a ganhar novamente algum estatuto.
Há casos em que é obvio que não é direito de correção, outros em que é tolerado, e há uma
zona muito ampla em que é preciso perceber quando é que ainda será adequação social ou
quando é que poderá ser crime.
O Dr. Figueiredo Dias diz que o direito de correção é uma causa de justificação apenas para
pais (titulares da responsabilidade parental). Para a Dr.ª Ana Rita Alfaiate, quando há um
terceiro que exerce aqueles poderes deveres para com a criança, não está ao abrigo das
responsabilidades parentais. Mesmo para os pais, há 3 requisitos que o Dr. Figueiredo Dias
estabelece: 1
1. Moderado;
2. Proporcional;
3. Com uma finalidade educativa.

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Duas posições radicais:


 Não, é impossível porque houve uma alteração de paradigma, sobretudo depois da
convenção de direitos da criança.

 É admitido, desde que cumpridos aqueles requisitos.

Posição moderada: não pode causar uma dor psicológica, nem uma dor física, mas tem de
assinalar o momento como um comportamento a não repetir. Isto tem tradução na
jurisprudencia – análise dos acórdãos.
A jurisprudência vai-se encaminhando para a posição de que o direito de correção pode existir
desde que cumpridos os requisitos.

26/04/2022

Culpa
A noção e a função da culpa variam de autor para autor.
O que é necessário para compor o juízo de culpa?
1. Imputabilidade – precisamos de estar perante alguém imputável. Para alguns autores
é um elemento da culpa, para Figueiredo Dias é apenas um pressuposto para a
apreciação da culpa. Antes de apreciar a culpa temos de ter a certeza de que a pessoa
é imputável (+ de 16 anos, e não padecendo de nenhuma anomalia psíquica que
comprometa a avaliação da ilicitude do facto).

2. Consciência da ilicitude – tem a ver com a atitude relativamente ao direito. Critério


da consciência reta.

3. Decisão sobre sabermos se estamos perante culpa dolosa ou negligência;

4. Exigibilidade – o agente só age com culpa quando se puder dizer que lhe era
exigível um comportamento diferente. A ideia de culpa parte da liberdade de
escolha – quando alguém está condicionado, não tem liberdade, logo, não se parte
para uma ideia de culpa.
Erro sobre as proibições legais – art. 16.º/1, parte final.
Nota: no art. 16.º/1, parte final, o Dr. Figueiredo dias entende que se exclui o dolo do tipo, o
dr. Pedro Caeiro diz que se exclui o dolo da culpa (atitude interior de contrariedade em
relação ao direito). Se sair um caso de erro sobre as proibições legais, a resposta deve conter
ambas as posições. Quer se exclua o dolo do tipo ou o dolo da culpa, a consequência é a
mesma (o agente não será punido por dolo, mas fica ressalvada a possibilidade de ser punido
por negligência), mas em termos de construção é diferente.
Está associado ao facto de estarmos perante proibições relativamente às quais se tem de
conhecer por escrito a proibição em causa para perceber que tem relevo para o direito penal
(que tem um desvalor associado), são as chamadas condutas axiologicamente neutras.
Ex: crimes de perigo abstrato, crimes relativamente aos quais é difícil identificar como
fazendo parte do art. 17.º

Condutas axiologicamente relevantes – art. 17.º, CP. Ex: matar. Podemos considerar que
é censurável a pessoa dizer que não sabia que aquela conduta é proibida, ou podemos

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considerar que não é censurável. Vamos utilizar o critério da consciência reta. Posição do
Dr. Faria Costa – alguém que diz que não sabia que é proibido matar; Essas condutas
enquadram-se no erro censurável porque tem a ver com a dignidade humana. Segundo
alguns autores, o erro poderá não ser censurável no caso das injúrias (alguns
ordenamentos não consideram como sendo crime, inclusive). No n.º 1 deste artigo exclui-se a
culpa, mas no n.º 2, a pessoa já pode ser punida pelo crime doloso.

Casos práticos – erro sobre as proibições legais VS. erro sobre a ilicitude:
1) Ao longo de dois meses, Eduardo envia várias centenas de cartas de amor a Diana para a
respetiva residência, declarando-lhe por várias formas a sua paixão, e deixa milhares de
bilhetes com o mesmo conteúdo no para-brisas do seu automóvel. Diana, depois de pedir,
sem êxito, a Eduardo que parasse de praticar aqueles atos, apresenta queixa contra ele por
um crime de Perseguição (art. 154.º-A do CP) e o processo chega à fase de julgamento. Prova-
se, em tribunal, que Eduardo não sabia que a sua conduta constituía um crime. Admitindo,
para efeitos de raciocínio, que aquela conduta efetivamente integra o tipo de ilícito em causa,
analise a responsabilidade de Eduardo, problematizando a questão, mas sem deixar de se
pronunciar, fundamentadamente, sobre o sentido de solução que deve ser dado ao caso.

Resolução:
Art. 16.º/1, a conduta não tem, per si, uma relevância axiológica que permita imediatamente
perceber que aquilo é ilícito. Sendo também uma conduta recente, poderíamos fundamentar
isto como um erro sobre as proibições legais – possibilidade de exclusão do dolo (divergência
doutrinal entre Figueiredo Dias, que defende que se deve excluir o dolo do tipo; e pedro
Caeiro, que defende que se deve excluir o dolo da culpa). Se formos por esta solução, este
tipo de conduta não é punível por negligência, uma vez que não está previsto (art. 13.º). Min
41.
Se fossemos pela solução do art. 17.º, estava em causa a insistência dos comportamentos
depois de lhe ter sido pedido que parasse. Uma pessoa minimamente diligente teria
percebido que os comportamentos seriam abusivos para o destinatário. A falta de consciência
deste ilícito poderá ou não ser censurável. Baseia-se numa conduta desvaliosa do agente ou é
apenas alguém que está desatento? Em princípio, seria não censurável.

2) Quando parou o seu carro num semáforo, António, de 18 anos, foi abordado por Bruna, que
lhe propôs terem uma relação sexual no carro em que António seguia, a troco de dinheiro.
Tendo questionado Bruna sobre a sua idade, esta revelou-lhe ter 17 anos. Tendo chegado a
acordo quanto ao valor a pagar por António em troca do serviço, Bruna entrou no carro, tendo
António ido com ela para um sítio ermo, onde realizaram um ato de cópula. Por este facto,
António foi acusado da prática de um crime de recurso à prostituição de menores (art. 174.º,
n.º 2, do CP). O tribunal dá como provado que António não tinha noção de estar a agir contra
a lei. Pronuncie-se sobre a responsabilidade jurídico-penal de António, fundamentando a sua
resposta legal e doutrinalmente.

Resolução:
A prostituição não é crime, o que é crime é o recurso a menores para prostituição. Art. 17.º -
a consciência reta não parece estar acautelada, porque é mais fácil saber que se está a falar
da prática sexual com um menor do que saber que há um artigo no CP. Em princípio, seria
censurável e seria punido com a pena prevista para o crime do art. 174.º

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3) A, natural da Arábia Saudita, mas residente em Portugal desde o início do ano, espancou a
mulher, B, quando soube que esta tinha conduzido o carro de uma amiga. Acusado de um
crime de violência doméstica, A vem defender-se, alegando e provando desconhecer que cá
não se pode fazer isso, uma vez que está habituado às leis do seu país e considera que os
maridos que agem como ele só fazem bem às suas mulheres. Quid iuris?

Resolução:
Art. 17.º, erro sobre a ilicitude censurável, e haveria sempre lugar à aplicação da pena por
crime de violência doméstica. Mas no caso de ser uma pessoa vinda de outro país há pouco
tempo, poderíamos considerar ser não censuráveis.

Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra


O erro de ilicitude (de valoração) equipara-se ao erro sobre a existência ou os
limites da causa de justificação.

03/05/2022

Causas de exclusão da culpa


Inimputabilidade em relação à idade: inimputabilidade penal absoluta.
Inimputabilidade penal em razão de anomalia psíquica : não é absoluta, tem de
ser aferida em cada caso. Alguém pode ser imputável para um facto e inimputável para outro
facto. Pessoas com +16 anos que praticam um facto devido a estarem afetadas por uma
anomalia psíquica.
Se não é possível o agente perceber o facto típico ilícito e determinar-se no sentido dessa
compreensão, não temos capacidade para afirmar a sua imputabilidade.
Critério para aferir da inimputabilidade: apreciamos um elemento biopsicológico (que
não pode ser aferido por um jurista); bem como um elemento normativo (feito pelo jurista e
por médicos/psicólogos ) – ligação entre o facto de haver uma anomalia psíquica + a
necessidade de isso condicionar a vontade e a prática de um facto típico-ilícito.
Hoje em dias anomalia não é = a doença mental. Ex: consumo exagerado de estupefacientes
ou de álcool – a pessoa coloca-se num estado de inimputabilidade, mas não tem uma doença
mental. Ex: eu posso padecer de uma doença bipolar, mas isso não ser sinónimo de ter uma
anomalia psíquica para efeitos de inimputabilidade porque estou medicada e a doença está
controlada.
Do ponto de vista legal, não há uma norma que trate a anomalia psíquica como um todo. O
art. 20.º distingue as situações em que é possível pensar numa hipótese de anomalia psíquica
e por conseguinte de inimputabilidade.
Figueiredo Dias distingue neste artigo 4 hipóteses diferentes:
 O n.º 1 é a situação em que não há dúvidas de que há inimputabilidade penal (“é
inimputável”). A anomalia psíquica, no momento da prática do facto, tem de
condicionar a avaliação da ilicitude ou a capacidade de se determinar de acordo com a
avaliação.

 O n.º 2 e o n.º 3 são juntos numa categoria da imputabilidade diminuída pela maioria
dos autores (“pode ser declarado inimputável”). O n.º 3 era uma espécie de exemplo
do n.º 2, mas Figueiredo Dias veio esclarecer que não é a mesma coisa. Agora não se
fala já de inimputabilidade, mas antes de problemas associados à imputabilidade.

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 Figueiredo Dias, aos casos do n.º 2, chama imputabilidade duvidosa, porque


fica na mão do juiz decidir se aquela pessoa, relativamente à qual não há
certezas, deve ser tratada como imputável ou inimputável. Essa dúvida faz com
que seja até possível que a mesma pessoa, nas mesmas circunstâncias, olhada
por um juiz seja considerada como imputável, e olhada por outro juiz seja
considerada inimputável (porque há uma certa margem de arbitrariedade neste
preceito).

 Aos casos do n.º 3, Figueiredo Dias chama imputabilidade diminuída.


Demonstra que a pessoa tem pouca capacidade para compreender a ilicitude do
facto e para se determinar de acordo com ela (a pessoa não ser influenciada
pelas penas).

 Relativamente ao n.º 4 – é diferente do art. 295.º, CP. Em ambos se trata de uma


pessoa imputável, mas num determinado momento a pessoa pratica um facto
em estado de inimputável. Uma coisa é a pessoa ser inimputável, outra é a
pessoa estar. Se ele não é, mas está, à partida, se temos como relevância o
critério do momento da prática do facto, há um dilema – vamos tratá-lo de
acordo com a condição normal dele, ou de acordo com a sua posição no
momento em que pratica o facto? As regras do direito penal ditariam que estas
pessoas fossem consideradas como inimputáveis. Problema: as pessoas podem
estar inimputáveis em duas circunstâncias:

1) Porque quiseram estar, com o objetivo de praticar certo facto


ilícito nesse estado de inimputabilidade. Quem se coloca num estado
de inimputabilidade com o objetivo da prática de um facto típico ilícito, vai
ser tratado como previsto no art. 20.º/4 (o momento da prática do facto
inicia-se quando a pessoa começou a beber ou a consumir substâncias
para conseguir praticar o facto ilícito – fazemos uma interpretação
atualista daquilo que é o momento da prática do facto). O agente vai ser
considerado imputável, e será punido pelo crime que cometeu.
Quando é que se considera que a pessoa se colocou intencionalmente no
estado de inimputabilidade? Inclui apenas os casos de dolo intencional
ou dolo necessário – só nesses casos se aplica o art. 20.º/4.

2) Porque se coloca em estado de inimputabilidade sem ter


intenção de praticar nenhum facto típico ilícito. Quem se coloca num
estado de inimputabilidade sem o objetivo de praticar um facto típico
ilícito, vai desencadear a aplicação do art. 295.º, CP. O agente vai ser
considerado imputável para o crime de embriaguez ou intoxicação, mas a
prática do facto ilícito típico vai ser uma condição de punibilidade – o
agente é julgado como imputável pela embriaguez ou intoxicação na
condição de nesse estado de inimputabilidade ter praticado um facto típico
ilícito. Pode ser punida com uma medida de segurança pelo facto típico
ilícito que praticar, e sofrerá uma pena pela sua colocação no estado de
imputação. “Quem pelo menos por negligencia” os casos do art. 295.º
incluem os casos de negligencia e dolo eventual.

Duas formas de a pessoa se colocar inimputável: ou tomando drogas, ou


consumindo álcool (a pessoa não pode escolher ficar com esquizofrenia). O
direito opta por trata de forma diferente estas duas situações.

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Casos práticos – inimputabilidade:


1) Foi na noite de São João que, na sequência de um violento desacato numa discoteca, A
ameaçou B de morte. Este não tomou a ameaça daquele como séria e continuou, como era
seu costume, a sair à noite para se divertir, deslocando-se frequentemente sozinho. Há dois
meses, tendo-se encontrado novamente numa festa, A e B voltaram a discutir. A, conhecido
pela sua timidez, percebeu que precisava de algo que o ajudasse a libertar a sua raiva e
aceitou ingerir uma dose de LSD oferecida por um amigo. Sob efeito daquela droga, A
aproximou-se de B e, apertando-lhe o pescoço, imobilizou-o, fazendo-o, depois, cair no chão.
Quando B já se encontrava no chão, A desferiu-lhe vários murros e pontapés, que resultaram
em ofensas graves à integridade física de B, tendo ditado internamento hospitalar deste por
mais de 30 dias. Quid iuris quanto à responsabilidade penal de A?

Resolução:
Aplicação do art. 20.º/4. O agente coloca-se no estado de inimputabilidade com intenção de
praticar o facto, com dolo intencional (14.º/1). Vai ser considerado imputável. O momento da
prática do facto inicia-se quando ele se coloca no momento de inimputabilidade, porque
nesse momento ele ainda esta imputável (ele pondera e age nesse sentido). O agente vai ser
punido pelo facto que ele efetivamente praticou – ofensas à integridade física graves, art.
144.º, CP.

2) Pretendendo esquecer um desgosto muito recente, Eduardo embriaga-se completamente


e, depois de várias tentativas, consegue pôr o seu automóvel em funcionamento, dirigindo-se
para a costa porque “queria ver o mar”. Momentos depois, ziguezagueando pela rua, atropela
Flávia, que atravessava na passadeira. Flávia foi transportada para o hospital, com uma
fratura de crânio, sendo submetida a uma intervenção cirúrgica.
Pronuncie-se, fundamentadamente, sobre a responsabilidade penal de Eduardo.

Resolução:
Houve negligencia, aplica-se o 295.º, ele estava em estado de inimputabilidade. Trata-se de
um facto típico ilícito (144.º) e verifica-se assim a condição objetiva de punibilidade (art.
144.º), porque no estado de embriaguez ou intoxicação a pessoa praticou um facto típico
ilícito por isso é que se verifica a condição objetiva de punibilidade. Aplica-se uma pena de
prisão até 5 anos ou uma pena de multa até 600 dias. E se a pessoa tivesse morrido,
não seria esta uma pena leve? Nós não estamos a punir o agente pelo homicídio, mas antes
pela intoxicação. Relativamente ao facto que a pessoa realmente pratica, consideramos o
agente inimputável, logo, será aplicável uma medida de segurança.
Mas se o agente praticar uma injúria, não lhe vai ser aplicado uma pena de prisão de 5 anos
ou uma multa de 600 dias. A embriaguez ou intoxicação, só por si, não desencadeia um
processo, é preciso que a vítima do facto ilícito apresente uma queixa para que exista
procedimento criminal.
Neste caso, o agente seria punido pelo 295.º/1 pelo crime de embriaguez, com uma pena de
5 anos ou multa de 600 dias, e será punido eventualmente com uma medida de segurança
pelo facto típico ilícito (produção do resultado de ofensa à integridade física num estado de
inimputabilidade).

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Estado de necessidade desculpante


Inexigibilidade – a pessoa é inimputável, praticou um facto típico ilícito, com dolo, mas não
lhe era exigível outro comportamento. O agente não tem escolha/liberdade, logo, não é
possível afirmar a culpa jurídico-penal. Três hipóteses para a inexigibilidade.
Há determinados autores que admitem haver uma clausula geral de inimputabilidade.
Figueiredo Dias diz que apenas se vê se era exigível outro comportamento ao agente nos
casos previstos na lei (princípio da taxatividade).
Art. 35.º, que tem dois números, mas apenas o n.º 1 deste artigo funciona como causa
de exclusão da culpa. Impossibilidade de exigir um comportamento diferente, mas
sobretudo não é possível o estado de necessidade desculpante para tudo e mais alguma
coisa. O legislador limitou os bens jurídicos relativamente aos quais se admite estado de
necessidade desculpante. Uma interpretação atualista do preceito permite enquadrar mais
alguns bens jurídicos, nomeadamente a vida intrauterina, a integridade psíquica, e a
liberdade sexual.
Relativamente ao 35.º/2 – a pena pode ser excecionalmente atenuada ou excluída
excecionalmente. Há uma mera atenuação da culpa, mas não há uma exclusão da
culpa. A culpa não está em definitivo afastada (porque se coloca a possibilidade de aplicação
de uma pena, e não há pena sem culpa).

Casos práticos – Exclusão da culpa


1) Estado de necessidade desculpante
Durante uma prova de rali, A, piloto, apercebendo-se que tinha perdido os travões e não
conseguia controlar o carro, vê que está a dirigir-se contra uma árvore de grande porte,
prevendo que do embate resultará a sua morte certa. Por isso, acaba por virar violentamente
o volante, fazendo com que outro piloto se despiste e sofra lesões graves na sua integridade
física que implicaram várias intervenções cirúrgicas, das quais, no entanto, acabou por não
sair vivo. Acusado de homicídio, A vem alegar que apenas se preocupou em evitar a sua
morte. Quid iuris?

Resolução:
Se ele tivesse feito o desvio para um despiste, acautelando que provocaria apenas lesões na
integridade física, seria um caso de direito de necessidade (34.º). Quando de trata de salvar a
vida, se o que está em causa é outra vida, deixa de estar em causa direito de necessidade –
não é uma causa de justificação.
Era razoável exigir-lhe um comportamento diferente? Estamos no âmbito do 35.º/1 (causa de
exclusão da culpa). O agente praticou um facto típico e ilícito, mas não poderá ser punido
com uma pena, porque não há culpa. É mais vantajoso provar uma causa de exclusão da
ilicitude do que uma causa de exclusão da culpa. 1:20h

10/05/2022

Excesso de legitima defesa intensiva esténico


Art. 33.º/1 - não existe propriamente exclusão de culpa, quando muito pode falar-se de
uma atenuação da culpa. Serve para todas as situações em que há perturbação, medo
ou susto censuráveis, ou outros sentimentos (raiva, fúria, vingança).
Art. 33.º/2 – verdadeira causa de exclusão da culpa.

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Caso Prático:
Excesso de legítima defesa intensivo asténico
Maria sabe que todos os seus vizinhos têm sido assaltados nas últimas semanas. Por isso,
quando ontem ia a passear na rua e sentiu uma pessoa a tocar-lhe no braço, não hesitou:
levou a mão à carteira, tirou o revolver e disparou contra a pessoa. E na verdade, tratava-se
de um dos assaltantes que estavam a atuar naquela zona e que se preparava para lhe furtar
a carteira. Qual a responsabilidade penal de Maria?

Resolução:
A verdadeira exclusão da culpa apenas existe nos casos do 33.º/2. Neste caso, estamos
perante um caso de legitima defesa (agressão atual e ilicita contra interesses juridicamente
protegidos do agente ou de terceiro – estão reunidos os pressupostos da legitima defesa).
Se se tratasse não de um dos assaltantes, mas antes de uma pessoa que fosse perguntar
onde se localizava uma bomba de gasolina, aplicava-se o art. 16.º/2 (ela pensava que existia
uma agressão, mas não havia – era um erro sobre os pressupostos quanto à agressão).
Houve legitima defesa, mas também houve um excesso: como aferir da censurabilidade do
erro do art. 17.º? com base na consciência reta. Aqui é a mesma coisa, para saber se o
excesso é censurável temos de recorrer ao critério da consciência reta. No caso, este é um
excesso que resulta de medo. Será que é uma perturbação, medo ou susto censuráveis? Se
dissermos que em vez de ele querer “furtar,” o assaltante queria “roubar” já seria mais difícil
argumentar no sentido de haver excesso de reação. Neste caso, por ser um furto, é um mero
crime contra o seu património, e disparar é uma reação excessiva. Atenção aos termos
“furtar” e “roubar”!

Obediência indevida desculpante


Última causa de exclusão da culpa. Há várias interpretações para o art. 37.º. Este artigo é
aquele que só prevê uma causa da exclusão da culpa, mas há muitos pormenores na forma
como olhamos para este artigo.
 Quando se fala em “funcionário” no art. 37.º, a maioria da doutrina considera que essa
noção está limitada pelo art. 386.º do CP. Um funcionário publico (e não propriamente
um funcionário de uma empresa, mas a Dr.ª Ana Rita não concorda muito).
Se estivermos perante um funcionário que não se enquadre no 386.º e ele obedecer a
uma ordem que conduz à prática de um crime sem que isso seja evidente sobre as
circunstâncias, surge um caso de erro sobre a ilicitude (a pessoa não sabia que aquilo
que estava a fazer era ilícito – art. 17.º). Figueiredo Dias diz que o art. 37.º é um
exemplo do art. 17.º
Para este tipo de funcionários, presume-se que podem estar a agir sem culpa e cria-se
uma norma especifica, em que lhes vamos excluir a culpa quando eles não se
aperceberam que a ordem que estavam a cumprir estava a conduzir à prática de um
crime. A Dr.ª Alfaiate não concorda, porque isso seria como considerar que os
funcionários públicos estariam acima dos outros.
Quando é que não vamos excluir a culpa? É preciso que seja evidente que aquela
ordem irá conduzir à prática do crime. Só assim não iremos excluir a culpa dos
funcionários públicos referidos pelo art. 37.º e 386.º.
Como se justifica que isto seja um exemplo do art. 17.º? Se era uma ordem que
conduzia à prática do crime, e se for evidente, será um erro censurável (17.º/2). Se não
for evidente, o erro não será censurável e poderá excluir-se a culpa. É muito mais

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simples para estes funcionários dizer que como a ordem foi dada por um superior
hierárquico, presumiam que a ordem fosse lícita.

Caso Prático:
3) Obediência indevida desculpante
A, empresário de uma empresa pública, teve uma violenta discussão com um dos seus
empregados. Durante a discussão, A agrediu fisicamente o empregado B, tendo este ficado
ferido com gravidade. Em consequência, corre contra A um processo-crime por violação da
integridade física de B, seu empregado. A foi julgado no passado mês de Abril. No julgamento,
C (também empregado de A) testemunhou contra B. C testemunhou que A era um bom
patrão, muito amigo de todos e incapaz de agredir uma pessoa, muito menos um empregado,
e no dia em que os factos ocorreram A não esteve sequer na empresa. Todas estas
declarações proferidas por C eram falsas, e C sabia (e sabe) disso. Porém, C cumpriu uma
ordem de A e por isso pensou que, sendo empregado de A e estando a cumprir uma ordem, o
facto de estar a fazer declarações falsas não era crime. Quid iuris?

Resolução:
É um caso de obediência indevida desculpante, em que não se verifica o requisito de isso não
ser evidente no quadro das circunstâncias por ele representadas. É evidente. Ele pratica o
facto com dolo do facto, mas com falta de consciência da ilicitude, que neste caso será
censurável – tem como consequência a punição pelo crime doloso respetivo, eventualmente
atenuada, mas não é obrigatório que o seja. Seria punido com o art. 37.º (a contrario, porque
não se vai excluir a culpa) + 17.º/2.

Negligência
Consciente e inconsciente – art. 15.º; forma qualificada da negligencia (negligencia grosseira).
Quanto ao tipo de ilícito negligente: É preciso que o facto esteja previsto a título de
negligência, e que haja uma violação do dever objetivo de cuidado. Para além disso, deve
haver uma previsão/previsibilidade da produção de um evento não querido pelo agente, nem
pela lei, mas que acaba por consumar-se (podia ter previsto ou previu mesmo um evento
indesejado, mas que acaba por se consumar). Na negligencia nunca se pode querer aquele
resultado, caso contrário, passa a ser dolo.

Tipo de culpa negligente: atitude interior de descuido ou de leviandade em relação ao


direito (e não de contrariedade), que leva a que determinado interesse jurídico seja posto em
causa.

No quadro na negligencia há um princípio da confiança, segundo o qual eu posso agir


confiando que os outros estão a respeitar aquilo que é o dever cívico geral, exceto se essas
outras pessoas me derem sinais de que não vão respeitar o dever cívico geral. Ex: uma
pessoa vai a conduzir na autoestrada na sua faixa de rodagem. Vou confiar que não vai haver
gente a conduzir em contramão, mas se eu vir alguém a conduzir em contramão na minha
faixa de rodagem, eu tenho obrigação de me desviar, caso contrário estarei a ser negligente.
Ex: um cirurgião cardiovascular muito conceituado chega alcoolizado ao hospital, e se a
equipa médica continuar a confiar nele naquelas condições, estará a ser negligente.

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Quando é que eu sei que eu estou a ser negligente? Negligencia na assunção do risco.
Inicia-se logo no momento em ques alguém aceita desempenhar uma tarefa para a qual sabe
que não tem condições. Ex: um cego que aceita conduzir. Ele pode empenhar-se ao máximo
quando está a conduzir, mas está a ser negligente quando aceitou desempenhar uma tarefa
para a qual sabia que não tinha capacidade. Como aferir essas capacidades? Existem as
capacidades do homem médio, e à partida estamos obrigados a ter esse cuidado. Quando
temos menos capacidades do que aquelas que são as capacidades médias, estamos a ser
negligentes porque aceitámos desempenhar uma tarefa para a qual não tínhamos
capacidade. Se tivermos mais capacidade do que a média, estamos a ser negligentes se
aceitarmos desempenhar uma tarefa utilizando apenas capacidades médias.

Caso Prático:
1) Fernanda, amante de motocross, vai treinar com a sua mota para a Serra da Lousã,
arriscando-se sozinha num percurso bastante acidentado. A dado momento, perde o controlo
do motociclo e embate violentamente contra uma árvore. Alertado pelo estrondo, Geraldo,
que vive na zona, desloca-se para o local e, ao ver Fernanda inanimada no chão, arrasta-a
para a estrada, remove-lhe o capacete e procura reanimá-la. Ao proceder dessa forma,
Geraldo causa a Fernanda lesões de alguma gravidade na coluna cervical, obrigando à
realização de uma intervenção cirúrgica. Sabendo que Geraldo tem 75 anos, vive sozinho,
sem luz elétrica, em plena serra, e que não terminou a instrução primária, pronuncie-se sobre
a sua responsabilidade penal por um crime de ofensas à integridade física.

Resolução:
Do ponto de vista objetivo, há uma violação de um dever de cuidado? Sim. Não é suposto tirar
o capacete, a pessoa tem de ser mantida imóvel até chegar a ambulância.
Do ponto de vista subjetivo, o senhor não previu, mas um homem médio teria previsto
(negligência inconsciente).
Do ponto de vista da culpa, este senhor fez o que era possível dentro das suas capacidades,
ou seja, não há uma negligência da assunção do risco. Não há culpa negligente. Não era
exigível ao agente um comportamento diferente, logo, não se pode punir o agente por
negligencia. Não se pode punir o agente a título nenhum.

Caso Prático:
Por preguiça, Custódio não leva o seu automóvel à revisão há mais de três anos. Certo dia,
conduzindo em direção à praia, passou por uma povoação. Vendo que um peão atravessava a
estrada numa passadeira, tentou travar, mas o veículo não lhe obedeceu, pelo que
atropelou Daniela, causando-lhe ferimentos ligeiros. Inspecionando o carro, viu-se que o
acidente se ficou a dever ao desgaste das pastilhas dos travões. Pronuncie-se sobre a
eventual responsabilidade penal de Custódio pela ofensa à integridade física de Daniela,
justificando, legal e doutrinalmente, a sua resposta.

Resolução:
Há a violação de um dever de cuidado, por ele não ter levado o carro à revisão há mais de 3
anos. No momento em que ele ia a conduzir, não foi negligente. O problema é que os travões
já não funcionavam, ou seja, o problema está no momento em que ele assumiu o risco de
conduzir o carro sem ir à revisão – negligencia na assunção do risco.

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Caso Prático:
Camilo é neurocirurgião chefe e realiza no doente Ernesto uma operação intracraniana de
grande melindre. Encontrando-se cansado, Camilo pede a Delfina, que está no primeiro ano
da especialidade de neurocirurgia e o acompanha, que o substitua durante meia hora,
enquanto vai tomar um café e espairecer. Quando Camilo voltou à sala de operações, já não
foi a tempo de evitar a morte do paciente: Delfina pusera todo o seu empenho, mas de facto
não possuía a experiência do seu chefe e não conseguira resolver uma complicação
entretanto surgida. Refira-se, fundamentando a sua resposta, à eventual responsabilidade
de Camilo e de Delfina pela morte de Ernesto. Centre-se no problema da negligência.

Resolução:
Camilo é autor de um crime negligente por omissão relativamente ao princípio da confiança.
Omissão de um dever de vigilância.
O chefe pode confiar uma operação tão importante a uma pessoa que o acompanha? Um
estagiário não tem a mesma experiência que um cirurgião chefe, logo, há uma omissão
relativamente ao princípio da confiança.

Quanto a Delfina, há negligencia do ponto de vista da assunção do risco. Ela não tinha
capacidades para resolver todas as complicações que dali podiam advir. Homicídio por
negligencia com base no momento em que ela aceitou ficar a substituir o cirurgião, sabendo
que não tinha capacidades para assumir aquelas tarefas.

17/05/2022

Omissão
Os crimes por omissão podem ser de omissão pura (pune-se a pura omissão,
independentemente de isso ter desencadeado um resultado desvalioso – art. 200.º, a omissão
de auxílio é punida mesmo que tenha vindo outra pessoa auxiliar) ou impura.
 Crimes de omissão pura: descritos na parte especial do CP. Ex: 200.º, omissão de
auxílio; crime de violação de domicilio (190.º), quando, depois de intimada a sair, a
pessoa permanecer lá; crime de exposição ou abandono, há uma parte da doutrina que
considera que é um crime por ação porque é preciso deslocar a pessoa que vai ficar em
perigo, e a parte de abandono é um crime de omissão, porque não se retira a pessoa
da situação de perigo; Art. 284.º, recusa de médico.

O crime de omissão de auxílio pode suscitar duvidas, porque há casos de omissão


impura que são também casos de omissão pura – foi necessário encontrar um critério
para quando a mesma situação se encontra nos dois. O critério é o do concurso
aparente, vamos punir o agente pelo crime de omissão impura, na medida em
que ele exige a produção de um resultado, e é mais grave do ponto de vista
do seu desvalor, consumindo o crime de pura omissão.

 Os crimes de omissão impura reportam-se a casos em que há violação


relativamente a um certo bem jurídico (integridade física, vida, etc.) – tornam-se crimes
especiais relativamente ao crime de omissão de auxílio. Os crimes de omissão impura
são crimes de resultado. Art. 10.º, são crimes em que é preciso que haja a
imputação do resultado à omissão do omitente. É necessário que o crime esteja
previsto como crime por ação na parte especial, o omitente tem de ter alguma
obrigação de agir/o dever de garante. Estes tipos de crimes não aparecem na lei

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como crimes por omissão, mas antes como crimes por ação. São crimes de resultado e
são crimes em que é possível dizer que há a imputação desse resultado à omissão do
omitente. Há quem diga que é um crime de execução livre (e não de execução
vinculada, porque não há um processo descrito para produzir o crime).

Como fazer a imputação do resultado à omissão? Vamos prescindir da primeira teoria e


vamos partir da segunda: a teoria da adequação + a teoria da conexão do risco.
No caso da imputação do resultado à omissão, o resultado é imputado quando essa
omissão for adequada a produzir aquele resultado, ou seja, quando for normal e
previsível que dessa omissão seja previsível advir aquele resultado, segundo as regras
da experiência comum. O resultado é imputado quando se puder dizer que se o
omitente tivesse optado por fazer alguma coisa, ele poderia ter, muito provavelmente,
evitado ou diminuído a produção do resultado típico.

Como se faz a imputação do ponto de vista pratico se não há nenhuma norma que diga
que é punível o homicídio por omissão? Temos de ir ao crime por ação e juntar-lhe a
clausula de equiparação do art. 10.º, que equipara o crime por omissão ao crime
por ação.

Como saber quem tem essa obrigação de fazer alguma coisa? O art. 10.º limita o
elenco de pessoas obrigadas a fazer alguma coisa.

Fontes dos deveres jurídicos de evitar o resultado: aderimos à posição do Dr. Figueiredo
Dias:

o Teoria formal/tradicional que tinha 3 fontes: a lei, o contrato e a ingerência


(se o agente contribuiu para a situação de perigo, tem obrigação de a afastar).
Mais tarde, juntou-se o monopólio de facto –o agente é alguém bem colocado
para proteger o bem jurídico, e é quem está mais perto para ajudar.

Figueiredo Dias dividiu-os em 3 grandes grupos para além do monopólio de facto:


 o dever de assistência, que obriga ao amparo do bem jurídico;
 as situações em que tenho uma obrigação maior de afastar o perigo e devo
fazê-lo porque tenho uma posição privilegiada para assumir essa posição -
min. 41.

O facto de estar obrigada a agir, não significa que tenha de agir com o próprio
corpo. Ex: no caso de eu não saber nadar, não vou afogar-me para tentar salvar
alguém, basta chamar alguém e tentar ajudar dessa forma.

O 10.º/3 refere que a pena pode ser especialmente atenuada: a doutrina diz que o
investimento do ponto de vista da energia da pessoa é maior nos crimes por ação. Nos
crimes por omissão há uma culpa por inércia (embora também possa revelar uma culpa
muito grande, portanto é difícil justificar este n.º 3). Do ponto de vista da aplicação
pratica, o legislador não diz que temos de punir menos as pessoas que cometam
crimes por omissão, mas *podemos* punir menos – não há uma obrigatoriedade da
atenuação.

Porque se pune? Para proteção subsidiaria de bens jurídicos – o bem jurídico vida deve
ser protegido por quem o ataca e por quem não o protege.

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Nota: nunca podemos juntar o art. 10.º com o art. 200.º - o 200.º já é um crime por omissão,
e o 10.º serve para equiparar as ações às omissões. O art. 10.º é apenas para as omissões
impuras.

Casos práticos de omissão:

1) A costuma sair à noite. Há cerca de um mês, estando a regressar a casa, cerca das 5h da
manhã, apercebe-se da presença de um carro caído numa ravina e do choro de uma pessoa.
Cansado, decide prosseguir o seu caminho e ir dormir. No dia seguinte, ouve no telejornal que
B, condutor do veículo que caíra na ravina, acabou por ser encontrado apenas cerca das 8h,
tendo sido ainda transportado para o hospital, mas tendo acabado por falecer. Supondo que
não existia mais ninguém no local quando A se apercebeu do acidente de B e que o resultado
da autópsia vem a comprovar que se B tivesse sido socorrido mais cedo, teria sobrevivido,
refira-se à responsabilidade penal de A neste caso, fundamentando legal e doutrinalmente a
sua resposta.

Resolução:
Crime de homicídio – 131.º + art. 10.º, mas é preciso que o agente esteja investido num
dever de garante (monopólio de facto). Há um concurso do 200.º/1 e do 131.º, mas a omissão
impura consome a omissão pura. Quanto mais se alarga as fontes do dever de garante,
menos espaço fica para se punir por omissão de auxílio. Pune-se o agente com base no
131.º+ 10.º.

2) Quando parou o seu carro num semáforo, António, de 18 anos, foi abordado por Bruna, que
lhe propôs terem uma relação sexual no carro em que António seguia, a troco de dinheiro.
Tendo chegado a acordo quanto ao valor a pagar por António em troca do serviço, Bruna
entrou no carro, tendo António ido com ela para um sítio ermo, onde realizaram um ato de
cópula. Logo após Bruna ter saído do carro de António, este apercebeu-se de que ela lhe
subtraiu o seu telemóvel. Vendo que Bruna se preparava entrar num bosque, onde seria
quase impossível apanhá-la, António disparou sobre ela, atingindo-a numa perna, com o
intuito de impedir que fugisse com o telemóvel. Embora tendo visto que Bruna sangrava
abundantemente e não tivesse consigo qualquer meio para pedir auxílio, António, depois de
recuperar o seu telemóvel, abandonou Bruna à sua sorte, tendo ela acabado por morrer.
Tendo-se demonstrado que Bruna poderia ter sobrevivido se tivesse sido chamada uma
equipa de emergência médica, poderia António responder por homicídio (art. 131.º do CP)?

Resolução:
Situação de excesso de legitima defesa – dar um tiro para proteger o telemóvel. Há fonte do
dever de garante? Ingerência - quem provocou a morte foi ele, logo, ele estava investido da
posição de garante. Vai ser punido pelo 131.º+ 10.º

3) Artur, vigilante da secção de escultura de um museu nacional, abandona sem mais o seu
posto, depois de um telefonema em que o avisam de que o seu velho automóvel está a
começar a arder. Vai dizendo em voz baixa: «Quero lá saber destas obras de arte! As minhas
coisas estão em primeiro lugar!» Aproveitando a ausência de Artur, um visitante destrói todas
as peças do grupo escultórico mais valioso da colecção exposta. Em tribunal, Artur defende-se
dizendo que, na verdade, na altura em que saiu, já se encontrava fora do seu horário de
trabalho. O colega que faria o turno de vigilância seguinte deveria ter chegado há cinco
minutos.

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Resolução:
A fonte do dever de garante é o contrato, mas há que flexibilizar esse contrato com a relação
fáctica de confiança. O contrato + a relação fáctica de confiança permite flexibilizar esse
contrato. O facto em si é o dano por omissão – art. 213.º + 10.º

4) A, proprietário de um carrossel, permanece ao pé do mesmo, vendendo bilhetes e ativando


o botão de ligar e desligar. De repente, vê que B, que se encontra a andar numa das cadeiras
giratórias do carrossel, cai e fica com o relógio preso no maquinismo que faz girar a cadeira. A
mantém o carrossel em funcionamento. No fim, B sai do carrossel com graves ferimentos num
braço. Quid iuris?
Resolução:
Ofensas à integridade física por omissão. Existe o dever de garante? Sim, ele tem um dever
de garante, ligado à diminuição da fonte de perigo, bastando para isso clicar no botão para o
carrossel parar – art. 144.º + 10.º

5) Após um violento terramoto que destruiu toda a aldeia, A resolveu ir para a rua. Enquanto
vagueava pelas ruas viu várias pessoas no meio dos escombros que lhe pediram ajuda.
Porém, indiferente a tudo o que observava, A nem sequer socorreu B. Provou-se que se A
tivesse de imediato tirado B dos escombros (o que era fácil atenta a situação em que B se
encontrava), B teria sobrevivido apenas com pequenas lesões nas pernas. No entanto, B
morreu. Poderá A ser responsabilizado pela morte de B?
Resolução:
A existir responsabilidade penal, será apenas por omissão de auxílio – art. 200.º. Essa
responsabilidade seria pelo que aparece no caso prático entre parenteses.

Caso Prático:
6) No passado domingo, A, monitor de um campo de férias sénior, passeava à beira-mar na
Figueira da Foz quando se apercebeu que B, no mar, pedia socorro. B era um dos idosos desse
mesmo campo e que tinha ido para a praia com o restante grupo e com monitores, entre os
quais A. A bandeira estava vermelha e o mar estava revolto. A continuou o seu passeio, sem
nada fazer. B acaba por morrer.
a) Quid iuris?
b) Quid iuris, supondo que A vem alegar não se ter apercebido tratar-se de um dos idosos do
seu grupo?
c) Quid iuris, supondo que A vem alegar que, embora tendo-se apercebido que se tratava de
um dos idosos do seu grupo, não imaginou ter obrigação de o ajudar quando, livremente, B
decidiu entrar no mar perigoso?

Resolução:
a) omissão impura, a fonte é a função de guarda e assistência, ou seja, havia um ato a
assumir pelo obrigado – art. 131.º + 10.º
b) é homicídio por omissão, é um erro intelectual, ou seja, é um erro sobre os pressupostos do
dever de garante. É um erro de conhecimento quanto a um dos elementos da factualidade

Descarregado por Sara L (saralobo14@gmail.com)


lOMoARcPSD|18411719

típica – art. 16.º/1. Vamos excluir o dolo do tipo. E agora sim, podemos punir o agente por
negligencia, pelo art. 16.º/3.
c) erro sobre ilicitude censurável, punível por homicídio por omissão.

Descarregado por Sara L (saralobo14@gmail.com)

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