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ILICITUDE E CAUSAS DE EXCLUSÃO

NOÇÕES GERAIS
ILICITUDE: contrariedade à ordem jurídica tomada no seu todo ou antinormatividade.

® A ilicitude penal tem sempre uma dicotomia: desvalor da ação + desvalor do resultado.
o Os comportamentos ilícitos, para serem ilícitos têm que comportar o desvalor da ação (ideia de que as condutas praticadas têm que se desvaliosas,
temos que ter ou uma ação proibida ou uma omissão da ação imposta ou devida).
o Para além do desvalor da ação, temos também o desvalor do resultado (é desvaliosa tanto a ação de matar como a morte - desvalor do resultado).

As causas de exclusão intervêm como uma redefinição do valor de um facto inicialmente desvalioso. O objetivo destas é tornar o facto lícito/permitido, o que significa
que uma causa de justificação do facto não é uma mera delimitação negativo do desvalor da ação e do desvalor do resultado, mas em princípio uma compensação ou
neutralização da lesão do bem jurídico protegido pela norma, através da realização de um outro bem ou interesse que suscita uma razão específica para não proibir uma
conduta típica.

CAUSAS DE EXCLUSÃO DA ILICITUDE


• MFP: a legítima defesa é um problema de colisão de direitos, partindo da premissa de uma ordem de bens jurídicos de valor diferenciado,
o que significa que o defendente só pode atuar sobre os bens jurídicos do agressor, já que só o agressor está a atacar o defendente - o
agente só pode bulir com os bens jurídicos do próprio agressor.
o O defendente nunca atua em legítima defesa contra um terceiro que nada tem a ver com a violação do direito.
o A atuação ao abrigo da causa de justificação abarca condutas por ação ou por omissão, dolosas ou negligentes e não tem
necessariamente que existir ilicitude penal do agressor, basta que a sua conduta considerar globalmente seja ilícita (contrária à ordem
LEGÍTIMA jurídica e não necessariamente contrária ao direito penal).
DEFESA • Pressupostos: condições anteriores para que se possa considerar a existência de legítima defesa -> AFASTA DESVALOR DO RESULTADO
o Agressão atual e ilícita:
§ Não há necessidade da defesa quando é o próprio agente a provocar a ameaça (MFP analise neste pressuposto).
§ Ameaça derivada de um comportamento humano a um bem juridicamente protegido. Exige-se que esta conduta seja
voluntária.
• Se a agressão resultar de uma animal, das duas uma: 1) instrumentalização deste pelo agente; 2) omissão impura
(análise dos deveres de garante). Fora destes casos, não há lugar a legítima defesa.
§ Atualidade da agressão, ou seja, exige-se que as agressões sejam atuais (iminentes) - ja se iniciou ou ainda persiste a sua
execução. Será iminente quando bem jurídico já se encontra imediatamente ameaçado. De acordo com MFP: raciocínio
próximo da tentativa (art. 22º).
• Alguns autores - teoria da defesa eficaz: a agressão já seria atual no momento em que se soubesse que ela viria a
ter lugar se o adiamento da reação para o momento em que ela fosse iminente tornasse a resposta impossível ou se
ela fosse possível mediante um grave endurecimento dos meios.
• FD: rejeita esta tese, pois considera que alarga excessivamente o conceito de atualidade; em termos político-penais
pode inclusive levar a formas privadas de defesa em substituição da atuação das autoridades policiais competentes,
a quem pertence intervir nestas situações.
o Assim, não se deve considerar, nestes casos, a existência de legítima defesa.
o No limite, seria admissível a hipótese de direito de necessidade, art. 34º, através da figura do direito de
necessidade defensivo (verificação das condições - uma delas é a impossibilidade ou ineficácia de uma
intervenção policial).
• Excesso extensivo: a agressão prolonga-se para lá da ameaça. Quando termina a atualidade, considera-se que o
momento de referência é a consumação da ação (recorrer ao tipo).
§ Os interesses/bem do ameaçado deve ser juridicamente protegido do agente ou de terceiro: neste caso seria, uma vez que
estamos a falar do bem jurídico vida.
§ A ilicitude da agressão. Não há necessidade de ser uma conduta culposa.
o Agressão contra interesses juridicamente protegidos do agente ou terceiro.
• Requisitos: diz respeito à forma como a legítima defesa deve ser exercida -> AFASTA DESVALOR DA AÇÃO
o Necessidade do meio: o agente utilizou um meio idôneo? De entre os meios de defesa: utilizou o meio menos gravoso? De acordo
com um juízo ex ante de prógnose póstuma, tendo em conta os meios que o agente tinha à sua disponibilidade. Princípio da
proporcionalidade.
§ FD entende que o p. da proporcionalidade não reentra. Não são elementos a fuga e a possibilidade de chamar as
autoridades.
§ MFP entende que se estivermos perante bens jurídicos nucleares, fundamentais, aqueles que compõe o núcleo da dignidade
da pessoa humana a defesa não tem uma limitação (princípio da insuportabilidade da defesa: vida, ofensas à integridade
física grave, liberdade). Só fora destes casos é que entra o princípio da proporcionalidade.
• Aplicação do art. 2º e interpretação baseada na CRP: em alguns casos, não faz sentido lesar um bem jurídico
alheio;
• Exemplo: no pensamento de MFP, se o agente tivesse disparado para matar o cão, ainda existiria legítima defesa.
o Necessidade da defesa **: o agente precisa de se defender ou pode chamar as autoridades ou pode fugir?
§ Prof MFP entende que a possibilidade de chamar as autoridades é um elemento implícito.
§ Não há necessidade da defesa quando é o próprio agente a provocar a ameaça (Figueiredo Dias analise no âmbito da
necessidade da defesa).
§ FUGA: não é uma defesa (logo, não entra na balança); é algo de desonroso, não se podendo obrigar o agente a fazê-lo
(jurisprudência);
o Conhecimento da situação defensiva (não exige animus defendendi).
§ O animus é irrelevante e hoje rejeita-se um plus de co-motivação de defesa – levaria a uma conotação da ilicitude que se
aproximaria de forma excessiva ao direito penal do agente.
§ Ao agente basta o conhecimento dos pressupostos! Se não conhecer dos pressupostos, mas ainda assim estes se
verificarem no caso concreto > aplicação do art. 38º/4 por analogia in bonam partem **** – punido pela tentativa.
• Discute-se: agente é punido por tentativa? Nesse caso é sempre punido com a pena da tentativa (apenas é feita a
redução) – e não é este o bom entendimento. Deve punir-se de acordo com o regime da tentativa: regra geral art
23º/1 (regra geral, a tentativa é punível – exigindo-se a verificação dos pressupostos).
• FALTA DE PRESSUPOSTOS: há desvalor do resultado e a conduta é ilícita. O mesmo vale para o caso de o agente estar em erro *** e
julgar que os pressupostos estão verificados; a conduta não deixa de ser ilícita, simplesmente não dolo da culpa (art. 16º/2).
• FALTA DE REQUISITOS: há excesso de legítima defesa e a conduta é ilícita. Art. 33º.

• Pressupostos:
o Perigo atual;
o Perigo que ameace interesses juridicamente protegidos do agente ou de terceiro;
o Modo de criação do perigo - não pode ser criado pelo agente - al. a), a menos que seja para proteger os interesses de terceiro.
• Requisitos:
o Adequação do meio;
o Superioridade do interesse (al. b));
o Sacrifício razoável - cláusula de razoabilidade (al. c));
DIREITO DE o Conhecimento da situação perigosa: é necessário que o agente conheça os pressupostos da causa de justificação e tenha
NECESSIDADE consciência;
o Não exige animus salvandi.
• Relativamente, em concreto, às alíneas do art. 34º.
o Na al. c) seria a suportabilidade da agressão por parte do lesado;
§ MFP discorda desta interpretação;
o Na al. b) a sensível superioridade dos interesses não implica uma comparação em abstrato e que esteja fixada através de critérios
padrão (não se trata de uma verificação/comparação quantitativa). Entende que a ponderação é feita caso a caso e com os
contornos do mesmo. Podemos estar perante dois bens jurídicos iguais e um ser superior no caso concreto;
§ Exemplo do salário mínimo vs. óculos caros. Não é um juízo objetivo mas subjetivo;
o Na al. c), temos uma cláusula de limitação pela dignidade humana. O núcleo duro da dignidade humana (vida, integridade física na
aceção mais grave e certas esferas de liberdade fazem parte deste núcleo duro) nunca pode ser posto em causa, sob pena de
estarmos a instrumentalizar a pessoa.

• O conflito só é autêntico quando colidem distintos deveres de ação, dos quais só um pode ser cumprido.
• Exemplo: Um pai vê dois filhos em risco de se afogarem e apenas pode salvar um deles.
• Requisitos específicos do conflito de deveres
o O valor do dever cumprido deve ser pelo menos igual ao valor do dever sacrificado.
o O agente tem de ter cumprido um dos deveres.
o O agente deve ter ponderado corretamente qual o interesse mais relevante.
o Ponderação em caso de gravidade: exemplo, prevalece o dever relativamente à pessoa que está em maior perigo de vida.
o Ponderação, igualmente, dos deveres de garante: prevalece o dever que implica o cumprimento de um dever de garante (caso
CONFLITO DE
DEVERES de socorrer o filho e socorrer alguém desconhecido).
• Conflitos meramente aparentes
o Ficam de fora os casos em que o conflito se dá entre um dever de ação e um dever de omissão. Não se aplica o 36º/1/1ªp, mas sim
o 34º, porque na verdade é uma colisão de interesses.
§ O agulheiro da estação vê que um comboio segue descontrolado numa das vias em que estão várias pessoas. Na outra
via só está um trabalhador da estação. O agulheiro tem um conflito entre um dever de ação (salvar vários) e um dever de
omissão (matar um).
o Nestas situações, o agente não pode transferir o perigo daqueles que já estão sujeitos ao perigo para alguém que não está em perigo.
Os deveres de omissão sobrepõem-se aos valores de ação, mesmo quando os bens sejam idênticos.

CASOS DE EXCESSO DE LEGÍTIMA DEFESA – TRÊS TIPOS


® Excesso extensivo: há legítima defesa mas não há atualidade. Deixa de haver ameaça de agressão. É um excesso extensivo. Problema de saber se se pode aplicar
o art. 33º por analogia – entende-se que sim. De outra forma, a atuação seria ilícita, seria punido sem possibilidade de atenuação.
® Excesso intensivo: caso de excesso de meios.
® Excesso de defesa (requisito da necessidade da defesa): explicado supra.

** O CRITÉRIO DA NECESSIDADE DE DEFESA – JUSTIFICAÇÃO E FUNCIONAMENTO


® Doutrina dos limites ético-sociais: situações em que faz sentido limitar a LD – de que é apologista o Prof. FD (p.e.: caso em que o agressor é inimputável).
® MFP não segue esta teoria – a fuga não seria uma solução; o que estará em causa é, em algumas situações, a necessidade da defesa. Não é um problema de
proporcionalidade. Falha a necessidade da defesa:
• Há sempre necessidade da defesa quando se esteja a defender o núcleo essencial da dignidade da pessoa humana (só enquadra bens pessoais – vida, integridade
física) – há sempre necessidade defesa desde que haja necessidade dos meios;
• Quando se está a defender um bem que não cabe neste núcleo (cuidado com o salário – pode caber no primeiro grupo), à partida, posso matar, só que pode
existir uma desproporção brutal – não é admissível à luz da Convenção Europeia dos Direitos Humanos (art. 8º CRP e 2º/a) Convenção Europeia dos Direitos
do Homem) -> não pode ser assim de forma ilimitada; não faz sentido também à luz do fundamento da legítima defesa -> embora haja direito à legítima defesa,
há um problema de necessidade de defesa, razão pela qual não há necessidade de meios (exige-se uma moderação) > se não for moderada, não se pode
deixar o agressor numa situação de completa não defesa > insuportabilidade da defesa podendo o agressor defender-se).
o Dois efeitos: possibilidade de defesa pelo agressor (pode usar da legítima defesa contra o “primeiro defendido”); excesso extensivo de defesa (art. 33º);

*** O ERRO SOBRE OS PRESSUPOSTOS DA LEGÍTIMA DEFESA


® Embora objetivamente não há legitima defesa -> subjetivamente há!
® Problema: o art. 16º/2 remete para o nº1.
o Eduardo Correia defendia a exclusão do dolo do tipo (representa mal a factualidade típica e não chega a agir conforme ao direito, embora considere que
sim). Similitude às situações de erro no contexto da imputação subjetiva que justifica a aplicação.
o Welzel (teoria da culpa rigorosa): matar um homem não é o mesmo do que matar uma mosca. Aquele que mata porque está em legítima defesa não pode
ser considerado o mesmo do que aquele que mata porque quer. Não há nenhum problema de tipicidade > há um problema de culpa.
§ Se houver censurabilidade: há culpa.
§ Se não houver: não há culpa.
® Atualmente – doutrina maioritária defende a teoria limitada da culpa (Stratenwerth, Figueiredo Dias, Maria Fernanda Palma):
o Art. 16º CP: teoria limitada da culpa. Não é um mero problema de culpa, mas também não é um problema de dolo do tipo. O agente sabe que está a praticar
o facto típico.
o Estes autores entendem que faz sentido a remissão para o nº1 – o que se exclui é, assim, o dolo da culpa.
o O agente só poderá ser punido a título de negligência. Verificar se os requisitos da punição por negligência estão cumpridos.

**** A FALTA DO ELEMENTO SUBJETIVO – EXPLICAÇÃO DA LÓGICA


® Problema: se a ilicitude comporta elementos subjetivos e objetivos, então, faltando o elemento subjetivo, não há legítima defesa – o agente deve ser
punido por crime consumado.
o Esta solução seria extremamente injusta: na realidade, acabou por salvar uma pessoa (porque, objetivamente, há legítima defesa) > há
desvalor da ação, mas não há desvalor do resultado (o resultado foi bom).
o Também na tentativa há desvalor da ação e não há desvalor do resultado (art. 38º/4) – aplicação analógica in bonam partem.
A LEGÍTIMA DEFESA E A AUTORIDADE PÚBLICA – PROBLEMAS
® Problema: saber se a autoridade pública exercer uma verdadeira legítima defesa ou apenas se limita a cumprir deveres quando responde a agressões;
o Contextualização necessária: a atuação da autoridade pública orienta-se por uma função específica de administração, com os limites e critérios
de proporcionalidade na utilização de meios e a adequação da ação aos fins e competência atribuídos pela Constituição e pela Lei;
® Doutrina alemão: entendem que há uma contradição nomológica nas situações em que as leis de alguns Estados da Alemanha estipulam que os
direitos de defesa policial não prejudicam a invocação da legítima defesa, assumindo um concurso verdadeiro ideal de normas.
® Maria Fernanda Palma: discorda da posição da doutrina alemã;
o Fundamento: entende que o “núcleo” da legítima defesa não contende com a atuação no cumprimento dos deveres em causa, afinal, a
instrumentalização da Ordem Jurídica à proteção de direitos fundamentais, o entendimento do Direito como ordem de bens jurídicos
organizados em função da essencial e igual dignidade da pessoa humana e a exigência de necessidade, adequação e proporcionalidade
constituem, simultaneamente, limites ao cumprimentos dos deveres pela autoridade pública e limites da legítima defesa.
o Base do problema: Decreto Lei 457/99 de 5 de novembro – regula a utilização de armas de fogo em geral e os critério referentes à utilidade
de armas de foto contra pessoas pela autoridade policial.
§ Entre as normas que regulam a legítima defesa e o decreto lei em causa há uma relação de especialidade, na medida em que se
estabelece, com clareza, a prevalência do segundo em detrimento das primeiras.
§ Não obstante, tal relação de prevalência não significa uma relação de incompatibilidade.
§ Consequências de se estabelecer a incompatibilidade: uma vez que as normas de utilização de armas de foto contra pessoas são
muitíssimo restritas, não cobrindo todas as situações de legítima defesa, não se permitir, ao negar-se a legítima defesa a autoridades
policiais, que agentes da autoridade se defendessem contra ofensas insuportáveis de bens jurídicos que atingem a dignididade pessoal
dos agentes ou de terceiros (crimes graves contra a liberdade , a liberdade sexual, lesões de bens comunitários que se repercutem na
vida social – crimes de perigo comum, contra a segurança dos transportes ou terrorismo).
• Em última análise: uma redução desigual e contraditória da legítima defesa e uma ampliação perigosa do ilícito na atividade
policial > uma tutela injustificada de condutas criminosas.
o Solução proposta pela Professor: sob pena de inconstitucionalidade do diploma, é necessário fazer uma interpretação conforme à CRP
(art. 80º/3 da Lei do TC).
§ Criar um regime harmonizador: tendo por base a insuportabilidade da não defesa em situações não abrangidas pela excecionalidade
do diploma.
§ Problema da inutilidade do diploma, a que a Prof. responde: o regime tem uma dimensão procedimental e densificadora das legis
artis da polícia no uso de armas de fogo, que o torna especial sem restringir o âmbito da legítima defesa, até porque transforma meros
direitos em deveres de defesa.

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