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| 2019/20
ILICITUDE
1. Noção
Coloca-se, neste ponto, a questão de saber se os factos, embora típicos (como ofensas
corporais, desobediência e até sequestro) são efetivamente contrários à ordem jurídica
no seu conjunto ou se, de algum modo, são permitidos.
A exclusão da ilicitude pressupõe que uma razão válida para o direito, através de um
critério normativo explícito (como o que preside à legítima defesa) ou mesmo uma razão
de princípio geral (ex.: uma liberdade fundamental como a liberdade de consciência ou a
liberdade religiosa), possa comprimir ou superar a norma incriminadora → Há uma
lógica subjacente de ponderação de valores.
2. Erro
• Erro sobre uma situação justificante (art. 16º/2 CP) – Exclui o dolo da culpa1.
Se o agente pensa que alguém o vai agredir e não é verdade; o agente não tem a
seu favor uma causa de justificação (não podemos afetar os direitos de defesa de
terceiros – porque o facto de não ser verdade, impede que redefinamos de forma
objetiva o valor daquele comportamento, descaracterizando-o como uma ofensa
corporal para o vir a considerar uma legítima defesa).
• Erro sobre o conteúdo da causa de justificação (art. 17º CP) – Este é um erro
sobre a ilicitude → Exclui a culpa.
Ex.: O agente pensa que pode exercer a legítima defesa quando a agressão ainda
não se iniciou.
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A este propósito, podem ser enunciadas três teorias:
➔ Teoria do dolo – A consciência da ilicitude integra o dolo do tipo (isto pressupõe uma conceção
da tipicidade não meramente descritiva. Assim, a consequência dessa falta de consciência (erro
sobre a causa justificante) excluirá o dolo do tipo.
➔ Teoria da culpa estrita (Welzel) – A questão da consciência da ilicitude é um mero problema de
culpa, não podendo nunca excluir o dolo, visto que este está completo com a consciência dos
elementos essenciais da factualidade e o preenchimento do elemento volitivo.
➔ Teoria da culpa limitada – É verdade que este é um problema de culpa, mas, por um lado, há
situações em que o erro é também do tipo (se admitirmos a necessidade de conhecimento sobre
elementos negativos do tipo) e, por outro lado, mesmo que o não seja, parece que devemos
equipará-lo, no que toca às suas consequências, a um erro do tipo → Isto, porque do ponto de
vista do merecimento político-penal, este agente não deve ser tratado como um agente doloso,
estando mais próximo de um agente negligente → não se exclui o dolo do tipo, mas não se pune
com base neste. Exclui-se o dolo da culpa, ficando ressalvada a punibilidade da negligência.
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4. Causas de justificação
4.1. Legítima defesa (art. 32º CP)
Fundamento
Esta questão é muito discutida. Há duas posições extremas:
▪ Perspetiva supra-individualista (tese de origem germânica): A legítima
defesa fundamenta-se na defesa da ordem contra o injusto ou o ilícito. O
direito nunca deve sujeitar-se ao ilícito. Assim, qualquer que seja a
agressão, mesmo que diminuta, há sempre autorização para defender os
bens, interesses e direitos ameaçados (mesmo que seja à custa dos direitos
mais relevantes do próprio agressor).
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▪ Mas o que foi dito, também não exclui que bens coletivos ou comunitários
sejam contemplados nesta proteção jurídica, como defende a perspetiva
individualista.
Esta ideia de referir a legítima defesa a uma ordem de bens jurídicos encimada
pelos relacionados com a igual essencial dignidade da pessoa humana não conduz,
no entanto, à adoção de um critério de proporcionalidade na legítima defesa. Isto
é, não conduz a que a legítima defesa tenha como requisito de legitimidade um
balanceamento (proporcionalidade) entre os bens do defendente e os bens do
agressor, em que só poderia haver legítima defesa se os bens do defendente fossem
superiores ao do agressor.
O que devemos concluir é que há um limite da aceitabilidade da legítima defesa
que depende de ser ou não suportável para o defendente a não-defesa. Quando
estão em causa valores daquela ordem da dignidade da pessoa humana, não
poderemos nunca exigir ao defendente que suporte a agressão, mesmo que, para
se defender, tenha de pôr em causa a vida do agressor.
A legítima defesa exerce-se dentro do limite dos requisitos de legitimidade (de
acordo com o seu fundamento) quando o defendente esteja a defender bens cuja
não-defesa não seja suportável. Não é uma perspetiva de proporcionalidade, é
mais uma perspetiva de não-desproporcionalidade (no sentido de que nunca será
desproporcional atingir até a vida do agressor quando estiverem em causa bens
cuja não-defesa seria intolerável, porque estão relacionados com o núcleo da
dignidade da pessoa humana).
• Legítima defesa limitada – MFP também não conclui que fora do âmbito
daqueles bens cuja não-defesa é insuportável não haja legítima defesa;
simplesmente, a legítima defesa terá de ter uma moderação diferente
(ainda que o bem do defendente não tenha de ser, necessariamente,
superior ao do agressor → o que não pode acontecer é o defendente atingir
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Pressuposto
O pressuposto da legítima defesa é a agressão atual e ilícita dos interesses
juridicamente protegidos do agente ou de terceiro (art. 32º CP).
(2) Ilicitude – Não pode o agressor ter a seu favor qualquer causa de justificação4.
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Ex.: Para proteger a propriedade de um ladrão de fruta, pode agredir-se de alguma forma o ladrão, mas
nunca ao ponto de pôr em causa os bens essenciais, associados à vida ou à ofensa grave à integridade
física.
Nota: Também é verdade que quando se trate de uma agressão ilícita relativamente a bens patrimoniais,
mas que tenham uma repercussão nas condições existenciais da pessoa (exs.: a reforma do idoso, a
cadeira de rodas do paralítico), já não nos encontramos no patamar de uma legítima defesa limitada tout
court, passando para o nível de uma legítima defesa ilimitada.
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FD: Este comportamento pode ser ativo ou omissivo (quer por omissão impura quer por omissão pura).
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Não tem de ser, necessariamente, um ilícito penal.
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Um indício será já existirem atos de execução (art. 22º). FD admite, contudo, que já haja agressão antes
disso, quando o bem jurídico estiver a ser imediatamente ameaçado.
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Daí que a conceção individualista dificilmente se articularia com o CP.
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Depois, entre os vários meios idóneos (se existirem) tem de ser sempre
escolhido o meio menos gravoso para o agressor, sob pena de haver
excesso de legítima defesa (ex.: recurso às forças de autoridade em tempo
útil; disparar para o ar em vez de disparar sobre o agressor).
➢ Isto não obriga, contudo, o defendente a usar meios menos gravosos
que não se afigurem efetivamente seguros ou eficazes para repelir a
agressão ou que não o sejam sem implicar um risco para a sua
própria vida ou integridade física.
➢ Necessidade da defesa
MFP acrescenta este requisito e explica o porquê disso não se traduzir
numa redução teleológica incriminadora (logo, proibida) do preceito do
art. 32º CP.
Para MFP, a questão deve ser colocada noutros termos, de acordo com o
fundamento da legítima defesa. Como a legítima defesa vai permitir a
intervenção nos direitos do próprio agressor, também aqui há um
problema de delimitação de direitos entre o agressor e o defendente
que deve ser contemplada.
▪ Há situações em que a pessoa, evitando defender-se, não consegue
realizar os seus direitos – aí nunca se pode impor um dever de evitar
a defesa.
Ex.: não se pode impor que alguém não passe numa determinada
rua ou não entre num determinado estabelecimento, porque alguém
o ameaçou; embora isso evitasse a defesa, o que é certo é que se
estaria a limitar o seu direito de deslocação.
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MFP faz esta distinção. O CP apenas fala da necessidade do meio escolhido para repelir a agressão.
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Ex.: Uma pessoa todas as noites vai espreitar a vítima para poder
observar a sua vida conjugal.
É claro que a pessoa não tem de suportar esta agressão à sua
intimidade e tem de escolher o meio menos gravoso para o agressor,
como agarrá-lo e expulsá-lo.
A verdade é que também podemos fazer uma ponderação na
perspetiva da necessidade da defesa – o agente pode evitar a
agressão apagando a luz. É claro que a pessoa tem o direito de ter a
luz acesa e de estar em casa como quer, mas esta é uma restrição
mínima de um aspeto instrumental do exercício da sua intimidade
que poderá ser uma forma de evitar a defesa (o que seria aqui
exigível).
Elemento subjetivo
O elemento subjetivo aqui é extraído da própria definição legal de legítima defesa
quando se diz que “constitui legítima defesa o facto praticado como meio
necessário para repelir a agressão”.
Isto significa que tem, pelo menos, de existir consciência da situação
justificante.
O que se debate é se, para além disso, é necessário haver um animus defendendi.
FD: Responde negativamente: basta a consciência.
Já referimos que, numa situação em que o próprio agente provoca a agressão para
se poder colocar numa posição de legítima defesa, não há uma correspondência
entre o comportamento do agente e o repelir de uma agressão.
Fundamento
Muitas vezes, a doutrina considera que o fundamento do direito de necessidade é
o dever de solidariedade, mas temos de ir mais fundo nesta ideia. Podemos aceitar
que haja aqui sempre uma perspetiva de dever de solidariedade, mas não apenas
em termos de conceções ético-sociais.
O verdadeiro fundamento do direito de necessidade tem a ver com a mesma ideia
da legítima defesa de uma ordem jurídica hierarquizada, constituída por
diferentes bens, interesses e direitos, com valores diferenciados e à cabeça dos
quais está o núcleo de interesses, direitos e bens associados à igual essencial
dignidade da pessoa humana.
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Pressuposto
O pressuposto é uma situação de necessidade: a verificação de um perigo atual
que ameace interesses juridicamente protegidos do agente ou de terceiro que
só possa ser afastado se outro bem jurídico for lesado.
(1) Perigo que ameaça o bem jurídico – Tem de ser um perigo objetivo e os
bens jurídicos podem ser próprios ou alheios.
Os bens podem ser de titularidade individual ou coletiva (ex.: subtrair a
chave de um carro de uma pessoa que está embriagada para a impedir de
conduzir; não se está a proteger um bem de titularidade individual, mas
coletiva – a segurança rodoviária)9.
(2) Atualidade – Aqui é mais alargada do que na legítima defesa (o perigo é atual,
mesmo que ainda não seja iminente). O perigo é um estado cujo
desenvolvimento faz temer seriamente um dano se não se tomarem
imediatamente medidas de proteção.
(3) Situação de perigo que não seja provocada pelo necessitado quanto aos
seus próprios bens e interesses (34º/a)10. Pode ser por ele provocada quando
se vise proteger bens de terceiro.
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Quando estamos no terreno da mera situação subjetiva de conflito existencial, mas em que não
consigamos fazer esta diferenciação de valor a favor do necessitado, poderemos estar no território de um
estado de necessidade desculpante (art. 35º). Note-se que, nestes casos, o estado de necessidade
desculpante (subjetivo) não impede que contra essa atuação seja exercida a legítima defesa (porque não
deixa de ser ilícita).
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Nota 1: O direito de necessidade admite a lesão de bens pessoais, mas, admitindo-o, o que se pergunta
é se a vida, por exemplo, pode ser sacrificada em direito de necessidade. Não poderá por força das alíneas
b) e c) do art. 34º, mesmo que se esteja perante uma situação de vida contra vida.
Nota 2: Os bens têm de suportar interesses juridicamente sustentáveis – isto quer dizer que, por
exemplo, se o bem já foi abandonado pelo seu titular, o mesmo já não sustenta interesses que sejam
juridicamente relevantes; o mesmo argumento pode ser utilizado nas situações em que há uma
desvalorização do bem por força da situação em que o agente se encontra (ex.: a liberdade do
condenado).
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FD: Aqui, não basta que tenha sido por causa de uma conduta do agente que se tenha visto numa
situação de necessidade. É necessário que ele se tenha colocado intencionalmente nessa situação para
poder agir ao abrigo de uma causa de justificação.
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(4) Necessidade da ação – o perigo não pode ser removível senão à custa da lesão
de um interesse de outrem.
Isto quer também quer dizer que tem de ser reconhecível, ex ante, para
uma pessoa média, que aquela ação é o meio mais seguro e menos gravoso
para proteger o bem11.
Requisitos de legitimidade
▪ Cláusula de adequação
O meio utilizado tem de ser adequado, o que significa que tem de ser
idóneo para fazer cessar o perigo.
Ex.: Está a chover e uma pessoa tem um casaco todo estragado, mas tem
chapéu de chuva e outra pessoa tem um casaco caríssimo, mas não tem
chapéu: não há sensível superioridade do interesse se este tirar o chapéu
de chuva ao primeiro para proteger o seu casaco que é mais valioso.
Há uma diferença quantitativa, mas não pode haver direito de
necessidade, porque, do ponto de vista da posição de cada um destes
interesses na hierarquia dos bens jurídicos, não há uma sensível
superioridade qualitativa.
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O pensamento germânico invoca muitas vezes que esta ideia de necessidade da ação em alternativa a
outros meios de intervenção que não implicassem a lesão do bem jurídico do terceiro é requisito do
direito de necessidade, mas nunca pode ser requisito da legítima defesa (MFP discorda – tem de haver
necessidade da defesa).
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Nota 1: Pode acontecer que um bem pessoal seja, no conjunto dos interesses ponderados, menos
relevante → ex.: para se realizar uma operação de salvamento de bens de grande valor no incêndio, é
necessário dar um pequeno empurrão a alguém que está a tentar impedi-lo.
Nota 2: Alguma doutrina alemã defende que há certos bens cujo valor fica diminuído relativamente a
outros quando se verifica que a pessoa tem uma posição de garante – se tem uma posição de garante
relativamente a um bem, temos de integrar o seu dever de proteção na ponderação de interesses,
favorecendo, tendencialmente, quem tem o dever de garante em detrimento do lesado. MFP tende a
discordar deste tipo de critérios → O que está em causa não são posições pessoais, mas sim o próprio
valor dos bens jurídicos que suportam interesses juridicamente relevantes.
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Ex.: Tirar sangue à força a uma pessoa (sendo que isso não afeta a sua
integridade física) para salvar a vida a outra pessoa. Este exemplo passaria
pelo crivo da alínea b), mas não passará pelo da alínea c), porque se
entende que a disponibilidade do corpo integra aquele núcleo dos bens
essenciais da dignidade da pessoa que não podem ser sacrificados sem o
seu consentimento, não sendo exigível, numa lógica de ponderação de
valores, fazer submeter o lesado a esse tipo de sacrifícios contra a sua
vontade13.
Elemento subjetivo
Tem de haver, pelo menos, a consciência da situação de necessidade.
FD: Não tem de existir uma vontade de proteger.
Poderão interesses conflituantes de uma mesma pessoa caber no art. 34º CP?
Ex.: Uma pessoa atira um bebé, tentando salvá-lo numa situação de incêndio, para que
alguém o apanhe. Corre-se o risco de o bebé cair.
MFP: Nesta situação, embora os interesses conflituantes sejam da mesma pessoa, das
duas uma: ou consideramos que esta situação ainda é abrangida pelo direito de
necessidade ou consideramos que houve consentimento presumido.
Ex.: Quando estão em causa duas vidas, o agente tem de escolher salvar uma.
O critério não se afere pelos bens em causa, mas sim pela situação de inexigibilidade
vivida pelo agente de cumprir todos os deveres que sobre ele impendem.
O problema de saber qual é o dever que tem mais valor não depende apenas do bem
em causa, porque pode estar em causa a vida de várias pessoas, mas uma estar numa
situação mais gravosa do que outra (sendo o dever de a salvar mais vinculativo).
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FD: Discorda desta conclusão quanto a este exemplo em específico.
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➢ Mas pode haver, por exemplo, situações de conflito entre deveres de ação e
omissão. Nesses casos, como a lógica do conflito de deveres não é uma lógica
de mera ponderação de interesses ou bens jurídicos, mas uma lógica de
ponderação sobre o grau de vinculatividade, podemos imediatamente dizer que
quando há um conflito entre um dever de omissão e um dever de ação
(relativamente a bens de idêntico valor e igualmente vinculativos), prevalece,
em princípio, o cumprimento do dever de omissão sobre o dever de ação.
FD: Temos um dever de ação contra o dever geral de não ingerência em bens
jurídicos – conflito que deve ser resolvido nos termos do art. 34º.
Ex.: Agente consente em doar sangue ou participar num teste clínico – a sua
autonomia prevalece sobre a sua integridade física.
O valor da autonomia prevalece, para o Direito, sobre a integridade física e mesmo
sobre a vida (não obstante o direito não proteger estes bens por causa da
autonomia, mas sim porque eles são condições do valor essencial da igual
dignidade da pessoa humana – adquirem alguma objetividade14, embora
satisfaçam direitos subjetivos).
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Diferente do que acontece com o bem jurídico liberdade.
Nos casos de crimes contra a liberdade ou outros como os crimes contra a privacidade, a devassa da vida
privada ou a violação de segredo, havendo consentimento, não estará em causa verdadeiramente uma
causa de exclusão da ilicitude, mas sim a própria existência da razão significativa do bem jurídico → é um
problema de tipicidade.
Para dizermos que o consentimento constitui uma causa de exclusão da ilicitude, é necessário
conseguirmos desvincular um bem jurídico do significado que ele tem para o exercício da liberdade.
Quando conseguimos separar o valor do bem jurídico para o Direito da liberdade e autonomia, é que
poderemos fazer a ponderação de valores, colocando esse bem jurídico num prato da balança e a
autonomia no outro (havendo, eventualmente, consentimento do ofendido enquanto causa justificante).
MFP: Alguns crimes contra a liberdade podem entrar nesta categoria, havendo liberdade material (de ser
sujeito) vs. liberdade formal (autonomia): escravidão (159º CP), sequestro ou rapto (nestes dois últimos
é mais difícil conceber o consentimento).
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Pressuposto
O pressuposto é o ato de consentimento relativamente a um bem jurídico
disponível pelo seu titular, desde que o facto não seja contrário aos bons
costumes.
(3) O facto não pode ser contrário aos bons costumes – a lesão não pode
comportar uma gravidade e irreversibilidade tais, que a lei determine a
proteção do bem jurídico prevalecente sobre a autonomia do ofendido (ex.:
mutilação).
Requisitos
▪ Seriedade (n.º 2) – não pode ser algo que não corresponda a uma
declaração considerada como verdadeira; não pode ser uma qualquer
ironia ou brincadeira.
▪ Atualidade do consentimento
Elemento subjetivo
▪ Art. 38º/4 (consciência de que há consentimento do ofendido)
15
Nota: Só é indisponível face a atos de terceiros. O suicídio não consubstancia um facto típico e ilícito.
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Não podemos retirar, desta idade para consentir do art. 38º, consequências para todas as situações em
que na PE se exija o consentimento (ex.: nos crimes sexuais exige-se o consentimento e refere-se à
menoridade – nesses casos a falta de consentimento até faz parte da tipicidade.).
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Pressuposto
Dada a equiparação, o pressuposto é o mesmo que o do consentimento previsto
no art. 38º.
Requisitos
▪ Atualidade da presunção – a presunção tem de se referir ao momento da
prática do facto.
Por força de uma igualdade na proteção jurídica e da ideia de que não é exigível que as
pessoas deixem perecer os seus direitos é que nestas situações ainda se pode conceber
algum merecimento justificador, assumindo o Direito Penal que há uma espécie de não
proibição17 (causas de justificação fracas).
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a pessoa transporta uma bomba ou tem uma doença contagiosa sem saber) → a
agressão não seria ilícita.
Nestes casos, pode ser demasiado restritivo o art. 34º, porque este está pensado
para um lesado que não tem nada a ver com o assunto. Nos casos de estado de
necessidade defensivo, o lesado é inocente, mas é uma fonte de perigo.
Também nos casos em que se tem de abater um avião civil que foi tomado por
terroristas e se dirige contra uma torre – não se verifica a sensível superioridade,
mas pode haver estado de necessidade defensivo (supra legal).
Caso 2
B, ele próprio de quarentena por ser um caso suspeito, embora não confirmado, não tendo
o apoio de ninguém e não recebendo qualquer resposta das autoridades de saúde ou das
autoridades locais, desloca-se a um supermercado para comprar comida, com máscara e
luvas.
→ Haveria uma causa de justificação se a saúde ou vida da pessoa que vai ao
supermercado estivesse em causa e se outra solução comportamental não fosse possível
(se realmente não fosse possível recorrer a alguém que o auxiliasse, tivessem sido
esgotados todos os esforços e a pessoa se visse numa situação de carência alimentar) →
direito de necessidade (art. 34º CP).
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Caso 3
C, proprietário de um hostel, sabendo que D, um emigrante que vive no hostel está
infetado, impede-o de sair do quarto, fechando-o à chave.
→ Do mesmo modo, haveria uma situação de direito de necessidade, se a pessoa estivesse
na iminência de sair18.
Caso 4
D já saiu do quarto e está na sala de refeições do hostel, perto de outras pessoas. Para o
impedir de cumprimentar outra pessoa, C fecha o recinto para que ele não saia de lá.
→ Aqui, como a pessoa já iniciou um contacto com outros (já há uma agressão ilícita nos
termos da propagação contagiosa), já podemos admitir uma situação de legítima defesa.
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Caso 1
A dispara sobre B, supondo que este é um assaltante, mas, na realidade, B é a namorada
que tinha chegado tarde a casa.
→ Caso 1
Neste caso, temos uma situação do art. 16º/2 – 1ª parte CP (um erro sobre uma situação
ou sobre um estado de coisas que, a existir, excluiria a ilicitude do facto) → exclusão
do dolo da culpa.
Se os factos alegados fossem verdadeiros, haveria uma exclusão do dolo, nos termos do
art. 16º/2, havendo que discutir se ele teria tido toda a diligência (e oportunidade para a
ter) para averiguar quem estava na casa.
Caso 2
A dispara sobre o assaltante B que não estava armado, matando-o, quando poderia tê-lo
prendido apenas e chamado a polícia.
→ Este é um caso de excesso de legítima defesa – não há causa de justificação, mas,
dependendo das circunstâncias, poderá haver ou não atenuação (33º/1) ou exclusão da
culpa, se houver de facto uma situação de medo (33º/2).
Notar que o assaltante poderia reagir, no âmbito da legítima defesa, contra o agente.
Caso 3
A pensa, erradamente, que B é um assaltante, porque este tem uma máscara e, embora
tendo podido verificar que a pessoa não estava armada, dispara a matar.
→ Há aqui uma combinação de erro e de excesso – não há assalto e, se houvesse, haveria
excesso na defesa.
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Nota: Neste caso, o direito de necessidade (art. 34º CP) não está diretamente em causa. Está mais em
causa uma espécie de estado de necessidade defensivo ou de legítima defesa preventiva, visto que esta
privação da liberdade da pessoa, encerrando-a no quarto, é apenas provisória, enquanto não chegam as
autoridades de saúde.
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Há uma tendência, por vezes, para resolver estes casos mediante uma fórmula aritmética
– se há erro, exclui-se o dolo pelo 16º/2; se há excesso, aplica-se, conjugadamente, o art.
33º, atenuando a responsabilidade. ISTO É ERRADO.
▪ Se há erro, não há causa de justificação. Há ilicitude.
▪ O excesso previsto no art. 33º refere-se a uma situação justificante efetiva (em que
está verificado o pressuposto da causa justificante).
No máximo, podemos aplicar este artigo analogicamente a esta situação. Mas não
podemos atenuar mais intensamente a responsabilidade nos casos de erro e
excesso do que nos casos de mero excesso. Os casos de mero excesso é que serão
mais merecedores de atenuação, porque existe a situação justificante.
O que não pode acontecer é excluir o dolo, porque o erro excludente do dolo é
completamente superado pelo excesso.
Todavia, há casos em que a causa do excesso é o próprio erro (o agente pensa que a
agressão é superior). Nestes casos, já tem cabimento apelar ao art. 16º/2 CP, porque a
situação é muito mais próxima do erro sobre o pressuposto da causa justificante. Aqui, é
um erro sobre os requisitos, mas um erro que redefine totalmente a situação justificante.
Nota 1: No caso de excesso de legítima defesa putativa em que aplicamos por analogia o
art. 33º, se considerarmos que se aplica o art. 33º/2 (por haver um estado asténico) já não
vai haver punição pelo excesso (nem atenuada), sobrando-nos a legítima defesa putativa
(sem excesso) – aplicaríamos o art. 16º/2, visto haver um erro passível de excluir o dolo
da culpa. Só poderíamos então punir o agente por negligência.
Caso 4
A quer matar B porque tem um ajuste de contas a fazer, mas desconhece que este o vem
infetar com o COVID-19 e, objetivamente, acaba por impedir a infeção.
Caso 5
A preparou-se para matar o marido B (que vinha até embriagado, na perspetiva de a
agredir). Contudo, quando a porta é aberta, ela não dispara sobre o marido que a queria
matar, mas sim sobre C que a vinha assaltar armado.
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Nota, quando a agressão ainda não é atual, não há propriamente excesso, porque a defesa não se
desenvolve a partir de uma situação verificada de legítima defesa → nada obsta, no entanto, a que a
legítima defesa preventiva possa constituir uma causa de justificação supra-legal.
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Índice
1. Noção ........................................................................................................................................ 1
2. Erro........................................................................................................................................... 1
3. Efeitos das causas de justificação ........................................................................................... 2
4. Causas de justificação ............................................................................................................. 2
4.1. Legítima defesa ................................................................................................................. 2
4.2. Direito de necessidade ...................................................................................................... 6
4.3. Conflito de deveres ........................................................................................................... 9
4.4. Consentimento do ofendido ........................................................................................... 10
4.5. Consentimento presumido ............................................................................................. 12
5. Outras causas de justificação ............................................................................................... 12
5.1. Causas de justificação supra-legais............................................................................... 12
5.2. Causas de justificação previstas no Código Civil ........................................................ 13
6. Casos das aulas teóricas ........................................................................................................ 13
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